Resumo: No Brasil, as profissões são regulamentadas por lei. O exercício dessas profissões é fiscalizado pelos Conselhos de Classe Profissionais, que são autarquias federais, também criadas por lei, cujas atribuições são delegadas pelo Poder Público Federal. Os Conselhos dedicam-se a fiscalizar as profissões, bem como os seus profissionais. Com base na garantia constitucional da livre iniciativa, as instituições de ensino superior podem se constituir na forma de pessoa jurídica de direito privado, desde que observados os requisitos estabelecidos na Constituição Federal (CF) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para livremente exercer a sua atividade econômica em sentido amplo. As Universidades Privadas, ligadas ao sistema federal de ensino, possuem outra garantia constitucional: a Autonomia Universitária. Esta autonomia compreende a capacidade de gerir a si mesmo, de forma ampla, administrativa, didático-científica e financeiramente, sem quaisquer interferências exteriores, podendo ser fiscalizadas única e exclusivamente pelo órgão regulador do ensino superior – o Ministério da Educação (MEC). Assim, a Universidade pode criar cursos, com avaliação e autorização posterior do MEC. Apesar da autonomia universitária, garantida pela CF, diversos Conselhos Profissionais, por meio de ofícios, requisições, normas e até por leis infraconstitucionais e infralegais, interferem de forma ilegítima na gestão das Universidades.
Palavras-chaves: Universidade. Autonomia. Livre Iniciativa; Conselho Profissional. Interferência Ilegítima.
Abstract: In Brazil, professions are regulated by law. The exercise of these professions is supervised by the Professional Class Councils, which are federal autarchies, also created by law, whose attributions are delegated by the Federal Public Power. The Councils are dedicated to supervising the professions as well as their professionals. Based on the constitutional guarantee of free initiative, higher education institutions may be constituted as a legal entity under private law, provided that the requirements established in the Federal Constitution (CF) and in the Law on the Guidelines and Bases of National Education are complied with. freely to carry out its economic activity in a broad sense. The Private Universities, linked to the federal system of education, have another constitutional guarantee: University Autonomy. This autonomy comprises the capacity to manage itself, in a broad, administrative, didactic-scientific and financial way, without any external interference, and can be supervised solely and exclusively by the regulatory body of higher education – the Ministry of Education (MEC). Thus, the University can create courses, with evaluation and later authorization of the MEC. Despite the university autonomy, guaranteed by the CF, several Professional Councils, through crafts, requisitions, norms and even infraconstitutional laws and infralegais, illegitimately interfere in the management of Universities.
Keywords: University. Autonomy. Free Initiative. Professional Council. Illegitimate interference.
Sumário: Introdução. 1 Das Instituições de Ensino Superior privadas no Brasil. 2 Da Autonomia Universitária. 3 Do Princípio da Livre Iniciativa e da sua aplicabilidade às Universidades privadas. 4 Dos Conselhos de classe profissionais. 5 Da interferência dos Conselhos Profissionais nas Universidades. 5.1 Pareceres do MEC emitidos sobre a interferência dos Conselhos Profissionais sobre as Universidades e os seus cursos. 5.2 Da interferência ilegítima dos Conselhos Profissionais sobre as Instituições de Ensino Superior por meio das leis que criam as autarquias. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A Universidade, apesar de ter sua autonomia, didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, garantida pela Constituição Federal, por diversas vezes, sofre interferências de Conselhos de Classe Profissionais em sua gestão administrativa e acadêmica, em seu corpo docente e, inclusive, nos seus cursos de graduação.
Se à Universidade, pública ou privada, é garantida a autonomia científica, administrativa e financeira, é legítima a interferência destes Conselhos Profissionais? E seria legítima a interferência desses Conselhos Profissionais nas Universidades Privadas frente ao Princípio da Livre Iniciativa?
Percebe-se que tais garantidas, muitas vezes, são violadas por normas infraconstitucionais e por atos administrativos dos Conselhos Profissionais, que sob o argumento de serem autarquias, que atuam sob a delegação do Poder Público, excedem os limites de sua atuação e interferem de forma ilegal e inconstitucional nas Universidades. Os Conselhos Profissionais, por diversas vezes, entendem que a atividade docente, o ensino e a pesquisa são atividades e atribuições do profissional da categoria, e que a Universidade deve adequar seus cursos de graduação às diretrizes e orientações do respectivo Conselho.
Diante dos diversos questionamentos surgidos sobre o tema, procurou-se, discorrer sobre as instituições de ensino superior (IES) privadas no Brasil; abordar sobre a autonomia das Universidades e sobre a livre iniciativa no ensino superior, garantida pela Constituição; explica-se os objetivos e as finalidades da criação dos Conselhos Profissionais no País; e ao final, aponta diversas interferências dos Conselhos Profissionais nas Universidades.
1 DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PRIVADAS NO BRASIL
As Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras podem ser públicas ou privadas. A IES pública notadamente é mantida pelo Poder Público, em nível federal, estadual ou municipal.
Já a IES privada é administrada por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, com ou sem finalidade de lucro, mas que, independente da finalidade, cobram de seus alunos, selecionados por meio de processo de seleção institucional, pela prestação do serviço educacional, sendo por isso, também, consideradas prestadoras de serviço, com base no Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078/90, em seu art. 3º, § 2º.
As instituições privadas de ensino, nos termos do art. 20 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n.º 9.394/96, podem ser particulares, comunitárias, confessionais e filantrópicas.
As IES podem ser classificadas, sob o aspecto acadêmico, administrativo e organizacional, como: faculdade, centro universitário, institutos federais e universidade (art. 12 do Decreto n.º 5.773/06, e Lei n.° 11.892/2008).As distinções entre esses institutos não serão abordadas no presente artigo, pois demandaria maior discussão, limitando-se à Universidade.
A Universidade é autônoma para criar cursos, campi, sedes ou unidades educacionais acadêmicas e administrativas, expedir diplomas, fixar currículos de seus cursos, observadas as diretrizes do órgão regulador do ensino superior, fixar o número de vagas, conferir graus e diplomas, firmar contratos, acordos e convênios, entre outras ações, nos termos do disposto no art. 53 da LDB e seu parágrafo único.
Nota-se que, dentro dos recursos financeiros e orçamentários, a Universidade tem garantia de ampla autonomia didático-científica, para decidir sobre criação e extinção de cursos, ampliação ou diminuição de vagas ofertadas, elaboração dos programas de seus cursos, contratação e dispensa de professores, dentre outros.
2 DA AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA
A autonomia universitária é inerente à própria essência da universidade, entendida como uma instituição dedicada a promover o avanço do saber, o espaço da invenção, da descoberta, da elaboração de teorias, da pesquisa, produção de conhecimento, formação de cidadãos, de pessoas e de profissionais. Nesse sentido, a autonomia é uma condição necessária para a concretização dos fins da universidade: divulgar e disseminar o conhecimento nela e por ela produzidos.
Fávero (2000, p. 71) esclarece sobre a autonomia universitária, analisando a etimologia da palavra, bem como as implicações do vocábulo “autonomia” na Universidade:
“De acordo com a origem etimológica do vocábulo, o termo autonomia corresponde exatamente à sua forma grega, sendo composto de duas raízes: autós e nómos. A primeira significa ‘si mesmo’, algo que se basta, que é peculiar, e a segunda tanto pode significar ‘lei’, ‘regra’ quanto ‘ordem’ (Cunha, 1982). A palavra autonomia, portanto, resulta da aglutinação dessas duas raízes, significando a lei de si mesmo.
No confronto das duas raízes há uma identidade trazida por autós e uma pequena diferença específica dada pela dupla origem de nómos. Pela identidade, a universidade é autós ou não será uma universidade. Consequentemente, o vocábulo autonomia aplicado à instituição universidade implica que ela tem de ser, por si mesma, sujeito de suas decisões e ações, capaz de exercer em plenitude a prática da liberdade.”
A origem da autonomia universitária no País se deu nos idos de 1911, quando o Brasil ainda era “Estados Unidos do Brazil”, por meio do Decreto n.º 8.659/11, que aprovava a lei orgânica do Ensino Superior e do Fundamental na República. O revogado Decreto dispunha que os estabelecimentos de ensino superior do País são “corporações autônomas, tanto do ponto de vista didático, como administrativo” (Fávero, 2000, p. 72). Na época, a iniciativa privada ainda não fazia parte da educação superior brasileira.
Todavia, o termo “autonomia” foi “suprimido pela Reforma Carlos Maximiliano, que reorganizou o ensino secundário e superior da República” (Fávero, 2000, p. 72), por meio do Decreto n.º 15.530/1915. A livre iniciativa continua sem oferta no ensino superior.
A concessão da autonomia universitária é retornada às universidades brasileiras, porém, de forma relativa, por meio da Reforma Francisco Campos, em 1931 (Fávero, 2000, p. 72), realizada no início da Era Vargas (1930-1945), sob o comando do Ministro da Educação e Saúde Francisco Campos. A livre iniciativa tem a oportunidade de ingressar na oferta do ensino superior.
“A Reforma Francisco Campos foi a primeira a colocar a universidade como modelo para o desenvolvimento do ensino superior, estabelecendo a organização, composição, competência e funcionamento da administração universitária (reitoria, conselho universitário, assembleia geral universitária, institutos, conselho técnico-administrativo, congregação etc.) e prevendo a representação estudantil. […]..
As universidades poderão ser criadas e mantidas pela União, pelos Estados, ou sob a forma de fundações ou de associações, por particulares, constituindo universidades federais, estaduais e livres. As ‘universidades livres’ (privadas) podem ser ‘equiparadas’ às universidades federais, assim como as universidades estaduais.” (FRAUCHES, 2004, p. 3)
A Reforma Francisco Campos ultrapassou o regime ditatorial, vigorando até 1961, quando da promulgação da Lei n.º 4.024, de 20/12/1961, conhecida como a primeira lei de diretrizes e bases da educação nacional (1ª LDB). A partir da 1ª LDB a iniciativa privada tem significativo avanço na educação superior, assegurando igualdade dentre os estabelecimentos públicos e os privados:
“A liberdade de ensino é a marca mais significativa da primeira LDB, assegurando igualdade entre estabelecimentos de ensino públicos e particulares ‘legalmente autorizados’.
Abandona-se a expressão ‘universidade livre’ ou ‘faculdade livre’ para designar as instituições privadas de ensino superior”. (FRAUCHES, 2004, p. 3)
A 1ª LDB ainda garantiu, em seu art. 80, a autonomia didática, administrativa, financeira e disciplinar das Universidades, nos termos de seus estatutos.
A 1ª LDB foi revogada, exceto os arts. 6º ao 9º, pela nova LDB, a Lei n.º 9.394/1996. A vigente LDB, em seu art. 53 e parágrafo único, garante a autonomia didático-científica das Universidades, regulamentando o disposto no art. 207 da Constituição Federal de 1988, que dispõe: “Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
Ressalta-se que, dentre todas as Constituições Federais que o Poder Constituinte Brasileiro editou, quais sejam, as de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e a de 1967, com a EC n.º 1/69, apenas a CF/1988 dispôs sobre a universidade brasileira e garantiu a sua autonomia, face à importância do tema.
O conceito trazido pela Constituição Federal pode ser interpretado de diversas formas, sendo discutível a existência de limites da autonomia. Costa (1990, p. 5) esclarece:
“Aparentemente, não há dificuldade maior em se entender o significado do conteúdo do art. 207 da Carta Constitucional. Indica precisamente que os entes universitários sejam constituídos sob forma autárquica ou fundacional, gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial.
Do ponto de vista didático-científico, são autônomas, isto é, têm liberdade para reger seus programas de ensino, suas áreas de pesquisa e a conduta didática a ser observada por seus agentes.
Do ponto de vista administrativo, têm liberdade para praticar todos os atos de natureza administrativa, envolvendo, portanto, assuntos relativos à sua própria organização e funcionamento, e ainda ao seu pessoal, ao seu material etc.
No que se refere ao lado financeiro e patrimonial, a liberdade diz respeito (…) à gerência de suas finanças e de seu patrimônio.”
O já citado parágrafo único do art. 53 da LDB ressalta que, para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro de seus recursos orçamentários, sobre a criação, expansão, modificação e extinção de cursos, a ampliação e diminuição de vagas e elaboração da programação dos cursos, dentre outros.
O mesmo art. 53, dispõe em seu inciso I, que são asseguradas às universidades, no exercício de sua autonomia, criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior, observadas as normas gerais da União e do sistema de ensino.
Por sua vez, os incisos VI, VII e IX, do art. 9º da LDB, dispõem que cabe à União baixar normas sobre cursos de graduação e de pós-graduação; assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior; e autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar os cursos das instituições de educação superior, bem como dos estabelecimentos do ensino superior, podendo esta última atribuição ser delegada aos Estados e ao Distrito Federal.
Inclusive, o art. 10 da LDB, inciso IV, também dispõe que ao Estado incumbe autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino.
Na verdade, tais dispositivos apenas regulamentam o disposto na Constituição Federal, nos arts. 22, 23 e 24, que estabelecem as competências para legislar da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Observa-se que, pela primeira vez, a Constituição Brasileira, deu tanta importância à educação, ao ensino, à pesquisa e à inovação, incluindo, inclusive, um Capítulo sobre o tema: “Da Educação, da Cultura e do Desporto”, que, apresenta princípios e normas fundamentais relativos à educação e garantias constitucionais, incluindo o acesso aos níveis mais elevados do ensino e da pesquisa (o curso superior e a pós-graduação).
Depois de uma Constituição que abriu espaço para a educação, em todos os níveis, a LDB trouxe importantes transformações para a estruturação da educacional nacional, dando ênfase aos processos de avaliação, para a melhoria da qualidade do ensino e criando recursos para a regulação do setor, de instituições e de cursos. Nesse contexto (SINAES, 2004, p. 27): “(…) a avaliação da educação superior assumiu lugar especial dentre as políticas educacionais, seja para a orientação de suas diretrizes mais amplas, seja para as ações concretas dos órgãos competentes do Ministério da Educação (MEC)”.
Nota-se que a educação superior compete às Instituições de Ensino Superior, públicas ou privadas, que devem observar em sua constituição, administração e funcionamento, apenas as normas expedidas pela União, Estados e órgãos reguladores do ensino superior, criados pelo Ministério da Educação.
Assim, não há limites ou restrições à autonomia Universitária, garantida pela Constituição Federal e cujas atribuições são conferidas pela LDB, que não sejam aquelas impostas pelos competentes e já citados Entes: União, Estados e órgãos reguladores do ensino superior, vinculados ao Ministério da Educação.
3 DO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA E DA SUA APLICABILIDADE ÀS UNIVERSIDADES PRIVADAS
A livre iniciativa é mencionada, na Constituição Federal/88, como fundamento da República, no art.1º, inciso IV e, ainda, no caput do art.170, como princípio da ordem econômica.
O art. 170 da CF assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo casos previstos em lei.
Esta liberdade de iniciativa é o espaço de atuação na economia independente de constrição do Estado e será exercida na atividade econômica de produção, circulação, distribuição e consumo de bens e serviços, no mercado, onde atuam os agentes econômicos, que são o Estado, as sociedades empresárias e de pessoas, os trabalhadores e os consumidores.
Sobre a noção de livre iniciativa, Bastos (2000, p. 119):
“A liberdade de iniciativa consagra tão-somente a liberdade de lançar-se à atividade econômica sem encontrar peias ou restrições do Estado. Este princípio conduz necessariamente à livre escolha do trabalho, que, por sua vez, constitui uma das expressões fundamentais da liberdade humana”.
O Princípio da livre iniciativa econômica relaciona-se intimamente com a liberdade, permitindo o exercício da atividade econômica de forma livre. Scaff (2006, p. 110) traz pontuações acerca da liberdade de iniciativa econômica:
“Liberdade de iniciativa econômica decorre de um primado de liberdade, que permite a todo agente econômico, público ou privado, pessoa física ou jurídica, exercer livremente, nos termos das leis, atividade econômica em sentido amplo. Parte de um conceito de liberdade de exercício da profissão, para trabalhadores, e da liberdade do exercício de uma atividade econômica, para empresas”.
Ribeiro (2012, p. 261) também pontua sobre a livre iniciativa:
“Livre iniciativa, por sua vez, é tida como a liberdade, conferida a todos, de exercer uma atividade econômica, vale dizer, de produzir e disponibilizar a terceiros os recursos materiais necessários do bem-estar por meio da prestação de serviços, salvo exceções dispostas em lei”.
Essa liberdade de iniciativa econômica, ou livre iniciativa, pode sofrer interferência do Estado, porém, apenas no sentido de garantir a livre concorrência, a isonomia necessária entre as diversas empresas do segmento, de forma a reprimir o abuso do poder econômico, para que o mercado não seja dominado por uma ou poucas pessoas. Nesse sentido, Silva (2002, p. 770):
“Cumpre, então, observar que a liberdade de iniciativa econômica não sofre compressão só do Poder Público. Este efetivamente o faz legitimamente nos termos da lei, quer regulando a liberdade de indústria e comércio, em alguns casos impondo a necessidade de autorização ou de permissão para determinado tipo de atividade econômica, quer regulando a liberdade de contratar, especialmente no que tange às relações de trabalho, mas também quanto à fixação de preços, além da intervenção direta na produção e comercialização de certos bens.”
Assim, nenhum outro tipo de restrição do Estado, ou de Ente que o represente, poderá restringir este princípio constitucional garantido às pessoas jurídicas de direito privado, organizadas com o fim de prestar serviços, visto que são livres para produzir ou disponibilizar seus serviços aos consumidores, desde que observadas as disposições legais.
Nesse sentido, as Universidades são livres para serem criadas, ampliadas ou extintas, bem como para criarem ou extinguirem seus campi e cursos, ampliarem ou reduzirem vagas, dentre outras ações, observada a legislação pertinente, tal como a LDB.
Conforme pesquisa realizada por Trigueiro (2000, p. 24), no Brasil, em 1996, existia 711 instituições de ensino superior privadas, compreendidas entre Universidade, Faculdades, Faculdades Integradas, dentre outros estabelecimentos. Atualmente, conforme relatório processado pelo Sistema e-MEC, em consulta às Instituições de Ensino Superior privadas, com ou sem fins lucrativos, existem 2.505 instituições credenciadas em todo o País (MEC, 2017).
Percebe-se que as instituições de ensino superior privadas têm crescido de forma muito acentuada no País e, muitas vezes, sem o necessário rigor de qualidade. Por isso, a fiscalização Estatal, relativa ao desempenho, avaliação e qualidade, é preciso.
A Universidade privada, nos termos do art. 16 da LDB, pertence ao sistema federal de ensino. Portanto, a competência para análise, avaliação e julgamento das Universidades privadas é Federal.
A Constituição Federal, mais uma vez, ao apresentar normas fundamentais sobre a Educação, garantiu à iniciativa privada o ensino, desde que observadas alguma condições, conforme dispõe o art. 209: “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.” (BRASIL, 1988).
A LDB praticamente reproduziu, em seu art. 7º, o disposto no art. 209 da Constituição Federal, acrescentando uma condição, em seu inciso III: a “capacidade de autofinanciamento”.
Se se tratar de uma IES privada com fins lucrativos, esta terá que ter capacidade suficiente para se financiar, seja na sua gestão, seja para pesquisa e extensão. Já a IES privada, sem fins lucrativos, mais especificamente, as comunitárias, confessionais ou filantrópicas, poderá ter apoio do Governo, nos termos do art. 213 da CF.
As instituições de ensino superior privadas, e também as públicas, terão o seu credenciamento autorizado, bem como o reconhecimento e a aprovação de seus cursos, após passar por processo regular de avaliação do órgão competente (MEC), com prazos limitados e renovados periodicamente, nos termos do art. 46 da LDB.
Sobre o credenciamento, recredenciamento, autorização e reconhecimento de cursos, o SINAES (2004, p. 33) esclarece:
“Especificamente sobre avaliação, o art. 16 do Decreto n.º 3.860 afirma que para fins de cumprimento dos artigos 9º e 46 da LDB, ‘o Ministério da Educação coordenará a avaliação de cursos, programas e instituições de ensino superior.’ Detalha o caráter periódico dos processos de autorização e reconhecimento de cursos e credenciamento e recredenciamento de IES estabelecido no art. 46 da LDB e na mesma linha das normas anteriores, estabeleceu que a autorização para o funcionamento e o reconhecimento de cursos superiores, bem assim o credenciamento e o recredenciamento de instituições de ensino superior organizadas sob quaisquer das formas previstas neste Decreto, terão prazos limitados, sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação.”
O Decreto n.º 5.773/2006, dispõe que a oferta de cursos superiores em faculdades (públicas ou privadas), dependem de autorização do MEC e, quando se trata de uma Universidade, a sua autonomia garante a abertura de cursos, independentemente de autorização para funcionamento do curso superior, com avaliação e reconhecimento posteriores. Nesse sentido, estabelecem os arts. 26 e 27 do citado Decreto:
“Art. 27. A oferta de cursos superiores em faculdade ou instituição equiparada, nos termos deste Decreto, depende de autorização do Ministério da Educação.
§ 1o O disposto nesta Subseção aplica-se aos cursos de graduação e sequenciais.
§ 2o Os cursos e programas oferecidos por instituições de pesquisa científica e tecnológica submetem-se ao disposto neste Decreto.
Art. 28. As universidades e centros universitários, nos limites de sua autonomia, observado o disposto nos §§ 2o e 3o deste artigo, independem de autorização para funcionamento de curso superior, devendo informar à Secretaria competente os cursos abertos para fins de supervisão, avaliação e posterior reconhecimento, no prazo de sessenta dias.
§ 1o Aplica-se o disposto no caput a novas turmas, cursos congêneres e toda alteração que importe aumento no número de estudantes da instituição ou modificação das condições constantes do ato de credenciamento.
§ 2o A criação de cursos de graduação em direito e em medicina, odontologia e psicologia, inclusive em universidades e centros universitários, deverá ser submetida, respectivamente, à manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ou do Conselho Nacional de Saúde.
§ 3o O prazo para a manifestação prevista no § 2o é de sessenta dias, prorrogável por igual período, a requerimento do Conselho interessado.” (BRASIL, 2006).
Desta forma, as Instituições de Ensino Superior são livres para se constituírem na forma privada, com base na garantia constitucional da livre iniciativa e da autonomia universitária, desde que observadas as leis e as normas expedidas pelo MEC, bem como a autorização e a avaliação da qualidade pelo Poder Público. Nesse sentido, a Universidade privada está submetida a controle exclusivamente do Governo Federal, por meio de seu órgão regulador do ensino.
Destaca-se, porém, o disposto no § 2º do já transcrito art. 28 do Decreto n.º 5.773/06, que estabelece que a criação de cursos de graduação em direito, medicina, odontologia e psicologia, inclusive em universidades, deverá ser submetida à manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ou do Conselho Nacional de Saúde, com prazo para manifestação dos mencionados Conselhos.
Entretanto, parece desarrazoável tal dispositivo frente à autonomia universitária e à livre iniciativa, garantidas pela Constituição Federal, norma hierarquicamente superior ao Decreto, principalmente no tocante ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que não é órgão vinculado ao Governo Federal, mas tão somente um órgão de classe profissional.
O Conselho Nacional de Saúde é um órgão vinculado ao Ministério da Saúde. Assim, caso o MEC pretendesse ouvir algum órgão ligado à área do Direito, este deveria ser um órgão pertencente ao Ente Federal, como o Ministério da Justiça, mas data venia, não um órgão de classe profissional.
Assim, com base no princípio da livre iniciativa, as Universidades apenas poderiam ser controladas e fiscalizadas por órgãos vinculados ao Governo Federal, mais precisamente ao órgão regulador do ensino superior, o MEC, sob pena de ofensa e limitação do citado princípio constitucional, que garante o crescimento econômico e a livre concorrência.
4 DOS CONSELHOS DE CLASSE PROFISSIONAIS
Os Conselhos Profissionais surgiram em face do interesse da sociedade e do próprio Estado, por delegação, em controlar as atividades exercidas por grupos profissionais, como modo de proteção dos cidadãos em eventuais riscos e falhas que pudessem ser provenientes desses profissionais inabilitados.
A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu art. 5º, XIII: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Assim, é livre a escolha e o exercício de qualquer profissão, desde que atendidos os requisitos estabelecidos na lei que regulamente esta profissão.
A Constituição ainda dispõe que compete à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho (art. 21, XXIV) e para legislar, privativamente, sobre a organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões (art. 22, XVI).
Nota-se a preocupação do Constituinte de 1988 sobre o exercício profissional no País e a necessidade de controle.
“A Ordem dos Advogados do Brasil foi o primeiro ente formalmente instituído para controle do exercício de uma atividade profissional. Após a criação da OAB, em 1930, por meio do Decreto nº 19.408, outros conselhos foram surgindo, como os de Medicina, Engenharia e Agronomia, Enfermagem, Contabilidade etc.” (ALENCAR, 2013, p. 10)
Os conselhos de classe profissionais são conselhos de fiscalização profissional, criados por lei, para regular e fiscalizar o exercício das respectivas profissões regulamentadas. Pode-se dizer que possuem natureza jurídica de autarquias corporativas.
“As autarquias constituem-se em instrumentos de descentralização de serviços públicos, sendo, portanto, um prolongamento do Poder Público, pois não fazem parte de sua estrutura hierárquica, mas têm personalidade jurídica de Direito Público própria. São autônomas, pois têm capacidade de autoadministração de acordo com sua lei criadora. Contam com patrimônio próprio e devem ter como objeto uma atividade determinada, isto é, atribuições específicas relativas ao serviço público especializado a elas outorgado ou delegado.” (ALENCAR, 2013, p. 13)
O Código Civil de 2002, em seu art. 41, IV, relaciona as autarquias entre as pessoas jurídicas de direito público (BRASIL, 2002a). Todavia, sempre se discutiu a natureza jurídica dos Conselhos Profissionais, uma vez que os conselhos de fiscalização são desvinculados do Estado. Nesse contexto, a Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, estabeleceu, no seu art. 58, o caráter privado dos conselhos de fiscalização profissionais, delegados pelo poder público, excetuando apenas, no § 9º, a OAB:
“Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa.[…]
§9º O disposto neste artigo não se aplica à entidade de que trata a Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994.” (BRASIL, 1998).
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.717-6/DF (BRASIL, 2002b), declarou a inconstitucionalidade do caput e parágrafos do art. 58, da Lei nº 9.649/1998, à exceção dos §§ 3º e 9º, cuja ementa transcreve-se:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS.
1.Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3o do art. 58 da Lei n º9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do “caput” e dos parágrafos 1o, 2o, 4o, 5o, 6o, 7o e 8o do mesmo art. 58.
2.Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3.Decisão unânime.” (STF, Plenário, ADI 1.717-6/DF, rel. Min. Sidney Sanches, 07.11.2002)
O STF julgou no sentido de que o controle do exercício profissional é atividade típica do Estado, de competência da União, nos termos do art. 21, XXIV, da CF, não sendo compatível, assim, a sua delegação a ente privado. Portanto, os conselhos de fiscalização profissional, os federais, bem como os respectivos regionais, devem ser criados por lei, com natureza jurídica de autarquias – pessoa jurídica de direito público interno – nos termos do Código Civil.
Sobre as funções e os deveres dos conselhos profissionais, estes também devem estar delimitados na lei que os criou, podendo expedir normas (regulamentos, portarias, instruções normativas) para a sua classe, conforme esclarece Alencar (2013, p. 19 e 24):
“As funções e deveres dos conselhos de fiscalização profissional estão descritos nas leis instituidoras de cada conselho. As funções constituem-se especialmente em duas, dentre outras: regulamentação do exercício profissional e fiscalização das atividades desempenhadas pelos profissionais no exercício de suas funções.
A primeira materializa-se por meio dos atos normativos emanados dos próprios conselhos (…), a respeito dos aspetos intrínsecos à profissão. Por sua vez, a segunda função é o próprio exercício fiscalizatório desempenhado por funcionários dos conselhos para aferição do cumprimento das normas pelos profissionais.(…)
São, ainda, responsáveis pela inscrição dos profissionais, concedendo-lhes licenças ou autorizações para o exercício das profissões, e pela aplicação de sanções mediante a apuração, por processo administrativo, de inobservância às normas postas, o que pode implicar, nos casos mais graves, a cassação do direito de exercício da profissão. (…) Nessa toada, os conselhos profissionais exercem poder de polícia por meio da inscrição profissional (…)”.
Portanto, a finalidade da criação dos conselhos profissionais é de, exclusivamente, controle e inspeção das atividades profissionais de suas respectivas classes, não se tratando de autarquias das quais o Poder Público tenha delegado poderes de fiscalização ou de avaliação do ensino superior e das Universidades.
5 DA INTERFERÊNCIA DOS CONSELHOS PROFISSIONAIS NAS UNIVERSIDADES
As Universidades, em especial, as privadas, por diversas vezes, são interferidas em sua gestão, inclusive didática e pedagógica, por Conselhos Profissionais, que exigem dessas Instituições: relação de alunos em estágios, relação de formandos e de seus dados pessoais, exigência de inscrição de seus docentes nos quadros da classe profissional, exigência de dados e informações para avaliação dos cursos e, surpreendentemente, até orientações sobre diretrizes curriculares do curso, projetos pedagógicos, dentre outras formas de interferências. Muitas dessas interferências são expedidas por meio de ofícios e requisições encaminhadas às Universidades e, até mesmo, por normas e deliberações desses Conselhos.
5.1 Pareceres do MEC emitidos sobre a interferência dos Conselhos Profissionais sobre as Universidades e os seus cursos
A interferência nas Universidades é tanta que o MEC, por meio do Conselho Nacional de Educação, já emitiu diversos pareceres, demonstrando a desproporcionalidade dos atos e ingerências dos Conselhos Profissionais sobre as Instituições de Ensino Superior no País. Citaremos apenas alguns desses inúmeros pareceres:
a) Parecer nº 668/97, do Conselho Nacional de Educação (CNE):
O Presidente do Conselho Regional de Odontologia do Distrito Federal – CRO/DF, encaminhou Exposição de Motivos ao CNE, mediante o qual requereu ao CNE a revisão do Parecer CFE n.º 165/92. Em resposta, o CNE, por meio do Parecer n.º 668/97, assim deliberou:
“Considerando o exposto, opino no sentido de que não cabe revisão do Parecer CFE n° 165/92, uma vez que aos Conselhos Profissionais compete a fiscalização do exercício profissional, não lhes cabendo interferir na estrutura e funcionamento dos cursos de Odontologia, tarefa esta afeta ao MEC e às próprias instituições de ensino.” (BRASIL, 1998b)
b) Parecer nº 135/2002, do CNE:
O Conselho Federal de Educação Física consultou o CNE sobre a obrigatoriedade de filiação dos professores de Educação Física aos Conselhos Regionais de Educação Física, como condição indispensável ao exercício do Magistério. Porém, a decisão do CNE foi no seguinte sentido:
“(…) nos termos do Parecer CNE/CES 668/97, (…) cabe ao Ministério de Educação e às Instituições de Ensino Superior por ele credenciadas interferir na estrutura e funcionamento dos cursos de graduação e aos Conselhos Profissionais compete a fiscalização do exercício profissional.” (BRASIL, 2002c).
c) Parecer nº 136/03, do CNE:
Por meio do Parecer n.º 136/2003, o Ministério da Educação responde a um membro do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA), que solicita esclarecimentos sobre o Parecer CNE n.º 776/97, que trata da orientação para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Nesta consulta, o CONFEA alega que a sua posição, assim como dos “demais Conselhos de Fiscalização Profissional”, é de vincular o diploma ao exercício profissional, e por isso entendem que os cursos de graduação, no Brasil, são constituídos de duas partes: a acadêmica, a cargo do MEC e a profissional, condicionada à regulamentação dos Conselhos de Fiscalização das profissões.
Entretanto, em resposta à consulta e às colocações do CONFEA, o MEC assim se pronunciou ao final do voto do relator:
“Ao trazer à colação o elucidativo parecer da Câmara de Educação Básica, este Relator pretende somente reforçar o entendimento quanto ao papel dos Sistemas de Ensino e dos Conselhos Profissionais, cujas competências, como bem assinala o parecer, não são concorrentes e sim complementares, cabendo aos primeiros, por meio das instituições de ensino que os integram, a responsabilidade de assegurar formação de qualidade, e aos últimos, a responsabilidade de fornecer o correspondente registro profissional aos interessados que preencham as exigências previstas em lei, assim como fiscalizar se a profissão é exercida com competência e ética.” (BRASIL, 2003).
d) Parecer n.º 29/2007, do CNE:
A Associação Brasileira das Mantenedoras das Faculdades Isoladas (ABRAFI), tendo em vista disposto na Resolução n.º 126, de 16 de junho de 2006, do Conselho Federal de Biomedicina (CFBM), que formula exigência de conclusão de curso com carga horária mínima de 4.000 (quatro mil) horas para registro profissional de graduados em cursos de Biomedicina, consultou o CNE a respeito das Diretrizes Curriculares Nacionais e à duração mínima e máxima dos cursos de graduação. Em resposta à ABRAFI, o MEC assim concluiu:
“Os conselhos de fiscalização do exercício profissional não possuem atribuição legal para dispor acerca dos cursos de ensino superior, não lhes cabendo, portanto, fixar a duração mínima de cursos de graduação ou formular exigências para a inscrição de alunos portadores de diplomas expedidos por escolas oficiais ou reconhecidas e registradas no Ministério da Educação e Cultura.(…)
1.É competência do Conselho Nacional de Educação deliberar sobre Diretrizes Curriculares Nacionais, assim como sobre a duração, tempo de integralização e carga horária de cursos;
2.Os Conselhos Profissionais fiscalizam e acompanham o exercício profissional que se inicia após a formação acadêmica, não lhes cabendo qualquer ingerência sobre os cursos regulados pelo sistema de ensino do País.” (BRASIL, 2008b).
e) Parecer n.º 23/2013, do CNE:
A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) solicita a manifestação do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre suposta interferência dos Conselhos Profissionais em relação ao exercício da atividade de magistério superior e em processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos superiores, cuja competência legal, para aprovação, é do Ministério da Educação.
Por meio do Parecer n.º 23/2013, o CNE posicionou-se no mesmo sentido, de que, por muitas vezes, os Conselhos Profissionais interferem de forma ilegítima na Universidade. Porém, desta vez, destacou o papel democrático que estes Conselhos, assim como qualquer outra instituição, pode exercer sobre a formação acadêmica e processos de avaliação e regulação do ensino superior, desde que não interfiram de forma indevida:
“A posição que vem sendo adotada é a de que aos Conselhos Profissionais cabem a fiscalização e o acompanhamento do exercício profissional, que se inicia após a formação acadêmica, não lhes cabendo qualquer ingerência sobre os cursos regulados pelo sistema de ensino do país. (…)
Em relação à OAB, o que existe é uma determinação legal (inciso XV, do art. 54 da Lei nº 8.906/1994), estabelecendo como de sua competência o ato de ‘colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e opinar, previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos’. E assim tem sido procedido. A OAB é ouvida sobre esses processos sem, no entanto, ter poder de decisão sobre eles.
Segundo, o fato de o poder de fiscalização e acompanhamento do exercício profissional dos Conselhos Profissionais não se estender à formação acadêmica e aos processos de avaliação e regulação do ensino superior não significa que seus dirigentes, ou mesmo os próprios Conselhos, não possam ter ou manifestar opiniões acerca desses tópicos. Aliás, isso é aberto para qualquer instituição ou cidadão. Se os dirigentes de determinado Conselho Profissional, ou o próprio Conselho, passam a defender certos critérios referentes à avaliação e regulação dos cursos relacionados à sua área de atuação, isso não deveria ser visto como uma interferência indevida, mas sim como um exercício de participação que é comum em sociedades democráticas”. (BRASIL, 2013)
5.2 Da interferência ilegítima dos Conselhos Profissionais sobre as Instituições de Ensino Superior por meio das leis que criam as autarquias
As Universidades possuem regras e princípios próprios, conforme estabelecido nos arts. 205 e seguintes da CF/88, que dispõem normas fundamentais e garantias, tais como a liberdade de ensino, a livre iniciativa e a autonomia didático-científica, que não podem ser excluídas por normas infraconstitucionais.
Conforme já destacado no presente artigo, em consonância com a Constituição Federal, a LDB previu, em seu art. 9º, inc. IX, que incumbe à União “autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino”.
No que tange ao exercício profissional da atividade docente, muitos Conselhos Profissionais entendem que a atividade do docente, do ensino e da pesquisa, são atividades e atribuições da atividade profissional, ou seja, inerentes à própria profissão (mesmo que não o exerça na prática). Nesse sentido são: art. 7º, alínea ‘d’, da Lei n.º 5.194/66; art. 2º, VIII, da Lei n.º 12.378/10; art. 5º, incisos V e VII, da Lei n.º 8.662/93.
Todavia, o Decreto n.º 5.773/2006, por sua vez, estabelece, em seu art. 69, que: “O exercício de atividade docente na educação superior não se sujeita à inscrição do professor em órgão de regulamentação profissional”.
Portanto, apenas deve-se registrar no respectivo Conselho Profissional, a pessoa que queira exercer a atividade-fim do curso de graduação para o qual se formou e que apresente diploma emitido e devidamente registrado pela Universidade ou pelo órgão competente. A Universidade, reitera-se, deve-se submeter exclusivamente às normas estabelecidas pelo Ministério da Educação.
Desta forma, o disposto no § 2º, do já transcrito art. 28, do Decreto n.º 5.773/06, não justifica a interferência demasiada de Conselhos Profissionais, cujo fim é primordialmente regular o exercício da atividade profissional.
CONCLUSÃO
As interferências dos Conselhos Profissionais no âmbito da Universidade, ocorridas por diversas ocasiões, têm sido objeto de discussão e de apreciação judicial, cuja jurisprudência tem se consolidado no sentido de reconhecer que não incide sobre as Universidades a fiscalização dos Conselhos Profissionais de Classes, em face da autonomia universitária, assegurada pelo art. 207 da Constituição Federal e pela Lei n.º 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Apenas para ilustrar, cita-se a Apelação Cível n.º 106.388-Pb, do TRF5, da 3ª Turma Especializada, publicada em 03/04/1997, da lavra do Desembargador Federal Ridalvo Costa, que assim se pronunciou: “As Instituições de Ensino Superior (IES) não se sujeitam à fiscalização das Autárquicas Corporativas, sob pena de violação ao princípio da Autonomia das Universidades, de cunho Constitucional”.
Além da autonomia, insta salientar que o sistema federal de ensino permite a iniciativa privada, nos termos do art. 209 da Constituição Federal, desde que atendidas algumas condições, como o cumprimento de normas gerais da educação nacional; a regular autorização e avaliação da qualidade pelo Poder Público, este compreendido, única e exclusivamente, pelo Ministério da Educação e seus órgãos reguladores; e, por fim, a capacidade de autofinanciamento, principalmente, daquelas Instituições de Ensino Superior privadas com fins lucrativos.
Reitera-se que a Constituição Brasileira consagrou o princípio da autonomia universitária plena e, por isso, é garantida a autonomia das universidades em relação a órgãos externos, como os Conselhos Profissionais, sendo a elas assegurada plena liberdade de definir seus currículos, criar e extinguir cursos e, exercer suas demais atribuições, observadas a legislação federal e as orientações emanadas pelo órgão regulador do ensino superior, o MEC.
Nesse contexto, a autonomia universitária somente poderia ser relativizada por atos ou disposições emanados pelo Governo Federal.
Os Conselhos Profissionais, apesar de possuir natureza jurídica de autarquias federais, não possui delegação do Poder Público para fiscalizar e editar normas para as Universidades.
Os Conselhos Profissionais são autarquias, criadas por lei, cuja finalidade, em síntese, é de fiscalizar o exercício das respectivas profissões regulamentadas, já que a própria Constituição Federal, em seu art. 5º, XIII, garante o livre exercício de qualquer profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Portanto, cabe aos conselhos profissionais, exclusivamente, controlar e inspecionar as atividades profissionais de suas respectivas classes, não se tratando de autarquias das quais o Poder Público tenha delegado poderes de fiscalização ou de avaliação do ensino superior.
Deste modo, entende-se que o disposto no § 2º do art. 28 do Decreto n.º 5.773/06, diz respeito à abertura, de forma democrática, de espaços para manifestação dos Conselhos Profissionais, que podem opinar sobre a criação de cursos de graduação pelas Universidades em suas respectivas áreas, mas sem nenhuma força decisória, pois a ingerência desses Conselhos Profissionais se constitui em ilegítima e inaceitável forma de intervenção e de interferência sobre a liberdade acadêmica.
A interferência dos Conselhos Profissionais sobre as Universidades, que já conta com instrumentos próprios de avaliação, por meio de atos normativos, requisições e normas infralegais, são atos inconstitucionais e ilegais, em face do disposto na Constituição Federal e na legislação pertinente.
Advogada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC Minas. Mestranda em Ciências Sociais pela PUC Minas. Pós-graduada em Direito Empresarial e em Direito Processual pela PUC Minas
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