Resumo: Estuda e debate a garantia constitucional da intangibilidade nada coisa julgada à luz do ordenamento jurídico, sustentando que a coisa julgada garantida e protegida é apenas aquela que não o contraria.
No Estado Democrático de Direito, ou apenas EDD, o ordenamento jurídico assegura geralmente a todos, e de forma indistinta, alguns direitos e garantias que são erigidos, jurisprudencial e/ou doutrinariamente, como dogmas basilares destinados à proteção daquelas pessoas e instituições elencadas no amplo espectro de sua cobertura – em regra e por princípio, universal e sem exclusões, lógico –, ao tempo em que também vão ao encontro das necessidades dinâmicas e de afirmação política intrínsecas ao próprio EDD, enquanto sistema/estrutura de poder e regime jurídico, simultaneamente.
Mundo afora, o direito comparado é rico de exemplos em relação a determinadas garantias que são havidas como fundamentais, para a cidadania e indispensáveis à conservação de certas condições operativas, e até mesmo políticas, sem as quais não se torna possível o funcionamento pleno, seguro e contínuo dessa que é a mais extraordinária e fabulosa obra do pensamento jurídico do Século XX, qual seja o retromencionado Estado Democrático de Direito, construção ideológica coletiva e multidisciplinar alicerçada antes do pós-guerra, mas que se amplia na posmodernidade, desde o fim do SOREX (o Socialismo Realmente Existente, no mesmo Século XX, que desmoronou como as peças do dominó – postas em conhecida posição –, após a queda do “Muro de Berlim”), quando se apresenta em nossos dias como a única alternativa viável, racional e capaz de responder às tentações totalitárias – à direita e à esquerda.
Um desses dogmas basilares do Estado Democrático de Direito é o consagrado princípio constitucional – isso em nosso ordenamento jurídico, como parte da tradição republicana brasileira – de que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, inscrito no art.5º, XXXVI, da atual Carta Política do país.
Neste texto, então, em seqüência à brevíssima digressão introdutória, acima, que não obstante creio ter sido indispensável para fixar determinados parâmetros e direção visando o debate que pretendo desenvolver aqui, volto-me para o dogma da coisa julgada, tema que discutirei na perspectiva da busca de se viabilizar a cogitada efetivação – inscrita no subtítulo deste – do controle difuso e incidental das decisões judiciais pela instância revisora, em caráter ultra/extrarescisório, quando a mesma estiver em desacordo com o ordenamento jurídico. No final do caminho, a pretendida “exceção à regra”, destino excepcional e distinto, mas não rigorosamente oposto/adverso àquele que leva ao princípio fundamental da imutabilidade da coisa julgada.
Em O Dogma da Coisa Julgada (Editora Revista dos Tribunais, 2003 – ISBN: 85-203-2390-1), festejada obra dos renomados processualistas José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim Wambier, ambos buscam, conforme antecipa o editor em sua apresentação, uma adequação do instituto da coisa julgada à realidade do sistema jurídico brasileiro, ou seja, uma relativização para se enfrentar decisões indesejáveis, mesmo depois de esgotadas as possibilidades recursais. Um dos caminhos diz respeito ao reconhecimento de situações em que não haveria nem mesmo se formado a coisa julgada. O outro trata de uma nova forma de interpretação do art. 485, inc. V, do CPC, para que se estabeleça um alcance compatível com o estágio em que se encontra a doutrina jurídica em geral. Concluindo sua apresentação, o editor diz que o estudo se encerra com a análise dos mecanismos processuais de “supressão ou correção das decisões judiciais inexistentes ou nulas”, mesmo quando presente a figura da coisa julgada, com destaque para a querella nullitatis.
O conteúdo da obra retromencionada confirma, efetivamente, em linhas gerais, a apresentação do seu editor, segundo o acima expressado e transcrito, mas a solução vislumbrada no presente texto para a problemática da coisa julgada, visando a correção das decisões judiciais inexistentes ou nulas, no entanto, aponta para a adoção possível de mecanismo processual que autores renomados, ou mesmo outros menos cotados ainda não se atreveram a sugerir, tamanho é o tabu envolvendo a problemática da coisa julgada em nosso ordenamento jurídico, em especial, nos seus mais variados aspectos.
Fora do mundo acadêmico, especialmente no âmbito da dialética processual e dentro das trincheiras dos que a operam – ou melhor, batalham/guerreiam, para homenagear a coerência e bater naquela hipocrisia melindrosa, travestida de falsa civilidade/urbanidade –, o debate em torno da coisa julgada se desenvolve de modo mais dinâmico e comprometido com os seus resultados, como se pode ilustrar com o texto colhido na internet, da lavra de José Alfredo Ferreira de Andrade, advogado atuante e Conselheiro Federal da OAB, onde representa o Estado do Amazonas. Subordinada ao título RES JUDICATA E A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO, seguem fragmentos daquilo que chamarei de uma oportuna e pertinente intervenção:
“Tema dos mais intrincados começa a ser apreciado pelo Poder Judiciário e diz respeito à adoção da possibilidade de suspensão da execução da decisão transitada em julgado, por meio de ação cautelar incidental à ação rescisória ou pedido de antecipação de tutela no corpo da própria rescisória.”
“Cresce o movimento dentro dos Tribunais Superiores no sentido de rever a premissa da intangibilidade da coisa julgada, para o fim de conceber a suspensão da execução de decisões rescindendas. Os operadores do Direito tem compromisso com a concretização da Justiça e neste diapasão cabe-lhes o dever impostergável de combater a res judicata obtida com a eiva da nulidade ou violadora do ordenamento jurídico; como soem ser as decisões prolatadas por juízes absolutamente incompetentes, eivadas de fraude, com erros de direito, etc.”
Ao tempo em que destaco e registro a importância ética intrínseca a aspectos que envolvem responsabilidade e compromisso contidos no texto do articulista, os quais podem ser tomados como uma verdadeira convocação aos operadores do direito para a busca efetiva de “concretização da Justiça”, objetivo este que antes, e inclusive, implica em “…combater a res judicata obtida com a eiva da nulidade ou violadora do ordenamento jurídico[…] como soem ser as decisões prolatadas por juízes absolutamente incompetentes, eivadas de fraude, com erros de direito,…”, tomo distância das soluções propostas ou apenas sugeridas, de alcance limitado e restrito, iguais àquelas que possam ser buscadas “…por meio de ação cautelar incidental à ação rescisória ou pedido de antecipação de tutela no corpo da própria rescisória.”
É que, para se rever a premissa da intangibilidade da coisa julgada, vislumbro a possibilidade de se travar uma luta processual distinta e específica contra as imperfeições desta, mesmo após o decurso do prazo previsto no art.495 do Código de Processo Civil (“O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.”). Eis uma primeira idéia em favor da perspectiva da busca de se viabilizar a cogitada efetivação – inscrita no subtítulo deste – do controle difuso e incidental das decisões judiciais pela instância revisora, em caráter ultra/extrarescisório, quando a mesma estiver em desacordo com o ordenamento jurídico.
Neste diapasão, não se pode perder de vista, inicialmente, a exigência ética e jurídica indeclinável de haver um mínimo de coerência e adequação da coisa julgada para com o ordenamento jurídico, o que vale dizer não ser plausível e teleologicamente possível manter-se, como ocorre hoje, a res judicata obtida com a eiva de nulidade ou violadora daquele – do ordenamento jurídico, óbvio –, no âmbito do mundo do direito, eis que a res judicata que o contraria deste não faz parte, lógico. O que, então, autoriza, ou permite que se conserve como intocável a coisa julgada eivada de vícios, erros, etc?
Uma indagação aparentemente angelical, essa aí, mas que em verdade tem alimentado um debate profícuo e inesgotável em torno do tema da intangibilidade da coisa julgada, no âmbito do qual foram desenvolvidos, em conseqüência, os mais profundos e complexos estudos, inclusive multidisciplinares, muito embora a resposta à mesma seja simples e direta; ei-la: a segurança jurídica, um dos principais fundamentos/pilares do Estado Democrático de Direito.
Então, pela exigência jurídica e política de preservação da garantia constitucional da segurança jurídica, aquela mesma assegurada em nossa atual Carta Política com a sua inscrição em seu art.5º, XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada –, mantém-se intocada a coisa julgada constituída em desacordo com o ordenamento jurídico, mesmo que eivada de vícios, erros de direito, inclusive as que decorrem de decisões prolatadas por juízes absolutamente incompetentes, etc.
Ao contrário do que acontece com a coisa julgada que encontra-se em desacordo com o ordenamento jurídico, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, no entanto, pela suposição óbvia de serem constituídos dentro dos parâmetros do direito vigente, da legalidade, etc, – salvo a hipótese de fundados em lei posteriormente declarada inconstitucional, o que já é uma outra questão –, ambos não carregariam aquela mácula de inconstitucionalidade, por exemplo, ou mesmo apenas de ilegalidade – o que não é menos grave, claro –, como a res judicata obtida com a eiva da nulidade ou violadora do ordenamento jurídico.
Ora, quando a Carta Política protege a coisa julgada até da lei nova sentença transitada em julgado que se encontra em desacordo com o ordenamento jurídico, no âmbito do seu mérito – grifou-se), óbvio que ali não se cogita de coisa julgada que esteja em desacordo com o ordenamento jurídico. A coisa julgada protegida pela Carta Política, portanto, é aquela que não acoberta o ilícito, ou aqueles que enriquecem à custa de outrem, seja esse a Fazenda Pública – o Erário –, ou as pessoas físicas e jurídicas de direito privado.
Acompanhando e ao mesmo tempo procurando participar do rico e complexo debate que se desenvolve no Brasil – especialmente no âmbito da rede virtual, a todos disponível – em torno do tema da coisa julgada, inclusive da que se encontra em desacordo com o ordenamento jurídico, não me escapam as contribuições originárias dos mais diversos operadores do direito, como as duas já registradas acima, ou mesmo de articulistas e pensadores de outras áreas. Na internet, encontro mais um texto, no meio de muitos e muitos outros, sobre o tema, subordinado ao título Considerações sobre a flexibilização da sentença inconstitucional passada em julgado, de autoria de Paulo Halfeld Furtado de Mendonça, analista judiciário do TRF3 e pós-graduado em Direito Processual Civil.
Publicado na revista eletrônica jusnavigandi (www.jus.com.br/), o artigo identificado no parágrafo anterior – com título e autoria – contém interessantes reflexões sobre o tema da coisa julgada que se encontra em desacordo com o ordenamento jurídico, questão que é enfrentada, como o próprio título do texto já antecipa, por meio daquilo que o articulista denomina “flexibilização”.
Paulo Halfeld Furtado de Mendonça inicia o artigo acima nominado com duas indagações, seguintes: A sentença passada em julgado, após escoado o prazo para a propositura da ação rescisória, deve ser sempre acobertada pelo manto da imutabilidade? Em outras palavras, haveria casos excepcionais, além dos enumerados no art. 485, CPC[1] [01] em que, mesmo escoado o biênio previsto pelo art. 495 do CPC[2] [02], a sentença mereceria ser reformada?
No parágrafo imediatamente abaixo, o mesmo articulista justifica o interesse pelo tema que discute em seu texto: O que despertou o interesse pelo tema [flexibilização da coisa julgada] foi o fato de que para nós, a coisa julgada, conforme disse Humberto Theodoro Júnior [3], sempre esteve em um patamar de santidade. Disse ainda que os autores do século XIX referiam-se a ela como algo sacro, intangível e intocável. Portanto o estudo sobre a flexibilização de algo intocável chamou-nos a atenção.
Registrada a sua justificativa, Paulo Halfeld Furtado de Mendonça adentra no tema em debate, discorrendo sobre determinados casos e fazendo referência a renomados processualistas, sempre pelo ângulo da cogitada “Flexibilização Sobre a Coisa Julgada”, como segue: Humberto Theodoro Júnior, no seminário denominado “Flexibilização Sobre a Coisa Julgada”[4] e em artigo publicado em co-autoria com Juliana Cordeiro de Faria,[5]] nos revela que há poucos anos a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo solicitou seu parecer “a respeito da multiplicidade e superposição de sentenças transitadas em julgado condenando o poder público a indenizar a mesma área expropriada, mais de uma vez, ao mesmo proprietário. Já não cabia mais rescisória…”.
Dali, após prosseguir no exame do tema, pelo ângulo de uma prometida e vislumbrada “flexibilização”, com estudo de exemplos, e sempre com suporte em autores de renome e destaque nos mundos acadêmico e pretoriano, especialmente, Paulo Halfeld Furtado de Mendonça foca no subtema da prevalência do princípio da justiça frente ao da segurança jurídica, para, logo a seguir, discorrer sobre aplicação da querela nullitatis à sentença inconstitucional passada em julgado, mecanismo processual que igualmente é estudado, com análise detida e rigorosa, pelos autores José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim Wambier, na retromencionada obra O Dogma da Coisa Julgada.
Lamentavelmente, o auspicioso texto de Paulo Halfeld Furtado de Mendonça, no âmbito do qual ele faz as suas Considerações sobre a flexibilização da sentença inconstitucional passada em julgado, não logra obter, como todos os outros que até aqui se propuseram a discorrer sobre o tema da coisa julgada que se encontra em desacordo com o ordenamento jurídico, uma sinalização mínima – que seja –, visando alcançarmos – nós, operadores do direito e a sociedade brasileira – aquela resposta efetiva, urgente e indispensável para essa relevantíssima questão jurídica, que também tem um claro fundo político.
Com efeito, concluindo o seu texto, Paulo Halfeld Furtado de Mendonça frustra aqueles que – como eu, um equivocado de início, portanto, para ser um desenganado, por fim – esperavam ter confirmado aquele sugerido enfrentamento da questão, ao registrar, visivelmente temeroso, o seguinte: A flexibilização da sentença inconstitucional passada em julgado afetará substancialmente sua estrutura básica, “mas é equivocado, em qualquer lugar, destruir alicerces quando não se pode propor uma base melhor ou mais sólida.”[6] [81].
Por último, ao contrário do que acredita, imaginando-se ousado e inovador, timidamente propõe: Ousaremos, aqui, pois, apresentar ao nosso legislador a sugestão de acrescer o inciso X, ao artigo 485 do Código de Processo Civil, incluindo a ação rescisória especial, também conhecida por rescisória secundum eventum probationis. Outra sugestão seria a de majorar o prazo para a propositura da ação rescisória. Tudo isso visando resguardar a sentença transitada em julgado, ainda que inconstitucional, que deve prevalecer em face da segurança jurídica e da preservação do Estado democrático de direito.
Suponho que exista um equívoco generalizado em relação ao princípio da segurança jurídica encerrado na garantia constitucional à coisa julgada, o que talvez tenha produzido aquela impressão que Humberto Theodoro Júnior identifica como um imaginário patamar de santidade, sobre o qual nós todos a colocamos, especialmente nós, os operadores do direito. O debate que se desenvolve em torno do tema, no entanto, marcado pelas mais diversificadas e complexas indagações, inescapáveis a uma questão de tanta magnitude e gravidade como é essa, não me furta de registrar aqui que esse equívoco generalizado decorreria simplesmente da santificação indiscriminada à coisa julgada, quando o propósito do constituinte ao protegê-la até da lei nova foi apenas de manter intocada – ou intangível, conforme empregado alhures – a coisa julgada lavrada dentro dos parâmetros da legalidade, do ordenamento jurídico, etc.
Assim, volto à observação registrada bem acima, de que quando a Carta Política protege a coisa julgada até da lei nova (“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, conforme art.5º, XXXVI, do texto constitucional – grifou-se), óbvio que ali não se cogita de coisa julgada que esteja em desacordo com o ordenamento jurídico. A coisa julgada protegida pela Carta Política, portanto, é aquela que não acoberta o ilícito, ou aqueles que enriquecem a custa de outrem, por exemplo. Àquela coisa julgada lavrada em desacordo com o ordenamento jurídico, então, resta apenas que seja expulsa do mundo jurídico, para que deixe de ter eficácia, como se faz com a lei eivada de inconstitucionalidade.
Em decorrência daquela interpretação irrestrita atribuída à coisa julgada – e suas implicações –, enquanto garantia constitucional que também vem ser a pedra angular do Estado Democrático de Direito, e base da segurança jurídica que este presume imprescindível, todas as tentativas de retirar do mundo do direito a coisa julgada que se encontra em desacordo com o ordenamento jurídico resultaram infrutíferas, e os poucos e incertos mecanismos processuais construídos – pretoriana ou operacionalmente – para aquele fim não se firmaram, pois esbarram sempre em questões de inquietante complexidade e até agora instransponíveis.
Não obstante, há mecanismos processuais para se retirar do mundo do direito uma lei que, embora regularmente votada pelo Congresso Nacional – um poder legítimo, ao contrário do Judiciário, que nem é republicano[7] (**) –, contenha normas inconstitucionais. Ou, ainda, na hipótese de ser uma lei havida como inconstitucional em sua totalidade – eis aí a ADI, ou também ADIN.
Por que uma decisão judicial que contraria o ordenamento jurídico não poderia ser igualmente expulsa do mundo jurídico? Apenas por ser res judicata? Essa a razão dos fracassos nas tentativas pretorianas e operacionais dos mecanismos processuais construídos para retirar eficácia da coisa julgada lavrada em desacordo com o ordenamento jurídico? Então o Poder Judiciário põe para fora do mundo jurídico lei votada pelo Congresso Nacional que é identificada como inconstitucional, mas acoberta as suas decisões que são contrárias ao ordenamento jurídico? Qual a razoabilidade, a coerência ética, jurídica e moral de uma orientação dessa espécie?
Muito embora não se possa deixar de considerar pertinentes as indagações do parágrafo anterior, e, portanto, merecedoras de oportunas e devidas consideração e respostas, no contexto do debate em torno da coisa julgada que se encontra em desacordo com o ordenamento jurídico, há um problema de ordem objetiva, visível e inquietante, bem mais destacado e perturbador que aqueles supostamente originários de dilemas corporativistas, que é o da questão concernente à segurança jurídica, pedra angular do Estado Democrático de Direito.
Volto ao texto do Paulo Halfeld Furtado de Mendonça (Considerações sobre a flexibilização da sentença inconstitucional passada em julgado), para retirar do mesmo um fragmento da obra de Rosemiro Pereira Leal, que leciona, in verbis: A garantia da coisa julgada (…) não tem escopo de gerar segurança, porque, no Estado Democrático, não é da segurança em si que se cogita como fundamento dos atos jurídicos, mas da legitimidade obtida pelo processo jurídico que venha a estabelecer a segurança almejada, mesmo que seja esta ainda concebível em escopos meta-jurídicos do obsoleto e paternal Estado Social de direito como está em Dinamarco[8] [58].
Essa alegada necessidade de segurança jurídica sustentada pela maioria dos juristas e operadores do direito, para justificar a intangibilidade da coisa julgada, mesmo aquela eivada de vícios e outras ilegalidades, por outro lado, não escapa da observação e do registro do constitucionalista Luis Roberto Barroso, o qual, em recente matéria – 04/06/09 – publicada sobre o titulo Muda modelo tradicional de interpretar a CF, no diário eletrônico CONJUR – Consultor Jurídico, de autoria da jornalista Lilian Matsuura, teve destacada por esta, através de comentário, a afirmação seguinte: “…no contexto em que vivemos, de judicialização do cotidiano, há insegurança jurídica, gerada justamente pela complexidade e pluralidade das relações. Não há mais regras que possam ser aplicadas para todo caso, já que é comum pessoas esclarecidas divergirem honestamente e com bons argumentos em determinados temas. O caso do uso de células embrionárias e da desocupação da reserva Raposa Serra do Sol são exemplo disso, para ele.”
Anteriormente, na mesma matéria – Muda modelo tradicional de interpretar a CF –, Luis Roberto Barroso observara, em tom de comentário, o seguinte: “Não há solução pronta. Ela precisa ser construída argumentativamente pelo juiz. É uma atividade mental, ideológica, bem mais complicada que aplicar uma regra”.
Embasado, então, no que foi acima exposto e debatido, atrevo-me agora a traçar algumas idéias destinadas à busca de viabilizar a efetivação do controle difuso e incidental das decisões judiciais pela instância revisora, em caráter ultra/extrarescisório, quando a coisa julgada estiver em desacordo com o ordenamento jurídico. Faço isto como forma de contribuir para que o debate, em prosseguimento pelos mais diversos meios, por óbvio, possa sair do círculo teórico e restrito em que se encontra para alcançar a concretização exigida pela questão nele centralizada.
Inicialmente, deve ser considerada a limitação temporal fixada pelo prazo previsto no art.495 do Código de Processo Civil para a propositura da ação rescisória (“O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.”). Esse é o primeiro ponto para motivar a busca de uma solução que contorne a restrição de se propor referida ação depois de decorrido o biênio legal, isso como conseqüência do entendimento de que a coisa julgada que se encontra em desacordo como o ordenamento jurídico não pode permanecer no mundo do direito, sejam quais forem as maiores ou menores razões que o levem a abrigá-la.
Ordinariamente, o mecanismo processual mais empregado para combater a coisa julgada que se encontra em desacordo com o ordenamento jurídico é a querella nullitatis insanabilis. Antônio Pereira Gaio Júnior, mestre, doutor e pós-doutor em direito pela Universidade de Coimbra – Portugal, em trabalho publicado na internet ( www.gaiojr.adv.br/), subordinado ao título “A efetiva aplicabilidade da Querela Nullitatis”, registra sobre o mesmo o seguinte: “Leciona Calamandrei que o instituto da querela nullitatis é advindo de elaboração havida no período medieval com a fusão de elementos romanos e germânicos, tendo como serventia combater uma sentença maculada de vícios de forma (errores in procedendo).
Daí, elaborada foi a actio nullitatis, via de impugnação autônoma cuja fun¬ção era a de reparar os vícios formais que pudessem tornar nula a sentença.”
Como Gaio Júnior, no fragmento ilustrativo de sua obra acima transcrito, no qual se apóia em Calamandrei, de modo geral os autores que abordam o tema da querella nullitatis são praticamente unânimes quanto ao emprego da mesma para combater uma sentença maculada de vícios de forma. Em sentido idêntico, a jurisprudência, como segue:
“PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE NULIDADE DE COISA JULGADA (“”QUERELLA NULLITATIS INSANABILIS””) – TRIBUNAL DE JUSTIÇA -COMPETÊNCIA – “”NUMERUS CLAUSUS”” – AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – COMPETÊNCIA DECLINADA. – Tratando-se de ação de nulidade de coisa julgada (“”querella nullitatis insanabilis””) – fundada em ausência de citação de litisconsortes passivos necessários em ação ordinária com sentença transitada em julgado -, e não de ação rescisória, falece competência ao Tribunal de Justiça para processá-la e julgá-la originariamente, “”ex vi”” do rol exaustivo constante do inc. I do art. 106 da Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989. – Não tendo previsto o referido Texto Constitucional, igualmente, a competência do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais senão para julgar a causa em grau de recurso (art. 107, inc. II), fixa-se a competência do juízo cível da comarca de origem para o respectivo processamento e julgamento. – Competência declinada para uma das varas cíveis da Comarca de Uberlândia – MG”. (Acórdão Nº 1.0000.03.402880-3/000(1) de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, de 19 Novembro 2003” – grifou-se.
Fora da hipótese de erro formal, no entanto, a exemplo do acima transcrito, não há registro, pelo que me consta, de emprego da querella nullitatis insanabilis para anular sentença transitada em julgado quando transcorrido o biênio legal da ação rescisória, tendo por objeto a busca da ineficácia de decisão meritória. No emprego de outros tipos de ações, como a declaratória, por exemplo, igualmente não me consta haver registro de iniciativa com finalidade idêntica, ou similar. Seria o caso, então, de se estudar o emprego da primeira ação – querella nullitatis insanabilis – para anular sentença transitada em julgado que se encontra em desacordo com o ordenamento jurídico, no âmbito do seu mérito, tendo já ultrapassado o biênio legal para o ajuizamento da ação rescisória. Indispensável, aí, por óbvio e evidente, uma abordagem constitucional ampla e consistente, na linha do debate acima desenvolvido.
No que concerne às medidas/providências incidentais, especificamente, como consta do subtítulo deste texto, especialmente no caso de execução de sentença, quando já transcorrido o biênio legal para a propositura de ação rescisória, ou não, se constatados erros de cálculos que vão além de aspectos meramente materiais/aritméticos, de modo a proporcionar/favorecer, clara e induvidosamente, o enriquecimento sem causa, ou ilícito, por exemplo, creio ser perfeitamente cabível combater sentença transitada em julgado, que assim se encontra em desacordo com o ordenamento jurídico, no âmbito do seu mérito, por via recursal ou cautelar, desde que se leve ao debate os aspectos e as questões de natureza constitucional, acima registradas, com destaque para aquela de grande apelo ético e de extrema razoabilidade, voltada ao confronto objetivo entre a lei e a decisão judicial, como exposto acima – se a lei pode ser expulsa do mundo jurídico, por que uma decisão judicial que a contraria não pode?
Por fim, no debate desenvolvido no âmbito de uma ação como a que se vislumbra no parágrafo anterior, não se pode deixar de destacar a observação de que a coisa julgada garantida pelo ordenamento jurídico –“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, conforme art.5º, XXXVI, do texto constitucional – é apenas aquela que se encontra dentro dos parâmetros da legalidade, do ordenamento jurídico, etc. Aquela coisa julgada que não se acha dentro da correta interpretação – que pode ser feita por muitas formas ou meios, óbvio, não importa – da garantia constitucional, portanto, não deve nem pode ser intocável. Eis uma exceção à regra, ou a exceção à regra.
Assim, aqui concluo este texto, mas não o debate sobre o tema.
Procurador federal junto à Procuradoria Regional Federal da 1ª. Região, em Brasília – DF
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