A salutar discussão acerca da melhor forma de inserção da Advocacia-Geral da União – AGU na atual estrutura do Estado brasileiro1, a nosso ver, pressupõe considerar duas perspectivas inseparáveis e insuperáveis. Primeiro, é necessário levar em conta qual o interesse público ou social quanto à estruturação da advocacia do Estado. Depois, importa ponderar os interesses corporativos envolvidos na decisão. Cumpre observar, desde logo, que interesses corporativos devem ser tomados na sua expressão mais rica ou vitalizadora, na linha da afirmação e ressalva da importância e competência da corporação no contexto da administração e da sociedade para melhor desempenho de seu papel institucional. Devem ser afastadas as defesas de privilégios (pelos privilégios, e não, como instrumentos de realização das atribuições funcionais) ou posições contrárias aos anseios mais amplos da sociedade em benefício único e exclusivo dos membros da corporação.
Nesta linha, pensamos que a sociedade e a Administração pretendem uma advocacia pública independente2, ágil e eficiente. Desejam, mais precisamente, uma advocacia cumpridora da função preventiva de conflitos e potencializadora do mínimo de perdas patrimoniais nas demandas judiciais. A estrutura institucional correspondente a estes anseios parece apontar claramente para a existência de um único órgão de atuação judicial. Assim, a racionalização da estrutura administrativa permitiria condições materiais mais adequadas, quadro de pessoal mais eficiente e unicidade de comando.
A experiência da atual AGU, com dois órgãos de representação judicial da União, apesar de razoavelmente definidas as suas competências3, confirma amplamente a inconveniência e a inadequação da dualidade. A superposição de esforços, em inúmeros casos, a dispersão de energias, em outros tantos, o aumento de despesas e os vários conflitos internos gerados (velados e explícitos) são os subprodutos mais visíveis da dualidade hoje posta4.
Firmada a premissa da unicidade de atuação judicial para a União, temos, então, outro problema a ser resolvido: o órgão remanescente seria a Procuradoria-Geral da União – PGU ou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN (afastada a possibilidade de um terceiro órgão, hoje inexistente)?
Na resposta a este último questionamento, o enfoque corporativo, por considerar a experiência administrativa acumulada ao longo de vários anos, fornece elementos mais adequados para a tomada de decisão. Entendemos, neste particular, ter a unificação da atuação judicial da União na PGFN melhores condições de representar um novo patamar de qualidade e eficiência nesta complexa e crucial atividade pública.
Apontamos, para justificar este rumo, as seguintes razões básicas: a) maior tradição, sendo referência segura nos vários assuntos submetidos a sua manifestação e atuação5; b) ter sob sua responsabilidade a esmagadora maioria dos processos judiciais em que a União é parte6; c) sua atuação envolver a imensa maioria dos recursos pecuniários em discussão judicial7; d) exercitar atualmente a consultoria jurídica mais complexa e variada na administração pública federal (a do Ministério da Fazenda)8; e) possuir um instrumento singular de financiamento de suas atividades (o FUNDAF)9 e f) estar consagrada expressamente no Texto Maior3. Por outro lado, a atual PGU foi instalada e dirigida por cerca de 150 (cento e cinqüenta) Procuradores da Fazenda Nacional, sem contar os assistentes jurídicos, o que persiste, ainda que parcialmente, revelando a plena capacidade de articulação mais racional das atividades de representação judicial da União.
A solução preconizada, apesar de estar dirigida à reestruturação orgânica da AGU, suscita a discussão acerca do destino das carreiras funcionais integrantes do órgão. Neste particular, convém também a unificação das carreiras jurídicas vinculadas à AGU. Afinal, não teria sentido a existência de um só órgão de representação judicial e, nas suas entranhas, mais de uma carreira funcional exercendo as mesmas atribuições de fundo. A unificação funcional poderia abarcar horizonte mais amplo do que a representação judicial, incluindo as carreiras responsáveis pela consultoria jurídica no âmbito do Poder Executivo10.
Em linhas gerais, seriam estas as premissas da proposta ora defendida:
1. Extinção da Procuradoria-Geral da União.
2. Inserção administrativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional na Advocacia-Geral da União.
3. Transferência do acervo logístico da Procuradoria-Geral da União para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
4. Extinção do cargo de Consultor-Geral da União (cujas funções seriam exercidas com muito mais propriedade pelo Advogado-Geral da União).
5. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional teria as seguintes competências básicas:
5.1. Representação judicial da União em todas as matérias (com especialização meramente interna);
5.2. Inscrição em Dívida Ativa e cobrança administrativa e judicial dos créditos tributários e não-tributários da União.
6. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional administraria a subconta do FUNDAF (a que atualmente lhe cabe).
7. Criação da Consultoria Jurídica do Ministério da Fazenda.
8. Unificação das carreiras jurídicas integrantes da AGU mediante transformação dos cargos de Advogado da União em cargos de Procurador da Fazenda Nacional (9).
9. O cargo (único na AGU) de Procurador da Fazenda Nacional teria todas as atribuições jurídicas (consultoria e assessoramento jurídicos, representação judicial em todas as matérias e controle da legalidade para fins de inscrição em Dívida Ativa).
Visualmente teríamos a seguinte mutação na situação funcional da AGU:
SISTEMA atual da Advocacia-Geral da União
AGU | Ministério da Fazenda | Ministérios | ||
PGU | PGFN | Consultorias
| ||
Advogados | Procuradores da | Assistentes Jurídicos |
Proposta para o “Sistema AGU”
AGU | Ministério da Fazenda | Ministérios | ||
PGFN | Consultoria | Consultorias
| ||
Procuradores da | Procuradores da | Procuradores da |
NOTAS:
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2
3
§ 1º – A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
§ 2º – O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.
§ 3º – Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.” (Constituição Federal)
“Art. 9º – À Procuradoria-Geral da União, subordinada direta e imediatamente ao Advogado-Geral da União, incumbe representá-la, judicialmente, nos termos e limites desta Lei Complementar.
(…)
Art. 12 – À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão administrativamente subordinado ao titular do Ministério da Fazenda, compete especialmente:
I – apurar a liquidez e certeza da dívida ativa da União de natureza tributária, inscrevendo-a para fins de cobrança, amigável ou judicial;
II – representar privativamente a União, na execução de sua dívida ativa de caráter tributário;
III – (VETADO)
IV – examinar previamente a legalidade dos contratos, acordos, ajustes e convênios que interessem ao Ministério da Fazenda, inclusive os referentes à dívida pública externa, e promover a respectiva rescisão por via administrativa ou judicial;
V – representar a União nas causas de natureza fiscal.
Parágrafo único – São consideradas causas de natureza fiscal as relativas a:
I – tributos de competência da União, inclusive infrações à legislação tributária;
II – empréstimos compulsórios;
III – apreensão de mercadorias, nacionais ou estrangeiras;
IV – decisões de órgãos do contencioso administrativo fiscal;
V – benefícios e isenções fiscais;
VI – créditos e estímulos fiscais à exportação;
VII – responsabilidade tributária de transportadores e agentes marítimos;
VIII – incidentes processuais suscitados em ações de natureza fiscal.
Art. 13 – A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional desempenha as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos no âmbito do Ministério da Fazenda e seus órgãos autônomos e entes tutelados.
Parágrafo único. No desempenho das atividades de consultoria e assessoramento jurídicos, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional rege-se pela presente Lei Complementar.” (Lei Complementar no 73/93) (voltar ao texto)
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Parágrafo único. O produto dos recolhimentos do encargo de que trata o art. 1º Decreto-Lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, modificado pelo art. 3º do Decreto-Lei nº 1.569, de 8 de agosto de 1977, art. 3º do Decreto-Lei nº 1.645, de 11 de dezembro de 1978, e art. 12 do Decreto-Lei nº 2.163, de 19 de setembro de 1984, será recolhido ao Fundo a que se refere o art. 4º, em subconta especial, destinada a atender a despesa com o programa previsto neste artigo e que será gerida pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional, de acordo com o disposto no art. 6º desta Lei. (Lei no 7.711, de 22 de dezembro de 1988) (voltar ao texto)
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“84. Lamenta-se, entretanto, a existência de três carreiras distintas dentro de uma só estrutura. O ideal, pelo menos, e o pensamento da maioria dos integrantes da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, é que as três carreiras fossem fundidas numa só; com isso o órgão ganharia ainda mais uniformidade e coesão.” (João Carlos Souto em A União Federal em Juízo. Pág. 57. 1998. Editora Saraiva)
Na consulta nacional (plebiscito) realizada pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional – SINPROFAZ no dia 17 de dezembro de 1998 restou vencedora a tese da “unificação das três carreiras da AGU, com vinculação exclusiva a esta instituição”. Esta proposição obteve 234 votos contra 78 votos nas outras quatro teses (Jornal do SINPROFAZ. Ano IV. Março de 1999. No 16). (voltar ao texto) .
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