Tratado de extradição: Caso Battisti

Resumo: O caso Cesare Battisti ou Extradição n. 1.008 é um dos mais recentes casos de concessão de refúgio político no Brasil. Battisti foi militante de um grupo armado de orientação esquerdista durante o período que se convencionou chamar de “anos de chumbo” e foi acusado e condenado a prisão perpétua pela prática de quatro homicídios. Apreendido no Brasil a extradição de Battisti foi requerida pelo Estado italiano com base no tratado de extradição firmado entre a Itália e o Brasil. O italiano requereu o status de refugiado político alegando sofrer fundados temores de perseguição por motivos políticos e foi reconhecido como refugiado em recurso ao Ministro da Justiça. A principal discussão do caso Battisti gira em torno da possibilidade de extradição de uma pessoa reconhecida como refugiada e, consequentemente, se a decisão de concessão de refúgio é decisão política e soberana do Estado concedente ou se é ato administrativo passível de revisão e controle judicial. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu no dia 31 de dezembro de 2010 negar a extradição do ex-ativista. A decisão de Lula acontece mais de um ano depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizar a extradição de Battisti, mas deixar nas mãos do presidente uma decisão final sobre o assunto. Trata-se de análise do caso Cesare Battisti, extremamente relevante, levado a julgamento no Supremo Tribunal Federal, com manifestação do ex-Presidente da República Lula que repercutiu, sobremaneira, sobre a possibilidade de ter havido ofensa ao tratado internacional firmado entre o Brasil e o governo italiano bem como questões relevantes ao limite da soberania e poder dos tratados internacionais.

Palavras chaves: 1 – Cesare Battisti. 2 – Extradição. 3 – Supremo Tribunal Federal. 4 – Soberania. 5 – Tratados Internacionais

Abstract: The case Cesare Battisti or extradition n. 1.088 is one of the latest cases of granting political refuge in Brazil. Battisti was a militant armed group of leftist orientation during the so-called "years of lead" and was convicted and sentenced to life imprisonment for the commission of four murders. Seized in Brazil Battisti's extradition was requested by the Italian-based extradition treaty between Italy and Brazil. The Italian applied for political refugee status claiming to suffer founded fear of persecution for political reasons and was recognized as a refugee on appeal to the Minister of Justice. The main discussion of the Battisti case revolves around the possibility of extradition of a person recognized as a refugee and therefore the decision to grant refuge is political will and sovereign state grantor or is subject to an administrative review and judicial control. President Luiz Inacio Lula da Silva decided on December 31, 2010 denying the extradition of former activist. The decision to Lula happens more than a year after the Supreme Court (STF) to authorize the extradition of Battisti, but leave in the hands of the president a final decision on the matter. This is the case analysis Cesare Battisti, extremely relevant, on trial in the Supreme Court, with manifestation of the former President of the Republic that resonated Lula, greatly, about the possibility of there having been an offense against the international treaty signed between Brazil and Italian government as well as issues relevant to the threshold of sovereignty and power of international treaties.

Key words: 1 – Cesare Battisti. 2 – Extradition. 3 – Supreme Court. 4 – Sovereignty. 5 –Internacional Treaties

Sumário: Introdução. 1. Objetivos. 1.1. Objetivos gerais. 1.2. Objetivos específicos. 2. Revisão literárias. 2.1. Soberania. 2.1.1. Formação histórica. 2.1.2. Noção de soberania. 2.2. Tratados internacionais2.2.1. Conceito. 2.2.2. Efeitos jurídicos.2.2.3. Soberania em face dos Tratados Internacionais. 2.3. Extradição. 2.3.1. Conceito e fundamento jurídico. 2.3.2. A extradição no Brasil: reciprocidade e poderes constitucionais do Congresso. 2.3.3. Discrição governamental e obrigação convencional.2.3.4. Submissão ao exame jurídico2.3.5. Controle jurisdicional. 2.3.6. Legalidade da extradição. 2.3.7. Efetivação da entrega do extraditado.2.4. Asilo político. 2.4.1. Conceito e espécie2.4.2. Natureza do Asilo diplomático2.4.3. Disciplina do Asilo diplomático. 2.5. Caso Battista. 2.5.1. Cesare Battisti. 2.5.1.1. Biografia.2.5.1.1.1. Primeiro Julgamento. 2.5.1.1.2. Retorno à França. 2.5.1.1.3. Segundo Julgamento. 2.5.1.1.4. Refúgio no Brasil. 2.5.1.1.4.1. Concessão do refúgio. 2.5.1.1.4.2. Reação da Itália.2.5.1.2. Anuncio do julgamento do pedido de extradição.2.5.1.3. Julgamento do pedido de extradição. 2.5.1.4. Desfecho do caso. 2.5.1.5. A Libertação.2.5.2. Os votos.2.5.2.1. A decisão do Ministro relator Cezar Peluso.2.5.2.2. A decisão do Ministro Carlos Ayres Brito.2.5.2.3. A decisão do Ministro Ellen Gracie. 2.5.2.4. A decisão do Ministro Ricardo Lewandowiski.2.5.2.5. A decisão do Ministro Carmen Lúcia.2.5.2.6. A decisão do Ministro Eros Grau.2.5.2.7. A decisão do Ministro e Presidente do STF. Joaquim Barbosa.2.5.3. A Corte Internacional de Justiça (Haia). 2.5.3.1. A Itália anuncia decisão de recorrer a Haia.2.5.3.2. Negativa brasileira a uma comissão de investigação.2.5.3.3. Competência e jurisdição de Haia. Discussão. Conclusão. Bibliografia.

Introdução

A presente monografia aborda o pedido de extradição de Cesare Battisti feito pela República Italiana e que recebeu no Supremo Tribunal Federal a designação de Extradição nº 1.085 da República Italiana, a qual chegou a se deferida e por ato do Poder Executivo revogado, recebendo este cidadão italiano designação de exilado politico. Tais atos veem causando constantes desgastes políticos entre os governos brasileiro e italiano.

Battisti pertencia a um grupo de esquerda que optou pela luta armada na Itália na década de 70. Ele foi acusado e condenado à prisão perpétua em razão de quatro assassinatos, que, conforme o pedido da Itália, teriam sido: “homicídio premeditado do agente penitenciário Antonio Santoro, fato que aconteceu em Udine em 6 de junho de 1977; homicídio de Pierluigi Torregiani, ocorrido em Milão em 16 de fevereiro de 1979; homicídio premeditado de Lino Sabbadin, ocorrido em Mestre em 16 de fevereiro de 1979; homicídio premeditado do agente de Polícia, Andréa Campagna, ocorrido em Milão em 19 de abril de 1979”, valendo-se salientar que Legislação Italiana é omissão quando ao tema terrorismo, não sendo este tipo de ato previsto em tal Legislação razão está que os crimes de Battisti são tratados como homicídios premeditados.

Tendo-se foragido, Battisti esteve muitos anos na França, onde o ex-presidente francês François Mitterrand deu asilo político ao italiano. Com a eleição de Jacques Chirac, Battisti perdeu o asilo e fugiu de novo, fugindo do território francês logo em seguida. Veio parar no Brasil, para quem a Itália pediu sua extradição. Após ter início o processo de extradição perante o STF, o Ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu a condição de refugiado ao italiano. Entretanto, no julgamento da extradição, de forma preliminar, o Supremo Tribunal Federal declarou a nulidade absoluta do ato do Ministro da Justiça, afastando o óbice para que se apreciasse o mérito do pedido de extradição.

Por fim, o Supremo Tribunal Federal deferiu a extradição, mas a maioria dos Ministros fez com que se assentasse no Acórdão que a palavra final sobre a entrega do extraditando à Itália cabia ao Presidente da República que não estaria vinculado à decisão do Tribunal, mas teria de se ater aos termos do tratado assinado com o Estado requerente. Em decisão tomada no último dia de seu mandato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou a entrega do extraditando, fundamentado a decisão em parecer da Advocacia-Geral da União.

Por fim, ao ano de 2012 em votação, o Supremo Tribunal Federal, por decisão dá maioria, a decisão indeferiu o pedido de extradição solicitado pelo Governo Italiano. Com alegação que o mesmo Tribunal não possui Soberania Internacional para tomada de tal decisão, está de total e exclusiva autonomia do feche do Poder Executivo. Tais acontecimentos, levantam certas questões como os valores da Soberania das nações, validades de tratados internacionais quando contra tal Soberania e o poder e influência de órgão internacionais como o Tribunal Internacional de Haia, temas a serem abordados no referido trabalho acadêmico.

1. Objetivos

1.1. Objetivo geral

A presente monografia tem como objetivo geral, fazer uma breve analise sob questões referentes ao Direito Internacional em especial e sua instituição denominada Tratado de Extradição, analisar aspectos como a disputa entre está e a soberania das nações independentes, analisar o poder de atuação de órgão jurídicos internacionais como o Tribunal Internacional com sede em Haia, para isto este referido trabalho acadêmico tem como base a análise de um caso recente que trata do processo de extradição de um ex-militante de um grupo armado italiano de extrema esquerda acusado de 4 (quatro) homicídios premeditados na Itália na década de 70, Cesari Battisti.

1.2. Objetivos específicos

– Este trabalho tem como objetivo presentar conceitos básicos sobre soberania, tratados de extradição em especial Brasil/Itália e demais questões relevantes ao assunto.

– Realizar uma breve analise das legislações brasileiras, italianas e demais legislações de foro internacional no referido assunto tema.

– Ponderar sob as capacidades, limitações e demais influencias dos poderes executivos e judiciários tanto nacionais quanto internacionais.

– Analisar o polemico processo de extradição do ex-militante italiano Cesari Battisti.

– Por fim, através de leis, fontes doutrinarias, opiniões de especialistas da área e comparações de casos semelhantes, expor pontos e considerações importes sob referido Caso em questão.

2. Revisão literária

2.1. Soberania

2.1.1. Formação histórica

A palavra soberania teria advindo do latim super omnia ou de superanus ou ainda supremitas, o que coloquialmente pode ser entendido como o poder incontestável do Estado. Muito embora não se possa precisar a origem etimológica da palavra, supõe-se que venha de superanus, que por sua vez teria originado o termo suserano, que seria o nome do senhor feudal, detentor de outros feudos que lhe rendiam vassalagem ou lhe pagavam tributo.

Reporta-se à Grécia, onde o Estado, se antepondo e sobreponde ao individuo, satisfazia todas as necessidades do cidadão à formação histórica do conceito de soberania. As Cidades-Estados não possuíam decisões em poderes que afetasse sua unidade. Ao não distinguir o Estado das demais formas de sociedade, não viam a soberania moderna como hoje. Segundo David (2009, p.9) “Somente com a formação dos Estados nacionais é que a soberania moderna surgiu”. O próprio David especifica que:

“Coube aos reis de França, que internamente lutavam contra a resistência de unificação dos senhores feudais e, externamente, contra tutela da Igreja e a autoridade papal, consolidar a autoridade na pessoa do Rei, unificando o reino da França sob uma só coroa, iniciando o que hoje conhecemos como soberania” (2009, p.9).

A teoria da soberania teve repercussões importantes na estrutura do poder político, inaugurando a ideia que se tem hoje de Estado, em dois aspectos essenciais, o internamente e o externamente, para David (2009, p. 9) internamente “o soberano procedeu à substituição do poder fragmentado dos feudos e das autonomias locais, por uma relação sem intermediários entre os eu poder e o povo, passou a ocupar a posição absoluta de supremacia…” e no aspecto externo “o soberano passou a reconhecer outros soberanos como seus iguais – sem que existisse qualquer juiz sobre os Estados – cabendo-lhes decidir entre a guerra e a paz” (2009, p. 9).

2.1.2. Noção de Soberania

Diz RIZEK (2011, p. 259) “encontra-se sobre certo território bem delimitado uma população estável e sujeita à autoridade de um governo não basta para identificar o Estado enquanto pessoa jurídica de direito das gentes”, o próprio diz que “não se subordina a qualquer autoridade que lhe seja superior, não reconhece, em ultima analise, nenhum poder maior de que dependam a definição e o exercício de suas competências” (2011, p. 259). Fundamental para o Estado independente, a soberania o faz titular de competências que, precisamente porque existe uma ordem jurídica internacional, não são ilimitadas; mas nenhuma outra entidade possuem superiores.

Segundo RIZEK:

“A soberania não é apenas uma idéia doutrinária fundada na observação da realidade internacional existente desde quando os governos monárquicos da Europa, pelo século XVI, escaparam ao controle centralizante do Papa e do Sacro Império romano – germânico. Ela é hoje uma afirmação do direito internacional positivo, no mais alto nível de seus textos convencionais. A Carta de ONU diz, em seu art. 2, § 1º, que a organização “é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros”. A Carta da OEA estatui, no art. 3º, “f”, que “a ordem internacional é constituída essencialmente pelo respeito à personalidade, soberania e independência dos Estados”. De seu lado, toda a jurisprudência internacional, aí compreendido a da Corte de Haia, é carregada de afirmação relativa à soberania dos Estados e à igualdade soberana que rege sua convivência”. (2011, p. 260).

Soberania é uma concepção política que não pode ser limitada por nenhum outro poder. É una, integral e universal, não podendo sofrer restrições de qualquer tipo, salvo as decorrentes dos imperativos de convivência pacífica entre as nações soberanas no âmbito do Direito Internacional”(Maluf, 1999, pág. 29/30).

O art. 12 da Carta da Organização dos Estados Americanos dispõe que:

“A existência política do Estado é independente do seu reconhecimento pelos outros Estados. Mesmo antes de ser reconhecido, o Estado tem direito de defender a sua integridade e independência, de promover a sua conservação e prosperidade, e, por conseguinte, de se organizar como melhor entender, de legislar sobre seus interesses, de administrar os seus serviços e de determinar a jurisdição e a competência dos seus tribunais. Os exercícios desses direitos.”

O art. 13 da Carta da Organização dos Estados Americanos diz em seguida que:

“O reconhecimento significa que o Estado que o outorga aceita a personalidade do novo Estado com todos os direitos e deveres que, para um e outro, determina o direito internacional”.

Sob o que seria está soberania, vários doutrinadores a definem como uma concepção política, o poder absoluto, máximo do Estado livre, aquele poder que não pode ser limitado por nenhum outro poder.

“Soberania é uma concepção política que não pode ser limitada por nenhum outro poder. É una, integral e universal, não podendo sofrer restrições de qualquer tipo, salvo as decorrentes dos imperativos de convivência pacífica entre as nações soberanas no âmbito do Direito Internacional (Maluf, 1999, p. 29/30).

A soberania é uma concepção política, que somente mais tarde condensou-se numa índole jurídica. Não se descobriu este conceito no gabinete de sábios estranhos ao mundo. Sua existência se deve a forças muito profundas, cujas lutas constituem o conteúdo de séculos inteiros (Jellineck, 1954, p. 74).

As marcas definidoras da soberania segundo Bodin relacionava: Direito de Legislar; Direito sobre a paz e a guerra; Direito de escolher as altas autoridades; Direito supremo de justiça; Direito à finalidade e obediência; Direito de graça; Direito de cunhar as moedas; Direito de arrecadar impostos” (Verdú, 1983, p. 124).

O conceito de soberania a princípio parece de fácil determinação, mas tal conceito não é estático, pois como demonstrado, o conceito de soberania é um dos mais obscuros e controvertidos.

“Soberania é tanto a força ou o sistema de forças que dá nascimento ao Estado Moderno e preside o seu desenvolvimento, quanto à expressão jurídica dessa força no Estado constituído segundo os imperativos éticos, econômicos, religiosos etc., da comunidade nacional, mas não é nenhum desses elementos separadamente: a soberania é sempre sócio – político – jurídica, ou não é soberania. É esta necessidade que nos permite considerar concomitantemente os elementos da soberania que nos permite distingui-la como uma forma de poder peculiar ao estado Moderno”. (Reale, 2000, p. 139).

Como bem ensina Rosemiro Pereira Leal, a soberania como poder emerge da ordenação jurídica positiva que regula o ente estatal.

“A ordenação é que diz o que é soberania e o jurista é que vai dizer se os princípios configuradores da soberania na ordenação legislada são compatíveis com os conceitos históricos que representam o elenco das conquistas e aspirações sociais, políticas e jurídicas da humanidade no campo dos Direitos fundamentais: Direito à vida, à dignidade, ao livre pensar, ao sufrágio universal, à privacidade, à imagem, à liberdade, à cidadania, ao contraditório, ao due process of law e tantos outros”. (Leal, 1996, p. 35).

2.2. Tratados internacionais

2.2.1. Conceito

De acordo com RIZEK (2007, p.7 a 9) “um tratado internacional é um acordo resultante da convergência das vontades de dois ou mais sujeitos de direito internacional, formalizada num texto escrito, com o objetivo de produzir efeitos jurídicos1 no plano internacional”. Ou seja, o tratado é um meio pelo qual sujeitos de direito internacional – principalmente os Estados nacionais e as organizações internacionais – estipulam direitos e obrigações entre si.

MAZZUOLI cita que:

“Com o desenvolvimento da sociedade internacional e a intensificação das relações entre as nações, os tratados tornaram-se a principal fonte de direito internacional existente, e atualmente assumem função semelhante às exercidas pelas leis e contratos no direito interno dos Estados, ao regulamentarem as mais variadas relações jurídicas entre países e organizações internacionais, sobre os mais variados campos do conhecimento humano. Os Estados e as organizações internacionais (e outros sujeitos de direito internacional) que celebram um determinado tratado são chamados “Partes Contratantes” (ou simplesmente “Partes”) a este tratado”. (2012, p. 128)

Os tratados assentam-se sobre princípios costumeiros bem consolidados e, desde o século XX, em normas escritas, especialmente a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT), de 1969. Dentre estes princípios, destacam-se o princípio lógico-jurídico pacta sunt servanda (em latim, literalmente, “os acordos devem ser cumpridos”) e o princípio do cumprimento de boa fé, ambos presentes no costume internacional e no artigo 26 da CVDT. Uma outra Convenção de Viena, de 1986, regula o direito dos tratados celebrados entre Estados e organizações internacionais, e entre estas.

2.2.2. Efeitos jurídicos

Se devidamente celebrado e ratificado, os tratados geram direitos e obrigações para as Partes Contratantes, no plano internacional. Ou seja, a partir da ratificação, o tratado é obrigatório para as Partes. Em alguns países, o seu direito constitucional exige ainda um passo adicional para que os termos do tratado sejam aplicáveis pelos órgãos internos do Estado: a promulgação.

Como regra geral, o tratado não pode aplicar-se a Estados que dele não fazem parte: pacta tertiis nec nocent nec prosunt.

2.2.3. Soberania em face dos tratados internacionais

Como dito anteriormente, a soberania é um atributo fundamental do Estado, atributo este limitado, uma vez ser o Estado sujeito do Direito Internacional.

“Todo processo de integração tem, como fundamento básico, a transferência cadenciada da soberania estatal para órgão e instituições supranacionais. Tal assertiva, não é condição indispensável à formação desses espaços, mas mecanismo catalizador para uma rápida e eficiente realização dos objetivos definidos pelos tratados instituidores das áreas de integração”. (Nohmi, 2003, p. 19).

De acordo com o conceito de NOHMI, o Estado transfere de forma cadenciada parte da sua soberania a um órgão ou instituição supranacional.

Mas como pode o Estado transferir parte da sua soberania se esta é um dos seus atributos fundamentais? Essa pergunta não é de fácil resposta, uma vez que o conceito de soberania é inerente à ideia de Estado. Procurando desta forma, analisar a relação existente entre o Direito Interno dos Estados e o Direito Internacional, podemos apontar as teorias monista e dualista.

A teoria monista, que se assemelha muito à teoria defendida pelo jurista Hans Kelsen, vislumbrava a existência de uma única ordem jurídica que compreendia as normas de Direito Interno e as normas de Direito Internacional.

Pressupõe-se dessa forma, que todas as normas pertenceriam a um único sistema jurídico precedidas de uma mesma norma fundamental.

“Uma norma superior pode determinar em detalhe o processo segundo o qual as normas inferiores deverão se criadas, ou então conferir a uma autoridade o poder de criar normas inferiores de acordo como o seu arbítrio. Desta última maneira, o Direito Internacional forma a base da ordem jurídica nacional. Ao estipular que um indivíduo ou grupo de indivíduos capazes de obter obediência permanente à ordem coercitiva por eles estabelecida devem ser considerados autoridades jurídicas e legítimas, o Direito Internacional “delega” poder às ordens jurídica nacionais cujas esferas de validade ele, desse modo, determina.” (Kelsen, 1998, p. 357).

A teoria dualista prevê, entretanto, a existência de dois ordenamentos jurídicos distintos, sendo um interno e um internacional.

Estes dois ordenamentos jurídicos teriam surgido de fontes jurídicas diferentes e se destinariam à sujeitos de Direito diferentes, sendo que as normas de Direito Internacional poderiam ser recepcionadas pelas normas do Direito Interno, cabendo a cada Estado, na conformidade das suas leis internas, resolver os eventuais conflitos entre essas normas.

Mas ao ratificar as normas de um tratado, perderia este Estado a sua soberania, ou pelo menos, parte dela?

A questão é controversa, principalmente se for considerado os primitivos conceitos de soberania.

A soberania é um instituto que no início vinculava-se à ideia de poder, de supremacia.

A soberania seria estabelecida através de uma ordem estatal, que não poderia ser submetida à outra ordem de nenhuma espécie, inadmitindo-se a interferência de outros Estados soberanos.

A soberania, a superioridade ou a predominância do Estado não admitia a subordinação a outro ente.

Se algum ente era soberano, ele era supremo, não existindo nada acima, nenhum poder maior. Por isso, o ser soberano poderia tudo e não devia satisfação a ninguém.

Mas com o surgimento do conceito contemporâneo de Estado, o conceito de soberania também precisa ser revisto, pois como poderiam coexistir dois ou vários entes soberanos, se o ente soberano pode tudo?

Assim, poder ia-se verificar uma nova abordagem da teoria Hobbesiana.

Vários Estados Soberanos, com o objetivo de chegar à civilidade, celebrariam tratados para não se destruírem. Surgiria assim, um Leviatã supranacional.

Não é tão simples quanto parece.

Os Estados não abrem mão da sua soberania quando realizam tratados, muito pelo contrário.

Não há o surgimento de um Leviatã supranacional.

Um tratado não é a gênese de um novo Leviatã ou a decadência do Estado soberano.

O tratado é sim, a representação de povos diversos, vivenciando fins/objetivos comuns.

Sabe-se que o destinatário maior de uma norma interna é o homem, sendo o mesmo, destinatário das normas de um tratado internacional.

Assim, a soberania é “o poder que tem uma nação de organizar-se livremente e de fazer valer, dentro do seu território, a universalidade de suas decisões, para a realização do bem comum”. (Reale, 2000, p. 139).

Com o advento do Direito Internacional, a soberania dos Estados sofre limitações cada vez maiores, mas o Estado não a perde.

Talvez fosse aconselhável mudar o termo de Estado Soberano para Estado Livre, mas desta forma, o conceito de soberania seria reduzido quase que ao conceito de autonomia.

“Assim sendo, a existência do Direito Internacional é mais um elemento para tornar sempre mais relativa a soberania do Estado. Não há que se questionar que os Estados passaram, assim, por exigências da paz, da civilização e do bem comum internacional, a imprimir novo modo de ser à sua própria legislação constitucional, devendo a soberania do Estado entender-se em forma adequada à necessidade suprema da paz, da ordem e da justiça entre os Estados. Adequar-se, mas, não desaparecer.” (Abagge de Paula, 2000, p. 121).

Visualizando as várias exigências do mundo contemporâneo, percebe-se a necessidade dos povos em se reagruparem, criando desta forma organismos internacionais cada vez mais presentes, em virtude dos quais, o Estado deve, sem abdicar da sua soberania, sacrificar certos interesses.

No cenário internacional, as diversas formas de relações entre os Estados não podem ser em diferentes níveis, pois não há um poder maior que se sobreponha a todos. A relação é entre um Estado soberano e outro Estado soberano.

O que não pode ser permitido é que um Estado se submeta a outro, pois desta forma, estaria descaracterizada a sua soberania.

Com tudo isso, a conceituação tradicional utilizada pela doutrina para caracterizar a soberania deve ser revista.

A soberania não pode ser entendida apenas como o poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas ou da autodeterminação estatal.

A própria atribuição à soberania como poder uno, indivisível e inalienável deve ser remodelada, tendo em vista o novo paradigma inerente aos trados internacionais.

Este processo de integração dos Estados, que se dá através dos tratados internacionais pode ser entendido como Direito Comunitário ou, Direito Extranacional de relativização da soberania estatal em favor de um objetivo comum.

Este Direito Comunitário deve ser entendido como Extranacional e não Supranacional, pois se desta forma fosse, surgiria um ente maior e por isto, soberano em relação aos Estados.

A soberania deve ser vista então como uma plenitude de competência, expressando e tendo reconhecido o seu poder no cenário internacional.

O que se busca é revitalizar o conceito de soberania, pois a mesma não está posta no texto constitucional, mas sobreposta.

2.3. Extradição

2.3.1. Conceito e fundamento jurídico

Trata-se de um processo oficial pelo qual um Estado e obtém de outro a entrega de uma pessoa condenada por, ou suspeita de infração criminal, ou como definido por RIZEK (2011, p. 2013) “Extradição é a entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de pessoa que em seu território deva responder a processo penal ou cumprir pena”.

O direito internacional entende que nenhum Estado é obrigado a extraditar uma pessoa presente em seu território, devido ao princípio da soberania estatal. Por este motivo, o tema costuma ser regulado por tratados bilaterais que podem gerar, a depender da redação, este tipo de obrigação.

A pessoa em processo de extradição chama-se extraditando. O Estado que solicita a extradição denomina-se “Estado requerente” e o que recebe o pedido, “Estado requerido”.

Em seu fundamento jurídico, alega-se que todo pedido de extradição há de ser um tratado entre dois países envolvidos, no qual se estabeleça de determinados pressupostos, dar-se-á a entrega da pessoa reclamada[1], “na falta de tratado, o pedido de extradição só fará sentido se o Estado de refugio do individuo for receptivo – à luz de sua própria legislação – a uma promessa de reciprocidade” (RIZEK, 2011, p. 231), ou seja, neste caso, não havendo tratado, a reciprocidade opera como base jurídica da extradição quando a um Estado submete-se a outro, um pedido de extradição a ser examinado à luz do direito interno deste último, prometendo acolher, no futuro, pedido que transitem em sentido inverso.

2.3.2. A extradição no Brasil: reciprocidade e poderes constitucionais do Congresso

A exemplo de qualquer promessa, a de reciprocidade em matéria sob âmbito de extradição tanto pode ser acolhida quanto rejeitada, sem fundamentação, pego governo brasileiro. Como lembrado por RIZEK (2011, p. 232) “O governo pode, mesmo, declinar de promessas feitas, em caso concreto, por país cujas solicitações anteriormente tenham melhor êxito”. Observando a regra constitucional que subordina à aprovação do poder Legislativo, os tratados e atos internacionais celebrados pelo presidente da República, na qualidade de relator da Extradição 272-4, manifesta-se o ministro Victor Nunes Leal:

“O melhor entendimento da Constituição é a que se refere aos atos internacionais de que resultem obrigações para o nosso país. Quando muito, portanto, caberia discutir a exigência da aprovação parlamentar para o compromisso de reciprocidade que fosse apresentado pelo governo brasileiro em seus pedidos de extradição. Mas a simples aceitação da promessa de Estado estrangeiro não envolve obrigação para nós. Nenhum outro Estado à falta de norma convencional, ou de promessa feita pelo Brasil (que não é este o caso), poderia pretender um direito à extradição, exigível do nosso país, pois não há normas de direito internacional sobre extradição obrigatória para todos os Estados” (caso Stangl, RTJ 43/193).

2.3.3. Discrição governamental e obrigação convencional

Embora aberta à possibilidade de uma recusa sumária sob a promessa de reciprocidade, ocorre porém, que se encontra em tratado, o pedido não tal recusa. Segundo RIZEK (2011, p. 232) “há, neste passo, um compromisso que ao governo brasileiro incumbe honrar, sob pena, de ver colocada em causa sua responsabilidade internacional”. Não obstante, o compromisso tão somete priva o governo de qualquer arbítrio, determinando que submeta ao Supremo Tribunal Federal a demanda, e obrigando-o a efetivar a extradição deste que o Estado requerente se prontifique ao atendimento dos requisitos da entrega do extraditado de acordo com o art. 91 da Lei n. 6.815/80:

“Art. 91. Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)

 I – de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido;

 II – de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;

 III – de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação;

 IV – de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; e

 V – de não considerar qualquer motivo político, para agravar a pena”.

2.3.4. Submissão ao exame judiciário

Sob a hipótese que o governo, sendo livre de obrigações convencionais, decida pela recusa sumária, impõe-se lhe a submissão do pedido ao crivo judiciário, o que é justificado, na doutrina internacional, pela elementar circunstância de se encontrar em causa a liberdade do ser humano. A Constituição Federal Brasileira, ao cobrir as garantias tanto aos nacionais quando aos estrangeiros residentes no país, defere ao Supremo o exame da legalidade da demanda extradicional[2]. A fase judiciária do procedimento está situada entre duas fases governamentais, inerentes à primeira à recepção e ao encaminhamento do pedido, e a segunda à efetivação da medida, ou, indeferida está, simples comunicação do fato ao Estado interessado. Questiona-se se a faculdade da recusa, quando presente, deve ser exercida pelo governo antes ou depois do pronunciamento do tribunal. Talvez fosse isso o bastante para que, cogitando do indeferimento, o poder Executivo não fizesse esperar sua palavra final. Há uma impressão que o pedido ao tribunal traduz aquiescência da parte do governo. Nasceu assim, como era de se esperar, por força de tais fatores, no Supremo Tribunal Federal, o costume de se manifestar sobre o pedido de extradição em termos definitivos. Não se limita, assim, a declará-la viável, qual se entendesse que depois de seu pronunciamento o regime jurídico do instituto autoriza ao governo uma decisão discricionária.

2.3.5. Controle jurisdicional

Ao receber do governo o pedido de extradição e as peças em anexo, o presidente do Supremo o faz autuar e distribuir, e o ministro relator determina a prisão do extraditando. Tem inicia a um processo o qual o Estado requerente não é tido como parte, e há atuação do Ministério Público em restrita fiscalização da Lei[3]. Ao primeiro, como lembrado por RIZEK (2011, 234) “tem o Tribunal concedido a prerrogativa de se fazer representar por advogado”.

Durante o processo de extradição n. 270, RTJ 45/636 (caso Beddas), que essa admissão constitui ato de cortesia, paralelamente inspirado no interesse da própria corte em, provida de maiores subsídios, melhor se habilitar à aplicação do direito à espécie.

Salienta-se que a defesa do extraditado não pode explorar o mérito da acusação, Rizek diz:

“Ela será impertinente em tudo quanto não diga respeito à sua identidade, à instrução do pedido ou à ilegalidade da extradição à luz da lei especifica. Rara é a afirmação de que o individuo preso ao dispor da corte e o individuo reclamado não são a mesma pessoa (caso Borsani, Extr. 310; caso Valiente, Extr. 330). Constantes, por outro lado, são as críticas à correção formal do pedido ou à sua legalidade” (2011, p. 235).

2.3.6. Legalidade da extradição

No processo de extradição é apurado na presença de seus pressupostos, arrolados na lei interna e no tratado acaso aplicável. RIZEK (2011, p. 235) lembra que “os da lei brasileira coincidem, em linhas geras, com os da maioria das restantes leis domesticas e dos textos convencionais contemporâneos”.

Um desses pressupostos diz respeito à condição pessoal do extraditando, vários deles ao fato que se lhe atribui, e alguns outros, finalmente, ao processo que contra ele tem ou teve curso no Estado requerente. Sob tais pressuposto, diz Rizek:

“O pressuposto atinente à pessoa do extraditado tem a ver com sua nacionalidade: o Brasil é um dos países majoritários que somente extraditam estrangeiros. Essa regra, absoluta até 1988, comporta agora exceções. A nova Constituição autoriza a extradição do brasileiro naturalizdo, por crime anterior à naturalização ou por tráfico de drogas – neste segundo caso independente da cronologia” (2011, p.236).

Quanto ao fato determinante da extradição RIZEK (2011, p.236) diz que “será necessário crime, de direito comum, de certa gravidade, sujeito à jurisdição do Estado requerente, estranho à jurisdição brasileira, e de punibilidade não extinta pelo decorro do tempo”. A regra, serve para deixar claro que a extradição pressupõe processo penal, não se afastando a força a migração do acusado em processo administrativo, do contribuinte relapso, ou do alimentante omisso, entre outros.

RIZEK enumera da seguinte forma:

“a) O fato, narrado em todas as suas circunstâncias, deve ser considerado crime por ambas as leis em confronto. Pouco importam as variações terminológicas (que possam advir das diferenças culturais, por exemplo), e irreleva, até mesmo, a eventualidade de que no Estado requerente o classifiquem na categoria intermediária dos “delitos”. José Frederico Marques ensina que “a dupla incriminação, na sistemática de nosso direito penal interno, se reflete e focaliza não apenas sobre a tipicidade, mas também sobre o jus puniendi. O tribunal denegaria, por exemplo, a extradição do menor de dezoito anos reclamado, por homicídio, pela Argentina ou pelos Estados Unidos da América. Os três sistemas penais igualmente tipificam o fato de “matar alguém”. Instruída, porém, pela minuciosa narrativa que a lei lhe manda submeter, saberá a corte que aquele ato concreto carece, entre nós, do requisito da punibilidade.

b) A extradição pressupõe crime comum, não se prestando à entrega forçada do delinquente político. Ao tribunal incumbe, à luz do critério da preponderância, qualificar os casos fronteiriços, e isso dá ensejo, eventualmente, à divisão de vozes. Assim, a extradição de Eduardo Firmenich à argentina, em 1984, foi concedida por maioria, após cerrado debate (Extr. 417, RTJ 111/13).

c) Um mínimo de gravidade deve revestir o fato imputado ao extraditando, e esse se apura à base única da lei brasileira. Frustra-se a extradição quando nossa lei penal não lhe imponha pena privativa de liberdade, ou quando esta comporte um máximo abstrato igual ou inferior a um ano.

d) O fato delituoso determinante do pedido há de estar sujeito à jurisdição penal do Estado requerente, que pode, acaso, sofrer a concorrência de outra jurisdição, desde que não a brasileira. Nesta última hipótese o acervo informativo servirá para instruir o processo que aqui deva ter curso no foro criminal. Faz alguns anos, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal vem abrandando o rigor da regra, e preferindo conceder a extradição, notadamente a traficantes de drogas, quando não se tenha ainda instaurado no Brasil algum processo pelos mesmos fatos, ainda que lhes pareça aplicável, em princípio, nossa lei penal.

e) Pressuposto final, dentre os relativos ao fato imputado ao extraditando, é que ele não tenha sua punibilidade extinta pelo decurso do tempo, quer segundo a lei do Estado requerente, quer conforme a lei brasileira. Havendo pedido vista dos autos da Extradição 267 (caso Bogev, RTJ 50/145), teve o ministro Thompson Flores ocasião de ponderar que a prescrição deve ser perquirida, separadamente, à luz de uma ou de outra das leis em confronto. Concluindo: “Viável não se torna a formar um terceiro sistema, conjugando as duas leis que, em regra, obedecem a princípios diferentes, para adotar um híbrido e com ele solver a tese da prescrição”.

Os pressupostos finais da extradição têm a ver com processo penal que, na origem, tem, ou teve curso contra o extraditado, observa-se que no segundo caso, uma sentença final de privação de liberdade é declarada por lei, outra observação importante é sob está sentença final que não deve ser entendida necessariamente com sentença transitada e julgada, devido a diversidade dos sistemas jurídicos, nos quais a indisponibilidade do condenado impedi que a decisão jurídica se torne irrecorrível. Por fim, como citado por Rizek “sem sua maioria, as extradições deferidas pelo Brasil se enquadram no modelo instrutório, caso em que a lei exige estar a prisão do extraditando autorizada por juiz, tribunal ou autoridade competente” (2011, p.239).

É de suma importância, lembrar que é impedida a extradição a perspectiva de que o Estado postulante, o extraditando se deva sujeitar a tribunal ou juízo de exceção. RIZEK (2011, p. 239) completa “Nenhuma incumbência poderia ser, para o Supremo, mais áspera que o pronunciamento sobre a matéria”, pois aqui não se trata de enfocar um crime, nele vendo caráter politico ou comum.

Conclui-se aqui que, trata, antes de tudo, submeter a juízo a autoridade judiciária que um Estado investiu no poder decisório, havendo-a, conforme o caso, por regular ou por excepcional.

3.3.7. Efetivação da entrega do extraditado

Quando negada a extradição pela corte, o extraditado é libertado e o próprio Executivo possui o dever de informar ao Estado requerente. Já quando deferida, incumbe-se a efetiva-la, antes de exigir a assunção de certos compromissos, formalizando-se assim, o múltiplo compromisso, e, se for o caso, superando algum débito do extraditado perante a justiça brasileira. RIZEK, lembra relevantes aspectos quando a entrega do extraditado:

“O Estado requerente deve nesse momento, se não houver feito antes, prometer ao governo local (a) que não punirá o extraditando por fatos anteriores ao pedido, e dele não constantes: tal a consequência do velho princípio da especialidade da extradição; (b) que descontará, na pena, o período de prisão no Brasil por conta da medida: tal operação que leva o nome de detração; (c) que transformará em pena privativa de liberdade uma eventual pena de morte; (d) que não entregará o extraditando a outro Estado que o reclame sem prévia autorização do Brasil; e finalmente (e) que não levará em conta a motivação política do crime para agravar a pena. O romantismo retórico deste último requisito contrasta com a utilidade operacional dos demais”. (2011, p. 240)

2.4. Asilo político

2.4.1. Conceito e espécies

Segundo RIZEK (2011, p. 250) o conceito de asilo político “é o acolhimento, pelo Estado, de estrangeiro perseguido alhures – geralmente, mas não necessariamente em seu próprio país patrial – por causa de dissidência política, de delitos de opinião, ou por crimes que, relacionados com a segurança do Estado, não configure quebra do direito penal comum”, o próprio RIZEK complementa “isto é, no quadro dos atos humanos que parecem reprováveis em toda parte, independente da diversidade dos regimes políticos” (2011, p. 250).

Segundo doutrina majoritária, entre eles RIZEK, ACCILY, SILVA e CASELLA, o asilo politico é territorial, ou seja, concede-o o Estado àquele estrangeiro que, havendo cruzado a fronteira, colocou-se no âmbito espacial de sua soberania, e aí requereu o beneficio. Em toda parte, se reconhece a legitimidade do asilo político territorial, e a Declaração Universal dos Direitos do Homem – ONU, 1948 – faz-lhe referência.

Observa-se que é praticada na América Latina uma modalidade de asilo político provisório conhecido como asilo diplomático.

2.4.2. Natureza do Asilo diplomático

Destaca-se, antes de tudo, que a asilo diplomático, é o fato de que ele constitui uma exceção à plenitude da competência que o Estado exerce sobre seu território. Com efeito contrário, nos países que não reconhecem essa modalidade de asilo político – e que constituem larga maioria –, toda pessoa procurada pela autoridade local que entre no recinto de missão diplomática devem ser de imediato restituída, pouco importando saber se se cuida de delinquente políticos ou comum[4]. Segundo RIZEK (2011, p. 252) “naturalmente, o asilo político nunca é diplomático em definitivo: está modalidade significa apenas um estado provisório, mas sim uma ponte para o asilo territorial”.

2.4.3. Disciplina do Asilo diplomático

Codificado (embora incompleto) pela Convenção de Havana de 1928, a de Montevidéu de 1933 e a de Caracas de 1954, está mais apurada que as precedentes. Possuindo os mesmos pressupostos do Asilo Territorial, que são: a natureza política dos delitos atribuídos ao fugitivo, e a atualidade da persecução, chamada nos textos convencionais, de estado de urgência. Os locais onde esse asilo pode dar-se são as missões diplomáticas, não as repartições consulares, e, por extensão, os imóveis residências cobertos pela inviolabilidade nos termos da Convenção de Viena de 1961; e ainda, segundo o costume, os navios de guerra porventura acostados ao litoral. A autoridade asilante, via de regra o embaixador, examinará a ocorrência dos dois pressupostos referidos e, se os entender presentes, reclamará da autoridade local um salvo-conduto, com que o asilado possa deixar em condições de segurança o Estado territorial para encontrar abrigo definitivo no Estado que se dispõe a recebê-lo.

2.5. Caso Battisti

2.5.1. Cesare Battisti

Cesare Battisti nasceu em 18 de dezembro de 1945, na cidade italiana de Cisterna di Latina, é um “ex-ativista italiano, antigo membro dos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), grupo armado de extrema esquerda, ativo na Itália no fim dos anos 1970” – os chamados anos de chumbo – período marcado pela violência política, tanto por parte de organizações da extrema esquerda como da extrema direita”, (Zampier, Agência Brasil < http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-10-13/procurador-no-df-pede-deportacao-de-cesare-battisti>, acesso em: 23 de maio de 2013).

Em 1987, Battisti foi condenado pela justiça italiana à prisão perpétua, com restrição de luz solar, pela autoria direta ou indireta dos quatro homicídios atribuídos aos PAC – além de assaltos e outros delitos menores, igualmente atribuídos ao grupo. Considerado terrorista na Itália, embora o delito de terrorismo não seja tipificado na legislação italiana, se declara inocente.

Viveu na França, onde trabalhou como escritor, editor e zelador de um prédio. Por duas vezes, reiterados pedidos de extradição foram negados pela Corte de Acusação de Paris, até que, em fevereiro de 2004, o Conselho de Estado da França analisou novo pedido e autorizou que Cesare Battisti fosse extraditado.

Antes que o decreto fosse assinado, Battisti fugiu para o Brasil. Em 2007 o governo da Itália apresentou o pedido de extradição, seguindo-se a prisão preventiva de Battisti. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal autorizou a extradição, mas definiu que a decisão final caberia ao presidente da República. Battisti permaneceu preso no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília até dezembro de 2010.

Em 31 de dezembro, mediante nota divulgada pelo Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que decidira não conceder a extradição do ex-militante italiano. A decisão teve grande destaque nos meios de comunicação italianos, e foi duramente criticada pela imprensa e pelo governo do país, que anunciou a convocação do seu embaixador em Brasília.

Em 8 de junho de 2011, o Supremo Tribunal Federal finalmente decidiu, por 6 (seis) votos a 3 (três), pela libertação de Battisti.

2.5.1.1. Biografia

Filho e neto de comunistas, a mãe, porém, era uma católica fervorosa. Na casa onde habitavam o casal e os seis filhos (quatro homens e duas mulheres) havia na sala um retrato de Stalin, que o filho mais novo, Cesare, quando pequeno, imaginava ser um santo católico.

Entre 1968 e 1971, frequentou o liceu clássico e acompanhou as atividades de militância do irmão maior, Giorgio, no Partido Comunista Italiano e em sindicatos. Participou, ainda muito novo, da juventude do PCI e das agitações estudantis de 1968. Abandonou os estudos em 1971, afastando-se do PCI pouco tempo depois, para aderir, ainda durante a adolescência, à Lotta Continua (LC), movimento da esquerda extraparlamentar italiana, ativo entre 1973 e 1979. Após sair da LC e participar de alguns squats, aderiu à Autonomia Operária. Foi preso pela primeira vez em 1972, por furto, em Frascati. Em 1974 foi novamente preso e condenado a seis anos de prisão, por assalto a mão armada. Libertado em 1976, em 1977 foi preso novamente. Na prisão de Udine, conheceu Arrigo Cavallina, ideólogo dos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), que o introduz na organização.

Sob a vida clandestina de Battisti, Conte descreve:

“Battisti passou à clandestinidade, estabelecendo-se em Milão, onde começou a militar nos PAC. Fundado naquele ano, o grupo deixaria de existir em 1979. Tratava-se de uma pequena organização regional, com cerca de sessenta membros, a maior parte deles de origem operária. De orientação marxista e autonomista, diferenciava-se das Brigadas Vermelhas, não só por ser bem menor, mas também por sua estrutura menos rígida e muito mais descentralizada. Os PAC nunca tiveram a expressão das Brigadas Vermelhas, que sequestraram e mataram Aldo Moro, líder democrata-cristão. Enquanto as Brigadas se estruturavam militarmente, os PAC eram um grupo fluido, sem hierarquia, que assaltava mais para garantir o sustento de seus militantes do que para incentivar a expropriação de capitalistas. PAC era mais um dos cerca de 600 grupos que, entre 1969 e 1989, reivindicaram ações subversivas na Itália. Só em 1979, quando os PAC fizeram três vítimas fatais, mais de 200 grupos de extrema-esquerda praticaram atentados na Itália”. (A Espera, edição 28).

Quatro assassinatos foram perpetrados pelo seu grupo: o de Antonio Santoro, um agente penitenciário, morto em Údine, a 6 de junho de 1978, sob a alegação de maltratar prisioneiros; o de Pierluigi Torregiani, morto em Milão, em 16 de fevereiro de 1979; o de Lino Sabadin, morto em Veneza, no mesmo no dia, sob a alegação de ser simpatizante do fascismo; e, finalmente, o de Andrea Campagna, agente policial que havia participado das primeiras prisões no caso Torregiani, morto em Milão (19 de abril de 1979). Torregiani e Sabbadin foram mortos quando reagiram a assaltos de que foram vítimas. O filho de Torregiani, à época com treze anos, também foi ferido no episódio e ficou paraplégico. O filho de Torregiani considera que Battisti é o principal responsável pelo incidente e que deve cumprir a pena a que foi sentenciado. Em declaração à agência ANSA, disse “Não se trata de nada pessoal com respeito à Cesare Battisti, mas sim de que todos entendam que os criminosos devem, mais cedo ou mais tarde, pagar por crimes tão graves” (TORREGGIANI, Torreggiani a Cesare Battisti, 2007).

Posteriormente, em seu livro Minha Fuga Sem Fim, Cesare Battisti declarou que abandonou os meios violentos de luta política desde o sequestro e posterior assassinato do ex-primeiro-ministro Aldo Moro, ocorrido em maio de 1978, pelas Brigadas Vermelhas. Relata que, desde então, as organizações de esquerda se apavoraram diante da violenta repressão que se seguiu à morte do expoente da democrata-cristão, e mergulharam na discussão sobre a continuidade da luta armada. Também os PAC refluíram, mas, sendo uma organização excessivamente descentralizada, um dos núcleos do grupo reivindicou o assassinato do comandante da prisão, no verão de 1978. Foi quando Battisti rompeu com a organização. “Juntamente com parte dos militantes de primeira hora, naquele momento decidi virar a página e renunciar definitivamente à luta armada”, diz, no livro. Assim, segundo afirma, quando ocorreram os outros três assassinatos pelos quais foi condenado, ele nem sequer seria militante dos PAC.

2.5.1.1.1. Primeiro julgamento e fuga

Cesare Battisti acabou sendo preso na Itália, em junho de 1979. Segundo o L’Extresse “neste primeiro processo, não lhe foi atribuída qualquer relação com a morte do comandante da prisão. Foi sentenciado a doze anos de prisão, sob acusação de participação em grupo armado, assalto e receptação de armas” (La culpabilité de Battisti repose sur des preuves <http://www.lexpress.fr/actualite/politique/>, acesso em: 23 de maio de 2013).

No mesmo artigo o L’Expresse ainda lembra que foi dessa época também a lei de delação premiada, que fez proliferar os pentiti (arrependidos).

Battisti conseguiu fugir da prisão de Frosinone, em 4 de outubro de 1981, com a ajuda de Pietro Mutti, que pra se beneficiar do pentiti, apontou Battisti como membro da cúpula central responsável nos crimes e delitos atribuídos aos PAC.

Foragido na França, por cerca de um ano, viveu clandestinamente, em Paris, onde conheceu sua futura esposa. Mudou-se para o México, instalando-se em Puerto Escondido. No México nasceu sua primeira filha. Ali também escreveu o seu primeiro livro, atuou na área cultural, fundando a revista ViaLibre, que ainda existe em versão eletrônica, e dedicou-se a atividades literárias.

Participou do Festival do Livro, em Manágua, e organizou a primeira Bienal de Artes Gráficas do México. Ali começou a escrever, estimulado pelo romancista Paco Ignacio Taibo II, e colaborou com vários jornais.

2.5.1.1.2. Retorno à França

O presidente francês François Mitterrand indicou, em 21 de abril de 1985, no 65º Congresso da Ligue des Droits de l'Homme, que “pessoas envolvidas em atividades terroristas na Itália até 1981 e que tivessem abandonado a violência” poderiam optar pela não extradição para a Itália, caso não praticassem mais crimes.

A organização italiana Annistia diz que:

“Acreditando nesta declaração, Battisti retornou para a França em 1990, onde já estavam a esposa e a filha, mas acaba sendo preso, em razão de um pedido de extradição da justiça italiana, em 1991. “Permaneceu na prisão de Fresnes por quatro meses, antes de ter sua extradição negada, em abril de 1991, pela Câmara de Acusação de Paris (Chambre d'accusation de Paris) que o declara, por duas vezes, não extraditável”. (ANNISTIA, Italie: Les affaires “transparentes" de l'ex-chef d'Ordre Nouveau, <http://www.amnistia.net/news/articles/extrad/affairtransp_324.htm>, acesso em: 23 de maio de 2013).

Libertado, continua a viver em Paris, com a esposa e, agora, duas filhas, trabalhando como escritor e tradutor, amparado pela chamada “Doutrina Mitterrand” (do então presidente socialista François Mitterrand), segundo a qual o Instituto François Mitterrand diz que “nenhum acusado que abdicasse da violência seria extraditado, caso não houvesse, no país de origem, garantia de amplo direito de defesa” (La France, l'Italie face à la question des extraditions < http://www.mitterrand.org/La-France-l-Italie-face-a-la.html>, acesso em: 23 de maio de 2013).

Com o inicio governo Chirac e com a mudança de orientação política, também a justiça francesa modifica sua posição e, depois de quase vinte anos, em outubro de 2004, a França concede a extradição de Battisti – já então um escritor conhecido. A mudança de atitude do governo francês provoca reações da opinião pública do país e o surgimento de um movimento de apoio ao escritor. Relata a Courier Internacional:

“Na iminência de ser extraditado, Cesare Battisti foge novamente – segundo ele, com a ajuda de membros do serviço secreto francês, que lhe teriam sugerido o Brasil como destino, além de lhe fornecerem um passaporte italiano, com sua foto e dados pessoais. Battisti conta que saiu da França de carro para a Espanha e, de lá, para Portugal, onde embarcou para a Ilha da Madeira e, em seguida, para as Ilhas Canárias e, finalmente, para Fortaleza, via Cabo Verde.” (Brésil-Italie – Cesare Battisti : “La France m'a aidé”, 2009).

2.5.1.1.3. Segundo julgamento

Após quase dez anos do trânsito em julgado, o processo contra Battisti é reaberto na Itália, sendo o mais forte elemento da acusação o depoimento de um preso “arrependido” – Pietro Mutti.

Com a morte do carcereiro Santoro, à época da primeira fuga de Cesare Battisti, Pietro Mutti – também ex-integrante dos PAC – opta pela delação premiada e atribui outros quatro crimes – os quatro assassinatos – a Battisti, que, foragido, foi julgado à revelia e condenado à prisão perpétua pelos crimes de homicídio e roubo. De acordo com a Justiça italiana e alguns analistas, mesmo julgado como revel, Battisti teve amplo direito de defesa e a sentença foi baseada no testemunho de “diversas pessoas”.

Em 1987, ainda enquanto estava no México, foi novamente julgado na Itália, à revelia, por estar foragido. É então considerado culpado pela autoria direta ou indireta dos assassinatos de Antonio Santoro, Lino Sabbadin, Andrea Campagna e Pierluigi Torregiani, e condenado à prisão perpétua. A justiça italiana diz que, “foi dado a Battisti amplo direito de defesa e a sentença foi baseada no testemunho de diversas pessoas” (VEJA, ano 42, nº 4, 2008). A referida publicação da Revista Veja ainda diz que “seus advogados, inclusive os franceses, alegam que o julgamento teria sido viciado, com manipulação da delação premiada e falsificação da procuração passada ao advogado que o defendeu” (nomeado após a prisão dos advogados que inicialmente cuidavam do caso). Os advogados também consideram que houve falhas na produção de provas técnicas. Nos anos posteriores, as cortes italianas negariam um novo julgamento ao condenado.

Nesse segundo julgamento, as “delações premiadas dos ex-militantes do PAC Pietro Mutti e Sante Fatone foram decisivas para a condenação à prisão perpétua aplicada a Cesare Battisti” (FOLHA DE S. PAULO, Delações premiadas foram decisivas para condenação de Battisti na Itália, 2009).

Conforme a própria sentença do Tribunal do Júri de Milão de 1988, “as declarações dadas por Pietro Mutti a partir de 5 de fevereiro de 1982 determinam uma reviravolta radical nas investigações e levam à incriminação dos atuais imputados Battisti e outros membros do PAC” (FOLHA DE S. PAULO, Delações premiadas foram decisivas para condenação de Battisti na Itália <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u500638.shtml>, acesso em: 23 de maio de 2013).

Dois dos quatro assassinatos ocorreram em 16 de fevereiro de 1979 – sendo um em Milão, às 15 horas, e o outro em Mestre, a quinhentos quilómetros de Milão, às 16h50. Battisti foi condenado pela participação direta em um dos homicídios e como mandante intelectual do outro.

A sentença proferida em seu julgamento, e também pelo Primeiro Tribunal do Júri de Apelação de Milão em 1988, qualificam todos os tipos penais em que teria incorrido Battisti como integrantes de:

“Um só projeto criminoso, instigado publicamente para a prática dos crimes de associação subversiva constituída em quadrilha armada, de insurreição armada contra os poderes do Estado, de guerra civil e de qualquer maneira, por terem feito propaganda no território nacional para a subversão violenta do sistema econômico e social do próprio País” (Primeiro Tribunal do Júri de Apelação de Milão. Sentença 17/90 – nº 86/89 e 50/85 do Registro Geral, de 13/12/1988. Item 49 (antes 50)).

Battisti declarou numa entrevista que Mutti teria sido coagido a dar seu testemunho através de torturas, que segundo ele faziam parte do cotidiano da Itália naquela época.9 Cesare Battisti foi condenado, em 1987, com base em uma legislação de emergência, reservada aos processos contra militantes da extrema esquerda. Essas chamadas leis especiais de 1974-1982 suspendiam alguns direitos. Durante a instrução do processo do homicídio Torreggiani, por exemplo, treze indiciados denunciaram ter sofrido torturas e muitas confissões foram retratadas posteriormente. A propósito da legislação de exceção vigente nos anos 1970, o jurista italiano Italo Mereu escreve, no prefácio da segunda edição do seu livro Storia dell'intolleranza in Europa: “Queria documentar o quanto era equívoco fingir salvar o Estado de Direito, transformando-o em Estado policial” (Cesare Battisti: quello che i media non dicono – Le leggi speciali 1974-82 <http://www.carmillaonline.com/2004/03/09/cesare-battisti-quello-che-i-m/#000657ui>, aceso em: 23 de maio de 2013).

Setores da extrema esquerda, especialmente na França e no Brasil, questionam a neutralidade do julgamento e a extradição concedida pelo governo francês, lembrando que o condenado já havia comparecido a uma jurisdição francesa, a Chambre d'accusation de Paris, em 1991. Naquela ocasião, a Corte, por duas vezes, se manifestara contra a extradição de Battisti. Ao julgar pela segunda vez o mesmo caso, atendendo às pressões do governo italiano, a justiça francesa teria violado um princípio do direito, segundo o qual não se pode julgar mais de uma vez a mesma pessoa pelo mesmo fato.

Segundo os advogados de Battisti no Brasil afirmam também que não houve provas materiais, além do depoimento de uma testemunha que supostamente se aproveitava dos benefícios da delação premiada. Alegam ainda que Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália, com isolamento solar – pena que não existe no Brasil – e que o advogado que o defendeu, quando o caso foi reinaugurado, utilizou-se de procuração falsa. Acrescentam também que os delitos imputados a Battisti no pedido de extradição, são frutos de ação política, e que as Constituições Brasileiras, bem como a jurisprudência e o tratado de extradição entre Brasil e Itália, impedem a extradição por crimes políticos.

Para o governo francês, a condenação à prisão perpétua em contumácia, sem possibilidade de um novo julgamento – o que contraria a legislação francesa – foi motivo para negar por mais de uma vez a extradição de Battisti, assim como a de vários outros italianos acusados de crimes políticos.

De modo geral, no entanto, a opinião pública italiana, independentemente da coloração política, apoia o pedido de extradição.

2.5.1.1.4. Refugio no Brasil

Em 18 de março de 2007, foi detido no Rio de Janeiro, durante uma operação conjunta que envolveu a Interpol e as polícias brasileira, italiana e francesa. Em 28 de novembro de 2008 o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão responsável por julgar casos de asilo em primeira instância, rejeitou, por três votos a dois, seu pedido de refúgio no Brasil.

Em dezembro de 2008, a defesa de Cesare Battisti recorreu ao Ministro da Justiça, Tarso Genro, conforme orienta o artigo 29 da Lei 9.474/97:

“Artigo 29: No caso de decisão negativa, esta deverá ser fundamentada na notificação ao solicitante, cabendo direito de recurso ao Ministro de Estado da Justiça, no prazo de quinze dias, contados do recebimento da notificação.”

A resposta ao recurso foi publicada em janeiro de 2009, num arrazoado de treze laudas, sendo favorável à concessão do status de refugiado político ao ex-militante. A decisão gerou controvérsia, que ocupou os meios de comunicação internacionais, particularmente dos três países diretamente envolvidos no caso – Brasil, França e Itália.

A decisão do ministro baseou-se na tese de “fundado temor de perseguição por suas ideias políticas”, argumento indispensável para reconhecer a condição de refugiado político, como prevê o artigo 1º da mesma lei.

2.5.1.1.4.1. Concessão do refugio

Em seu despacho, Tarso Genro citou obras de teoria política segundo as quais é normal e previsível que, em momentos de extrema tensão social e política, haja uma reação legítima por parte do Estado democrático para garantir sua autopreservação; e que também é normal e previsível que comecem a funcionar aparatos semiclandestinos ou paralelos ao Estado, com a colaboração ou conivência dos órgãos de serviço secreto, que se auto investem da função de legítimos justiceiros, sendo estes, em última análise, tão perigosos para o Estado Democrático quando os que tentam subvertê-lo por meio da violência. Segundo Tarso, nesses casos, a judicialização da política, paradoxalmente, atinge as garantias democráticas sem que o regime democrático seja colocado em dúvida.

Segundo o despacho, no caso da Itália, as possibilidades para que os abusos ocorressem estavam dadas pelo próprio ordenamento jurídico forjado nos anos de chumbo, conforme análise de Mucchielli, sobre o artigo 41-bis. Segundo o autor:

“A magistratura italiana foi então dotada de todo um arsenal de poderes de polícia e de leis de exceção: a invenção de novos delitos como a associação criminal terrorista e de subversão da ordem constitucional veio se somar e redobrar as numerosas infrações já existentes – associação subversiva, quadrilha armada, insurreição armada contra os poderes do Estado etc”. (MUCCHIELLI, Jacques. Article 41-bis et prisons italiennes, 2004)

E que conclui dizendo que:

“Esta dilatação da qualificação penal dos fatos garantia toda uma estratégia de arrastão judiciário a permitir o encarceramento com base em simples hipóteses, e isto para detenções preventivas, permitidas pelo decreto-lei de 15 de setembro de 1979, por uma duração máxima de 10 anos e 8 meses”. MUCCHIELLI, Jacques. Article 41-bis et prisons italiennes, 2004)

A respeito da definição de crime político, baseou-se no entendimento de Francisco Rezek em Direito Internacional Público:

“No domínio da criminalidade comum… os estados se ajudam mutuamente, e a extradição é um dos instrumentos desse esforço cooperativo. Tal regra não vale no caso da criminalidade política, onde o objetivo da afronta não é um bem jurídico universalmente reconhecido, mas uma forma de autoridade assentada sobre ideologia ou metodologia capaz de suscitar confronto além dos limites da oposição regular num Estado democrático”. (2011, p. 214-215).

E sobre a juridicidade da concessão de refúgio, no entendimento do mesmo Rizek: “A qualificação de tais indivíduos como refugiados, isto é, pessoas que não são criminosos comuns, é ato soberano do Estado que concede o asilo. Cabe somente a ele a qualificação. É com ela que terá início ou não o asilo” (2004, p. 215).

O ministro da Justiça ressaltou também o fato de que Battisti foi condenado pelo testemunho de um ex-companheiro dos PAC, Pietro Mutti, premiado pela delação. Tais alegações de Genro foram peremptoriamente negadas por autoridades italianas. Por último, mencionou que Battisti viveu mais de uma década na França como zelador de um prédio, tendo recebido da França o que chamou de “asilo informal”; que tal asilo teria sido dado por motivos políticos e revogado também por motivos políticos e que, portanto, a seu ver, haveria suficientes fatores objetivos e subjetivos para concluir que havia fundado temor de perseguição.

Segundo Franco Frattini, ministro dos Negócios Estrangeiros da Itália, a decisão Genro foi emitida “por um ministro da Justiça que tem uma visão ideológica e política muito evidente, de aberto apoio às ideias de guerrilha” (FRATTINI, Folha de S. Paulo, 2009). Tarso, que nunca participou de luta armada, disse que seu passado de oposição à ditadura não influenciou sua decisão: “se pesasse o meu passado político eu não daria o refúgio. Meu passado político não está vinculado a nenhum tipo de aceitação de ações da natureza das ações que são imputadas ao senhor Battisti. Se pesasse, ele determinaria a não concessão do refúgio”. Lembrou que o Brasil asilou o ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner, e completou: “a decisão do Ministério da Justiça não está fazendo nada de mais do que já houve em relação a esse cidadão durante 11 anos na França. O Brasil não está fazendo nada de novo ao reconhecê-lo como refugiado”.

2.5.1.1.4.2. Reação da Itália

Com sua argumentação em favor do refúgio político, o ministro brasileiro causou a irritação das autoridades italianas, segundo as quais Tarso Genro coloca em dúvida a democracia italiana e a lisura de seus mecanismos judiciais. Tal indignação fica clara, conforme possa ser vista em matéria pública pelo jornal Estadão:

“A atitude de Tarso também desencadeou atrito dentro do governo. O Itamaraty reconheceu que a concessão do refúgio gerou sério e indesejável mal-estar nas relações Brasil-Itália, além de ter contrariado compromissos internacionais de cooperação no combate ao terror. Integrante do Conare, o Ministério das Relações Exteriores havia se oposto à concessão de refúgio a Battisti.” (Refúgio a acusado de terrorismo abre crise entre Brasil e Itália <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,refugio-a-acusado-de-terrorismo-abre-crise-entre-brasil-e-italia,307482,0.htm>, acesso em: 23 de maio de 2013).

As ameaças italianas foram das mais variadas – desde o cancelamento de uma partida de futebol amistosa entre Brasil e Itália, até o “boicote turístico” ao Brasil, proposto pelo senador Sergio Divina, da Liga Norte, entremeadas por alusões feitas por um deputado, também da Liga Norte, acerca da fama dos juristas do Brasil, comparada à das “dançarinas” (sic) brasileiras. Embora os italianos sejam um dos mais números grupos de turistas que visitam o Brasil, notadamente a região Nordeste, a ameaça de boicote turístico não provocou reações significativas por parte de empresários do setor. Também não foram registradas manifestações, seja por parte das dançarinas, seja por parte dos juristas brasileiros.

A AIVITER, associação italiana das vítimas do terrorismo, condenou o refúgio concedido a Battisti. Realizaram-se protestos diante da embaixada brasileira. A Itália pediu explicações ao embaixador brasileiro, Adhemar Bahadian, e chamou seu embaixador em Brasília, Michele Valensise, para consultas, fatos que ilustram uma possível tensão diplomática gerada pelo episódio.

A Câmara dos Deputados da Itália aprovou em 26 de fevereiro, por unanimidade dos 413 votos, uma moção que cobra a intervenção do governo italiano para obter do Brasil a revogação do refúgio. O Partido Democrático, principal partido de centro-esquerda italiano, favorável à extradição, condenou o refúgio.

No governo brasileiro, o Ministério das Relações Exteriores apoiou a decisão de Tarso Genro e reiterou a manifestação de confiança de Lula na carta enviada ao presidente italiano.

Em novembro de 2008, durante a visita do presidente Lula a Roma, o governo italiano havia insistido para que o Brasil concedesse a extradição do foragido.

A reação italiana atingiu em cheio a pretensão de Lula de aprofundar sua presença nos debates dos principais foros de governança mundial. Presidente do G8 neste ano, a Itália salientou que os países desse grupo e seus colaboradores, como o Brasil, “serão chamados a confirmar seu compromisso formal e a promover ações cada vez mais eficazes no combate ao terrorismo internacional”.

Segundo o jornal Estadão “a mensagem foi lida, no Itamaraty, como uma advertência de que Lula pode ser eliminado da lista de líderes chamados ao encontro anual do grupo, em julho. Mesmo que seja convidado, tenderia a passar por constrangedora cobrança dos italianos”. (Refúgio a acusado de terrorismo abre crise entre Brasil e Itália <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,refugio-a-acusado-de-terrorismo-abre-crise-entre-brasil-e-italia,307482,0.htm>, acesso em: 23 de maio de 2013).

2.5.1.2. Anuncio do julgamento do pedido de extradição

O parecer do Ministério Público Federal sobre o caso chegou ao Supremo em janeiro. Conforme exibido pela TV Justiça em 25 de agosto de 2009, o então procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, opinou pelo arquivamento do pedido de extradição, sem julgamento de mérito, em razão do artigo 33 da Lei 9.474/97[5].

“Artigo 33 – O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio”.

Em maio, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Sousa, encaminhou parecer ao STF reiterando a recomendação de que seja extinto o processo de extradição contra Cesare Battisti, sem julgamento de mérito, e que o preso seja libertado. De acordo com o procurador-geral, a concessão do status de refugiado a Battisti impede o prosseguimento da extradição, conforme decisões anteriores do próprio STF. Ademais, Sousa esperava que o STF julgasse improcedente o mandado de segurança apresentado pelo governo italiano contra a decisão de Tarso Genro, já que apenas pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado podem impetrar mandados de segurança. O governo italiano é pessoa jurídica de direito público internacional. Não pode, portanto, mover esse tipo de ação. O jornal Observatório da Impressa publicou as exatas palavras do Procurador-Geral:

“Ainda que não prevaleça este entendimento, o Supremo deve decidir pela improcedência do mandado de segurança apresentado pelo governo italiano contra a decisão de Tarso Genro, pois somente pessoas e entes de caráter privado podem entrar com mandados de segurança, faltando legitimidade ao governo italiano para utilizar essa via, já que se constitui numa pessoa jurídica de direito público internacional”. (SOUZA, Antônio Fernando de Sousa)

No início de junho de 2009, o presidente da OAB divulgou nota solicitando presteza no julgamento pelo STF do pedido de extradição de Cesare Battisti – que, apesar de ter status de refugiado desde dezembro de 2008, continua preso desde março de 2007.

Em janeiro de 2009, em meio à repercussão do caso nos meios de comunicação, o presidente do STF, Gilmar Mendes, anunciou que o pedido de extradição seria julgado em março. De março, a previsão foi para maio; de maio, foi para junho. Mais recentemente, o ministro Gilmar Mendes informou que o processo deve ser julgado em agosto. O Supremo deve analisar se a concessão do refúgio a Battisti anula ou não o processo de extradição, solicitada pela Itália. Conforme salientado por Abreu “cabe ao relator do caso, ministro Cezar Peluso, levar o caso ao plenário” (Supremo encera mais um semestre sem julgar caso Battisti, 2009) e completa Peluzzi “a colocação de processos em pauta é atribuição exclusiva do presidente do STF, Gilmar Mendes” (OAB cobra agilidade no caso Battisti, 2009).

2.5.1.3. Julgamento do pedido de extradição

Após sucessivos adiamentos, o julgamento do pedido de extradição foi marcado para o dia 9 de setembro de 2009, pelo Supremo Tribunal Federal. Quanto ao mandado de segurança impetrado pelo governo italiano, contestando a decisão do ministro da Justiça de conceder status de refugiado político a Cesare Battisti, os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram não julgá-lo.

A sessão, transmitida ao vivo pela TV Justiça, durou cerca de onze horas. O relator do caso, ministro Cezar Peluso, e mais os ministros Ellen Gracie, Carlos Ayres Britto e Enrique Ricardo Lewandowski votaram pela anulação da concessão do refúgio ao ex-militante, por entenderem tratar-se de crimes comuns. Os ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Eros Grau e Marco Aurélio Mello manifestaram-se pela legalidade da decisão do ministro Tarso Genro, de conceder refúgio a Battisti, o que automaticamente suspenderia o julgamento do processo de extradição pelo STF. A expectativa era de que o ministro Marco Aurélio também votasse pela suspensão do processo de extradição, mas, antes de votar, o ministro pediu vistas aos autos do processo, de modo que, mais uma vez, a decisão sobre o caso foi adiada.

Caso, ao final do julgamento, houvesse empate de votos, poderia caber ao ministro Gilmar Mendes, presidente da Corte, dar o voto de desempate. Mendes é favorável à anulação da concessão do refúgio.

Ao final da sessão, o advogado de defesa, Luís Roberto Barroso acrescentou que, se o caso fosse considerado como matéria criminal, seria análogo ao habeas corpus – quando o empate beneficia o réu.

Em 22 de setembro, o senador Eduardo Suplicy enviou ofício ao STF, encaminhando “13 Perguntas ao Ministro Relator Cezar Peluso. Equívocos e Imprecisões que podem levar um homem à Prisão Perpétua”, texto elaborado pela ativista francesa Fred Vargas. A continuação do julgamento do processo de extradição pelo Supremo Tribunal Federal ficou marcada para dia 12 de novembro de 2009.100 A pouco menos de dois dias para o julgamento de Battisti, o Ministro da Justiça Tarso Genro declarou que a pressão feita pela Itália para a condenação do réu “É um desaforo ao Estado brasileiro e um desaforo à democracia no país”.

Deu-se continuidade ao julgamento da extradição de Battisti em 12 de novembro. O julgamento começou novamente com protestos contra a extradição do ex-ativista logo após que o ministro Gilmar Mendes anunciou o início do julgamento. Apesar de serem retirados do tribunal, ainda era possível ouvir os manifestantes quando o ministro Marco Aurélio de Mello iniciou a leitura de seu voto-vista.

Marco Aurélio votou contra a extradição de Battisti, indo contra o voto do relator Antonio Cezar Peluso, empatando o julgamento em 4×4. Em 18 de novembro, o ministro-presidente Gilmar Mendes proferiu voto de desempate a favor da extradição.

 No mesmo dia o STF em votação posterior, também por 5 votos a 4, entendeu ser da competência do Supremo Tribunal Federal autorizar a extradição, cabendo no entanto ao executivo, na pessoa do Presidente da República a decisão sobre a execução do ato. O voto final coube ao ministro Carlos Ayres Britto que em seu pronunciamento declarou “Na medida em que o Supremo declara a viabilidade da extradição não pode impor ao presidente da República a entrega do extraditando ao país requerente”.

O acórdão composto de 686 páginas, contendo os votos dos magistrados e o resultado do julgamento, só foi publicado em 16 de abril de 2010 – quase cinco meses depois de o STF ter delegado ao presidente da república a decisão sobre a extradição. Nesse ínterim, no dia 5 de março de 2010, Battisti havia sido condenado a dois anos de prisão, em regime aberto, por ter entrado no país com passaporte falso. Segundo despacho do juiz Rodolfo Kronemberg Hartmann, o tempo já servido na prisão de Brasília pelo ex-ativista não contaria para a justiça brasileira. O réu ainda pode recorrer da sentença, mas, se mantida a condenação, Battisti poderia ter que cumprir a pena no Brasil.

2.5.1.4. Desfecho do caso

Em 31 de dezembro de 2010, o presidente Lula decidiu não conceder a extradição de Cesare Battisti, com base em parecer da Advocacia Geral da União. No documento, a AGU salienta que a extradição pode ser negada com base em “razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados”. Os advogados da União juntaram ao relatório notícias veiculadas pela imprensa italiana, incluindo declarações de integrantes do governo, sobre o tratamento que seria dado a Battisti caso fosse extraditado para a Itália.

Segundo a nota lida pelo ministro Celso Amorim, o parecer considerou as cláusulas do Tratado de Extradição entre o Brasil e Itália, particularmente o seu artigo 3, item 1, letra “f”, que cita, entre as motivações para a não extradição, a condição pessoal do extraditando. Na mesma nota, governo brasileiro manifestou também sua “estranheza em relação aos termos da nota da Presidência do Conselho dos Ministros da Itália, de 30 de dezembro de 2010, em particular com a impertinente referência pessoal ao Presidente da República.” No dia 30 de dezembro, o gabinete de Berlusconi havia emitido comunicado declarando que uma possível preocupação com a deterioração do bem-estar de Battisti no caso de ser extraditado para a Itália poderia ter afetado a decisão de Lula, acrescentando que “o presidente brasileiro terá que explicar esta decisão, não apenas ao governo italiano, mas também a todos os italianos e, em particular às famílias das vítimas”.

No mesmo dia 30, o ministro italiano da Defesa, Ignazio La Russa, havia se declarado favorável a um boicote contra o Brasil, caso fosse negada a extradição: “Que ninguém pense que o ‘não’ à extradição seja sem consequências”, ameaçou. Acrescentou que uma negativa de Lula seria “um ato de grande falta de coragem”.

 Três dias depois da decisão do Presidente Lula, a defesa de Battisti entrou com um pedido de soltura no STF. No pedido, os advogados argumentavam que a competência do STF, no caso, já se esgotara, já que a palavra final do ex-presidente da República encerrara o assunto. Entretanto o governo italiano pediu ao STF o indeferimento da petição, alegando “absoluta falta de apoio legal”. Em 4 de fevereiro de 2011, a República Italiana ajuizou reclamação contra a decisão do Presidente da República, alegando que a decisão sobre a revogação da prisão do extraditando seria da competência exclusiva do plenário do Supremo Tribunal Federal. Na ocasião, o Tribunal se encontrava em recesso, e o presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, negou a soltura imediata do preso, determinando que os autos fossem encaminhados ao relator do caso, ministro Gilmar Mendes, para apreciação, após o fim das férias coletivas.

2.5.1.5. A Libertação

Afinal, em 8 de junho de 2011, o STF decidiu pela libertação imediata de Cesare Battisti, preso desde março de 2007. Votaram pela libertação os ministros Luiz Fux, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Britto. O relator Gilmar Mendes e a ministra Ellen Gracie votaram pela extradição de Battisti. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, também votou contra a maioria. Os ministros José Antônio Toffoli e Celso de Mello não participaram do julgamento por se julgarem impedidos.

Por fim, como consta na Ext. 1.085 PET-AV o voto do STF:

“Entretanto, duas questões se põem; a saber: ou o Presidente cumpre o Tratado, no uso de sua competência exclusiva, e tollitur quaestio; ou o Presidente não cumpre o Tratado, e com isso cria uma lide entre o Estado brasileiro e o Estado italiano. Nesta última hipótese, a competência, com absoluta segurança, não é do Supremo Tribunal Federal, que não exerce soberania internacional, máxime para impor a vontade da República Italiana ao Chefe de Estado brasileiro – tal competência é da Corte Internacional de Haia, nos termos do art. 92 da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco em 26 de junho de 1945.

Por isso, o papel do Supremo Tribunal Federal, como órgão juridicamente existente apenas no âmbito do direito interno, é o de examinar apenas a legalidade da extradição, é dizer, seus aspectos formais, nos termos do art. 83 da Lei 6.815/80 (“Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão”). A previsão é clara ao determinar a esta Corte tão somente o poder e o dever de analisar o pedido de extradição de acordo com os quesitos apontados nos arts. 77 e 78 do mesmo diploma legal, além dos demais elementos previstos em tratado”. (2010, p. 25).

Como se observa, foi mantida a decisão do Presidente da Republica em indeferir o pedido de extradição de Battisti, sob a alegação que não cabe ao STF julgar assuntos de natureza externa, mas sim cabe isto a Corte Internacional de Haia, segundo art. 92 da Carta das Nações Unidas:

“Carta das Nações Unidas, art. 92 – O Tribunal Internacional de Justiça será o principal órgão judicial das Nações Unidas. Funcionará de acordo com o Estatuto anexo, que é baseado no Estatuto do Tribunal Permanente de Justiça Internacional e forma parte integrante da presente Carta.”

2.5.2. Os votos

2.5.2.1. A decisão do Ministro Relator Cezar Peluso

O Ministro inicia seu voto construindo um raciocínio para confirmar que a decisão do Ministro da Justiça não escapa ao controle jurisdicional. Para o Ministro, deve-se verificar se a decisão administrativa não está baseada em aspectos que a Constituição Federal reserva exclusivamente para STF tratar quando do julgamento de extradições. Em outras palavras, deve-se averiguar se não houve, no caso, interferência do Poder Executivo na competência reservada exclusivamente ao Poder Judiciário. Já de início, afasta de pronto a alegação de que estaria se alterando o precedente fundamental do caso Medina. Para o Ministro Relator, apesar de lá se ter reconhecido a constitucionalidade do artigo 33 da Lei do Refúgio, entende que essa decisão não está livre da análise de sua legalidade pelo Poder Judiciário. Nas palavras do próprio Ministro, esse seu novo entendimento se deu após um novo estudo da questão, entretanto, nada mais diz quanto aos motivos que o fizeram mudar de opinião, alegando simplesmente que a dimensão da consequência trazida pelo referido artigo é a razão para justificar a revisão judicial do ato. Em outras palavras, a análise da legalidade do ato que concedeu o refúgio ao extraditando é imprescindível à análise da extradição em si. Além disso, para o Ministro Relator, trata-se aqui de ato administrativo vinculado[6], sendo, portanto, passível de análise pelo Poder Judiciário. Nas palavras do Ministro Relator:

“(…) para usar as palavras da lei, o reconhecimento da condição de refugiado constitui ato vinculado aos requisitos expressos e taxativos que a lei lhe impõe como condição necessária de validade, ao capitular as hipóteses em que pode o refúgio ser deferido…” (Voto do Ministro relator Cezar Peluso na Extradição 1.085, p. 3).

Prossegue o Relator delimitando o alcance de sua análise do referido ato. A análise que ele considera como fundamental do ato é a adequação dos motivos alegados pelo Ministro da Justiça com a realidade dos fatos, seja ela depreendida dos autos do processo de extradição ou de fatos notórios da história. Tratar-se-ia, enfim, de uma análise acerca da legalidade do ato administrativo, e não de seu aspecto discricionário. Cita-se:

“Em palavras mais simples, cumpre ver se, para justificar a concessão de refúgio ao extraditando, deveras constam fatos invocados e provados, capazes de corresponder à hipótese de ‘fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas”.’ (Voto do Ministro relator Cezar Peluso na Extradição 1.085, p. 16).

Após as ressalvas que, na visão do Ministro Relator, autorizam-no a trazer o ato administrativo a julgamento, passa então aos motivos declarados como fundamentos da decisão concessiva do refúgio. Reconhece, na sua análise, quatro. São eles:

(i) o Estado italiano, por ter adotado medidas de combate aos grupos chamados subversivos da ordem, teria deixado de atuar com Estado Democrático de Direito;

(ii) havia “poderes ocultos” agindo nos porões estatais, excedendo os limites da situação de exceção;

 (iii) o fato de o extraditando ter sido preso por grupo especial da polícia e ter sido recolhido à instituição que abrigava presos políticos, por si só, já demonstra a natureza política dos crimes por ele cometido; e

 (iv) a situação na qual o extraditando teve que fugir da França (revogação da Doutrina Mitterrand).

Na decisão concessiva do refúgio, a apreciação desses quatro fatos levou o Ministro da Justiça a prolatar a seguinte decisão:

“44. Por consequência, há duvida razoável sobre os fatos que, segundo o Recorrente, fundamentam seu temor de perseguição.

45. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para reconhecer a condição de REFUGIADO a CESARE BATTISTI, nos termos do art. 1º, inc. I, da Lei nº. 9.474/97”[7].

Esclarece o Ministro Relator que, sua análise se dará da seguinte forma: primeiro será verificada a existência fática do motivo alegado, ou seja, se o acontecimento histórico relatado de fato existiu e, posteriormente, se tal fato, cuja existência histórica já se comprovou, possui força motivacional suficiente para embasar a decisão combatida.

Quanto ao primeiro quesito, entende o Ministro que determinada situação do Estado italiano à época dos crimes não pode justificar receio de perseguição política atual ou futura. Assim sendo, não há perigo de que o extraditando, caso deferida sua extradição, tenha seus direitos constitucionais desrespeitados. Ou seja, o simples fato de ter sido preso durante período de exceção[8] não justifica a alegação de perseguição política, e a execução de crimes durante tal período também não é suficiente para qualificá-los como crimes políticos.

Ainda no primeiro quesito, o Ministro rechaça expressamente o fato de que a Itália possuía um governo autoritário, trazendo para tanto um trecho de um trabalho de dois historiadores britânicos, ditos isentos, que reconstroem o período, trazendo o cenário político que resultou naquele período. Por meio do relato dos historiadores, nota-se que as medidas tomadas para tentar controlar os tumultos causados pelos grupos chamados subversivos foram votadas em parlamento.

Numa breve síntese do que consta do relato dos historiadores, o que se passou na Itália durante o período que o Ministro da Justiça, bem como os outros ministros do STF, oportunamente define como “anos de chumbo”, foi simplesmente uma repressão aos grupos considerados subversivos à ordem. Tais grupos tinham por escopo ideologia contrária ao capitalismo, lutando pelo exercício do poder pelo proletariado.

A repressão de tais grupos se deveu ao fato de eles recorrerem a ações marcadas pela violência, culminando no assassinato do primeiro ministro Aldo Moro. Dente esses grupos, destaque para o PAC de Cesare Battisti. Além disso, nos relatos consta a informação de que os partidos de esquerda não estavam isolados do poder, sendo certo que possuíam cadeiras no parlamento e votaram em todas as medidas adotadas no referido combate, que em sua maioria não passaram de um encrudescimento das leis penais que versavam sobre as práticas que vinham acontecendo na Itália. Para encerrar a análise do primeiro quesito, trata ainda do instituto da delação premiada que, na visão do Ministro Relator, não corresponde nada mais que uma prática comum, hoje adotada nos mais diversos sistemas jurídicos do mundo, inclusive no Brasil. Traz, para corroborar com o seu entendimento, trecho de texto de autoria de Ada Pellegrini Grinover, no qual a autora defende a posição adotada pelo governo italiano de endurecer as 32 medidas tomadas durante aquele período, inclusive pela adoção do instituto citado.

Por fim, o Ministro Relator faz uma ressalva para afirmar que o fato de um Estado ser autoritário não necessariamente nos leva a dedução automática de que o direito e o processo penais são desrespeitados. Em seguida, passa o Relator a analisar o segundo quesito, qual seja, o da existência de “‘forças políticas eversivas’, cujo ‘poder oculto’ superou e excedeu, em atuações ilegítimas, ‘a própria exceção legal’, influindo, de maneira direta ou indireta, nas condenações do extraditando…”[9]. Quanto a esse argumento, o Ministro Relator entende tratar-se de uma afronta à independência da magistratura italiana e que tal alegação não se apoia em fatos da realidade. Reconhece assim, a existência de fato que, apesar de isolado, pode ter levado a esse entendimento errôneo – o massacre da Praça Fontana – mas termina por demonstrar que tal fato não pode ser utilizado para comparação com os crimes cometidos por Cesare Battisti, uma vez que o caso se deu dez anos antes da prática dos crimes e que, além disso, o caso foi julgado e foi encerrado em 2005.

Em seguida, passa à análise do terceiro fundamento da decisão administrativa, o da natureza política dos crimes cometidos pelo extraditando. O primeiro argumento defendido pelo Ministro Relator é o de que o Ministro da Justiça não possui essa competência, por força do artigo 102, I, “g” da Constituição Federal. Afirma o Ministro que em razão deste dispositivo, cabe ao STF analisar as questões relativas à existência de fatos configuradores de causas intrínsecas de não extradição.

São consideradas como tais, aquelas não abarcadas pelo rol taxativo da Lei própria, submissas ao juízo administrativo vinculado que impediriam a extradição. Para justificar, o Ministro utiliza o artigo 77, §2º do Estatuto do Estrangeiro, que, conforme já explicado, determina que a competência para analisar o caráter da infração cabe exclusivamente ao STF.

Na visão do Ministro, essa atribuição foi conferida à Corte por uma razão de que, não é a simples configuração de um crime como político que basta para a concessão do refúgio. Alega o Ministro que em um Estado Democrático com instituições sólidas, todo cidadão tem o direito de discordar do regime vigente, e a forma como esse Estado tratar a ocorrência de um crime de natureza política é que determinará a confiabilidade de suas instituições e consequentemente a segurança daqueles por elas julgados.

O Ministro finaliza a análise deste terceiro fundamento no sentido de concluir que não necessariamente a ocorrência de um crime político gerará uma perseguição política, permitindo-se assim a concessão do refúgio por um outro Estado.

Com esse entendimento, pode-se entender que, mesmo que se atribua aos crimes praticados por Cesare Battisti a qualidade de políticos, o fato de a Itália ser um Estado Democrático não cria a chamada “perseguição política” e, portanto, não impediria a extradição. Por fim o Ministro analisa o quarto e último fundamento, qual seja, o da situação do extraditando enquanto na França, de onde teria sido expulso por uma manobra política; julgando-o “impertinente às inteiras”. Entende que, pela redação do artigo 1º da Lei do Refúgio, somente interessa o que se passa entre o extraditando e o país do qual não deseja retornar. Neste caso, os eventos ocorridos na França em nada influenciam a extradição requerida pelo governo italiano.

A conclusão do Ministro Relator leva ao entendimento de que não há receio algum de perseguição política, mas apenas as consequências de um processo penal a ser enfrentado na Itália.

Também traz uma definição de refugiado do manual do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), para contrapô-la com aquele que pratica crime comum e foge da justiça de seu país, sendo certo que este fugitivo descrito pelo manual não pode ser considerado refugiado. A definição do ACNUR também traz uma advertência para que seja verificado se as leis do país de origem daquele que pleiteia o refúgio obedecem aos padrões internacionais de Direitos Humanos e, se sua aplicação não é feita de forma discriminatória, fato que ele não entende acontecer na Itália.

Alerta o Ministro Relator que a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, recepcionado pelo Brasil e exposto na Lei do Refúgio impede que se conceda o refúgio às pessoas acusadas de praticar crimes comuns, principalmente hediondos (que, na visão do Ministro Peluso, não se trata do hediondo no sentido técnico emprestado pela lei brasileira posteriormente ao Estatuto). Também busca dispositivo correspondente na Carta das Nações Unidas (artigo XIV, 2).

O Ministro Relator rebate ainda, a alegação da autoridade administrativa de que em nenhum momento o Estado requerente cita em suas decisões a prática de crimes impeditivos da condição de refugiado. Na sua visão, essa é uma desculpa, uma vez que tal nomenclatura é de ordem doutrinária, sendo certo que tais crimes são reconhecíveis por si só.

Posteriormente, traz de forma resumida o relato dos quatro homicídios cometidos pelo extraditando, comprovando, na sua visão, que se tratam de crimes comuns não revestidos de nenhum caráter político.

Termina o Ministro Relator:

“Trata-se, portanto, de ato administrativo, que, por sua manifesta e irremediável nulidade e ineficácia, não pode opor-se à cognição nem a eventual procedência do pedido de extradição…” (Voto do Ministro relator Cezar Peluso na Extradição 1.085, p. 56 – grifos acrescidos).

Ao final da análise da preliminar de seu voto, o Ministro Relator não aceita a alegação da defesa de que haveria vícios na tradução dos documentos encartados nos autos. Para tanto, afirma que as poucas imperfeições nas traduções não são suficientes para alterar a correta compreensão do caso. Contribuindo para suas alegações, traz jurisprudência do próprio STF e o parecer do Procurador-Geral da República que concorda plenamente com a visão do Ministro Relator.

Terminada a análise da questão preliminar, e entendendo pela ilegalidade do ato administrativo concessivo do refúgio expedido pelo Ministro da Justiça Tarso Genro, passa então o Ministro Relator para a questão de mérito da extradição. Vale lembrar que, pela construção da argumentação do Ministro, ao ser possível a verificação do citado ato administrativo pelo Poder Judiciário e, tendo entendido o ato como nulo, a extradição encontra-se desimpedida de ser julgada.

Por fim, julga-a procedente, atentando para o fato que a pena a ser aplicada na Itália não pode ser superior à máxima pena permitida pela legislação brasileira (trinta anos) e que o tempo que o extraditando passou preso em território nacional deve ser cominado de sua pena.

O voto do Ministro Relator será o voto condutor da posição dominante no Plenário. No entender do Ministro, ele não está alterando o precedente formado pelo caso Medina, uma vez que ele não alterou seu posicionamento quanto a legalidade do artigo 33 da Lei do Refúgio. A diferença é que, nesse caso, o Ministro verificou se a decisão que concedeu o refúgio era legal ou ilegal antes de aplicar o referido artigo. Para o Ministro Peluso, isso é necessário devido à importância das consequências trazidas pelo referido artigo.

2.5.2.2. A decisão do Ministro Carlos Ayres Brito

O Ministro Carlos Ayres Britto inicia seu voto reconhecendo uma particularidade desse caso em relação ao caso Medina. A principal diferença entre os casos reside no fato de que o caráter político da infração no caso Medina era “vistoso”, enquanto que no presente caso há dúvidas quanto a isso.

Também como o Ministro Relator, não afasta o precedente invocado, aceitando que, se legal, o ato administrativo da concessão do refúgio obsta o seguimento do processo de extradição.

Quanto à teoria relativa dos atos administrativos, lembra que o elemento da discricionariedade é dado por lei, e isso deve ser sindicado pelo Poder Judiciário. Ou seja, o mérito deve ser revisto para ver se o administrador se conteve nos lindes da discricionariedade que lhe foi atribuída.

Continua o Ministro alegando que fundados temores devem ser claramente demonstrados, não bastando subjetividades. Em sua visão, a decisão do Ministro da Justiça Tarso Genro não logrou provar em que residiriam esses fundados temores, tendo apenas alegado de forma solta para embasar sua decisão.

O Ministro alega ainda, que não existe semelhança entre os motivos que concederam o refúgio, e aqueles que embasam o pedido de extradição.

Para ele, este se baseia em crimes comuns, enquanto que aquele entende esses crimes como políticos, e por isso a decisão pelo refúgio. Desconstrói a teoria da prática de crimes políticos.

Seu principal fundamento reside na própria nomenclatura adotada pelo grupo que Battisti integrava, o PAC. O adjetivo armado, por si só, já demonstra, na visão do Ministro, a disposição do grupo para praticar crimes e atos de terrorismo, que são altamente repudiados pelo instituto do refúgio.

Com esses argumentos, o Ministro Carlos Ayres Britto entende possível a revisão do ato administrativo de concessão de refúgio, e vota nos mesmo termos que o Ministro Relato pela extradição.

Nos mesmos termos do Ministro Relator, o Ministro Britto também não negou a vigência do artigo 33 da Lei do Refúgio, mas também entendeu necessária a verificação da decisão antes de aplicá-lo.

2.5.2.3. Decisão da Ministra Ellen Gracie

De início, a Ministra reconhece que houve uma usurpação da competência do STF na decisão de concessão do refúgio, alegando o artigo 77 do Estatuto do Estrangeiro para lembrar que cabe ao STF o reconhecimento do caráter político de um crime. Por essa razão, tendo o Ministro da Justiça em sua decisão reconhecido os crimes cometidos pelo extraditando como políticos, a Corte ficaria autorizada a rever tal decisão.

Reconhece a Ministra que o ato concessivo de refúgio consiste em ato administrativo vinculado, razão pela qual pode ser revisto em juízo, lembrando ainda do Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário que diz que nenhuma ameaça a direito poderá ser afastada da apreciação do Poder Judiciário.

Quando da análise do ato, declara a Ministra que a: “apuração de motivos determinantes do ato administrativo revelam distanciamento dos parâmetros legais da concessão do refúgio e esses parâmetros fazem parte do exame da legalidade do ato”.

Quanto à alegação de não observância do precedente da Extradição de Oliveiro Medina, a Ministra segue o mesmo entendimento do Ministro Carlos Ayres Britto, de que a dúvida quanto à natureza do crime autoriza a Corte a rever o ato que concedeu o refúgio.

Tendo em vista tal sustentação, observa a Ministra que, além de passível de julgamento, o ato administrativo é ilegal. No mérito, segue o entendimento do Relator.

A Ministra Ellen Gracie, acompanhando a maioria, não nega a aplicação do artigo 33, respeitando, assim, o precedente do caso Medina. Contudo, também entende que a decisão que concedeu o refúgio deve ser analisada pelo Poder Judiciário em razão de seus efeitos. Para ela, a diferença entre esse caso e o caso Medina está na dúvida gerada pela natureza política ou comum dos crimes praticados por Cesare Battisti.

2.5.2.4. Decisão do Ministro Ricardo Lewandowski

O Ministro Lewandowski acompanha o entendimento iniciado pelo Ministro Relator, no sentido da possibilidade de análise pelo Poder Judiciário do ato administro que concedeu refúgio à Cesare Battisti.

Seu raciocínio envereda-se pelo entendimento que o Ministro da Justiça, nesses casos, não pratica um ato de soberania, mas ato administrativo qualificado vinculado cuja revisão pelo Poder Judiciário pode se dar para verificar correspondência entre motivação e substrato fático que lhe serve de arrimo. Continua alegando que pode o Judiciário verificar a existência da perseguição política e que, se assim não o fosse, não poderia o STF exercer sua competência de verificar a qualidade do crime (político ou comum) para fazer valer, se for o caso, os impedimentos de extradição.

Curioso notar que no outro processo, o Ministro atribui ao ato concessivo do refúgio um caráter político administrativo. Entretanto, naquela mesma decisão, não afasta a possibilidade de o Judiciário revê-lo.

Prossegue o Ministro em seu voto para dizer que o extraditando enquadra-se em uma das cláusulas de exclusão impeditivas da concessão de refúgio por ter cometido quatro homicídios. Ao contrário do constante da decisão do Ministro da Justiça, o Ministro Lewandowski entende que não houve juízo de exceção, já que a condenação se deu pela lei penal comum.

Acompanhando o quanto exposto pelo Ministro Relator, segue também o argumento de que mesmo tratando-se de crime para subverter a ordem vigente, as circunstâncias do crime (premeditação e vingança) levam ao princípio da preponderância, que diz que se as características comuns de um crime forem mais vistosas do que as características políticas, prevalecerá a característica comum.

Por essas razões, o Ministro Lewandowski também entende que pode o STF rever o ato administrativo proferido pelo Ministro da Justiça e, assim como os Ministros Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto e Ellen Gracie, entendem o referido ato como ilegal e nulo. Tratando da questão de Mérito, segue o entendimento da maioria.

2.5.2.5. Decisão da Ministra Carmen Lúcia

A Ministra Carmen Lúcia é a primeira a discordar do Ministro Relator. Em um primeiro momento, levanta Questão de Ordem para tentar fazer com que o Tribunal julgue primeiramente à extradição o Mandado de Segurança interposto com o intuito de contestar a decisão concessiva do refúgio.

Conforme já descrito acima, o Mandado de Segurança restou prejudicado, sendo certo que a análise do ato administrativo, se cabível no entendimento do Ministro Relator, deveria ser tratada preliminarmente à extradição.

Quanto ao ato de concessão de refúgio, alega a Ministra que não existe ato inteiramente vinculado, nem ato inteiramente discricionário. Para ela, todos os atos são mistos, possuindo ambos os elementos. Com isso, temos que a concessão do refúgio pelo Ministro da Justiça não tratou de nada mais senão do “exercício dos elementos de discricionariedade (…) que atuou na sua competência legal” e “concluiu por meio de elementos presentes nos autos”. A Ministra também traz o entendimento de que o poder discricionário exercido pelo administrador público não está sujeito à revisão por parte do Poder Judiciário.

Quanto à alegação de interferência entre os Poderes, não vê problemas no fato de a prejudicialidade do processo de extradição advir de uma decisão de outro Poder soberano.

Assim, reconhecendo como válida a decisão do Ministro da Justiça na concessão do refúgio, decide a Ministra Carmen Lúcia por extinguir o processo de extradição, aplicando na sua inteireza o artigo 33 da Lei do Refúgio.

Ao iniciar posição contrária à do Ministro Relator, a Ministra Carmen Lucia traz ao julgamento o argumento de que o artigo 33 deve ser aplicado independente de qualquer análise prévia, ou seja, se foi concedido o refúgio, tudo o que o STF tem a fazer é extinguir o processo de extradição.

2.5.2.6. Decisão do Ministro Eros Grau

O Ministro Eros Grau começa seu voto tratando do ato concessivo do refúgio, que, no seu entendimento, impede que o processo de extradição possa continuar.

O Ministro traz uma ressalva para lembrar que os atos administrativos – incluindo o ato administrativo de concessão de refúgio – podem ser objeto de controle pelo Poder Judiciário. Entende o Ministro, inclusive citando artigo acadêmico de sua autoria, que cabe ao Poder Judiciário verificar apenas, e tão somente, se o ato administrativo é – na expressão utilizada pelo Ministro – correto, como se pode extrair do seguinte trecho:

“(…) a análise e ponderação da motivação do ato administrativo informam o controle, pelo Poder Judiciário, da sua correção. O Judiciário então verifica se o ato é correto. Não, note-se bem — e desejo deixar isso bem vincado —, qual o ato correto.” (Voto do Ministro Eros Grau, p. 1.).

Mais adiante, o Ministro parece reconhecer que a decisão do Ministro da Justiça não configura decisão absoluta ao vislumbrar a possibilidade de ela ser revista em “juízo adequado”, afirmando que um processo de extradição não é tal juízo. Para ele, tal decisão deve ser contestada em outro locus para que se possa dar ao Ministro da Justiça o direito constitucional do contraditório, uma vez que as alegações feitas pelo governo da Itália atacam além de seu ato, a própria pessoa do Ministro ao dizer que a concessão do refúgio se deu por meio de um raciocínio cerebrino para traduzir interesses de natureza pessoal.

Por fim, termina seu voto reafirmando que se encontra prejudicado o exame da extradição, uma vez que os fatos que a embasam são os mesmos utilizados quando da concessão do refúgio.

O voto do Ministro, por ter sido proferido antes mesmo dos outros votos, pouco adentra na questão do caso Medina. Entretanto, pela sua decisão, pode-se notar que o Ministro entende que o ato de concessão de refúgio pode ser revisto, mas não em um processo de extradição.

2.5.2.7. Decisão do Ministro e Presidente do STF Joaquim Barbosa

Seguindo o entendimento dos Ministros Eros Grau e Carmen Lúcia, o Ministro Joaquim Barbosa entende pela higidez do ato administrativo de concessão do refúgio ao extraditando.

Para o Ministro, não seria a concessão do refúgio um simples ato administrativo suscetível a reexame pelo judiciário, pois não se trata de litígio simples envolvendo Estado estrangeiro. A natureza internacional do conflito o impede de ser tratado nas Cortes, tratando-se das relações internacionais entre os Estados. Traz o Ministro trecho de documento do ACNUR que determina que a decisão de refúgio deve vincular os outros órgãos do governo.

Segue então o Ministro Joaquim Barbosa relembrando o fato de que o sistema extradicional brasileiro possui caráter protetivo, e que a intervenção do Poder Judiciário em tal processo deve ser feita sempre no melhor interesse do extraditando. Com isso, rever uma decisão que concedeu ao extraditando o status de refugiado seria ir contra a lógica do próprio sistema.

Em outras palavras, caberia ao Supremo apenas controlar a legalidade externa da pretensão formulada pelo Estado estrangeiro.

Quanto ao precedente da Extradição nº. 1.008, entende com base no parecer da Procuradoria-Geral da República, que o fato da decisão prejudicial ao processo de extradição advir de outro Poder não significa a intervenção de um Poder no outro.

Com isso, o Ministro Joaquim Barbosa também reconhece a legalidade do ato praticado pelo Ministro da Justiça e, consequentemente, julga extinta a extradição pela aplicação da Lei do Refúgio, notadamente seu artigo 33.

O Ministro Joaquim Barbosa segue o entendimento minoritário ao entender que não se deve verificar o ato que concedeu o refúgio, pois este é ato político, além de praticado em prol do extraditando.

2.5.3. A Corte Internacional de Justiça (Haia)

O Tribunal Internacional de Justiça ou Corte Internacional de Justiça é o principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas. Tem sede em Haia, nos Países Baixos. Por isso, também costuma ser denominada como Corte da Haia ou Tribunal da Haia. Sua sede é o Palácio da Paz.

Foi instituído pelo artigo 92 da Carta das Nações Unidas: « A Corte Internacional de Justiça constitui o órgão judiciário principal das Nações Unidas. Funciona de acordo com um Estatuto estabelecido com base no Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional e anexado a presente Carta da qual faz parte integrante.

Sua principal função é de resolver conflitos jurídicos a ele submetidos pelos Estados e emitir pareceres sobre questões jurídicas apresentadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou por órgãos e agências especializadas acreditadas pela Assembleia da ONU, de acordo com a Carta das Nações Unidas.

Foi fundado em 1946, após a Segunda Guerra Mundial, em substituição à Corte Permanente de Justiça Internacional, instaurada pela Sociedade das Nações.

O Tribunal Internacional de Justiça não deve ser confundido com a Corte Penal Internacional, que tem competência para julgar indivíduos e não Estados.

2.5.3.1. A Itália anuncia decisão de recorrer a Haia

Em junho de 2011, a Itália anuncia a decisão de recorrer a Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda. Neste mesmo mês, mais precisamente dia 09, Battisti deixava a Penitencia da Papuda em Brasília.

Segundo a agência italiana ANSA, o ministro italiano da Simplificação Normativa, Roberto Calderoli, disse em entrevista que a Itália poderia boicotar a Copa do Mundo de 2014, que ocorrerá no Brasil, como protesto pela libertação de Battisti:

“Boicotemos o Mundial de futebol de 2014. É um sinal que enviamos ao Brasil para a questão de Battisti, mas também um modo para tentar restituir a moralidade a todo o movimento futebolístico italiano – disse ele, também se referindo ao esquema de comercialização de resultados das séries B e C de futebol no país. A Justiça Italiana já prendeu 16 dirigentes e jogadores envolvidos em fraudes.”

Por fim, conforme reportagem publicada no jornal O Globo, Alberto Torregiani, filho de uma das vítimas que tinha 15 anos quando, numa ação do grupo de Battisti, ficou paraplégico ao ser baleado e teve o pai morto em ataque atribuído ao grupo a que pertencia Battisti, declarou que a libertação do ex-ativista foi para ele “um soco no estômago”. À agência italiana Ansa, ele disse esperar por esse resultado. Torregiani disse a Ansa:

“Saber que Battisti foi libertado é, para mim, um soco no estômago. É verdade que eu já esperava (por essa decisão), mas uma coisa é imaginar e outra é ver com os próprios olhos”.

E completou que “A atitude dessa pseudojustiça é um insulto a quem realiza verdadeiramente esse trabalho”.

Na época, o então Primeiro-Ministro italiano Silvio Berlusconi disse desapontado pela decisão do Supremo de negar a extradição de Battisti e afirmou que o país manterá os esforços para levá-lo à Justiça.

A ministra para assuntos da juventude, Giorgia Meloni, classificou a decisão da suprema corte brasileira como “a mais recente humilhação infligida às famílias das vítimas” e uma “tapa no rosto da Itália”.

Em comunicado, o presidente italiano, Giorgio Napolitano, afirmou “deplorar” a decisão e expressou seu respeito às famílias das vítimas dos crimes que, segundo ele, foram cometidos por Battisti.

A parlamentar Alessandra Mussolini, neta do ex-ditador Benito Mussolini, que chefiou a Itália durante a Segunda Guerra Mundial, pediu que a Itália promova retaliações diplomáticas contra o Brasil.

2.5.3.2. Negativa brasileira a uma comissão de investigação

O governo brasileiro adotou uma manobra diplomática para retardar um julgamento pela Corte Internacional de Justiça.

O Brasil rejeitou a proposta da Itália de criar uma comissão de conciliação para se chegar a uma “solução jurídica amigável”. Com isso, o governo tenta manter o assunto no âmbito quase sigiloso dos despachos diplomáticos e evita os holofotes de um tribunal internacional.

A Itália havia pedido ao Brasil que indicasse até 15 de setembro de 2011, um representante para a Comissão Permanente de Conciliação, prevista na Convenção sobre Conciliação e Solução Judiciária, assinada pelos dois países em 1954. Assim, conforme o texto da Convenção, daria por encerradas as tratativas sobre o caso pela via diplomática. Um árbitro neutro, provavelmente indicado pela Corte de Haia, estaria incumbido de propor um acordo entre as partes. O prazo estipulado pela Itália não está expresso na convenção e, por isso, o Brasil não trabalhava com esse limite.

Segundo os jornalistas Felipe Recondo e Lisandra Paraguassu:

“Independentemente disso, já havia um entendimento de que o Brasil não indicaria seu representante nessa comissão. A avaliação do Itamaraty é que não há possibilidade de acordo no caso. A única resposta aceitável para a Itália é que Battisti seja extraditado; o Brasil insiste que uma decisão soberana foi tomada pelo Estado brasileiro e recusa-se a entregá-lo.” (Estadão, Brasil manobra, mas Haia julga caso Battisti).

Segundo o mesmo periódico:

“Diplomatas ouvidos pelo Estado afirmam que o governo brasileiro entende a pressão italiana como um caso de política interna muito sensível. Nem por isso poderá ceder, já que o asilo político já foi concedido a Battisti. Quando o caso chegar a Haia, o Brasil contratará um advogado para fazer sua defesa. Antes disso, nada será feito”. (Estadão, Brasil manobra, mas Haia julga caso Battisti).

2.5.3.3. Competência e jurisprudência de Haia

Desde sua fundação, predominam os problemas de fronteiras, navegação aérea, uso de águas e recursos minerais, ocupação de territórios por tropas estrangeiras, crimes não tratados pelo Tribunal Penal, exigências de indenizações, conflitos de meio ambiente, como o atual entre a Argentina e o Uruguai.

O primeiro de todos, em 1946, foi uma reclamação britânica contra Albânia, pedindo indenização porque um navio seu foi atingido por minas submarinas. Um caso recente típico foi a construção do muro da Palestina por Israel.

Sob a possibilidade de um Estado pedir uma ação contra outro Lunzargo diz:

“Se um estado quiser demandar outro, ambos devem estar sob a jurisdição da CIJ. Isto se consegue de três maneiras: (1) Pela existência de um acordo preexistente de que ambos reconhecem a CIJ como árbitro. (2) Quando, faltando esse acordo, o estado demandado decide se submeter voluntariamente. (3) Quando, existindo um Tratado Bilateral relativo ao caso em apreço (por exemplo, aqui, é o tratado de extradição Brasil-Itália), esse tratado contém uma cláusula que diz “Qualquer aspecto não definido neste tratado, será submetido à CIJ, etc.”. (2011, p. 22)

O mesmo Lunzargo, sob está questão Brasil-Itália completa:

“Não estão no caso (1) nem no caso (3). O caso (2) depende de que, dentro de certo prazo, o Brasil decida se submeter voluntariamente. Mas, se o Brasil decidisse aceitar isso, teria aceitado, com maior razão, a arbitragem proposta pela Itália segundo a Convenção Fernandes-Forlani. Então, o Brasil e a Itália não estão em nenhuma dessas condições.” (2011, p. 22)

Por fim, segundo a opinião de inúmeros juristas apos a apresentação de um requerimento da Itália contra o Brasil, teoricamente, este pedido da Itália deveria ser arquivado imediatamente após de protocolado. Seria totalmente irregular que a Corte aceitasse analisar, mesmo preliminarmente, esta queixa da Itália, mas, pode existir uma probabilidade ínfima de que, com algum pretexto que não consigo imaginar, seja submetida à consideração. Como o Brasil não está na mesma jurisdição, o estado brasileiro ignorará a convocatória, como fez com a recente pretensão da Itália de aplicar a Convenção de Fernandes-Fornari.

Sob a possibilidade de o Brasil aceitar está convocatória os mesmo juristas dizem não crer que nenhum país se submeta voluntariamente a esse tipo de humilhação. Sob o mesmo assunto o Prof. Carlos Frederico disse “uma nação que entregar uma decisão destas há Haia estará fazendo o mesmo que declarar sua incompetência para decidir sob seus assuntos internos”.

Mas levantando a hipótese de tais acontecimentos, o plenário da CIJ analisaria o pedido da Itália de obrigar o Brasil a entregar Battisti e decidiria (com estas ou outras palavras, não podemos saber de antemão), que o assunto não viola nenhum direito do demandante, e que a retenção do perseguido foi determinada pelo chefe de estado, aprovada pelo STF no dia 08/06/2011, e que não é um caso de Direito Internacional.

Por fim, vale-se lembrar que em seus mais de 65 anos de existência o Tribunal Internacional de Justiça julgou um único caso de extradição semelhante, a Bélgica pediu em 2009, que Senegal entregasse Habré, o ex-presidente do Chad por crimes contra a humanidade. O pedido foi derrotado por 13 a 1.

Discussão

Ao longo desde trabalho, procurou-se analisar a caso envolvendo o hoje exilado político Cesare Battisti, a negativa de sua extradição solicitada pelo governo italiano, analisou-se as bases doutrinarias envolvendo soberania, extradição, asilo politico e tratados internacionais na visão de diversos e conceituados doutrinadores, bens como as questões legais, a historia detalhada envolvendo tal processo de extradição desde a biografia de Battisti, passando pelos votos individuas de cada Ministro do Supremo Tribunal Federal até sua soltura. Após tudo, buscando inicialmente de maneira imparcial buscar visão mais ampla sob o caso do que o divulgado pela mídia. Mas, quais os resultados encontrados?

A princípio visando os termos doutrinários, vimos o que é soberania? Seria uma concepção política, o poder absoluto, máximo do Estado livre, aquele poder que não pode ser limitado por nenhum outro poder. E Tratados Internacionais? Segundo o grande RIZE “é um acordo resultante da convergência das vontades de dois ou mais sujeitos de direito internacional, formalizada num texto escrito, com o objetivo de produzir efeitos jurídicos no plano internacional” (2007, p.7 a 9). Sob extradição? Que é um processo oficial pelo qual um Estado e obtém de outro a entrega de uma pessoa condenada por, ou suspeita de infração criminal, ou como definido por RIZEK (2011, p. 2013) “Extradição é a entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de pessoa que em seu território deva responder a processo penal ou cumprir pena”. E por fim, o que seria asilo político e quais seus requisitos? É uma instituição jurídica que visa à proteção a qualquer cidadão estrangeiro que se encontre perseguido em seu território por delitos políticos, convicções religiosas ou situações raciais.

Quando a situação de Battisti? Herói? Vilão? Perseguido? Criminoso? Talvez a questão mais controversa, lembrando que este é condenado por quatro assassinatos (lembrando que a estudar a legislação italiana, esta não existe o crime de terrorismo, como este seria acusado se estivesse a par da lei penal brasileira), fora demais “crimes” que nem mesmo foi julgado como lesão corporal gravíssima (termo legal brasileiro, utilizado aqui de forma exemplificativa), reforça-se que entre vítimas fatais ou não fatais se encontravam militares, políticos e meros civis, seria alguém que feri civis um herói que luta pela liberdade ou um mero terrorista? Na minha humilde visão, (exemplificando) sou a favor de lutas por seus direitos, sou a favor de greves por melhores salários, mas sou completamente contra quando isso prejudica outros, como quando cansamos de vivenciar em nossas cidades quando grevistas agridem, destroem patrimônio alheio, evita que os demais cidadãos chegam ao trabalho ou custem a estar em casa com suas famílias, acho que com base nisto, caro leitor, já é possível observar minha visão quanto atos como de Battisti ferem inocentes, mas está é minha visão, você é livre para dar seu veredito.

O na época presidente da república Luiz Inácio “Lula” da Silva, concedeu asilo político a Battisti, ele alegou que Battisti era um “perseguido”, mas isto é a visão dele, questiono uma coisa, sob ser perseguido ou não, isto depende dá consideração sob os crimes de Battisti, seria o então presidente, um a meu ver um leigo da área jurídica capacitado a tal discernimento? A meu ver não. Mas, paciência.

O Supremo Tribunal Federal, o que dizer? Com base estudo do acórdão e anexos do referido tribunal tanto a extradição n. 1.008, observa-se que a principal alegação para que seja mantida a decisão do Presidente foi que o Supremo não tem “soberania internacional” para tal ato, mas, ao estudar tais questões, observa-se que vários doutrinadores alegam firmemente que a princípio (nos primórdios de nosso Supremo) o STF poderia meramente comentar a decisão do presidente no estilo “eu acho, mas é somente minha opinião”, mas como a evolução jurídica da instituição extradição e no STF hoje ele tem poder para “peitar” caso considere equivocada a decisão do presidente, mas se omitiu.

 Lembramos que existe um tratado de extradição entre Brasil e Itália, a meu ver não for cumprido, Battisti condenado na Itália deveria ser entregue pelo governo Brasileiro, conforme tido neste tratado, mas o governo brasileiro alega que a decisão do asilo foi tomado, pelo mais alto posto do nosso executivo e ir contra a decisão brasileira, em prol de exigência do governo italiano iria contra a soberania brasileira, mesmo existindo um tratado, com base no estudado, o Brasil demonstrou sua soberania quando de livre e espontânea vontade aceitou todos os termos deste tratado e o assinou, este tratado se equivale a um contrato em nosso direito civil e o que diz a teoria do contratos em nossa legislação? Contratos existem para serem cumprimos (deste que obedecidos todos seus requisitos para sua validade), ACCIOLY, SILVA e CASELIA exemplificam que a soberania moderna está de maior forma exemplificada no poder dos reis medievais em declarar guerra ou assinar “tratados” de paz. Ou seja, obedecer, o tratado de extradição Brasil/Itália indo contra a decisão do executivo não seria ferir a soberania, mas demonstrar a boa índole de nosso país em cumprir suas promessas.

Eu vejo, após estudo geral do tema, várias falhas do executivo e judiciário nacional, enxergo que o asilo foi equivocado e a extradição, mais do que justa, aconselho futuros estudiosos e curiosos sobre o tema, limpar suas mentes, excluir suas visões pessoas sobre o caso, começar como comecei, buscar a base doutrinaria a respeitos de matérias jurídicas do assunto como fiz, por exemplo, com o estudo da soberania e dos tratados, analisar Battisti na Itália, quem foi? O que fez? Analisar a visão do ex-presidente e os senhores Ministro, por fim fazer sua análise e assim sim chegar a uma conclusão e aí sim, sua opinião pessoal.

Conclusão

O caso Cesare Battisti ou Extradição n. 1.008 é um dos mais recentes casos de concessão de refúgio político no Brasil. Battisti foi militante de um grupo armado de orientação esquerdista durante o período que se convencionou chamar de “anos de chumbo” e foi acusado e condenado a prisão perpétua pela prática de quatro homicídios. Apreendido no Brasil a extradição de Battisti foi requerida pelo Estado italiano com base no tratado de extradição firmado entre a Itália e o Brasil. O italiano requereu o status de refugiado político alegando sofrer fundados temores de perseguição por motivos políticos e foi reconhecido como refugiado em recurso ao Ministro da Justiça.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu no dia 31 de dezembro de 2010 negar a extradição do ex-ativista. A decisão de Lula acontece mais de um ano depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizar a extradição de Battisti, mas deixar nas mãos do presidente uma decisão final sobre o assunto. E em nova decisão do STF estes mantiveram a decisão no ex-presidente, sob alegação que a decisão cabe a este e eles (os ministros) não possuem competência para tal julgamento.

Vale lembrar que esse entendimento ainda pode ser derrubado e o entendimento do Tribunal sobre o assunto seja o de que a concessão de refúgio não pode ser revista pelo STF. O Ministro Marco Aurélio ainda não votou e, pelas suas argumentações durante a sessão de 50julgamento, e pelo seu voto na Questão de Ordem sobre o julgamento do Mandando de Segurança, nota-se que o Ministro parece ser contrário à posição adotada pelo Ministro Cezar Peluso. Tendo pedido vista dos autos, resta ainda proferir seu voto sobre essa questão, bem como o voto do Ministro Presidente Gilmar Mendes, que votará, conforme já demonstrado, caso a contagem empate. Importante lembrar que o Ministro Gilmar Mendes, nesse assunto, proferiu decisão solitária no caso Medina. Seguirá o Ministro sua posição de somente obstar a extradição em casos de crime político? De que forma o Ministro Gilmar entende a decisão que concedeu o refúgio: absoluta ou passível de verificação pelo STF?

Ao que se pode depreender das sessões, e do voto do Ministro na Questão de Ordem, sua posição parece se inclinar para o lado do Ministro Relator. Sendo assim, e confirmando-se os prognósticos acima descritos, teremos que Cesare Battisti será extraditado. Mas eis que surge outra questão: o Presidente da República acatará a decisão do STF?

Ao analisar a questão em um todo, gera-se varias discussões e perguntas a serem respondidas, entre elas, se Battisti se enquadra nas condições para a se beneficiar de asilo politico oferecido pela legislação brasileira. Rizek diz que um dos requisitos é que a sujeito esteja sendo acusado de crimes políticos, e deve-se tomar cuidado para que este se diferencie de crimes de natureza comum, se pergunta então, qual a natureza dos crimes de Battisti? Comuns ou políticos? Lembrando-se que entre as vítimas fatais avisa civis e entre as demais vítimas um pré-adolescente de terminou paraplégico? A meu ver e de vários estudiosos do assunto seus atos não passaram de terrorismo e lembrando que a legislação italiana é falha quanto a este assunto, não tendo terrorismo como crime, os atos de Battisti não passam de crimes comuns, principalmente quando ao meu ver vítimas civis (recordando que suas vítimas incluíram civis, militares e políticos) é terrorismo e assassinato. Voltando-se as indagações, tal um dos principais temas, o Brasil tem um tratado assinado, mas alegou que tomou uma decisão e sua soberania deve de ser respeitado, o que vale mais, a soberania ou um tratado assinado? A duas correntes, a maioritária diz que o país assinou um “contrato” contendo todos os requisitos inclusive para validade contratual, inclusive e principalmente a vontade das duas partes, ou seja, o tratado deve sim prevalecer, a corrente minoritária expressa a soberania é absoluta e se sobrepõe ao tratado, então qual corrente seguir? Ao unir as duas correntes, não seria a escolha pela a assinatura do tratado a maior prova de sua soberania? O seu direito de escolha? Voltando ao princípio do termo soberania, aquela dos séculos XIV e XVI onde a maior prova de soberania era declarar guerra ou assinar um tratado de paz, o tratado já seria uma prova de soberania! Por último o papel do presidente da República e do SFT, não é poder demais um só homem tomar tamanha decisão? Até quando se limita o poder do STF? Rizek disse que no princípio da extradição na legislação brasileira, o poder era de um só homem, mas com o surgimento do STF este passou a poder questionar a decisão deste só um homem, mas era somente uma opinião, mas com o decorrer da evolução jurídica o STF se tornou mais efetivo e participativo podendo sim interferir na decisão, o que outros casos de extradição recentes confirmam, então por que o STF se “omitiu”? Quem sabe?

Conclui-se, por fim, que este já não seja um caso somente Brasil e Itália, mas sim de âmbito global, eu pessoalmente questiono a não concessão desta extradição, se houve crime político ou convencional, quem é o presidente para definir? Ele tem de saber jurídico para isto? Por que STF (o “top” da justiça do país, onde se julgam estar os melhores juristas) não deu nem mesmo importância a isto? A Itália quer Haia envolvida, não seria a mais justo? Lembrando que no tratado assinado pelo Brasil dispõe que em caso de discordância entre as partes Haia teria a palavra final, mas como lembrado por muitos juristas Haia só “opina”, eles não têm dúvida, caso Haia concede-se a extradição o Brasil como um menino minado somente viraria a costa e fingiria que não é com ele.

Por fim, a meu ver tudo começou errado, o Presidente “medroso” tomou sua decisão no último dia de mandato, mais do tipo “deixo essa bomba para quem chegar agora”, o STF dividido, se omitiu e por fim não quis briga com os demais poderes e para finalizar o principal órgão internacional só vive de nome, pois poder mesmo não tem nenhum, é um velho vivido dando conselho a um adolescente problemático e este escuta? Eu duvido!

 

Referências
RIZEK, Francisco. Direito Internacional Público. 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011.
ACCIOLY, Hilbebrando, SILVA, G. E. Nascimento, CASELIA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012.
DAVID, Marcelo. Direito Internacional, Vol. II. Edicao única. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
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http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ext1085GM.pdf, acesso em 23 de maio de 2013.
Notas
[1] Bilaterais e específicos que vigem atualmente tratados de extradição entre Brasil e a Austrália (1996 – ano da entrada em vigor), a Bélgica (1957), o Canada (1995), a Colômbia (1940), a Coreia (1996), o Equador (1938), a Espanha (1990), os Estados Unidos da América (1964), a Itália (1993), o México (1938), o Peru (1922, 1999), Portugal (1994), o Reino Unido (1997), a República Dominicana (2008), a Romênia (2008), a Rússia (2007), a Suíça (1934), a Ucrânia (2006), o Uruguai (1919) e a Venezuela (1940). No plano coletivo, o Brasil está vinculado por tratado de 2005 aos seus parceiros e associados no MERCOSUL: Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Chile. O Congresso examina neste momento os tratados negociados com Angola, Guatemala, Líbano, Moçambique, Panamá e Suriname. Há negociações em curso com África do Sul, a Alemanha, a China, a Índia e o Japão.
[2] O STF tem o reconhecido sua competência originaria para o conhecimento da habeas corpus, e mesmo de mandados de segurança, impetrados em favor de extraditados (v. HC 80. 923-SC, 2001, e Reclamação 2.069-DF, 2002).
[3] Não pode, entre nós, o extraditado, como no sistema francês, renunciar ao beneficio da lei, externando a vontade de ser colocado à disposição do Estado que o reclama independente do pronunciamento judiciário (caso Sardon, Extr. 314, RTJ 64/22; caso Joy, HC 52.251, Tribunal Pleno em 22 de maio de 1974).
[4] A história registra casos excepcionais de asilo diplomático fora da América latina, onde a tolerância do Estado territorial deveu-se à singularidade da conjuntura. Exemplos mais ou menos notórios: 1) O acolhimento do cardeal primaz da Hungria, Josef Mindszenty, pela embaixada dos Estados Unidos em Budapeste, em novembro de 1956 (o cardeal iria permanecer 15 anos no interior da embaixada); 2) O acolhimento do líder político Imre Nagy pela embaixada da Iugoslávia, na mesma ocasião; 3) O acolhimento do general Humberto Delgado, líder da resistência ao regime salazarista, pela embaixada do Brasil em Lisboa, em fevereiro de 1959; 4) O acolhimento do general Michel Aoun pela embaixada da França em Beirute, em outubro de 1990; 5) O acolhimento de Erich Honecker, que fora o homem forte da Alemanha oriental (RDA), pela embaixada do Chile em Moscou, em janeiro de 1992, caso cujo desfecho foi a entrega de Honecker pelos russos ao governo da Alemanha unificada, em 29 de julho do mesmo ano, para julgamento. Há também registros avulsos do acolhimento de grupos mais ou menos numerosos de pessoas em dificuldade ou desgraça política, por embaixadas estrangeiras, e por pouco tempo: Na Espanha em guerra civil, entre 1936 e 1937; na Albânia de 1990, quando da agonia do regime comunista; na África do Sul de 1991 e 1992, ante os conflitos de rua contemporâneos da reforma do quadro político e social.
[5] Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências. Título V. Dos Efeitos do Estatuto de Refugiados sobre a Extradição e a Expulsão. CAPÍTULO I. Da Extradição. Art. 33. O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.
[6] O ato administrativo vinculado é aquele que deve ser executado exatamente de acordo com a lei, não cabendo ao administrador público nenhuma alternativa, ao contrário do ato administrativo discricionário, no qual a lei atribui ao administrador público certas escolhas.
[7] Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
[8] Termo aqui utilizado não no sentido oposto ao de Estado Democrático de Direito.
[9] Voto do Ministro relator Cezar Peluso na Extradição 1.085, p. 44.

Informações Sobre o Autor

Bruno Fernandes Figueiredo

Advogado atuante nas áreas do Direito Civil e Direito Internacional bacharel em direito pela Universidade Salgado de Oliveira especialista em Direito Internacional pelo Centro de Estudos em Direito e Negócios


Equipe Âmbito Jurídico

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