Resumo: O presente trabalho tem como objeto de análise as principais modificações advindas no denominado “terceiro setor” após o novo marco legal resultante da confecção da Lei nº 9.790/99, que instituiu as denominadas “organizações da sociedade civil de interesse público” (OSCIP’s). Nesse contexto, pretende-se dar ênfase ao estabelecimento e ao perfil da situação atual do terceiro setor, analisando-o do ponto de vista das entidades beneficentes e sob a ótica de aspecto ainda objeto de controvérsia na atualidade, a saber, a repercussão jurídico-tributária da supracitada Lei no seio das instituições que porventura pretendam obter a qualificação de OSCIP. Destarte, acredita-se que a pesquisa, por tratar de um tema relativamente novo e que ainda tem gerado polêmica, trará para a Academia e para a sociedade uma contribuição importante sobre aspectos relativos a entidades que têm se multiplicado dia-a-dia no território nacional.
Palavras-chave: Terceiro setor, OSCIP, tributo.
Abstract: The following work has like analysis’s object the premiers modifications increased in the called third sector after the legal mark coming from the creation of law nº 9.790/99, that instituted the termsed “ Organizações da sociedade civil de interesse público” (OSCIPs). In this context, it intends to show emphasis to the establishment and the situation’s profile from the third sector, analyzing the viewpoint of the voluntary entities and under the optics of the aspects controversy’s object in the present time, to know, the repercussion tributary juridical of the quoted law among the institutions that perchance intend to get the qualification for the OSCIP. However, believe that the research by speaking about a new theme and in this aspect it is polemic ,will bring to the academy and to the society a important contribution about comparative aspects to entities that has multiplied day-to-day on the national territory.
Keywords: Third sector, OSCIP, tribute.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Terceiro Setor. 3. Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Lei nº 9.790/99). 4. A Tributação no Terceiro Setor e o Modelo de Tributação Advindo da Lei nº 9.790/99. 5. Conclusões. Referências.
1. Introdução
Desde meados da década de 80 tem-se pensado em um novo formato para o Estado brasileiro, que herdou dos sistemas anteriormente vigentes uma estrutura burocrática e engessada, com repercussões em todos os setores da sociedade, inclusive a sociedade civil.
Como vivemos em um Estado de Direito, essa tendência era consolidada na legislação pátria e todas as leis confeccionadas antes da década de 90, onde de fato se inicia uma reforma do Estado – sobretudo com os estudos de Bresser Pereira – traziam no seu bojo a arquitetura de um Estado burocrático.
Depois da Reforma Administrativa, advinda da Emenda Constitucional 19/98, assistiu-se a uma das mais significativas transformações em todos os setores burocráticos do País, sendo que as leis que cuidam de aspectos internos das instituições, públicas ou privadas, passaram a se espelhar na indigitada Reforma.
É nesse contexto que surge a recente normativa relacionada ao denominado “terceiro setor”, termo que deriva do conceito de setor terciário, que é ramo econômico da prestação de serviços.
Assim, com as mudanças concernentes à alteração na forma de atuação do Estado e de organização e funcionamento da máquina administrativa, o Governo Federal editou a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que dispôs sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), e ainda instituiu e disciplinou o Termo de Parceria.
A nova lei do Terceiro Setor visa à possibilidade de mudança nas políticas públicas governamentais, transformando-as em políticas públicas de parceria entre Estado e Sociedade Civil em todos os níveis, com a incorporação das organizações de cidadãos na sua elaboração, execução, monitoramento, avaliação e fiscalização.
Em linhas gerais, o Novo Marco Legal visa a estimular o crescimento do Terceiro Setor, fortalecer a Sociedade Civil e investir no Capital Social.
Em face disso, entende-se por oportuno um estudo que sistematize a norma em comento, apontando as principais modificações trazidas pela nova legislação e a influência da mesma na feitura das normas correlatas posteriores.
Para tanto se pretende, com tal pesquisa, apresentar um perfil da situação atual do marco legal do terceiro setor, analisando-o do ponto de vista de entidade beneficente e sob a óptica dos aspectos objeto de controvérsia na atualidade.
Por fim, acredita-se que a pesquisa, ao tratar de um tema novo e de certa forma polêmico, trará para a Academia e para a sociedade uma contribuição importante sobre aspectos relativos a entidades que têm se multiplicado dia-a-dia no território nacional.
2. O Terceiro Setor
A compreensão do que venha a ser o terceiro setor passa necessariamente pela análise do tema Administração Pública e dos entes que com ela colaboram.
De acordo com Alexandre de Morais (2005, p. 293), a Administração Pública pode ser definida como a “atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos e subjetivamente com o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado”.
Segundo entendimento de Hely Lopes Meirelles (2004, p. 64), a Administração Pública:
“[…] em sentido formal é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade.”
Já a organização administrativa diz respeito a um conjunto de normas jurídicas que regem a competência, as relações hierárquicas, a situação jurídica, as formas de atuação e controle dos órgãos e pessoas, no exercício da função administrativa.
Conforme assegura José dos Santos Carvalho Filho (2005, p. 401), partindo-se da noção de que o Estado atua por meio de órgãos, agentes e pessoas jurídicas, “faz-se necessário que a organização tenha três situações fundamentais para o exercício de suas funções, quais sejam: a centralização, a descentralização e a desconcentração”. Nesse contexto, passa-se a distinguir os três fenômenos.
A centralização é a forma segundo a qual o Estado executa suas tarefas diretamente, através dos órgãos e agentes administrativos que compõem sua estrutura funcional.
A descentralização é a atuação do Estado de forma indireta, ou seja, neste caso, há uma espécie de delegação ou outorga de atividades a outras entidades.
Quanto à desconcentração, o que se observa é um desmembramento dos órgãos para propiciar melhoria na sua organização estrutural.
Observa-se que as administrações centralizadas e descentralizadas estão direcionadas para o cumprimento de atividades administrativas, logo, a administração direta reflete a administração centralizada, enquanto que a administração indireta reflete a administração descentralizada.
Ainda Hely Lopes Meirelles (2004, p. 79), ao discorrer a respeito da matéria, faz a classificação da Administração Federal em Administração direta e Administração indireta, afirmando que “a Administração Pública não é constituída de serviços, mas, sim, de órgãos a serviço do Estado, na gestão de bens e interesses qualificados da comunidade”. Nesse sentido, conclui o renomado autor:
“[…] no âmbito federal, a Administração direta é o conjunto dos órgãos integrados na estrutura administrativa da União e a Administração indireta é o conjunto dos entes (personalizados) que, vinculados a um Ministério, prestam serviços públicos ou de interesse público.”
Em síntese, pode-se afirmar que a organização administrativa brasileira constitui-se em Administração direta e Administração indireta (conforme o Decreto-Lei nº 200/67, no seu art. 4°). Embora não pertençam a essa classificação, acrescentem-se os entes de cooperação ou colaboração, onde se encontram insertos os do terceiro setor, que engloba, dentre outras entidades, as organizações da sociedade civil de interesse público, identificadas pela sigla OSCIP.
Sem ter a pretensão de exaurir o tema, far-se-á efêmera análise, a seguir, de cada um desses aspectos da organização administrativa brasileira.
Conforme José dos Santos Carvalho Filho (2005, p. 402), a Administração Pública Direta “resulta de um conjunto de órgãos que integram as pessoas federativas, aos quais foi atribuída a competência para o exercício, de forma centralizada, das atividades administrativas do Estado”.
Sua composição é constituída pelos órgãos que integram as pessoas jurídicas políticas do sistema federativo brasileiro, quais sejam: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, com funções públicas administrativas outorgadas por lei” (Art. 4º, inciso I, do Decreto-Lei n. 200, de 25/02/67).
A estrutura da organização administrativa federal encontra-se fundamentada nos termos do Decreto Lei nº 200/67 e suas alterações e a Lei n. 10.683, de 28.05.2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios.
O Decreto-Lei nº. 200/67 conceitua a Administração direta federal como aquela realizada pelo conjunto de órgãos que integram os Ministérios ou que são diretamente subordinados à Presidência da República.
No direito positivo brasileiro a Administração indireta é integrada por pessoas jurídicas de direito público ou privado, criadas ou instituídas por lei específica, que compõem as autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público, bem como as empresas públicas e sociedades de economia mista. Parte da doutrina inclui também as concessionárias e permissionárias de serviços públicos, conhecidos por serviços delegados. Há, ainda, os chamados entes de cooperação ou entidades paraestatais, denominadas por alguns autores de terceiro setor, que compreende: a) serviços sociais autônomos (SESI, SESC, SENAI etc.); b) entidades de apoio (em especial fundações, associações e cooperativas); c) organizações sociais; e d) organização da sociedade civil de interesse público.
Hely Lopes Meirelles denominou os entes de cooperação de entidades paraestatais, pessoas jurídicas de direito privado que se encontram ao lado do Estado para executar cometimentos de interesse deste, porém não privativos do Estado.
Segundo Maria Sílvia Zanella Di Pietro, “o termo entidade paraestatal foi utilizado pela primeira vez no direito italiano em 1924, para indicar a existência de certos entes parestatais ao lado das autarquias” (2004, p. 413). Posteriormente usado no direito brasileiro com a mesma intenção, entende-se que a expressão significa “ao lado do Estado”, “paralelo ao Estado”. Dessa forma, as entidades paraestatais são pessoas jurídicas que atuam ao lado e em colaboração com o Estado.
A expressão paraestatal não é empregada na Constituição Federal, embora aplicada na doutrina e jurisprudência. Há vários entendimentos a respeito de seu significado.
Para Meirelles (2004, p.67) as entidades paraestatais:
“[…] são pessoas jurídicas de direito privado que, por lei, são autorizadas a prestar serviços ou realizar atividades de interesse coletivo ou público, mas não exclusivos do Estado. São espécies de entidades paraestatais os serviços sociais autônomos (SESI, SESC, SENAI e outros) e, agora as organizações sociais, cuja regulamentação foi aprovada pela lei 9.648, de 27.5.98 […]”.
Preceitua Celso Antônio Bandeira de Melo (apud DI PIETRO, 2004, p.413):
“[…] a expressão abrange pessoas privadas que colaboram com o Estado desempenhando atividade não lucrativa e à qual o Poder Público dispensa especial proteção, colocando a serviço delas manifestações de seu poder de império, como o tributário, por exemplo. Não abrange as sociedades de economia mista e empresas públicas; trata-se de pessoas privadas que exercem função típica (embora não exclusiva do Estado), como as de amparo aos hipo-suficientes, de assistência social, de formação profissional (SESI, SESC, SENAI). O desempenho das atividades protetórias próprias do Estado de polícia por entidades que colaboram com o Estado, faz com que as mesmas se coloquem próximas do Estado, paralelas a ele.”
Acompanha o mesmo raciocínio a professora Di Pietro (2004, p.413), por considerar que juntamente com as entidades ao lado do Estado, além dos serviços sociais autônomos, seriam inclusas ainda as entidades de apoio (fundações, associações e cooperativas), as organizações sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP’s), desde que observe suas denominações específicas e peculiaridades apontadas separadamente.
Conforme demonstrado nos entendimentos acima, não existe uma única terminologia para as entidades apresentadas. Com base no plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, alguns teóricos incluem os entes de cooperação no denominado terceiro setor, como entidades da sociedade civil de fins públicos, sem fins lucrativos e de iniciativa privada.
Outra corrente da Reforma do Estado entende que os entes paraestatais estão inclusos entre as entidades públicas não estatais; públicas, porque prestam atividades de interesse publico; não estatais, por não pertencerem à administração direta nem à administração indireta
Por seu turno, Maria Sylvia Zanella Di Pietro revela que todas essas entidades privadas têm as mesmas características, porque são:
“[…] instituídas por particulares, desempenham serviços não exclusivos do Estado, porém em colaboração com ele; recebem algum tipo de incentivo do poder público; por estas razões, sujeitam-se a controle da Administração Pública e do Tribunal de Contas. Seu regime jurídico é predominantemente de direito público. Integram o terceiro setor, porque nem se enquadram inteiramente como entidades privadas, nem integram a Administração, direta e indireta. Incluem-se entre as chamadas organizações não governamentais (ONG’s). Todas essas entidades enquadram-se na expressão entidade paraestatal”. (2004, p. 413).
3. Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Lei n. 9.790/99)
A Lei nº 9.790/99, também denominada Lei do Terceiro Setor, estabeleceu uma nova disciplina jurídica para as entidades (associações, sociedades civis e fundações) sem fins lucrativos, possibilitando a sua qualificação, pelo Poder Público, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP’s, bem como a possibilidade de firmar, com os governos federal, estadual e municipal, acordos de cooperação denominados termos de parceria.
A referida lei engloba todas as entidades que apresentam objetivos sociais no campo da assistência social, cultura, educação, saúde, voluntariado, desenvolvimento econômico e social, da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia, além da defesa, preservação e conservação do meio ambiente.
Assim, nos termos do artigo 1º, podem qualificar-se como OSCIP, as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos na Lei. Considera-se sem fins lucrativos, a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social.
O artigo 2º estabelece, por um critério negativo, quais as entidades que não podem ser qualificadas como OSCIP. Segundo o entendimento doutrinário, essa relação é taxativa:
“a) as sociedades comerciais; b) os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional; c) as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais; d) as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações; e) as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios; f) as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados; g) as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras; h) as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; i) as Organizações Sociais; j) as cooperativas; k) as fundações públicas; l) as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas; m) as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal.”
O artigo 3º determina que a qualificação como OSCIP seja conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades: promoção da assistência social; promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; promoção gratuita da educação; promoção gratuita da saúde; promoção da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; promoção do voluntariado; promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de Interesse suplementar; promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades ora mencionadas.
Como inovação, a lei permitiu expressamente a remuneração aos dirigentes, sem estabelecer limites máximos para tal remuneração, apenas estabelecendo como parâmetro o critério do valor de mercado.
Ademais, trouxe ainda a lei outra grande novidade, consistente na possibilidade de formação de parcerias entre as entidades qualificadas como OSCIP e o Poder Público.
Nesse sentido, alcançada a qualificação, a entidade poderá firmar termo de parceria com o Poder Público para fomento de suas atividades, sendo necessário apenas o seu reconhecimento pelo Ministério da Justiça estando, portanto, dispensada a Declaração de Utilidade Pública e o Registro no CNAS. Não há que se falar em criação de entidade. Trata-se de qualificação.
Em síntese, A OSCIP nada mais é do que uma qualificação especial, instituída pela Lei nº. 9.790/99, regulamentada pelo Decreto n. 3100/99, concedidas àquelas entidades da sociedade civil sem fins lucrativos, que além, de cumprirem determinados requisitos legalmente exigidos (arts. 1º e 4º da Lei nº. 9.790/99), tenham por finalidade social uma das atividades relacionadas nos termos da citada Lei (art. 3º).
4. A Tributação no Terceiro Setor e o Modelo de Tributação Advindo da Lei nº 9.790/99
Antes do advento da Lei nº 9.790/99, as entidades qualificadas como filantrópicas, de utilidade pública e sem fins lucrativos já tinham preservados os direitos que comumente lhe eram atribuídos, tais como imunidades conforme o Texto Constitucional e isenções de determinados tributos, por força da legislação em vigor.
A Constituição Federal, no seu art. 150, VI, “c”, preleciona:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ou Distrito Federal e aos Municípios: (…) VI – instituir impostos sobre: (…) c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da Lei.”
Assevera ainda, reforçando o dispositivo supracitado, em seu art. 146, II, que “Cabe à Lei complementar regular as limitações ao poder de tributar”.
A Lei Complementar nº 104/2001 estabeleceu que, para gozar de imunidade, devem as entidades:
“I – Não distribuir qualquer parcela do seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer titulo;
II – Aplicar integralmente, no País os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III – Manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão”.
Em resumo, podem-se apontar as seguintes imunidades que se estendem aos organismos do terceiro setor, a saber: Imunidades sobre o patrimônio (IPTU, ITR, ITCMD, ITBI, IPVA), a renda (IR) e os serviços (ICMS, ISS) relacionados às suas finalidades, além de isenções previdenciárias.
O mais curioso do ponto de vista da tributação é que a Lei 9.790/99 não fez nenhuma menção expressa em relação aos tributos dos quais comumente são imunes e isentas as entidades que não possuem a qualificação de organização da sociedade civil de interesse público, causando dúvida quanto à permanência de direitos adquiridos anteriormente. O questionamento ainda persiste: se uma entidade quiser receber a qualificação de OSCIP poderá manter os direitos anteriores ou terá que realizar nova via crucis para obtê-los?
Um rol de normas surgidas após a confecção da Lei das OSCIP’s sugerem que as conquistas obtidas pelas entidades qualificadas como organização da sociedade civil de interesse público podem persistir. No entanto, a inflação legislativa traduzida em normas correlatas que foi confeccionada logo após a entrada em vigor da Lei nº 9.790/99 tem ensejado insegurança no setor. Senão vejamos:
1. Portaria n.º 31, de 20 de junho de 2005 (delega competência ao diretor do DJCTQ para opinar nos processos de utilidade pública e OSCIP’s nos casos de deferimento das qualificações);
2. Lei nº 10.637, 30 de dezembro de 2002, art. 34 (art. 34, que estabelece que a opção pela remuneração dos dirigentes da OSCIP não impede que sejam deduzidas as doações feitas a estas entidades na forma do art. 13 da Lei nº 9.249/95 e nem obstam o gozo da imunidade reconhecida no art. 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição Federal, desde que atendidos os requisitos legais para tanto);
3. Medida Provisória nº. 2.172-32/01( destaque para o art. 4.º, III, desta Medida Provisória, que exclui as OSCIP’s que se dedicam ao MICROCRÉDITO das disposições relativas à pratica de usura;
4. Medida Provisória nº. 2.158-35/01, cujos artigos 59 e 60 dispõem sobre a necessidade de renovação anual da qualificação como OSCIP e estabelecem a possibilidade de que as doações feitas por empresas a entidades qualificadas sejam deduzidas na apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, na forma do art. 13 da Lei nº 9.249/95;
5. Decreto 3.100, 30 de julho de 1999 (regulamenta a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências);
6. Portaria MF nº 256, de 15 de gosto de 2002 (define a destinação de bens da União);
7. Instrução Normativa SRF n.º 44, de 2 de maio de 2001 (o anexo 1 desta instrução normativa traz modelo de declaração em que se exige a menção ao título de utilidade pública federal).
Percebe-se que os aspectos relativos à tributação no terceiro setor, naquilo que se refere especificamente às entidades portadoras da qualificação de organização da sociedade civil de interesse público, ainda está em construção, de sorte que daí se pode deduzir, salvo melhor juízo, que no caso daquelas instituições já portadoras de algumas isenções e outras vantagens, que queiram se tornar OSCIP, não haverá uma “transferência” automática de tais direitos, devendo as mesmas solicitá-los de acordo com a legislação pertinente.
Feito isso, acreditamos ser possível apontar, sem a pretensão de esgotar o tema, algumas vantagens e desvantagens trazidas pela Lei nº 9.790/99 para aquelas entidades que porventura optem por tal qualificação, o que se faz nos tópicos seguintes.
São muitas as novidades, que doravante declinaremos como se vantagens fossem, advindas da Lei nº 9.790/99, sobretudo aquelas referentes à estruturação mesma das entidades que optarem pela qualificação de organização da sociedade civil de interesse público.
Segundo a quase unanimidade dos estudiosos do tema, os grandes atrativos do título de OSCIP são o seu rápido e desburocratizado deferimento e a ampliação das áreas de atuação, que agora contemplam também novos ramos de atividades como a defesa de direitos, a proteção do meio ambiente e os modelos alternativos de crédito.
Apontam ainda como importante conquista na lei a possibilidade de dedução no imposto de renda de pessoas jurídicas nas doações feitas à OSCIP’s, de sorte que, desta forma, as empresas podem contribuir com as causas sociais tendo, além do retorno de imagem, a possibilidade de abater parte do imposto de renda da sua receita bruta.
Noutro sentido, a nova qualificação amplia o controle social e a transparência das entidades, já que torna obrigatórias a criação de Conselhos Fiscais, a publicação de relatórios de atividades e as demonstrações financeiras (pela OSCIP, qualquer cidadão pode requerer, em qualquer momento, a vistoria das planilhas de aplicação dos recursos. Estes dispositivos afastam qualquer possibilidade de má utilização dos recursos públicos).
Um dos maiores atrativos da Lei, no entanto, é o denominado “termo de parceria”, acordado entre o poder público e a OSCIP para o fomento e a execução de projetos. Acrescente-se a isso a possibilidade de remunerar diretores e a dispensa dos registros no CNAS e declaração de utilidade pública.
Não obstante isso, a questão tributária, aspecto em que a Lei praticamente silenciou, ainda continua a ser uma incógnita, razão pela qual muitas entidades têm deixado de solicitar a qualificação de OSCIP. Isso pode ser considerado no rol selecionado de desvantagens, descritos a seguir.
Talvez uma das mais significantes desvantagens para aquelas entidades que desejarem obter a qualificação de organização da sociedade civil de interesse público seja o cenário nada esclarecedor quanto à questão tributária advinda da Lei que institui as OSCIP’s.
Tal falta de esclarecimento se materializa na dúvida quanto à possibilidade de imunidade permanente, na possível perda dos benefícios fiscais.
Nesse cenário de incertezas, aquelas entidades que já possuem outras qualificações e seus correspondentes benefícios fiscais ficam em situação delicada caso decidam, por variadas razões, aderir à qualificação de OSCIP, do que se deduz que a maior desvantagem, de fato, é a falta de informação quanto a direitos já adquiridos sob a égide de outras qualificações.
Dessa forma, não adianta poder remunerar os dirigentes ou realizar termo de parceria com o Governo, por um lado, se por outro a entidade pode perder vários benefícios fiscais necessários e, até, imprescindíveis para a existência e desenvolvimento de suas atividades.
5. Conclusões
Preocupou-se o referido trabalho em delinear a situação em que se encontravam as entidades que optaram ou desejassem optar pela qualificação de organização da sociedade civil de interesse público, advinda da Lei nº 9.790/99.
Fez-se um corte metodológico, que foi analisar a repercussão jurídico-tributária da Lei para as entidades assim qualificadas, chegando-se à conclusão de que, sendo um mero título, a qualificação como OSCIP não possui o condão de impedir direitos que uma entidade que já possua outras qualificações tenha obtido enquanto tal, embora tenha havido, desde a entrada em vigor da Lei, várias tentativas no sentido de não garantir tais benefícios.
Observou-se, ainda, que o processo jurídico-tributário de imunidades e isenções auferidas ou a serem auferidas aos pretendentes da qualificação de OSCIP ainda está em processo de negociação, tendo-se alcançado alguns avanços na legislação, mas nem por isso resultando na segurança jurídica necessária àqueles organismos que têm a pretensão de receber o título de OSCIP.
Em face de tais constatações, opina-se no sentido de que aquelas instituições que funcionam sob a égide de outras qualificações não devem solicitar a qualificação de OSCIP, caso não queiram correr o risco de perder algum benefício não automaticamente assegurado por ocasião da mudança de qualificação.
Em contrapartida, para aqueles entes que estão sendo criados, dentro do contexto hodierno do terceiro setor no Brasil, a qualificação de OSCIP parece mais interessante, pela flexibilidade que proporciona e pela possibilidade de parceria com o Poder Público.
Espera-se, por fim, que o Poder Público reconheça todos os direitos já assegurados na legislação anterior e não crie obstáculos para a formação nem transformação de entidades em OSCIP, dado os relevantes serviços públicos prestados por tais instituições.
Professor Assistente III e Chefe do Departamento do Curso de Direito do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Direito Tributário pala Universidade Anhanguera-UNIDERP. Advogado.
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