Resumo: O presente estudo envolve uma análise do Sistema dos Juizados Especiais à luz da Constituição Federal de 1988 (art. 98, I) e das Leis nº 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009, que formam um microssistema processual.
Palavras-chave: Juizados, Especiais, Sistema, Microssistema, Fazenda, Pública
Sumário: 1- Breve Histórico e evolução dos Juizados Especiais. 2- Criação do Sistema dos Juizados Especiais. 3- Da abrangência e da interpretação do Sistema dos Juizados Especiais. 4- Princípios orientadores dos Juizados Especiais. 5- Conclusão.
1. Breve histórico e evolução dos Juizados Especiais
Sob a égide da Constituição de 1969[1], a qual não continha qualquer previsão específica sobre Juizados Especiais, adveio a Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984, com escopo de impulsionar o acesso à justiça e a credibilidade do Poder Judiciário. Este diploma legal estabeleceu a faculdade de criação nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. Inaugurando, portanto, os Juizados Especiais, definiu-se a sua competência para as causas de reduzido valor econômico, que versassem sobre direitos patrimoniais e não excedessem, à data do ajuizamento, 20 (vinte) salários mínimos. A competência, assim, era definida exclusivamente pelo valor da causa.
Excluíam, todavia, da competência dos Juizados Especiais, ainda que de cunho patrimonial, às causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, acidentes do trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas. Por isso, não poderiam ser partes as pessoas jurídicas de direito público, a massa falida, o insolvente civil, o incapaz e o preso.
Expressamente constava no art. 1º, caput, e § 2º do art. 3º, que era opção do autor sujeitar-se ao procedimento dos Juizados Especiais. Ou seja, os Juizados Especiais eram competentes por opção da parte, sem qualquer imposição do legislador.
Quanto à finalidade da criação dos Juizados Especiais, descreve com precisão Leslie Shérida Ferraz:
“Os Juizados Especiais foram concebidos para ‘facilitar o acesso à Justiça’, a partir da constatação de que causas de pequena expressão econômica não estava sendo levadas à apreciação do Poder Judiciário – quer pela descrença generalizada nesse órgão; quer pela desproporção entre o valor reclamado e os custos processuais; quer pela desinformação e/ou alienação da população brasileira (Dinamarco, 1998a). Pretendia-se, assim, criar um sistema apto a solucionar conflitos cotidianos de forma pronta, eficaz e sem muitos gastos”.[2]
Como diferencial, o processo orientava-se pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, com a busca da conciliação das partes. Desse modo, o trâmite processual foi simplificado no cotejo com o procedimento comum. O juiz tinha ampla liberdade para determinar as provas a serem produzidas, decidindo cada caso da forma que reputasse mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum. No primeiro grau de jurisdição, havia a gratuidade quanto às despesas, custas e taxas. A parte podia demandar ou se defender pessoalmente em juízo, sem assistência de advogado. Enfim, patentemente o acesso à justiça fora ampliado e facilitado.
Atentando-se ao tema, a Constituição Federal de 1988 trouxe expressa previsão da criação dos Juizados Especiais nos arts. 24, X, e 98, I. O art. 24, X, dispõe que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre a criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas. Já o art. 98, I, aduz que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão os Juizados Especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. O § 1º deste artigo (antigo parágrafo único, acrescentado pela EC nº 22/99 e renumerado pela EC nº 45/2004), explicita que a lei federal disporá sobre a criação de Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal.
Nesse sentir, a Constituição Federal de 1988 não só recepcionou a Lei nº 7.244/1984, como também impôs a criação dos Juizados Especiais (“criarão”). Não obstante, a Carta Magna deu-lhe uma nova realidade ao determinar que a competência para a conciliação, o julgamento (fase cognitiva) e a execução (fase executiva) das causas cíveis, é definida pela menor complexidade. Esse é único critério constitucional de determinação da competência dos Juizados Especiais Cíveis.
Leslie Shérida Ferraz aduz sobre as inovações da Carta Magna:
“Depois da Lei nº 7.244/84, a Carta de 1988 deu novo vigor aos Juizados, tratando do instituto em dois dispositivo: art. 24, inciso X, que cuida da competência para legislar sobre os Juizados, e art. 98, inciso I, imperativo na determinação de que os estados e a União (nos territórios, e Distrito Federal) criassem os Juizados Especiais.
As inovações da Carta em relação à Lei nº 7.244/84 foram: (i) a instituição do juiz leigo, ao lado do juiz togado; (ii) a inserção da execução das causas cíveis, que constava no projeto original, mas foram excluída; (iii) a criação, ao lado dos Juizados Especiais Cíveis, dos Juizados Especiais Criminais; (iv) a alteração do objeto, de causas de reduzido valor econômico, para causas cíveis de menor complexidade; (v) autorização da transação”.[3]
Por conseguinte, as causas cíveis que não excedessem a 20 (vinte) salários mínimos, em conformidade com o art. 3º da Lei nº 7.244/1984, eram consideradas de menor complexidade. Todavia, como vimos, o critério do valor da causa não era absoluto, já que a própria lei excluía algumas causas e determinadas pessoas de figurar como parte no processo, como por exemplo, os entes públicos. Além disso, considerando os princípios que regiam o sistema, e o norteamento dado pela Constituição Federal de 1988, se a causa torna-se complexa, o processo deveria ser extinto, com fulcro no art. 50, II, da Lei nº 7.244/1984.
Necessário destacar que a norma constitucional de instituição dos Juizados Especiais é de eficácia limitada, isto é, possui eficácia jurídica, mas não tem aplicabilidade imediata por depender de complementação do legislador infraconstitucional. Destarte, visando bem regulamentar a norma constitucional, adveio a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, a qual dispôs sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito dos Estados, Distrito Federal e Territórios, e revogou expressamente (art. 97) a Lei nº 7.244/1984.
A Lei nº 9.099/1995, da mesma forma que a lei revogada, prevê sobre a natureza opcional dos Juizados Especiais Cíveis no seu art. 3º, § 3º, muito embora haja alguma celeuma a respeito, a ser tratada mais adiante.
Quanto à competência, estabeleceu dois critérios distintos: em razão do valor da causa e em razão da matéria. O inc. I do art. 3º descreve que compete aos Juizados Especiais Cíveis a conciliação, processo e julgamento das causas de menor complexidade, assim consideradas as causas cujo valor não exceda a 40 (quarenta) salários mínimos. Esse critério é o valor da causa. Os incs. II e III citam causas que, independentemente do valor, também adentram na competência dos juizados, como as enumeradas no art. 275, II, do CPC e a ação de despejo para uso próprio. Já no inc. IV há uma mescla dos critérios (matéria e valor da causa), ao descrever que as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.
O § 1º do art. 3º dispõe que compete ao Juizado Especial promover a execução dos seus julgados (inc. I) e dos títulos executivos extrajudiciais até o valor de 40 (quarenta) salários mínimos (inc. II).
Todavia, excluiu da sua competência, da mesma forma que a Lei nº 7.244/1984 as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.
Na esfera federal, o legislador cumprindo a determinação contida na norma constitucional (§ 1º do art. 98), criou os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal, através da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001. Embora não tenha explicitado sobre a natureza opcional ou não, há expressa menção de que no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta. Definiu que compete ao Juizado Especial Federal processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos, bem assim executar as suas sentenças. O critério de fixação da competência, portanto, é o valor da causa.
Houve exclusão, porém, das causas referidas no art. 109, incisos II, III e XI, da Constituição Federal, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos (art. 3º, I); sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais (art. 3º, II); para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal (art. 3º, III); que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares (art. 3º, IV).
Podem ser partes no processo, como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, e como rés, a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais (art. 109 da CF/88). De ver-se, deste modo, que pela primeira vez um ente público pode figurar no polo passivo da ação nos Juizados Especiais. O procedimento, não obstante, também orienta-se pelos princípios norteadores desde a origem, quais sejam, a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação. Não bastasse tratar-se de juizado especial, o próprio art. 1º da Lei nº 10.259/2001 dispõe que se aplica no que não conflitar a Lei nº 9.099/1995.
Recentemente, adveio a Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009, a qual instituiu os Juizados Especiais da Fazenda Pública como órgãos da justiça comum e integrantes do Sistema dos Juizados Especiais, no âmbito dos Estados, Distrito Federal e Territórios, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas cíveis de interesse estes entes mais os Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos.
Como se nota, da mesma forma que a Lei nº 10.259/2001, o critério orientador da fixação da competência para as causas de menor complexidade é o valor da causa, e no foro onde houver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta. Excepciona-se desta competência, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos; as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas; e as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares (art. 2º, § 1º, I a III).
O art. 27 da Lei nº 12.153/2009 aduz que se aplica subsidiariamente o Código de Processo Civil, a Lei nº 9.099/1995 e a Lei nº 10.259/2001. A par disso, temos um verdadeiro microssistema processual dos Juizados Especiais Cíveis, o qual sempre deve ser interpretado à luz da Constituição Federal de 1988.
2. Criação do Sistema dos Juizados Especiais
É preciso enfrentar, em primeiro lugar, a discussão se há diferenciação entre Juizados de Pequenas Causas e Juizados Especiais Cíveis. Isso é relevante, pois direcionará a interpretação dos diplomas legais em vigor.
Há quem veja a diferenciação na própria Constituição Federal de 1988, o qual no seu art. 24, X, menciona sobre a criação, funcionamento e processo dos Juizados de Pequenas Causas, e no art. 98, I, ao determinar a criação dos Juizados Especiais.
O renomado jurista Alexandre Freitas Câmara defende a tese que há diferenciação entre Juizados Especiais Cíveis e os Juizados de Pequenas Causas e que não se trata de um mesmo órgão.
“A meu juízo, os Juizados Especiais de Pequenas Causas devem ser órgãos para causa de pequeno valor econômico, como eram os Juizados regidos pela Lei nº 7.244/1984 (que eram competentes para causas cujo valor não ultrapassasse vinte salários-mínimos). De outro lado, os Juizados Especiais Cíveis são competentes para causas de menor complexidade. Parece-me evidente que a menor complexidade de uma causa não tem qualquer ligação com seu valor. Um processo em que se busque, por exemplo, reparação de danos decorrentes de acidente de trânsito tem a mesma complexidade, que o acidente envolva um Fusca 1966 e um Corcel 1972, ou tenha dado entre uma Ferrari e uma Maserati. Os dois acidentes, embora envolvam valores evidentemente diferentes, um pequeno e um altíssimo, são causas que têm a mesma complexidade jurídica, podendo ser, ambas, deduzidas perante os Juizados Especiais Cíveis (ainda que possivelmente só a primeira possa ser levada a um Juizado de Pequenas Causas). […]
Assim, porém, não preferiu o legislador. Optou-se pela revogação pura e simples da Lei nº 7.244/1984, criando-se um só órgão jurisdicional, chamado de Juizado Especial Cível, com competência para causas cíveis de pequeno valor e de pequena complexidade. Isso faz com que os Juizados Especiais Cíveis, na forma como são regidos pela Lei nº 9.099/1995, sejam, a rigor, não só Juizados Especiais Cíveis, mas também Juizados de Pequenas Causas.
Essa afirmação é, a meu sentir, de extrema importância para que se possa interpretar corretamente algumas disposições da Lei nº 9.099/1995.”[4]
Coerentemente ao seu entendimento, ao tratar especificamente dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, assim, alude o doutrinador:
“Há, porém, um importante aspecto a considerar: a competência dos Juizados Especiais Cíveis Federais do dos Juizados Especiais da Fazenda Pública é fixada em razão do valor da causa. Apenas causas cujo valor não exceda de sessenta salários-mínimos podem ser submetidas aos Juizados Especiais Cíveis Federais e aos Juizados Especiais da Fazenda Pública. Pode-se, pois, dizer que os Juizados Especiais Cíveis e os Juizados Especiais da Fazenda Pública, são, na verdade, Juizados Especiais de Pequenas Causas. O que determina a competência dos Juizados Especiais Cíveis Federais e dos Juizados Especiais da Fazenda Pública não é a pequena complexidade da matéria, mas o valor da causa.”[5]
Leslie Shérida Ferraz aduz, entretanto, que a tese de diferenciação entre Juizados de Pequenas Causas e Juizados Especiais Cíveis, no que toca à sistematização, está superada. Diz a doutrinadora:
“Com a duplicidade de tratamento, chegou-se a defender que a Constituição teria apartado os institutos. Embora alguns autores ainda defendam que os Juizados de Pequenas Causas não se confundem com os Juizados Especiais Cíveis, ao menos no que tange a sua sistematização, essa tese foi superada pela edição da Lei nº 9099/95, que expressamente revogou a Lei nº 7.244/84 e, embora apenas faça menção às ‘causa cíveis de menor complexidade’, também enumera, entre elas, causa de ‘menor valor’, de até 40 salários mínimos (art. 3º, inciso I, Lei nº 9.099/95) (Alvim, 2007: 119)”.[6]
Entendemos que essa diferenciação (Juizados de Pequenas Causas e Juizados Especiais) não existe, visto tratar-se do mesmo órgão jurisdicional, cuja disciplina orgânica foi tratada no inc. I do art. 98 da Carta Magna. De fato, esta norma versa de elemento orgânico da Constituição[7] (Título IV – Da Organização dos Poderes), porquanto regula inteiramente os Juizados Especiais, explicitando a organização, a composição, a competência e o procedimento diferenciado. Já o art. 24, X, refere-se, exclusivamente, à competência legislativa concorrente, em que a União legisla sobre normas gerais e os Estados e o Distrito Federal legislam sobre normas específicas. Logo, a nosso juízo, tratam-se de expressões sinônimas.
Fernando da Fonseca Gajardoni, respondendo ao questionamento se os Juizados Especiais da Fazenda Pública são os Juizados Especiais do art. 98, I, da Constituição Federal de 1988, aduz que:
“Só interpretando que os JEFP integram os Juizados Especiais previstos no art. 98, I, da Constituição Federal, que se pode ter por constitucional o novo órgão previsto na Lei 12.153/2009.
De fato, apenas por comando constitucional expresso poderia o legislador federal ordinário criar, na estrutura judiciária dos Estados-membros e Distrito Federal, órgão judiciário que funcionará às expensas e sob as ordens deles, e não da União.
Do contrário, estaríamos violando frontalmente o pacto federativo previsto no art. 1º, caput, da Constituição Federal, bem como permitindo que por norma infraconstitucional fosse alterada cláusula pétrea da Carta Constitucional (art. 60, § 4º, I, da CF).
Temos lá nossas dúvidas sobre a resposta ideal à questão ora posta, até mesmo porque o constituinte, quando da elaboração do art. 98 da CF, deixou expresso o desejo de criar, também, o Juizado Especial da Justiça Federal (art. 98, § 1º, da CF), restando silente quanto aos Juizados da Fazenda Pública na estrutura dos Estados e DF.
De qualquer forma, para que se dê sustentação ao novo órgão – cuja finalidade e propósito são louváveis –, é de se ter em mente que a locução ‘causas cíveis’ do art. 98, I, da CF necessariamente deverá abarcar, além das causas já previstas na Lei 9.099/1995, também as que tenham como parte demandada as Fazendas Públicas Estadual, Distrital, Municipal e dos Territórios, ora objeto de disciplina na Lei 12.153/2009.”[8]
Joel Dias Figueira Júnior, com ênfase no art. 98 da Constituição Federal, menciona sobre a compreensão, o núcleo, origem e natureza do Sistema dos Juizados Especiais:
“Para bem compreendermos o que venha a ser um ‘sistema’, buscamos na etimologia da palavra a sua origem do grego e do latim (systema), denotando ‘reunião’ ou ‘grupo’. Em sequência, colhe-se no Dicionário Aurélio que, dentre outros significados, ‘sistema’ indica um ‘(…) conjunto de elementos, materiais ou ideais, entre os quais se possa encontrar ou definir alguma relação; disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura organizada; sistema penitenciário; sistema de refrigeração (…); reunião coordenada e lógica de princípios ou ideias relacionadas de modo que abranjam um campo do conhecimento (…); conjunto ordenado de mios de ação ou de ideias, tendente a um resultado; plano, método (…)’.
Nessa perspectiva, podemos dizer que os Juizados estaduais (Cíveis, da Fazenda Pública e Criminais), compõem uma espécie de ‘sistema’, na exata medida em que se reúnem em normas atinentes ao mesmo tema central, cujo núcleo, origem e natureza convergem publicisticamente para a Lei Maior, com recepção em seu art. 98, I, e § 1º.”[9]
Destarte, a Constituição Federal, no seu art. 98, I, impôs a criação de um órgão (Juizado Especial) e de um procedimento diferenciado para as causas cíveis de menor complexidade. Estabeleceu, deste modo, e nessa perspectiva, a criação de um sistema, estatuto ou microssistema processual diferenciado no cotejo com os procedimentos previstos no Código de Processo Civil ou em outras leis especiais.
De se perceber, assim, que toda interpretação dos dispositivos legais contidos nas Leis nº 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009 deve perpassar obrigatoriamente pelo inc. I do art. 98 da Carta Magna, a fim de dar azo a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade, ou mesmo para dar sustentação a uma norma infraconstitucional.
E no intento de cumprir o comando constitucional sobre a criação de um sistema próprio, o art. 93 da Lei nº 9.099/1995 já mencionava sobre o Sistema dos Juizados Especiais e, recentemente, com a vigência da Lei nº 12.153/2009, o parágrafo único do art. 1º dispôs que o Sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal é formado pelos Juizados Especiais Cíveis, Juizados Especiais Criminais e Juizados Especiais da Fazenda Pública. O art. 17 também menciona sobre o Sistema dos Juizados Especiais ao tratar das Turmas Recursais.
O Sistema dos Juizados Especiais consiste, pois, num conjunto de normas que cuida de um mesmo instituto, com princípios e regras próprias (microssistema processual), cujo objeto, no campo cível, é a causa de menor complexidade. Por consectário lógico, o caso concreto deve, prioritariamente, ser solucionado de acordo com as regras que compõem o Sistema dos Juizados Especiais, como veremos adiante com mais vagar.
Desse modo, efetivamente[10] a partir da Lei nº 12.153/2009, instituiu-se o Sistema dos Juizados Especiais para conciliação, processo, julgamento e execução, das causas cíveis de menor complexidade (art. 98, I, da CF/88), o qual possui princípios e regras próprias.
3. Da abrangência e da interpretação do Sistema dos Juizados Especiais
A nosso juízo, o Sistema dos Juizados Especiais compreende a Constituição Federal (art. 98, I) e as Leis nº 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009.
Numa apressada leitura das Leis nº 9.099/95 e 12.153/2009 parece que a Lei nº 10.259/2001 (Juizados Especiais Cíveis da Justiça Federal) não abrangeria o Sistema dos Juizados Especiais. Todavia, seja pela previsão constitucional (art. 98, § 1º), seja pelos arts. 26 e 27 da Lei nº 12.153/2009 e 1º da Lei nº 10.259/2001, pela obviedade que os Juizados Especiais Federais também integram o Sistema dos Juizados Especiais.
Ademais, comparando os dispositivos das Leis nº 10.259/2001 e 12.153/2009, nota-se que têm o mesmo escopo e são muito semelhantes, já que ambos os diplomas tratam da hipótese em que o ente público figure como réu. Não haveria qualquer razão lógica para que os Juizados Especiais Federais não adentrassem ao Sistema.
Há as normas de integração, as quais se comunicam entre si, complementando-se, de forma que haja perfeita harmonia e sintonia no Sistema. O art. 1º da Lei nº 10.259/2001 dispõe que se aplica, no que não conflitar, as normas da Lei nº 9.099/1995. O art. 27 da Lei nº 12.153/2009 aduz que se aplica subsidiariamente o disposto nas Leis nº 9.099/1995 e 10.259/2001.
Fernando da Fonseca Gajardoni concluiu a respeito:
“Por isto, temos absoluta convicção que os Juizados Especiais Federais integram o Sistema (ou Microssistema) dos Juizados Especiais, em que pese a equivocada omissão legislativa a respeito. Se, como vimos, o que define um Sistema jurídico é a existência de um princípio unificador (geralmente um valor ou um fim comum) que lhe dá unidade e coerência, de convirmos que os Juizados Especiais Federais (art. 2º e 3º da Lei 10.259/2001) têm os mesmos fins dos Juizados Especiais Cíveis (art. 1º, caput, da Lei 9.099/1995) e Juizados Especiais da Fazenda Pública (art. 1º, caput, da Lei 12.153/2009): ampliar o acesso à Justiça, através da conciliação, julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade, bem como das infrações penais de pequeno potencial ofensivo, sempre através de um procedimento oral e sumarísimo, com preferência pelas práticas autocompositivas e julgamentos de recursos por juízes de 1º grau.”[11]
No mesmo sentido, Alexandre Freitas Câmara, que intitula o microssistema processual de Estatuto dos Juizados Especiais:
“É preciso, porém, que se deixe desde logo um ponto bem claro: a meu juízo, a Lei nº 9.099/1995, a Lei nº 10.259/2001 e a Lei nº 12.153/2009, conforme venho dizendo, compõem um só estatuto. É certo, por um lado, que Lei dos Juizados Federais afirma, expressamente, que a Lei dos Juizados Estaduais lhe é subsidiariamente aplicável. A recíproca, porém, embora não esteja expressa, também é verdadeira. Não há qualquer razão para que não se possa aplicar nos Juizados Estaduais as conquistas e inovações contidas na Lei dos Juizados Federais, sempre que entre os dois diplomas não haja qualquer incompatibilidade.”[12]
Veja-se, pois, que ao longo do tempo o legislador foi compondo o Sistema dos Juizados Especiais. De fato, não haveria motivo da Lei nº 9.099/1995 citar outros diplomas legais, porque até então não havia outra norma a respeito em vigor. Mas, com a vigência da Lei nº 10.259/2001 já existia a Lei nº 9.099/1995 e, por isto, era necessário integrar os Juizados. Finalmente, com a vigência da Lei nº 12.153/2009 já existiam as Leis nº 9.099/1995 e 10.259/2001 e, também, era imprescindível criar dispositivo de integração, o que restou explicitado no art. 27.
Não obstante, realmente ressalva-se que o legislador deveria, pela lógica do Sistema, ter incluído a Lei nº 10.259/2001 no art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 12.153/2009. Além disto, como anota Fernando da Fonseca Gajardoni[13], o disposto no art. 26 da Lei nº 12.153/2009, ao dispor da aplicabilidade do art. 16 aos Juizados Especiais Federais (possibilidade do conciliador, sob a supervisão do juiz, conduzir a audiência de conciliação) é inútil, visto que o Sistema dos Juizados Especiais já compreende as Leis nº 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009.
Necessário esclarecer que só se aplica o Código de Processo Civil subsidiariamente, pois não integra o Sistema. Também vale dizer que não haverá a aplicação integrativa do Sistema, no caso de exclusão legal (por exemplo, art. 6º da Lei nº 12.153/2009) ou incompatibilidade entre os diplomas legais (por exemplo, o art. 13 da Lei nº 12.153/2009 – pagamento mediante requisição ou precatório –, tendo em vista ser específico à relação processual em que um ente público figurar no polo passivo da ação). Logo, estes dispositivos são inaplicáveis aos Juizados Especiais Cíveis (Lei nº 9.099/1995).
Sobre isto, aduz Fernando da Fonseca Gajardoni:
“Portanto, havendo disposição tutelar em quaisquer das leis que integram o Sistema normativo dos Juizados Especiais (Leis 9.099/1995 e 12.153/2009), não se busca em outro diploma não integrante do Sistema – especialmente no CPC – disposição suplementar. A aplicação do Código de Processo Civil ao Sistema dos Juizados – até pela regra do art. 27 da Lei 12.153/2009 – é subsidiária, não integrativa.
Só não haverá a aplicação integrativa do Sistema dos Juizados Especiais quando houver incompatibilidade evidente entre os regimes do JEC e do JEFP (veja-se, por exemplo, a diversidade de regimes da prova técnica: art. 35 da Lei 9.099/95 x art. 10 da Lei 12.153/2009), ou quando o dispositivo legal expressamente recusar a aplicação de uma das normas do Sistema (como ocorre, por exemplo, com o art. 6º da Lei 12.153/2009, que, a contrario sensu, afasta a aplicabilidade dos arts. 18 e 19 da Lei 9.099/1995 no âmbito dos JEFP).”[14]
Consequentemente, apesar do art. 27 da Lei nº 12.153/2009 ter mencionado que se aplica subsidiariamente o Código de Processo Civil e as Leis nº 9.099/1995 e 10.259/2001, isso não significa uma ordem de preferência. Com a criação do Sistema dos Juizados Especiais restou claro que as normas que o compõem são integrativas, logo, em regra, preferenciais.
Leciona Ricardo Cunha Chimenti a respeito:
“Ao explicitar que os Juizados da Fazenda Pública integram o Sistema dos Juizados Especiais, o legislador reconhece que estamos diante de um novo modelo de prestação do serviço jurisdicional, o qual possui princípios e regras próprias, prioriza a conciliação e tem por critérios a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade. Assim, ainda que a interpretação gramatical do art. 27 da Lei n. 12.153/2009 sugira que a aplicação subsidiária de outras normas deva buscar em primeiro lugar as disposições do CPC, na verdade a solução para as eventuais lacunas deve ser buscada, primeiro, na integração da Lei dos Juizados da Fazenda com as leis que dispõem sobre outros órgãos do Sistema dos Juizados Especiais, ou seja, Leis n. 10.259/2001 (da qual foram extraídas diversas das disposições relativas aos Juizados da Fazenda Pública) e 9.0099/95, que dispõe sobre os Juizados comuns dos Estados e do DF.”[15]
Contudo, não podemos descuidar, após o exame das Leis nº 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009, que o Sistema dos Juizados Especiais apresenta incongruências que exigirão dos operadores do direito uma interpretação teleológica e sistemática do ordenamento jurídico. Isto porque, no cotejo das normas da Lei nº 9.099/1995 com as normas das Leis nº 10.259/2001 e 12.153/2009, observa-se que a espinha dorsal do Sistema dos Juizados Especiais, na atual conjuntura, não é harmônica.
Veja-se, a título de exemplo, que a Lei nº 9.099/1995 confere ao postulante a opção de ajuizar a demanda perante o Juizado Especial, ou perante a Justiça comum (art. 3º, § 3º). Todavia, nas Leis nº 10.259/2001 e 12.153/2009 consta que a competência é absoluta (art. 3º, § 3º, e art. 2º, § 4º, respectivamente).
Joel Dias Figueira Júnior, atento a isto, aduz:
“[…] a exemplo do que lamentavelmente verificou-se com a Lei 10.259/2001, a Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública definiu a competência essencialmente com base no critério quantitativo (valor), desprezando a regra constitucional cogente da menor complexidade, tomando o critério qualitativo por exclusão, independentemente da complexidade. E mais: em nome de uma falaciosa segurança jurídica abriu mão da celeridade e efetividade dos julgados para prestigiar o incidente de uniformização de jurisprudência, com acesso à morosa superior instância ou Turma de Uniformização estadual e nacional, em prol da duvidosa padronização de julgados.
Encontramos ainda outras dissintonias patológicas indicadoras da desarticulada e complexa sistematização dos Juizados Especiais Cíveis. Vejamos algumas delas: a) competência relativa e procedimento opcional nos Juizados Cíveis Estaduais, enquanto em sede da Fazenda Pública a competência é ‘absoluta’ (mista); b) os juízes leigos haverão de contar com cinco anos de experiência para compor o quadro de auxiliares dos Juizados Cíveis, enquanto para os Juizados da Fazenda Pública a exigência cai para dois anos; c) a Lei 9.099/95 é omissa quanto às tutelas de urgência e os meios de impugnação (o que não significa a inadmissibilidade), enquanto a Lei 12.153/2009 trata do assunto; d) as referidas Leis fazem alusão ora à audiência de instrução e julgamento, quando, na verdade, em observância ao princípio da oralidade em grau máximo, donde exsurge o rito sumariíssimo (processo dotado de procedimento com audiência única – audiência de conciliação, instrução e julgamento, sem prejuízo da possibilidade de cisão dos atos); e) limitação valorativa para a parte postular em juízo desacompanhada de advogado; f) a exemplo do que ocorreu coma Lei 10.259/2001, a Lei 12.153/2009 transmuda a sentença condenatória em quantia certa em mandamentalidade, na exata medida em que, não cumprida espontaneamente a obrigação, o juiz ordena que o sucumbente assim o faça, sob pena de seqüestro, enquanto a Lei 9.099/95 adentra numa tortuosa fase de execução de título judicial; g) no que concerne aos valores de alçada, os Juizados Especiais regidos pela Lei 9.099/95 estão limitados a quarenta salários mínimos, enquanto a Lei 12.153/2009 estipula o montante de sessenta salários mínimos etc.”[16]
Nessa linha de raciocínio, o intérprete, verificando sempre se a norma atende ao comando constitucional (art. 98, I), deve, primeiramente, buscar a solução nas normas integrativas do Sistema do Juizado Especial. Havendo divergência entre os diplomas legais que compõem o Sistema, mas configurada a compatibilidade da norma mais recente, deve-se aplicar esta última (art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil). Na mesma hipótese, mas existente a incompatibilidade, aplica-se a norma específica.
O Código de Processo Civil será aplicado subsidiariamente quando: a) a própria norma assim o determinar (por exemplo, o art. 6º da Lei nº 12.153/2009); b) houver lacuna no Sistema dos Juizados Especiais (por exemplo, sobre os deveres das partes previsto no art. 14 do CPC); e c) houver lacuna nas Leis nº 10.259/2001 e 12.153/2009 e existir norma específica para a Fazenda Pública no aludido código, sem que isto afete os princípios regentes dos Juizados Especiais. Isto ocorre, por exemplo, quanto à apreciação equitativa para a fixação dos honorários advocatícios, prevista no art. 20, § 4º, do CPC, acaso vencida a Fazenda Pública, em grau recursal[17] (Colégio Recursal).
Nesse último exemplo, a título de melhor esclarecimento, há de ser aplicado o art. 20, § 4º, do CPC, ao invés do art. 55, segunda parte, da Lei nº 9.099/1995, pois este dispositivo foi concebido em relação às causas em que não figura como parte um ente público, enquanto que o art. 20, § 4º, do CPC é específico às causas em que for vencida a Fazenda Pública. Não seria razoável que, eventualmente, fossem fixados honorários advocatícios mais elevados nos Juizados Especiais (grau recursal), cujo procedimento é mais célere e destinado às causas cíveis de menor complexidade, do que se o feito tramitasse no Juízo comum, inclusive, pela previsão expressa no art. 6º da Lei nº 9.099/1995 de adoção de decisão justa e equânime. Portanto, inexistindo qualquer obstáculo aos princípios adotados pelo Sistema dos Juizados Especiais, há de prevalecer o critério da especialidade. Nesse sentido, aliás, o Enunciado 06 do FONAJE: “Vencida a Fazenda Pública, quando recorrente, a fixação de honorários advocatícios deve ser estabelecida de acordo com o § 4º, do art. 20, do Código de Processo Civil, de forma equitativa pelo juiz”[18].
4. Princípios orientadores dos Juizados Especiais
Visto sobre o Sistema dos Juizados Especiais, necessário conhecer os princípios que orientam este microssistema processual, para bem compreendê-lo.
O art. 2º da Lei nº 9.099/1995, repetindo o que já constava na Lei nº 7.244/1984 (art. 2º), com exceção da previsão da transação (introduzida pelo art. 98, I, da Carta Magna), dispõe que o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, almejando sempre a conciliação e a transação das partes.
As Leis nº 10.259/2001 e 12.153/2009 não contêm expressos esses princípios pela absoluta desnecessidade, considerando que compõem o Sistema dos Juizados Especiais, o qual é constituído de normas integrativas (art. 1º e 27, respectivamente).
Há doutrina que identifica diferença entre a expressão “critérios”, utilizada pela Lei nº 9.099/1995, e princípios. Oscar Valente Cardoso, citando outros doutrinadores, bem esclarece a respeito:
“Destaca-se que o art. 2º da Lei nº 9.099/1995 utiliza a expressão ‘critérios’ orientadores do processo nos Juizados Especiais, e não princípios. Maurício Antonio Ribeiro Lopes diferencia as duas categorias, afirmando que o critério é somente uma referência, para fins de comparação, já o princípio possui fundamento constitucional e constitui um dos alicerces do sistema legal. Para J. E. Carreira Alvim, também é preciso distinguir quais são os critérios e quais são os princípios processuais, tendo em vista que, enquanto estes são verdadeiros fundamentos dos sistema processual, aqueles se referem somente ao modus faciendi do feito. Lista a simplicidade, a informalidade e a celeridade como critérios, a oralidade e a economia processual como princípios, e a conciliação e a transação como institutos para a prevenção ou término de um litígio. […].
Por outro lado, Rudolf Hutter segue literalmente a denominação legal designando todos como critérios.
Utilizar-se-á neste livro a expressão ‘critérios’ para se referir à oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade, conciliação e transação, somente para fins de padronização (não adentrando na diferenciação doutrinária), tendo em vista a classificação legal.[19]
Joel Dias Figueira Júnior leciona que os critérios destacados pelo legislador são princípios processuais informativos, esclarecendo que:
Os informativos representam o caráter ideológico do processo, como objeto principal da pacificação social, influenciando jurídica, econômica e sociamente, e transcendem a norma propriamente dita, à medida que procuram nortear o processo pelo seu fim maior e ideal precípuo”.[20]
De nossa parte, entendemos que os critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade são verdadeiros princípios que norteiam o Sistema dos Juizados Especiais. Por óbvio que os princípios fundamentais (gerais) do processo civil também devem ser observados, como o devido processo legal, contraditório, ampla defesa etc.
Pelo princípio da oralidade, previsto, inclusive, no art. 98, I, da Constituição Federal, entende-se que no procedimento do Juizado Especial deve preponderar à forma oral, ou seja, deve ser observada com mais vigor. Não significa, assim, a abolição da forma escrita, mas apenas prevalência da palavra falada.
“Na realidade, os procedimentos oral e escrito complementam-se. Quanto do legislador alude ao procedimento oral, ou ao procedimento escrito, isto significa não a contraposição ou exclusão, mas a superioridade de um, ou de outro modo, de agir em juízo. Ambos os tipos de procedimentos dizem respeito ao modo de comunicação entre as partes e o juiz. (…) O procedimento oral fundamenta-se não apenas em fatos e atos que o juiz conhece, de viva voz, como também em provas produzidas”.[21]
Exemplificando, a Lei nº 9.099/1995, no seu art. 14, § 3º, dispõe que o pedido inicial pode ser oral, devendo ser reduzido a escrito pela Secretaria do Juizado. O § 3º do art. 13 aduz que apenas os atos essenciais serão registrados por escrito; os demais podem ser gravados em fita magnética ou equivalente. O art. 30 possibilita a contestação e pedido contraposto na forma oral; o art. 36 diz que a prova oral não será reduzida a termo; e o art. 52, IV, permite o início da execução por mera solicitação oral.
Deste princípio decorrem outros subprincípios: a) imediação: o juiz deve ter contato direto com a prova, colhendo-a diretamente, com relação imediata aos litigantes; b) identidade física do juiz: o magistrado que colhe a prova deve julgar o feito, por vinculação; c) concentração dos atos: estes devem ser concentrados em audiência, com a possibilidade de fracionamento, o qual o juiz ouvirá as partes, colherá as provas e proferirá a sentença; d) irrecorribilidade das decisões interlocutórias: considerando a celeridade processual do rito sumariíssimo e os subprincípios da oralidade citados supra, excepcionalmente admite-se a recorribilidade de decisão interlocutória (cautelar ou antecipatória), a fim de evitar dano de difícil ou incerta reparação.
Não há dúvida de que o princípio da oralidade também busca uma maior proximidade das partes, propiciando, inclusive, a conciliação ou a transação.
Como se nota, o princípio da oralidade se aproxima dos princípios da celeridade e da economia processual. O princípio da celeridade além de contar com previsão na Carta Magna ao assegurar a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação (art. 5º, LXXVIII), também pode ser notado no art. 98, I, ao mencionar que os Juizados Especiais terão procedimento sumariíssimo, ou seja, mais simplificado e célere do que os procedimentos ordinário e sumário do Código de Processo Civil. Essa celeridade é presumivelmente maior no Sistema dos Juizados Especiais, sopesando que a sua competência rege-se, exclusivamente, para as causas cíveis de menor complexidade. Em razão deste princípio, por exemplo, não se admite a intervenção de terceiros; a Fazenda Pública não dispõe de prazos diferenciados etc.
Todavia, como alerta Alexandre Freitas Câmara, é preciso observar que:
“Todo processo precisa de um tempo para poder produzir os resultados que dele são esperados. É preciso tempo par que o demandado seja citado; tempo para que, uma vez citado, o demandado elabore sua defesa; tempo para a instrução probatória; tempo para que o juiz, valorando a prova produzida e examinando as questões de direito, forme seu convencimento e elabore a sentença; tempo para que as partes possam elaborar e interpor seus recursos; tempo para que o recurso seja apreciado adequadamente etc. […]
O grande drama do processo é equilibrar dois valores igualmente relevantes: celeridade e justiça. Um processo extremamente demorado não é, certamente, capaz de produzir resultados justos. Por outro lado, um processo rápido demais dificilmente será capaz de alcançar a justiça da decisão”.[22]
Esse princípio repercute no caso concreto, de modo a possibilitar a verificação se o Juizado Especial é ou não competente para o julgamento do processo, isto é, se a causa é ou não de menor complexidade (art. 98, I, CF/88), considerando não só se a causa envolve prova complexa, como também se há a possibilidade de se proferir uma sentença líquida (art. 38, parágrafo único, da Lei nº 9.099/1995).
O princípio da economia processual consiste em extrair do processo o maior aproveitamento possível, ou seja, com a mínima prática de atos processuais. A gratuidade processual em primeiro grau de jurisdição também decorre desse princípio.
Finalmente, a informalidade e a simplicidade tratam-se de um mesmo princípio que significa desburocratizar o processo, a fim de propiciar a celeridade do procedimento sumariíssimo. Como exemplo, o legislador explicitou que não se pronunciará qualquer nulidade se não demonstrado prejuízo (art. 13, § 1º, da Lei nº 9.099/1995).
Estes princípios regentes do Sistema dos Juizados Especiais nortearão o caso concreto, a fim de contribuir ao juiz e as partes quanto às práticas dos atos processuais, inclusive, para verificar se o caso adentra na competência estabelecida no art. 98, I, da Carta Magna.
5. Conclusão
A Constituição Federal de 1988 deu uma nova realidade aos Juizados Especiais, ao afastar a expressão “causas de reduzido valor econômico”, prevista na revogada Lei nº 7.244/1984, e estabelecer “causas cíveis de menor complexidade” (art. 98, I). Este conceito é mais abrangente, pois pouco importa, para a fixação de competência, o valor da causa, mas, sim, se a causa é complexa ou não. Não resta duvida, assim, de que é a menor complexidade da causa que possibilitará uma celeridade, oralidade, informalidade, simplicidade e economia processual maior.
A partir da Lei nº 12.153/2009, efetivamente instituiu-se o Sistema dos Juizados Especiais para conciliação, processo, julgamento e execução, das causas cíveis de menor complexidade (art. 98, I, da CF/88), o qual possui princípios e regras próprias. O Sistema dos Juizados Especiais é composto pelas Leis nº 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009. Nesse sentir, o Sistema dos Juizados Especiais consiste num conjunto de normas (microssistema processual) que cuida de um mesmo instituto, cujo objeto, no campo cível, é a causa cível de menor complexidade (art. 98, I, da Constituição Federal). Consequentemente, o caso concreto deve, prioritariamente, ser solucionado de acordo com as regras que compõem o Sistema dos Juizados Especiais.
Procurador do Estado de São Paulo (SP), Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
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