Resumo: As questões referentes ao acesso à justiça não mais se restringem atualmente as mecanismos alternativos de administração da justiça como mediação e a arbitragem, ou aos mecanismos de acesso aos órgãos judicantes através da concessão da assistência judiciária gratuita ou criação de Defensorias Públicas, hoje a necessidade maior de discussão em torno de tal temática deve voltar-se a questão justiça, tempo e processo. O tempo tem se mostrado um dos grandes obstáculos a concretização da justiça e de seu acesso desta forma urge a reflexão acerca de instrumentos que possam conceder ao processo, enquanto instrumento posto a disposição do indivíduo para o pleito perante o Poder Judiciário, para que efetivamente chegue ao seu término no menor lapso temporal e de forma eficaz, neste contexto emergem as tutelas de urgência como instrumentos capazes de promoverem a efetividade não apenas do processo mas do próprio acesso à justiça promovendo a redução dos desgastes provocados pelo tempo, pela morosidade processual.[1]
A partir do momento em que o Estado proibiu ao indivíduo o “fazer seu próprio direito” compondo seus conflitos de interesses, coube a este mesmo Estado a função e o compromisso de manter o equilíbrio das relações sociais compondo os conflitos delas decorrentes, e, que acabam por desestruturar, por romper a harmonia necessária para a vida em sociedade. Por mais que se afirme que o conflito de interesses pode ser percebido sob pontos de vista divergentes pois que de grandes conflitos, grandes evoluções tecnológicas e na área de saúde surgiram tem-se, por outra banda, clara a concepção de que o lado negativo do conflito que é o desequilíbrio social, a ruptura da paz também acaba por impedir o avanço desta mesma sociedade que em determinado momento acabou por evoluir face ao conflito.
Ao Estado coube não somente a função de ditar e aplicar as leis mas também de administrar a justiça, de aplicar a lei não somente contra o próprio cidadão, mas em prol deste numa afirmação e concretização da cidadania.
Não se questiona a legitimidade do Estado diante o ato de criar leis e aplicá-las na solução de conflitos, seu atuar vai além, conforme refere Moraes[2] no texto constitucional “há uma garantia cidadã ao bem estar pela ação positiva do Estado como afiançador da qualidade de vida do indivíduo”. Concede, por conseguinte, ao Poder Judiciário, a função jurisdicional de dizer o direito pacificando as relações sociais exercendo papel difusor da democracia e cidadania, como bem ressalta Teixeira[3]
“O Estado Democrático de Direito não se contenta mais com uma ação passiva. O Judiciário não mais é visto como mero Poder eqüidistante, mas como efetivo participante dos destinos da Nação e responsável pelo bem comum. Os direitos fundamentais sociais, ao contrário dos direitos fundamentais clássicos, exigem a atuação do Estado, proibindo-lhe a omissão. Essa nova postura repudia as normas constitucionais como meros preceitos programática, vendo-as sempre dotadas de eficácia em temas como dignidade humana, redução das desigualdades sociais, erradicação da miséria e da marginalização, valorização do trabalho e da livre iniciativa, defesa do meio ambiente e construção de uma sociedade mais livre e solidária.”
Neste contexto, a justiça e seu acesso passam a ser o fundamento para a materialização da cidadania, representando não apenas um anseio da população no exercício de sua cidadania mas também a mais complexa temática no mundo jurídico face a incapacidade estrutural e material do Estado na composição dos conflitos, que acaba por conduzir a uma morosidade excessiva numa representação de sua própria inoperância, a eficácia do direito depende da efetividade do poder, que é justamente o que não tem ocorrido no Brasil por causa da lentidão[4]”; é inquestionável a relação indissociável entre tempo, processo e justiça.
Há muito se tem discutido, não apenas no Brasil, mas no mundo todo, a respeito do acesso à justiça, a respeito de meios eficazes de realização de justiça tais como os meios alternativos de acesso e administração da justiça e viabilização do acesso aos tribunais mediante concessão de assistência jurídica integral gratuita, numa demonstração clara de que há uma necessidade de se repensar a realização da justiça e o papel do Estado neste processo, a carta magna, assegura em seu texto a garantia constitucional do cidadão de levar ao Poder Judiciário sua pretensão vislumbrando uma decisão justa, ao afirmar em seu artigo 5º,XXXV que nenhuma ameaça ou lesão ao direito poderá ser excluía da apreciação do órgão jurisdicional.
No entanto, os desafios enfrentados atualmente pelo Poder Judiciário não restringem-se mais somente ao ingresso em juízo ou a criação de meios alternativos de concretização da justiça, a exemplo da arbitragem e da mediação, vão muito além, voltam-se ao próprio instrumento utilizado na obtenção e administração da justiça, o processo, instrumento primordial da prestação da tutela jurisdicional[5] . Seria insano manter pensamento reflexivo restrito as formas alternativas de acesso a justiça ou à concessão de assistência jurídica integral gratuita, pois o maior obstáculo enfrentado atualmente é a efetividade do processo, é a relação tempo,processo e efetividade.
Hoje se passou a perceber que o acesso à justiça requer uma análise crítica reflexiva que ultrapassa as discussões em torno de meios alternativos de composição de conflitos, mas volta-se aos meios, aos instrumentos que devem ser utilizados pelo Poder Judiciário para a efetivação da justiça e seu acesso, tais como os meios de informação necessários aos cidadãos quanto aos seus próprios direitos, institutos que viabilizem de forma eficaz a justiça, instrumentos que implementados na relação processual promovam de fato a celeridade e a efetividade do processo, o que demonstra um avanço dogmático, representando a real intenção de promover meios que possibilitem a composição de conflitos no menor lapso temporal possível evitando-se os desgastes decorrentes dos embates judiciais, não apenas econômicos mas também emocionais. Afinal de contas, não é suficiente ofertar novos mecanismos de acesso aos tribunais, não basta a criação de órgãos que possam atuar em favor dos economicamente hiposuficientes, é preciso dinamizar o próprio processo através da criação de instrumentos que postos a disposição do cidadão passe a lhe conceder maior segurança quando ao atuar do Estado na solução de seu embate; até porque a morosidade não mais atinge apenas os hiposuficientes mas também àqueles que possuem condições econômicas mas que também não almejam ver suas contendas perpetuarem no Poder Judiciário, passando muitas vezes de geração a geração; como assevera Castagna[6] “ a instrumentalidade do processo transcende as ligações deste instituto com o direito material, torna-se responsável pelo bem-estar das pessoas, mediante a eliminação de conflitos”.
Desta forma mister que o ao processo sejam concedidos todos os instrumentos necessários para que atinja sua finalidade, para que o conflito de interesses seja de fato solucionado no menor lapso temporal possível de forma a restabelecer o equilíbrio e a paz social, então desestabilizados; neste contexto, inserem-se as tutelas de urgência como instrumentos de efetividade do acesso à justiça.
As tutelas de urgência surgiram com a principal finalidade de promover a celeridade processual, efetivar, por conseguinte, o acesso à justiça, pois nos dizeres de Theodoro Junior[7] “o transcurso do tempo exigido pela tramitação processual pode acarretar ou ensejar variações irremediáveis não só nas coisas como nas pessoas e relações jurídicas substanciais envolvidas no litígio, como, por exemplo, a deteriorização, o desvio, a morte, a alienação”.
O processo tem como característica a formalidade dos atos o que acaba por impor uma complexidade elevada e que por via de consequencia acaba por conduzir à morosidade. Não se questiona o fato de que o devido processo legal deve ser fielmente cumprido, até porque se trata de uma garantia constitucional concedida ao cidadão que repercute na isonomia dos sujeitos e consequentemente na própria imparcialidade do Poder Judiciário frente aos conflitos levados ao seu conhecimento. No entanto, a morosidade é inevitável, embora nem sempre em razão da formalidade e complexidade dos atos processuais; e, não raras vezes, acaba por acentuar a insatisfação dos indivíduso com a justiça, com o Poder Judiciário, pois quando enfim se chega a conclusão do processo com o proferimento da tutela jurisdicional, fatos ocorreram durante seu trâmite que tornaram totalmente inefetiva a providência concedida.
Como bem ressalta Bedaque[8] “quem procura a proteção estatal, ante a lesão ou ameaça a um interesse juridicamente assegurado no plano material, precisa de uma resposta tempestiva, apta a devolver-lhe, da forma mais ampla possível, a situação de vantagem a que faz jus.” Para tanto instrumentos processuais como as tutelas de urgência, instrumentos em verdade nada recentes no sistema processual brasileiro, passaram a ser vislumbrados com maior interesse pelas partes e demais operadores do direito em razão da finalidade a que se destinavam e que são diferentes, prevenir e resguardar direitos de eventuais danos irreparáveis_ tutela cautelar; ou antecipar os efeitos do futuro provimento meritório pleiteado pela parte em sua exordial_ tutela antecipada; embora se tratem de medidas diferentes com efeitos diferentes pode-se afirmar que há um ponto em comum, ou seja, possuem o mesmo objetivo, qual seja, eliminar ou ao menos reduzir ao máximo possível os efeitos negativos do tempo sobre o processo.
Neste sentido Cruz e Tucci aponta três mecanismos essenciais para reduzir os malefícios que o tempo causa ao processo; primeiramente refere o autor os mecanismos endoprocessuais de repressão a chicana; os mecanismos voltados a aceleração do processo como instrumento da justiça e, por fim, os mecanismos jurisdicionais de controle externo da morosidade processual; estariam as tutelas de urgência inseridas no segundo mecanismo voltado a promoção da celeridade processual .Pontua , ainda o autor que:
Partindo-se do pressuposto de que o fator tempo tornou-se um elemento determinante para garantir a efetividade da prestação jurisdicional, a técnica de cognição sumária delineia-se de crucial importância para a idéia de um processo que espelhe a realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumento à efetiva realização dos direitos.
As tutelas de urgência, dentro das quais inserem-se as medidas acautelatórias e a antecipação de tutela passam a servir ao processo como instrumento de sua realização em consonância com a garantia constitucional inserida a partir da Emenda de nr.45, a razoável duração do processo, pois como já outrora doutrinadores referiram justiça tardia é o mesmo que não justiça.
Acerca das modalidades de tutelas de urgência, refere Dinamarco[9] que acima das diferenças conceituais encontra-se a finalidade, a utilidade daquelas para o processo e sua efetividade, neste sentido afirma que:
“Apesar das diferenças conceituais relacionadas com a destinação de umas e outras, as antecipações de tutela e as medidas cautelares têm um fortíssimo elemento comum de agregação, que induz a integrá-las numa categoria só – a saber, na categoria das medidas de urgência. No estágio atual do pensamento processualístico, que se endereça a resultados sem se deter em desnecessários pormenores conceituais e puramente acadêmicos, o que importa é pensar nas medidas cautelares e nas antecipatórias de tutela jurisdicional como modos de combate a esse inimigo dos direitos que é o tempo. Daí legitimar-se o destaque à categoria medidas de urgência, pondo em plano inferior as distinções entre as duas espécies”.
As tutelas de urgência, compreendendo-se como urgência a situação apta a “gerar dano irreparável ou de difícil reparação, a tutela, que geralmente está embasada no princípio da segurança jurídica_ devido processo legal, muda de rumo, passando a procurar, mais que a segurança, a efetividade da jurisdição, a razão de ser do próprio Poder Judiciário[10]” acabam servindo não apenas de instrumentos de eficácia do processo, mas, vão além, pois que acima de tudo servem de instrumento de efetividade do acesso à justiça através da imposição de uma maior celeridade ao processo bem como maior segurança no sentido de que ao final se terá uma efetividade do provimento, segurança obtida ou por assegurar a efetividade do processo através de medidas provisórias promovidas diante da necessidade imediata de uma atuação do Judiciário, que é o caso das cautelares e que não possuem por fim conceder o direito material pleiteado, mas sim assessorar o processo principal atuando de forma indireta na concessão do direito almejado pela parte ou por antecipar parte do provimento final almejado pela parte, que é o caso de antecipação de tutela.
Advogada, Mestre em Direito Público, Especialista em Direito do Trabalho, Especialista em Docência do Ensino Superior, Coordenadora do Curso de Direito da Universidade Salgado de Oliveira, campus Salvador(Brasil), Professora no Curso de Direito da Faculdade Dois de Julho, membro do Tribunal Arbitral do Rio Grande Do Sul/Brasil, ,membro do Instituto de Advocacia Pública.
Bacharel em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira, campus Salvador/BA; Pesquisador do Grupo de Pesquisa Acesso à Justiça e Processo da Universidade Salgado de Oliveira, campus Salvador/BA, membro da Secretaria de Segurança do Estado da Bahia
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