“O direito de tirar a vida de um animal pode ser equiparado, apenas, ao direito de tirar a vida de um humano em legítima defesa ou em estado de necessidade.”
A afirmação de preâmbulo é contundente, mas embora seja de construção pessoal não me arrisco a afirmar que seja absoluta, pois o que pretendi foi apenas enunciar a idéia de que podemos defender o direito de tirar a vida de um ser dito irracional quando a conduta é indispensável à nossa sobrevivência. Este é um paralelo com os institutos penais da legítima defesa e do estado de necessidade quando se pode matar para defender a própria vida ou quando numa situação pacífica, mas de risco, uma pessoa pode sacrificar a vida de outra para se salvar, como no exemplo típico da tábua da salvação num naufrágio.
Naquela última hipótese, com algum esforço, pode-se justificar a utilização dos animais como instrumento de trabalho, alimento para satisfazer a cultura ou o impulso genético, e a sua utilização em estudos e pesquisas científicas. Afinal, no ciclo da natureza a vida alimenta-se da própria vida, e o homem como afirmei num trabalho acadêmico, diferentemente dos outros animais, não busca atender somente as suas necessidades primárias de alimentação e abrigo em face das intempéries; por ser racional e buscar a felicidade, seu único objetivo no pensamento de Aristóteles, exercita sua inteligência e a utiliza como instrumento para obter outros benefícios que resultam se incorporando às suas necessidades e transmitindo-se aos seus descendentes, de geração a geração.
No Século XVIII, em pensamento que significava uma ousada resistência aos valores da época, o filósofo, economista e jurista inglês Jeremy Bentham levantava questionamento ético sobre a utilização dos animais em pesquisas científicas, e dizia que não se tratava de saber se eles podem raciocinar ou falar, mas simplesmente de perceber que eles sentem dor. A sua posição era incipiente, e hoje quando a inteligência humana obtém conquistas científicas inimagináveis somos levados a questionar os limites de sua disposição sobre a vida, em todas as suas espécies.
Mas, o ímpeto desta reflexão deve-se ao fato de que há dois dias foi publicada a Lei 11.794 de 08/10/08 regulamentando o inciso VII do §1º do art. 260 da Constituição Federal que ao tratar da Ordem Social do Meio Ambiente veda, na forma da lei, as práticas que submetam os animais a crueldade. O novo diploma ao revogar a Lei nº 6.638/79 passa a ser, também, o instrumento que dá a forma autorizada pela Constituição para que os animais irracionais sejam criados e utilizados em atividades de ensino e pesquisa científica.
A mudança substancial está na circunstância de que até então os parâmetros para os experimentos com animais ficavam ao encargo das instituições de pesquisas e dos pesquisadores; agora, está ao encargo do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) incumbido de formular e zelar pelo cumprimento das normas relativas à utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica estabelecendo normas e critérios éticos. O órgão é formado, entre outros, por representantes de Ministérios do Estado, de academias e instituições de pesquisas e, também, por dois representantes das sociedades protetoras de animais legalmente estabelecidas no País. Por disposição da nova lei cada instituição de pesquisa, para obter credenciamento, deve constituir sua Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua) integrada por docentes e pesquisadores, médicos veterinários, biólogos e representação de entidade protetora dos animais.
As entidades de proteção aos animais não conseguiram impedir a aprovação daquela lei, mas ao menos elas conseguiram ver consagrado no seu texto o direito de integrar e fiscalizar aqueles órgãos; e que os animais utilizados em pesquisas científicas – relacionadas com a ciência básica e a aplicada, o desenvolvimento tecnológico, a produção e controle da qualidade de drogas, medicamentos, alimentos, entre outros – tivessem um direito reconhecido. Aliás, como conceitua a nova lei, o direito à morte “por meios humanitários: a morte em condições que envolvam, segundo as espécies, um mínimo de sofrimento físico ou mental”. Direito, ironicamente, humanitário.
Advogado – OAB/RS nº 7.497; Professor de Direito Processual Civil da Fundação Universidade Federal de Rio Grande; Doutor em Direito Processual pela Universidad de Buenos Aires.
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