Sumário: I-Introdução;
II- Competência Constitucional; III- Regulamentação legislativa; IV- Competência da Justiça Federal V –
Subsunção penal; VI- Considerações
finais.
Resumo: No presente
trabalho analisaremos a conduta ilícita da utilização de aparelho de telefone
celular “clonado”, à luz do direito penal pátrio, bem como a correta subsunção
legal, entendendo ajustar-se ao tipo previsto no art. 183 da 9472/97, além das
questões atinentes à competência órgão para conhecer, processar e julgar o
feito, com as demais implicações
decorrentes do enquadramento legal.
Palavras-chave:
telecomunicações – telefonia móvel – aparelho “clonado”- crime –
legislação especial – interesse da União – competência – Justiça
Federal.
(I) O uso do telefone celular é, sem dúvida,
a invenção tecnológica recente mais utilizada em larga escala pelas pessoas,
atendendo, assim, a imediatidade da comunicação na vida moderna. O uso desta
tecnologia difundiu-se por todas as camadas sociais e diante da explosão do
consumo, além dos inúmeros benefícios, vieram algumas conseqüência indesejáveis, entre elas a utilização da telefonia
móvel para prática de crimes.
Segundo
matéria jornalística publicada no Diário do Grande ABC, cujo título afirma que
o “Celular clonado impulsiona crime – Os celulares –
principalmente os clonados – estão entre as principais armas do crime
organizado. Com os aparelhos fraudados, dentro das cadeias, facções como o PCC
(Primeiro Comando da Capital) ordenam assaltos, seqüestros, assassinatos e
rebeliões. Segundo especialistas, não é mera coincidência que várias facções
tenham sido criadas e se expandiram durante a década de 90, época do boom da
telefonia móvel”.
E conclui “em 2001, o PCC
organizou, por meio de telefones celulares, um levante que envolveu 29 mil
detentos em 29 dos 73 presídios do Estado existentes na ocasião. Na época,
celulares haviam se popularizado e o Brasil contava com 28,7 milhões de linhas.
Quando o PCC foi criado, em 1993, na Casa de Custódia de Taubaté, os aparelhos
ainda eram um luxo nas mãos de pouco mais de 500 mil pessoas. “As
organizações cresceram muito em função dessa facilidade”, afirma o
delegado titular do Setor de Investigações Gerais de São Bernardo, Paul Henry
Verduraz”.[1]
(II) Retomando a análise jurídica da questão
apresentada, a nossa Carta Política da 1988 atribui a União Federal competência
material em relação às telecomunicações, prescrevendo que “Compete à União:
explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços
de telecomunicações(…)[2].
Como sabemos, a regra geral para a
distribuição das competências, segundo a opção do nosso constituinte, segue o
critério da predominância de interesse. Neste caso específico, entendendo que o
sistema de telecomunicações é questão de interesse geral, nacional, restou por circunscrevê-la apenas
na esfera de atribuições materiais União(competência constitucional material).
(III)
O dispositivo constitucional, acima mencionado, que confere à União competência
material no tocante às telecomunicações é regulamentado pela Lei 9472/97 – Lei Geral das Telecomunicações – LGT “ que dispõe sobre a organização dos serviços
de telecomunicações e funcionamento de um órgão regulador”, onde afirma que
“Compete à União, por intermédio do órgão
regulador e nos termos das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo
e Legislativo, organizar a exploração
dos serviços de telecomunicações”[3].
A
legislação infraconstitucional mencionada veio disciplinar, em especial, o
serviço de telefonia com a criação de uma agência reguladora (art.8º.), a Agência Nacional de Telecomunicações –
ANATEL, integrante da Administração Publica Federal, autarquia especial
(art.8º., par.2º.). Contudo, em face da ressalva expressa da citada legislação,
no seu “art.215 Ficam revogados: I – a Lei n° 4.117, de
27 de agosto de 1962, salvo
quanto a matéria penal não tratada nesta Lei e quanto aos preceitos relativos à
radiodifusão.”[4], restando, portanto, vedada a aplicação de lei
em comento à atividade de radiodifusão,
permanecendo esta a disciplina da Lei 4117/65[5].
(IV)
Voltando ao texto Constitucional, constataremos que compete à Justiça Federal
processar e julgar “as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa
pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes
(…)” e também “as infrações penais praticadas em
detrimento de bens, serviços ou
interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresa pública”[6].
Desse modo, a prática delituosa perpetrada contra o sistema de
telecomunicações, em especial a telefonia, cuja competência material é da
União, regulamentada pela LGT (Lei
9472/97) que, por força desta, exercita a fiscalização e regulação de toda
atividade de telecomunicações através de sua autarquia federal especial
(ANATEL), é de competência da Justiça Federal Comum.
(V)
Telecomunicações, para efeitos legais, possuem conceito expresso no artigo 60,
parágrafo primeiro da lei geral de telecomunicações (LGT) que preceitua o
seguinte: “Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio,
radioeletricidade, meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de
símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de
qualquer natureza.”[7] Dessa forma,
a utilização de aparelho telefônico celular “clonado” ou seja, a
transmissão, emissão ou recepção processo eletromagnético, sem a outorga
estatal (habilitação) para tal fim, estará o usuário deste equipamento desenvolvendo atividade de telecomunicação
clandestina.
Segundo a ANATEL, o
“telefone celular clonado é um aparelho que foi reprogramado para transmitir o
código do aparelho e o código do assinante habilitado. Assim, o fraudador usa o
aparelho clonado para fazer as ligações telefônicas e as mesmas são debitadas
na conta do titular da linha”[8].
Ou seja a “clonagem” do aparelho celular é, de forma singela, a realização de
copia dos dados do aparelho original, devidamente habilitado junto à prestadora
de serviço de telecomunicações, através de sofisticados equipamentos que
reconhecem e fazem a leitura de informações eletromagnéticas, de todas as
características e dados constantes no aparelho originário, tais como código do
aparelho, autorização de funcionamento e o
código da habilitação da linha em uso, permitindo ao detentor destas
informações a utilização, clandestina, do sistema de telecomunicações, através
de outro aparelho móvel celular como se
fosse o original.
Ainda, consoante informa a
mencionada Autarquia, “geralmente a fraude de clonagem acontece quando o
usuário encontra-se fora da área de mobilidade de origem, ou seja, em “roaming” e operando em modo
analógico.
Pessoas inescrupulosas obtém a combinação código do aparelho/código do
assinante por meio de monitoração ilegal de telefone celular habilitado.
Supostamente, cada telefone celular possui um único código. Contudo, após a
clonagem, existirão dois telefones celulares com a mesma combinação código do
aparelho/código do assinante. Nesta condição, a central da prestadora de serviço
celular não consegue distinguir o aparelho clonado de um devidamente
habilitado”[9]; a
média, no país, é de um celular clonado por hora[10].
Sendo assim, a conduta de utilizar de aparelho telefônico celular
“clonado” ou seja, a transmissão, emissão ou recepção processo
eletromagnético, sem a outorga estatal (habilitação/autorização) para tal fim,
estará o usuário deste equipamento desenvolvendo
atividade de telecomunicação clandestina e dessa forma subsume-se,
amolda-se, ajusta-se ao tipo descrito no artigo 183 da lei 9742/97, que
prescreve: “Desenvolver clandestinamente
atividades de telecomunicação. Pena – detenção de dois a quatro
anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00
(dez mil reais)”(g.n).
Cumpre
ressaltar, desde logo, que o amoldamento da conduta típica ao tipo, acima
mencionado, afastará, de per si, a
competência do Juizado Especial Federal Criminal em virtude da pena máxima
imposta ser de quatro anos de detenção e multa.
Quanto a multa penal, vale conferir artigo de
minha autoria, no qual reputo inconstitucional
a pena pecuniária estabelecida em valor fixo, por ferir o princípio da
individualização da pena, “pois não leva em consideração as
condições econômicas do réu e retira do Magistrado a possibilidade de adequar, ajustar,
particularizar a pena (justa) no feito sob julgamento”[11],
não devendo, portanto, ser aplicada pelo juiz, ou, por outro giro, “ pode-se
inferir, também, numa interpretação conforme a Constituição, que a pena de
multa prevista no artigo em comento seria o limite máximo a ser aplicado, ou seja até R$10.000,00, cabendo
ao magistrado, no caso concreto, atendendo todas as circunstâncias do caso sub judice, bem como as reais condições
financeiras do réu, aplicar a multa na medida das condições acima referidas,
atendendo, assim, a aplicação da pena justa.”[12]
Apesar da gravidade da
reprimenda estabelecida na lei das telecomunicações, afastando a competência
constitucional do juizado especial para julgamento de infração penal de menor
potencial ofensivo, bem como a possibilidade de suspensão condicional do
processo (art.89 da lei 9.099/95), existindo condenação, poderá o Magistrado
substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito(art.44 do
CP) ou ainda aplicar a suspensão da pena (art.77 do CP), caso o réu satisfaça
as condições fixadas no Código Penal.
(VI)
Dessa forma, os feitos que estão tramitando na Justiça Estadual imputando ao
réu a figura penal do estelionato, ou qualquer outra tipificação criminal, pelo uso de aparelho telefônico
celular “clonado”, ou seja, pela a transmissão, emissão ou recepção
processo eletromagnético, sem a outorga estatal (habilitação/autorização) para
tal fim, ainda, em razão do usuário deste equipamento desenvolver atividade de telecomunicação
clandestina, diante do correta adequação típica da conduta ora apontada, ao
meu sentir, ou seja, a subsunção ao
tipo previsto no art. 183 da Lei 9742/97(LGT), poderá o Magistrado da Justiça
Estadual, em qualquer fase do processo, de ofício, declarar a incompetência da
Justiça Estadual para conhecer e processar o feito(art.109 do CPP),
remetendo-o a uma das Varas da Justiça
Federal da respectiva Seção Judiciária para julgamento, inclusive,os crimes
conexos.[13]
Conforme
consulta no sítio eletrônico http://www.fraudes.org/clipread.asp?BckSt=1&CdClip=98,
25/12/2005 – Diário do Grande ABC Celular clonado impulsiona crime Por:
Artur Rodrigues, em 02 de junho
2006;
Constituição Federal art.21, inciso XI;
Lei 9472 de 16 de junho de 1997;
Carvalho, Esdras dos Santos, in A Multa do artigo 183 da Lei 9472/97 (Lei Geral das Telecomunicações) e
a ofensa ao princípio constitucional da individualização da pena;
http://www.anatel.gov.br/Comunicacao_Movel/smp/clonagem.asp
consultado em 03/06/2006.
Folha de São Paulo; Maria Inês Dolci in http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br/
consultado em 03/06/2006.
[1] Conforme consulta no
sítio eletrônico http://www.fraudes.org/clipread.asp?BckSt=1&CdClip=98,
25/12/2005 – Diário do Grande ABC Celular clonado impulsiona crime Por:
Artur Rodrigues, em 02 de junho
2006;
[2] CF art.21, inciso XI;
[3] Lei 9472 de 16 de junho de 1997;
[4] idem,
art.215;
[5]
Acerca do tema vide artigo no qual se faz uma
breve análise em torno da matéria: Carvalho, Esdras dos Santos, in A
Multa do artigo 183 da Lei 9472/97 (Lei Geral da Telecomunicações) e a ofensa
ao princípio constitucional da individualização da pena; artigo apresentado
como requisito para conclusão do primeiro módulo do Programa do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Direito
Processual Penal da UNIFACS;
[6] Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 109, incisos I e IV;
[7] Lei 9472 de 16 de junho de 1997, artigo 60, inciso I;
[8] http://www.anatel.gov.br/Comunicacao_Movel/smp/clonagem.asp
consultado em 03/06/2006.
[9] http://www.anatel.gov.br/Comunicacao_Movel/smp/clonagem.asp
consultado em 03/06/2006.
[10] Folha de São Paulo; Maria Inês Dolci in http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br/
sítio consultado em 03/06/2006;
[11] Carvalho, Esdras dos Santos, in A
Multa do artigo 183 da Lei 9472/97 (Lei Geral da Telecomunicações) e a ofensa
ao princípio constitucional da individualização da pena; artigo apresentado
como requisito para conclusão do primeiro módulo do Programa do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Direito
Processual Penal da UNIFACS;
[12] idem;
Defensor Público Federal de Categoria Especial, Titular do 30o. Ofício Superior – Tribunais Superiores – Especializado Criminal;
Professor de Prática Processual Penal, Direito Processual Penal Militar e Professor de Direito Processual Penal do UNICEUB – Brasília /DF
Pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UNIFACS
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