No Brasil a orientação sexual é fator determinante, como que autorizador, para que se trate com desigualdade e privação de dignidade alguns segmentos da sociedade. Grande parte dos legisladores e julgadores do país não reconhece direitos como liberdade, igualdade e dignidade, assegurados pela Constituição Federal, a todos os cidadãos. Aos homossexuais poucos direitos são conferidos e, o pouco que se faz parece vir mesmo do Poder Judiciário.
Raros são os julgadores que reconhecem a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Se viver sob o mesmo teto, maritalmente, confere aos heterossexuais, perante a lei, a condição de companheiros, com inúmeros direitos assegurados, tal como ocorre no casamento, aos homossexuais nada se concede.
Viver nas mesmas condições que heterossexuais nada significa para os homossexuais no que diz respeito a seus direitos. A relação estabelecida entre aqueles que não são heterossexuais não gera direitos, nem obrigações, não está protegida por lei e não tem qualquer amparo do Estado.
Mas a discriminação está tão enraizada em nossa cultura, que as violações aos direitos constitucionais são praticadas não só pelos cidadãos, como, pior ainda, pelo próprio Estado e pelos três poderes da nossa nação.
Alguns de nossos julgadores, com visão mais ampla e inseridos dentro de nossa nova sociedade, transitam do lado de fora de seus gabinetes e percebem a realidade de outra forma, ou seja, de forma justa. Baseados sempre no direito à igualdade, reconhecem direitos com esforço e coragem, já que vão lutando contra a maioria daqueles que têm como função distribuir a justiça.
Em julho de 2008, a juíza Lidia Maria Andrade Conceição, do Fórum Regional de Santo Amaro, na capital do Estado de São Paulo, não só reconheceu a união estabelecida entre um casal homossexual como fez algumas determinações em relação ao patrimônio formado por ambos, agindo em relação a eles como agiria nos casos de relação heterossexuais que chegam ao fim. A união foi reconhecida, dissolvida e decididas questões que envolviam os bens do casal.
Atualmente, como não há o reconhecimento da união estável entre homossexuais, os juízes tratam a relação como sociedade de fato, que nada mais é do que uma relação comercial. É o mesmo que dizer que aquele par uniu-se com o objetivo de auferir lucros e que desfeita a sociedade, partilhariam o ativo e o passivo do negócio comercial estabelecido entre eles. É passar o casal que viveu maritalmente da condição de companheiros à condição diametralmente oposta, de sócios.
Em um primeiro momento pensa-se até que se os resultados são os mesmos – assume-se a separação e partilham-se os bens. Atingido o objetivo maior (partilha de bens) parece-nos, inicialmente, não haver qualquer diferença entre reconhecer-se a relação como união estável ou sociedade de fato. Só que a constância da tomada de tais decisões mantém os homossexuais na categoria de cidadãos abandonados à própria sorte pelo próprio Estado.
Sócios não são herdeiros, sócios não podem ser incluídos no plano de saúde um do outro, não têm direito ao recebimento de pensão no caso de falecimento de um deles. Companheiros que partilham o cotidiano, na sua intimidade, definitivamente não são sócios. E mesmo que os resultados sejam os mesmos no momento da partilha de bens, nega-se o direito à igualdade e à dignidade. E isso não se pode admitir.
Portanto, a decisão inédita proferida na Capital do Estado de São Paulo soou como mais uma esperança ao segmento GLBTT. Foi um claro sinal de que a orientação sexual não pode representar nada quando falamos da concessão de direitos. E decisões como essa tem que ser uma prática constante, pois só assim, nossa sociedade e os Poderes Legislativo e Executivo passarão a ver que a orientação sexual não passa de um mero detalhe, que diz respeito apenas e tão somente àqueles que estabeleceram uma união diferente da heterossexual, uma ditadura que precisa ser deposta o quanto antes.
Advogada especializada em Direito Civil, atua na área de indenizações, e sócia do escritório Mendonça do Amaral Advocacia
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