Resumo: a pedofilia, prática desvaliosa e pervertida que aflige menores pré-púberes ou não, embora cause atenção quando propalada pelos meios de imprensa, ainda carece de algumas reflexões concernentes às suas implicações penais, mormente quanto às dificuldades probatórias que a norteiam. Com efeito, este escrito procura colacionar aos nobres leitores algumas anotações sucintas sobre esse lastimável fenômeno social.
Palavras-chave: pedofilia; Polícia Judiciária; previsões penais; dificuldades probatórias.
Sinopse: Aspectos Congênitos da Pedofilia; Previsões Penais Relativas à Pedofilia; As Dificuldades Probatórias Enfrentadas pela Polícia Judiciária sobre a Temática em Epígrafe; Considerações Finais.
As flores chegam até a perfumar a mão que as esmaga. (V. Ghilka)
INTRODUÇÃO
A pedofilia[1], motiva, naturalmente, uma grande perturbação moral na sociedade, em decorrência da indignação, aversão ou repulsa que exsurgem do íntimo de qualquer ser humano perante temática de tão flagrante barbárie.
Todavia, é de se notar, o estudante não encontrará na legislação penal repressiva expressão direta a esse fenômeno, mas, isto sim, a tipos que com ele se relacionam.
Com efeito, a pedofilia é termo designativo à conduta desconsertada que encontra amplo debate em nossos anais da psicologia e da psiquiatria. Por isso mesmo, fez-se questão de trazerem-se referências dessa estirpe ao tema epigrafado já no primeiro capítulo deste redigido.
Após, veremos algumas previsões penais que abarcam condutas pedófilas e, por fim, virão à tona exposições concisas sobre a problemática probatória em torno deste assunto, porquanto é, geralmente, entre quatro paredes e na ausência completa de testemunhas que a consumação dos crimes de abuso sexual para com menores ocorre.
ASPECTOS CONGÊNITOS DA PEDOFILIA
A pedofilia[2] é também designada por meio dos termos paedophilia erotica ou pedosexualidade. Esse fenômeno social constitui-se em uma parafilia[3] na qual a atração sexual de um indivíduo adulto está direcionada primariamente em relação a crianças pré-púberes ou não. Diz-se primariamente, porque antes de sentir-se atraído por alguém do sexo oposto e com idade similar, o agente vê-se compulsivo por jovens de tenra idade.
Esse fenômeno é classificado pela Organização Mundial de Saúde[4] como uma desordem mental e de personalidade do indivíduo adulto, bem como um desvio sexual. Tem-se que o comportamento pedófilo é mais comum em torno do sexo masculino, o que se pode comprovar, até mesmo entre não-profissionais da área policial, pelos relatos noticiosos que estampam, de vez em quando, prisões escandalosas envolvendo sujeitos ativos deste sexo.
A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança[5],aprovada em 1989 pela Assembleia Geral das Nações Unidas[6], define que os países signatários devem tomar “todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas” adequadas à proteção da criança, inclusive no concerne à violência sexual, razão pela qual se percebe, na seara brasileira, a intensa preocupação do Estatuto da Criança e do Adolescente com a temática envolvendo a exploração sexual de menores.[7]
Consoante CROCE[8], pedofilia é o desvio sexual “caracterizado pela atração por crianças ou adolescentes sexualmente imaturos, com os quais os portadores dão vazão ao erotismo pela prática de obscenidades ou de atos libidinosos”. Como se vê, por meio de uma análise perfunctória da conceituação clínica desse desvio de conduta, percebe-se que o sujeito ativo dessa ilicitude pode sofrer de alguma anomalia mental, o que elidiria ou mitigaria a sua culpabilidade.
Todavia, é aí que se encontra um dos grandes entraves ao entendimento do fenômeno, qual seja ele, a confusão comparativa que se faz entre o pedófilo e o autor de crimes sexuais praticados contra menores. Efetivamente, se optarmos por uma análise clínica do termo, veremos que a maioria dos autores de abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes não são considerados clinicamente pedófilos, mas simples criminosos que se aproveitaram da vulnerabilidade casual de algum infante, como, p. ex., o pai que se aproveita da filha, quando a esposa está ausente. Temos, aí, em princípio, uma ilicitude eventual, motivada pelas circunstâncias, e não uma tendência sexual “primária”[9] de determinado autor por pessoas de tenra idade.
Dessa arte, a generalização do termo pedófilo a autores de crimes sexuais efetivados contra pessoas menores de idade é errônea, mas, a bem da verdade, já estabelecida coloquialmente. Cumpre salientar, ainda, que o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4th edition (DSM-IV), da Associação de Psiquiatras Americanos, aduz a definição de uma pessoa pedófila, mas especifica que a sua caracterização só se perfectibilizará, caso cumpram-se os três quesitos seguintes: 1- Por um período mínimo de seis meses, a pessoa deveria possuir intensa atração sexual, fantasias sexuais ou outros comportamentos de caráter sexual relativos a pessoas menores de 13 anos de idade; 2- A pessoa deveria apresentar desígnio de realizar seus desejos, sendo que o seu comportamento é seria afetado pelos seus próprios desejos e/ou referidos desejos acabariam causando estresse ou dificuldades intra e/ou interpessoais ao paciente; e 3- A pessoa possuiria mais do que 16 anos de idade e seria, no mínimo, cinco anos mais velha do que a(s) criança(s) citada(s) no primeiro critério.
Note-se, pois, que o ato sexual entre pedófilo e criança não necessita estar presente, sendo que uma pessoa poderá, perfeitamente, ser considerada clinicamente como pedófila apenas pela presença de fantasias ou desejos sexuais em sua mente, desde que configurados os três critérios supraditos.
Isso posto, o termo pedofilia é de conotação clínica, não penal, embora largamente seja utilizada nas manchetes policiais como sinônimo da prática de autores de abusos sexuais para com menores. Por sua vez, a legislação penal brasileira, acertadamente, não utiliza explicitamente referida terminologia, expondo, isto sim, em vários tipos penais, tipificações que abarcam como sujeitos passivos de crimes sexuais pessoas de tenra idade, como veremos no tópico seguinte.
PREVISÕES PENAIS RELATIVAS À PEDOFILIA
Em 1989, adotada pela ONU[10], a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, em seu artigo 19, expressamente obriga aos estados a adoção de medidas que protejam a infância e a adolescência do abuso, da ameaça ou da lesão à sua integridade sexual.
A legislação brasileira não estabelece tipificação específica atinente ao termo “pedofilia”. Todavia, o contato sexual entre adultos e crianças pré-púberes ou não se enquadra juridicamente em tipos penais tais como o estupro[11] e o atentado violento ao pudor[12].
Há, ainda, o tipo previsto no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente[13], que traz texto misto ou de conteúdo variado, ao estabelecer como crime a conduta de quem apresenta, produz, vende, fornece, divulga ou publica, por qualquer meio de comunicação, inclusive pela rede mundial de computadores (internet), fotografias ou imagens com pornografia[14] ou cenas de sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes.
Em verdade, a preocupação para com a proteção das pessoas menores de idade já veio consagrada na Constituição Federal brasileira em seu art. 227, onde consta que é dever não só do Estado, mas também da família e da sociedade, garantir meios ao desenvolvimento salutar da criança e do adolescente[15]. No seu parágrafo 4º, ainda, aquele dispositivo constitucional concede mais do que simples gênese ou escoro, mas imperativo inevitável à repressão de abusos envolvendo a temática em epígrafe por meio do estabelecimento de normas repressoras.[16]
Se bem procurarmos, decerto, outros tipos relacionados ao tópico do assunto especial tratado neste redigido exsurgirão, como bem ocorre com as previsões contidas nos arts. 240 e 244,A, do ECA[17]. Não obstante, o que se pretendeu neste ponto foi a exposição de que a legislação brasileira, sem gris algum, estabelece múltiplas hipóteses de enquadramento legal daquelas pessoas que incidem em atos desvaliosos consistentes no abuso sexual de menores, a despeito de não conter qualquer tipo específico relativo ao termo “pedofilia”. Nesse sentido, como antes se viu, é de fato errônea a utilização deste termo clínico de forma generalizada para com os autores de crimes sexuais praticados em desfavor de seres humanos de pouca idade, porquanto o pedófilo nem sempre é criminoso, pois pode nutrir fantasias sexuais envolvendo menores sem efetivá-las, bem como o sujeito ativo dos tipos exemplificados neste capítulo pode nunca haver tido atração “primária” por infantes, mas pode haver consumado crimes sexuais contra meninos ou contra meninas por motivos outros tais como estresse, problemas no casamento, ou, o que é mais comum, pela carência de um parceiro adulto.
Por fim, em torno do tema ainda há interessantíssimas questões processuais pontuais que abrilhantariam ainda mais a temática, como a discussão atinente à necessidade, ou não, de condição de procedibilidade naquelas hipóteses de violência presumida onde o ato teve o consentimento do sujeito passivo[18]. Não obstante, frise-se, o que se propôs nesta exposição foi apenas nortear o leitor a obter uma visão panorâmica acerca do real significado do termo pedofilia, as principais previsões legais referentes ao tema envolvendo a exploração sexual de menores e, como se verá adiante, as indesejadas dificuldades probatórias concernentes às atividades da Polícia Judiciária na busca pela comprovação da autoria e da materialidade destes ilícitos.
DIFICULDADES PROBATÓRIAS ENFRENTADAS PELA POLÍCIA JUDICIÁRIA SOBRE A TEMÁTICA EM EPÍGRAFE
Como agravante fastidioso que assola não só os menores de idade vítimas de crimes sexuais, mas também à Polícia Judiciária no seu essencial e precípuo papel tendente a elucidar a autoria e comprovar a materialidade de desvaliosos atos da espécie, estampa-se que essa ilicitude ocorre ordinariamente às escuras, longe dos olhos de testemunhas, onde, no mais das vezes, o único indício que se tem é a palavra da própria vítima[19].
Diz-se, aliás, que é um verdadeiro truísmo[20] afirmar que a palavra da vítima constitui-se em um elemento de suma importância na formação da prova em crimes contra os costumes, já que é elemento natural da conduta ser esta levada a efeito longe dos olhos de terceiros.
Nessa linha, não se há de olvidar que a prova pericial também resta muitas vezes prejudicada, porquanto, em tantos episódios, configuram-se sujeitos ativos do crime o próprio pai das vítimas, desumanos que são, onde, na ausência de demais familiares, aproveitam-se da sua prole acariciando as suas partes íntimas, não permitindo restarem indícios a serem coletados mais tarde, vendo-se, assim, depreciada a elaboração de perícia, em decorrência da ausência dos vestígios.
Fato ainda alarmante em nossa vida já tão privilegiada de recursos informáticos é o fenômeno que ocorre via internet, onde imagens e vídeos são lançados na rede mundial de computadores divulgando cenas de sexo explícito entre adultos e crianças.
Com efeito, há uma infinidade de programas de compartilhamento de arquivos disponíveis gratuitamente na rede mundial de computadores, tais como: iMesh, Ares Galaxy, eMule, µTorrent, Kazaa, BitTorrent, Alliance, Nakido, GenialGiFT, Gnutella, Turbo Torrent, BearShare, Lphant, Hello, BitTornado e Qnext. A problemática toda, pois, consiste no fato de que os programas de compartilhamento de arquivo, simplesmente, compartilham, rápida e gratuitamente, o vídeo e a imagem que o usuário bem entender em divulgar entre o seu computador e quaisquer outros computadores espalhados pelo mundo, desde que conectados à internet e com algum programa de compartilhamento em funcionamento. Caso deseje, por exemplo, que o seu vídeo seja capturado por um computador de um usuário que jamais desejaria assistir a um vídeo de pornografia infantil, basta nomear o referido arquivo de vídeo com um outro nome qualquer. Desta forma, o receptador inocente acreditará estar baixando para o seu computador um vídeo lícito, mas, na verdade, tratar-se-á de uma filmagem doentia envolvendo o estupro ou o atentado violento de uma criança de tenra idade. O pior de tudo, ainda, é o fato de que, ao deixar o seu computador ligado e baixando referido vídeo, sem imaginação acerca do seu verdadeiro conteúdo, automaticamente, e isso é o natural entre os programas de compartilhamento de arquivo, outros usuários do mundo todo já estarão também capturando automaticamente do computador desta inocente pessoa o referido vídeo, em uma ininterrupta relação de download[21] e upload[22].
Em assim sendo, percebe-se que uma pessoa inocente, sem imaginar, recebeu um vídeo criminoso e repassou-o a incontáveis outras pessoas, o que dificulta sobremaneira a sua responsabilização criminal. Claro, e isto é certo, a exemplificação supradita referiu-se a um arquivo com nomenclatura simulada e, deduz-se, assim que identificado fosse seria deletado incontinenti pelo usuário surpreendido.
Todavia, é preciso restar claro que o compartilhamento de arquivo por meio dos programas alhures referidos pode ocorrer de tal forma que, mesmo estando os vídeos ou imagens denominados com a expressão “pornografia infantil”, ainda assim a identificação dos seus usuários e propagadores criminosos é problemática, dada a celeridade com que as trocas ocorrem e em decorrência do cuidado com que os delinqüentes costumam levar a efeito seu comportamento criminoso separando em seus computadores, após as propagações, aqueles arquivos ilícitos compartilhados, removendo-os das pastas de download e de upload para uma pasta à parte daquelas próprias do programa de compartilhamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Isso posto, viu-se, neste ligeiro escrito, que a noção coloquial que imputa de forma generalizada aos crimes sexuais praticados contra menores como sendo a sua totalidade ocasiões de “pedofilia” é concepção equivocada, porquanto esse tipo de parafilia é termo clínico, não penal.
Viu-se, além disso, que vários tipos penais estão dispostos na legislação pátria, a fim de que não se veja isento de responsabilidade criminal aquele que satisfaz a sua lascívia aproveitando-se de criaturas humanas de tenra idade.
Por fim, foi possível visualizar-se, ainda, algumas dificuldades enfrentadas pela Polícia Judiciária na elucidação de crimes desta espécie, tanto naquelas hipóteses em que ninguém pôde testemunhar a conduta, porquanto efetivada longe dos olhos de terceiros, bem como, e isto é tão preocupante quanto, naquelas hipóteses onde os doentios autores de tamanha ilicitude resolveram, ousadamente, propagar ao mundo inteiro, por meio da rede mundial de computadores, as cenas repulsivas de suas atrozes condutas.
Delegado de Polícia Civil no RS. Doutorando em Direito (UMSA). Mestre em Integração Latino-Americana (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado (UNIFRA). Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos (FADISMA)
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