Resumo: O artigo trata sobre a conceituação dos direitos difusos, analisando os principais instrumentos de sua tutela jurisdicional.
Jean Jacques Rousseau, em sua obra “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, dividiu a história da humanidade em dois momentos: o do homem no estado natural e o do homem na sociedade civil.
Para o filósofo, o homem no estado natural não possuía a idéia de posse ou propriedade, de “teu” e “meu”, e tudo encontrado na natureza pertencia a todos.
Com a formação da sociedade civil, Rousseau acredita que houve um “primeiro homem” que cercou uma faixa de terra e disse “isso é meu”, o que foi ingenuamente aceito pelos outros homens. A partir daí, criou-se a propriedade e a noção do individualismo.
Séculos depois do nascimento da propriedade privada, o individualismo só tem crescido e firmado suas bases no egocentrismo. O que é “de todos” resta descuidado, abandonado, enquanto o que é “meu” é bem cuidado, protegido, resguardado.
No entanto, paulatinamente foi-se verificando que o descuido sobre “o que é de todos” influía sobre “o que é meu”, e prejudicialmente.
O descuido quanto à preservação e conservação do meio ambiente, por exemplo, que “é de todos”, gerou chuvas ácidas, efeito estufa, desequilíbrios climáticos, atingindo “minha casa”, “minha plantação”, “minha segurança”.
O individualismo foi cedendo então lugar à redescoberta do interesse coletivo, à necessidade de cuidar “do que é de todos” a fim de preservar “o que é meu” e “o que é do outro”.
Nesse contexto, surgiram modalidades de interesses dentro do interesse coletivo lato sensu, a fim de instrumentalizar a proteção e a restauração “do que é de todos”: os interesses coletivos strictu sensu, os interesses individuais homogêneos e os interesses difusos, estes últimos escolhidos como foco do presente trabalho, posto serem “os interesses essencialmente coletivos” [1].
Tais interesses são conceituados pelo Código de Defesa do Consumidor (lei n.º 8.078/90), em seu artigo 81, in verbis:
“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.” (grifos nossos)
Os interesses difusos, portanto, representam os interesses que não possuem uma titularidade definida e divisível.
Na lição de Miguel Teixeira de Sousa:
“pertencem a todos e a cada um dos membros de uma comunidade, de um grupo ou de uma classe, sendo, no entanto, insusceptíveis de apropriação individual por qualquer desses sujeitos. Os interesses difusos pertencem, na feliz expressão de M. Cappelletti, “a todos e a ninguém”, porque os bens jurídicos a que se referem – como, por exemplo, o meio ambiente, o património cultural, o consumo ou a qualidade de vida – são de todos e não podem ser atribuídos em exclusividade a nenhum sujeito. Desta caracterização decorre que os interesses difusos possuem, simultaneamente, uma dimensão supra-individual e individual, não sendo nem apenas supra-individuais, nem apenas individuais: o interesse difuso é um interesse supra-individual que pode ser gozado por qualquer sujeito, sem que este se possa apropriar do bem a que ele se refere[2].”
Vigliar, ao tratar sobre a matéria, esclarece que se afirmar que um interesse é difuso representa duas conclusões: que não há fruição individual desse interesse e que, portanto, sua defesa não é promovida pela sistemática individualista do Código de Processo Civil[3].
Possuem como características mais relevantes a indeterminação dos sujeitos, a indivisibilidade do objeto, a intensa conflituosidade e a duração efêmera, contingencial[4].
No tocante à indeterminação dos sujeitos, esta representa a impossibilidade de individualizar cada um dos titulares do interesse difuso, posto que alcança uma gama indeterminada ou dificilmente determinada de indivíduos, sem a existência de vínculo comum de natureza jurídica.
Nesse sentido, Rodolfo Mancuso leciona que:
“Essa “indeterminação de sujeitos” revela-se, também, quanto à natureza da lesão decorrente de afronta aos interesses difusos: essa lesão é disseminada por um número indefinido de pessoas, tanto podendo ser uma comunidade (por exemplo, uma vila de pescadores, ameaçada pela emissão de dejetos urbanos no mar) como uma etnia (nos casos de discriminação racial) ou mesmo toda a humanidade (como na ameaça constante de guerra nuclear, ou na “exploração” predatória e anáquica da Amazônica[5].”
A indivisibilidade do objeto decorre do fato dos interesses difusos serem “direitos titularizados por todos e por ninguém em particular” [6], ou seja, são insusceptíveis de apropriação individual por qualquer dos sujeitos[7].
A característica de intensa conflituosidade interna, por seu turno, é esclarecida por Mancuso nos seguintes termos:
“ (…) a marcante conflituosidade deriva basicamente da circunstância de que todas essas pretensões metaindividuais não têm por base um vínculo jurídico definido, mas derivam de situações de fato, contingentes, por vezes até ocasionais. Não se cuidando de direitos violados ou ameaçados, mas de interesses (conquanto relevantes), tem-se que nesse nível, todas as posições, por mais contrastantes, parecem sustentáveis. É que nesses casos de interesses difusos não há um parâmetro jurídico que permita um julgamento axiológico preliminar sobre a posição “certa” e a “errada”. Exemplo sugestivo ocorreu no Rio de Janeiro, quando da construção do chamado “sambódromo”, o qual gerou conflitos metaindividuais entre os interesses ligados à indústria do turismo versus os interesses dos cidadãos e associações, contrários à construção de um local permanente para os desfiles das escolas de samba[8].”
A duração efêmera significa que, como o interesse difuso é fruto da situação contingencial, repentina, se não for exercido prontamente, ele irá se modificar, acompanhando a modificação da situação fática que o ensejou[9].
Parte da doutrina especializada, no entanto, critica a redação do artigo 81 do CODECON, que trata da defesa de “interesses ou direitos difusos”, aproximando os dois conceitos, pois existiria uma larga diferença entre “interesse” e “direito”.
Sobre a discussão, o professor Fredie Didier Jr. assevera que a utilização da expressão “interesse” seria um equívoco do legislador brasileiro, já apontado por outros legisladores, seja porque não existiria diferença prática entre direito e interesse, seja porque os direitos difusos foram constitucionalmente garantidos, apresentando-se, portanto, como direitos[10].
Mancuso, por sua vez, defende a diferença entre interesses e direitos:
“aqueles, oriundos do plano fático (“existência-utilidade) tendem a repetir-se e a transformar-se indefinidamente; estes, presos ao plano ético-normativo, não têm a mesma plasticidade e esgotam sua função a partir do momento em que outorgam uma prerrogativa a seu titular, ou inovam na ordem jurídica, criando, extinguindo ou modificando o statu quo ante[11].”
No entanto, a lição de Watanabe, citada em Didier, permite a superação dessa discussão:
“Os termos “interesses” e “direitos” foram utilizados como sinônimos, certo é que, a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os “interesses” assumem o mesmo status de “direitos”, desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica, para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles[12].”
Para fins do presente trabalho, utilizaremos a expressão “direitos difusos”, por entendermos ser a de maior alcance sobre o tema.
No Brasil, a construção doutrinária da idéia de direitos difusos deu azo à construção do sistema de proteção sui generis a esses direitos, que unem as disposições do Código de Processo Civil, Código de Defesa do Consumidor, Lei de Ação Civil Pública, entre outros diplomas, formando o chamado “microssistema da tutela coletiva, composto de ‘normas de superdireito processual coletivo comum’.” [13]
Em 09 de novembro de 1994 foi promulgado o Decreto n.º 1.306, regulamentando o Fundo de Defesa de Direitos Difusos a que faziam referência os artigos 13 e 20[14] da Lei de Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347/85).
Referido Fundo foi criado com o objetivo de reparar os danos causados aos direitos difusos tutelados pela legislação brasileira: meio ambiente, consumidor, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, a ordem econômica e outros interesses difusos e coletivos (art.1º do Decreto 1306).
O meio ambiente é conceituado como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica quer permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, segundo o artigo 3º, inciso I, da Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente).
O consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, segundo preleção do artigo 2º da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).
Os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico dizem respeito ao patrimônio cultural da nossa nação, que são:
“(…) bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
Podem ser formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico[15].”
Por fim, temos a ordem econômica, que representa “conjunto de normas ou instituições jurídicas que realizam uma determinada ordem econômica no sentido concreto, regulando os limites da atuação do estado e da iniciativa privada” [16].
O Código de Processo Civil pátrio, em seu artigo 7º, conferiu a todos a garantia de acionar o Poder Judiciário para a defesa de seus interesses[17]. É o que a doutrina convencionou chamar de “princípio da ação”, ou “princípio da demanda”, que atribui à parte a iniciativa de provocar o Poder Judiciário a exercer a função jurisdicional[18].
No tocante aos direitos difusos, como se daria o exercício desse princípio da ação, a considerar que no processo civil comum vigora o princípio que somente o titular do direito o pode pleitear, e os direitos difusos pertencem a um grupo indeterminado de pessoas?
Alberto de Magalhães Franco Filho, citando diversos renomados autores, relembra que o direito de ação é abstrato e a relação processual, autônoma e independente, sendo assim, não possui vinculação com o direito material deduzido no processo, tanto que existem situações em que uma pessoa, mesmo não “tendo” o direito, pode ser parte legítima para pleiteá-lo[19].
Nesse sentido, a doutrina se divide em três correntes para justificar a legitimação nas ações coletivas, que tratam também sobre direitos difusos:
a) a corrente encabeçada por José Carlos Barbosa Moreira, que tenende que a legitimação ativa dessas ações é extraordinária por substituição processual, independente de expressa autorização legal[20];
b) a corrente liderada por Kazuo Watanabe, que adota a tese da legitimação ordinária das entidades civis para defesa desses direitos[21]; e
c) a corrente proposta por Nelson Nery Junior, que denomina a legitimação de “anômala para a condução do processo” quando se tratarem de interesses difusos e coletivos, e legitimação extraordinária ou substituição processual quando se tratarem de interesses individuais homogêneos[22].
Para Robson Renault, no entanto, esse debate sobre legitimação ordinária, extraordinária ou um terceiro gênero seria desnecessária, frente à constatação que a tutela dos direitos difusos e coletivos não se prende às normas comuns do processo civil:
“Entendemos que esse debate é equivocado por pretender trabalhar com categorias do processo individual, já que não há necessidade de se buscar um paralelo necessário entre os institutos processuais. Estamos diante de um processo com suas peculiaridades próprias, dentre as quais avulta a questão da legitimidade. Uma nova realidade não tem que se prender a classificações antigas, que foram elaboradas diante de outra realidade. Na tutela coletiva, a “substituição” dos titulares do direito é a regra, de modo que soa excêntrico tratar essa legitimidade como “extraordinária”. Entendemos que se trata de uma legitimação autônoma, portanto, em qualquer hipótese de tutela coletiva[23].”
A legitimidade ad causam para a defesa dos direitos difusos pertence, assim, aos entes públicos e privados, que ocupam a posição de “representante adequado”, e será exercida de forma concorrente, disjuntiva ou exclusiva, conforme ensinamento de Antonio Gidi:
“Diz-se concorrente porque a legitimidade de uma entidade ou órgão não exclui a do outro, sendo todos simultânea e independentemente legitimados para agir; é disjuntiva por não ser complexa, ou seja, qualquer legitimado poderá ajuizar a ação independentemente de formação de litisconsórcio ou autorização dos co-legitimados; a exclusividade significa que somente aqueles taxativamente legitimados podem propor ação coletiva, isto é, há um rol taxativo de legitimados[24].”
Cumpre ainda ressaltar que, para a defesa dos interesses difusos, não se cogita a obtenção da anuência dos interessados, que não serão sequer consultado, a considerar a extrema dispersão dos mesmos[25].
Superado o aspecto da legitimidade processual, importa comentar as justificativas para a promoção dessa tutela da forma prevista na legislação vigente, qual seja, através das ações coletivas.
O ilustre professor Fredie Didier Junior leciona que as ações coletivas possuem duas motivações que tornam sua tutela imprescindível[26]:
a) as motivações políticas, relativas à instrumentalização da defesa dos direitos difusos de forma concentrada, por meio do que se vislumbram seus benefícios na patente redução dos custos, na prestação jurisdicional, na uniformização dos julgamentos – evitando decisões contraditórias – e no conseqüente aumento da credibilidade dos órgãos jurisdicionais, alcançando, assim, uma justiça mais célere; e
b) as motivações sociológicas, relativas às conflituosidades cada vez mais crescentes das relações em massa, pois os instrumentos de tutela coletiva revelam-se um vetor para a prestação jurisdicional eficiente, o que é sentido pelas partes e por toda a coletividade de jurisdicionados.
Mais esclarecedora ainda é a lição de Dinamarco:
“Curiosamente, ao mesmo tempo em que se amplia o número de jurisdicionado, o tratamento coletivo dos litígios individuais tem também o grande mérito de contribuir para o desafogamento do Poder Judiciário, trazendo um benefício indireto a toda a sociedade, na medida em que um único processo resolve problemas tradicionalmente diluídos em milhares deles. Conseqüentemente, contribui para a diminuição da morosidade geral da prestação jurisdicional. Como todo instrumento, o processo será tanto mais eficaz quanto mais rapidamente alcançar seu objetivo, mediante a menor utilização de esforços e de dinheiro[27].”
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 83, dispões que “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código [quais sejam, direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos] são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”.
Esse artigo cristaliza o princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva, segundo o qual todas as ações permitidas pelo nosso ordenamento jurídico, quer sejam de conhecimento, cautelares, mandamentais etc., podem ser utilizadas para a defesa desses direitos[28].
Dentre esse universo de ações, destacamos a ação civil pública, a ação popular e o mandado de segurança coletivo.
A ação civil pública, regida pela lei n.º 7347/85, busca a responsabilização pelos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, por infração da ordem econômica e da economia popular (art. 1º) ou busca evitar que esses danos sejam causados (art. 4º), tendo por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 3º).
Apesar de não ser a primeira legislação a tratar sobre o tema, “surgiu como o instrumento mais aperfeiçoado e adequado à proteção dos direitos difusos, rompendo alguns dogmas do processo civil clássico”[29], particularmente no tocante à “legitimação para a defesa em juízo dos direitos coletivos, a ampliação dos efeitos subjetivos da coisa julgada e, por derradeiro, a previsão e regulamentação de meios de tutela preventiva dos direitos coletivos” [30].
Cumpre ainda ressaltar que, após a promulgação da Constituição de 1988, outros diplomas legais vieram a admitir o uso da ação civil pública para a proteção de outros direitos difusos não inclusos na letra da lei n.º 7347/85, como a defesa das pessoas portadoras de deficiência (Lei 7.853/89); a apuração da responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários (Lei 7.913/89); a proteção da infância no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90); e, para a defesa dos consumidores, com o Código do Consumidor (Lei 8.078/90)[31].
A ação popular, regida pela lei n.º 4.717/65, visa conferir a qualquer cidadão o direito de pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista, de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos (art. 1º).
Para exercer esse direito de ação, o indivíduo deve comprovar tão somente sua condição de cidadão, através da apresentação do título eleitoral ou documento que a ele corresponda (§3.º do art. 1.º).
Ada Pellegrini Grinover, citada pelo Professor Pedro Lenza, leciona que:
“A ação popular garante, em última análise, o direito democrático de participação do cidadão na vida pública, baseando-se no princípio da legalidade dos atos administrativos e no conceito de que a coisa pública é patrimônio do povo; já nesse ponto nota-se um estreito parentesco com as ações que visam à tutela jurisdicional dos interesses difusos, vistas como expressão de participação política e como meio de apropriação coletiva de bens comuns[32].”
Presentes os requisitos legais do periculum in mora e fumus boni iuris, é possível a concessão de liminar, podendo a ação popular ser tanto preventiva (buscando evitar atos lesivos) quanto repressiva (buscando o ressarcimento do dano, a anulação do ato, a recomposição do patrimônio lesado, indenização, etc.)[33].
Por fim, há ainda o mandado de segurança coletivo, cuja existência passou a ser prevista pela Constituição Federal, em seu artigo 5.º, inciso LXX, podendo ser impetrado por: “a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados”.
Tem por objetivo “a defesa dos mesmos direitos que podem ser objeto de mandado de segurança individual, mas, por sua vez, direcionado à tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos” [34].
Nele, a associação impetrante atua como substituto processual dos associados, agindo em nome próprio, mas defendendo interesse de terceiro. Por esse motivo, Flavio Martins assevera que:
“Não há que se confundir o mandado de segurança coletivo com o litisconsórcio ativo no mandado de segurança individual. No mandado de segurança individual, cada um dos interessados comparece em juízo defendendo direito seu em nome próprio, enquanto no mandado de segurança coletivo existe uma única parte que exercita a pretensão em nome próprio em defesa do interesse de todos eles[35].”
No que concerne ao julgamento da ação coletiva, qualquer que seja sua modalidade, outro aspecto se afigura pertinente para o presente estudo: o alcance da sentença prolatada em um processo onde os interessados não participaram diretamente do contraditório.
Esse julgado deve ser imposto a todos os interessados, mesmo sendo o contraditório um dos princípios constitucionais de maior importância no processo?
Vigliar apresenta a resposta:
“(…) pela adoção de um sistema que torna relativa a imposição do julgado. Ao contrário do que se verifica no sistema do Código de Processo Civil, na sistemática da defesa dos interesses metaindividuais, a relativização do advento da imutabilidade dos efeitos da sentença se deu mediante a adoção de um sistema que passa a considerar a utilidade da sentença para os interessados. Todo resultado útil (que promova a tutela dos interessados ou que demonstre que a lesão ao interesse transindividual narrada não ocorreu) poderá ser imposto pois não acarretará prejuízos. O raciocínio é bastante simples: se não há prejuízos decorrentes do julgado, a não-participação efetiva não se apresentará como um óbice para a imutabilidade e imposição do mesmo [36].”
Referido autor ressalta, no entanto, que esse critério de utilidade deve ser adotado para preservar a ausência do contraditório na relação estabelecida entre o “representante adequado” e a parte contrária, e não entre estas e os próprios interessados[37].
Para apurar o alcance da coisa julgada para os interessados, é necessária a observância dos dois resultados úteis que são possíveis: a procedência ou improcedência da demanda.
A procedência da demanda implica no benefício de todos pela atividade processual do “representante adequado”, o que é corroborado pelo artigo 103, inciso I, do CODECON, que determina que a sentença que julga os interesses difusos será provida de eficácia erga omnes[38].
Por outro lado, a improcedência da demanda pode gerar duas situações[39]:
a) a improcedência por falta de prova, que gera a incidência do non liquet (que é a possibilidade do julgador rejeitar a pretensão ante a insuficiência probatória sem que tal sentença produza coisa julgada material), admitindo-se a repropositura da ação coletiva e o ajuizado da ação individual; e
b) pela improcedência por ausência de lesão, em que o magistrado entende que não houve lesão ao direito difuso cuja tutela é pleiteada, sendo que, nesse caso, os efeitos da decisão impedem os legitimados coletivos de proporem nova demanda coletiva, mas não impedem o ajuizamento de lides individuais.
Da análise dos aspectos processuais da tutela jurisdicional dos direitos difusos, percebemos que a relevância desses direitos, mesmo frente o recente início da sua discussão, já conseguiu inserir em nosso ordenamento e em nossa doutrina importantes conquistas para a promoção e proteção desses direitos.
São sinais, portanto, de que a cultura jurídica brasileira tem se colocado paulatinamente na vanguarda para a construção de uma sociedade mais humana e menos individualista.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão
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