A mídia está acenando com a possível retomada da Reforma Tributária caso o STF, ao dar continuidade ao julgamento da ADECON n° 185 em que se discute a constitucionalidade da exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS nas operações de substituição tributária, decida pela sua improcedência, ou seja, que o valor do ICMS não poderá integrar a base de cálculo da COFINS em qualquer hipótese, e não apenas nas operações de substituição tributária, como está no inciso I, do § 2°, do art. 3°, da Lei n° 9.718/98.
Como se sabe, o STF, no julgamento do RE n° 240.785, Rel. Min. Marco Aurélio, por 6 votos a 4 já havia se posicionado pela exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS, porque o imposto não pode ser abrangido pelo conceito de faturamento[1], que é o fato gerador da COFINS.
Tentando reverter a situação o governo ingressou com a ADECON que tem preferência no julgamento. Por 9 votos a 2 foi concedida medida liminar para suspender por 180 dias todos os processos versando sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS. Esse prazo de suspensão foi renovado por outros 180 dias que vencerá no final deste mês. A menos que haja novo pedido de vista a ADCEON será julgada.
Se julgada procedente implicará proclamação de improcedência do pedido manifestado no RE n° 240.785, revertendo a votação majoritária o sentido da exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS.
Julgada improcedente a ADECON e provido o RE haverá repercussão em cascata impondo a revisão no sistema de cálculo de todos os tributos indiretos, cujos valores, além de incidir sobre si próprios, compondo a base de cálculo dos próprios tributos, integram, ainda, a base de cálculo de outros tributos, a menos que haja expressa previsão constitucional em sentido contrário, como é o caso do inciso IX, do § 2°, do art. 155, da CF que exclui expressamente o valor do IPI da base de cálculo do ICMS.
A questão não se limita, portanto, ao refazimento da base de cálculo da COFINS. Por isso, o rombo da receita tributária da União será bem maior do que o estimado pelo governo. Haverá reflexos, também, nas esferas estadual e municipal atingindo a base de cálculo dos impostos indiretos (ICMS e ISS).
Como já escrevemos o imposto indireto é aquele em que o “ônus financeiro do tributo é transferido ao consumidor final, por meio do fenômeno da repercussão econômica”[2].
Por isso, o valor de tributos indiretos, a exemplo do valor da folha de pagamento e do valor da matéria prima, entra na composição do preço das mercadorias e dos serviços que agrega, ainda, o valor pertinente à margem de lucro. Na prática, até os tributos diretos que não comportam, em princípio, o fenômeno da repercussão econômica, estão sendo repassados a consumidores. É comum, por exemplo, nos consultórios odontológicos haver variação de preço conforme o cliente exija ou não a competente nota fiscal ou recibo equivalente a título de tratamento dentário.
Essa tributação por dentro, em que o imposto recai sobre si próprio, implica aumento da alíquota real. O ICMS, por exemplo, que tem a alíquota legal de 18%, se calculado por dentro, como determina a legislação tributária, corresponderá a uma alíquota real de 20,48%.
O PIS/COFINS-importação, por exemplo, que incide sobre o valor aduaneiro acrescido do valor do ICMS (18%) e sobre si próprio (9,25%) perfaz uma carga tributária legal de 27,25%. Como os cálculos são feitos por dentro a carga tributária final representa uma alíquota real de 37,46% que dá uma diferença de 10,21% ignorada pelo consumidor. Esse critério astuto e nebuloso de calcular o valor do tributo atenta contra o princípio da transparência tributária inserto no § 5°
, do art. 150 da CF.
Por tais razões, por ocasião da audiência pública para debater a Reforma Tributária propomos uma emenda aditiva ao art. 150 da CF, acrescentando o § 8° “vedando a inclusão do valor do tributo na sua própria base de cálculo e vedando, também, a inclusão do valor do tributo na base de cálculo de outro tributo sempre que a situação configure fato gerador de ambos os tributos”.
Para nossa surpresa, a emenda substitutiva apresentada pelo Relator da Comissão de Reforma Tributária, Deputado Sandro Mabel procedia exatamente em sentido contrário constitucionalizando a tributação por dentro. Costuma-se dizer que boas idéias são utilizadas em sentido contrário. Foi o que aconteceu. Por falta de vontade política a Reforma Tributária naufragou.
Se governo perder a ADECON, certamente, haverá nova fragmentação da proposta de Reforma Tributária para destacar exatamente aquela parte em que se prevê a tributação por dentro, para aprovação a toque de caixa. Se isso vier a acontecer caberá ao STF decidir se tal procedimento legislativo ofende ou não o princípio da separação dos Poderes.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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