Resumo: O Novo Código de Processo Civil – NCPC – (Lei 13.105/15), trouxe série de mudanças no ordenamento jurídico brasileiro, em especial em seu artigo 1.071, que reconhece a possibilidade da usucapião extrajudicial, vindo, consequentemente, a incluir o artigo 216-A, a Lei de Registros Públicos. Referido procedimento será requerido diretamente no Ofício de Registro de Imóveis, tendo ainda participação do Tabelionato de Notas, sendo este responsável por elaborar ata notarial para atestar o tempo de posse do possuidor. O objetivo do presente artigo é demonstrar o procedimento da usucapião extrajudicial, verificando dessa forma quais os passos que devem ser utilizados por aquele que optar pela via extrajudicial. A criação do referido instituto veio de encontro a nova tendência de desjudiciliazar o processo, tirando a responsabilidade do Judiciário para casos em que não haja litigio, passando dita responsabilidade a entes extrajudiciais, como já acontece em casos de divórcio e partilha, que podem ser realizados perante o Tabelionato de Notas, desde que presentes os requisitos legais.
Palavras-chaves: Posse. Propriedade. Usucapião Extrajudicial. Procedimento.
Abstract: The New Code of Civil Procedure – NCPC – (Law 13,105 / 15), brought lot of changes in Brazilian law, in particular Article 1071, which recognizes the possibility of extra-judicial usurpation, coming thus to amend Article 216- a, of the Public Records Act. This procedure shall be requested directly from the Real Estate Registry Office, and also participation of the Notary Notes, which is responsible for drawing up notarial minutes to certify the possessor possession time. The purpose of this article is to demonstrate the adverse possession extrajudicial procedure, checking in this way what steps should be used by one who opt for extrajudicial. The creation of the institute came against the new trend of the process, taking the judicial responsibility in cases where there is no dispute, passing said responsibility to extrajudicial ones, as already happens in divorce cases and sharing, which can be performed before the Notary Notes, provided that the legal requirements present.
Keywords: Possession. Property. Adverse Possession Extrajudicially. Procedure.
Sumário: 1 Aspectos gerais da usucapião. 2 Fundamentos da usucapião. 3 Requisitos da usucapião. 4 A ação de usucapião na vigência do Código de Processo Civil de 1973. 5. Usucapião extrajudicial. 6. Procedimento da usucapião extrajudicial. 7. Considerações finais.
1 Aspectos gerais da usucapião
A usucapião é uma das maneiras de se adquirir a propriedade através de determinado tempo de posse, neste sentido, conforme leciona Venosa (2014, p. 206), “A posse prolongada da coisa pode conduzir à aquisição da propriedade, se presentes determinados requisitos estabelecidos em lei. Em termos mais concretos, denomina-se usucapião o modo de aquisição da propriedade mediante a posse suficientemente prolongada sob determinadas condições”.
Como cita o referido autor, o indivíduo precisa atender a certos requisitos legais para que o mesmo possa transformar essa posse em propriedade através da usucapião.
A usucapião, como disciplina Venosa (2014, p. 206), “deriva de capere (tomar) e de usus (uso). Tomar pelo uso”.
Pode-se dizer que o vocábulo usucapião nada mais é que a obtenção da coisa pelo determinado tempo de uso. Tal instituto teve seu início no Direito Romano, visto que “o direito romano já a considerava como um modo aquisitivo do domínio em que o tempo figura como elemento precípuo”. (DINIZ, 2014, p. 176), esclarecendo dessa forma de onde veio à ideia de que existe a necessidade de tempo de posse para a aquisição da propriedade.
Assim firmou-se a ideia de a usucapião tratar-se de prescrição aquisitiva, visto que, “enquanto a prescrição extintiva, ou prescrição propriamente dita, implica perda de direito, a usucapião permite a aquisição do direito de propriedade. Em ambas as situações, levam-se em consideração o decurso de certo tempo (VENOSA, 2014, p. 207)”.
No entanto, há divergência entre doutrinadores a respeito da forma aquisitiva da usucapião, se originária ou derivada. (DINIZ, 2014).
Venosa (2014, p. 208), entende que, “A usucapião deve ser considerada modalidade originária de aquisição, porque o usucapiente constitui direito à parte, independentemente de qualquer relação jurídica com anterior proprietário. Irrelevante ademais houvesse ou não existido anteriormente um proprietário”.
Na mesma linha, Donizetti e Quintella (2014, p. 740) entendem que “A usucapião consiste em um modo originário de aquisição da propriedade de qualquer bem suscetível de domínio, bem como de alguns direitos reais”.
Seguindo em posicionamento contrário, Ruggiero (2003, apud DINIZ, 2014, p. 179), “propõe o enquadramento da usucapião numa classe intermediária entre as aquisições originárias e as derivadas, sendo por isso, diz ele, que a usucapião não apaga os ônus que podem recair sobre a coisa usucapida”. Ou seja, Ruggiero afirma que para classificar a usucapião, há a necessidade de análise do caso concreto, pois entende que a usucapião pode se dar de forma originária como derivada.
A respeito dessa divergência, Diniz esclarece que “(…) pelos princípios que presidem as mais acatadas teorias sobre a aquisição da propriedade é de se aceitar-se que se trata de modo originário, uma vez que a relação jurídica formada em favor do usucapiente não deriva de nenhuma relação do antecessor. O usucapiente torna-se proprietário não por alienação do proprietário precedente, mas em razão da posse exercida. Uma propriedade desaparece e outra surge, porém isso não significa que a propriedade se transmite. Falta-lhe, portanto, a circunstância da transmissão voluntária que, em regra, está presente na aquisição derivada ( 2014, p. 179)”.
Apesar da divergência doutrinária a respeito da aquisição originária ou derivada, a teoria que predomina é a de que a usucapião como sendo modo de aquisição originária da propriedade.
2 Fundamentos da usucapião
A usucapião tem seu fundamente jurídico, conforme Rodrigues (2003, p. 108), “(…) no propósito de consolidação da propriedade, pois, por seu intermédio, empresta-se base jurídica a meras situações de fato. Assim, de um lado, estimula o legislador a paz social, e, de outro lado, diminui para o proprietário o ônus da prova de seu domínio”.
Em outras palavras, “A usucapião tem por fundamento a consolidação da propriedade, dando juridicidade a uma situação de fato: a posse unida ao tempo. A posse é o fato objetivo, e o tempo, a força que opera a transformação do fato em direito”. (DINIZ, 2014, p. 180). Ou seja, a usucapião, como já visto, é a aquisição da propriedade[1], através de tempo de posse[2].
Nestes termos, tem-se que o tempo unido à ação humana, faz com que se nasça um direito e ao mesmo tempo se perca um direito. Por parte do usucapiente se ganha um direito devido sua posse e por parte do antigo proprietário ocorre à perda do direito, devido sua inércia quanto a sua propriedade. (DINIZ, 2014).
Pode-se concluir, conforme Maia (2016, p. 24), que “o proprietário desidioso, que não cuida do que é seu que deixa seu bem em estado de abandono, perde sua propriedade em favor daquele que, havendo se apossado da coisa, mansa e pacificamente, durante o tempo previsto em lei, da mesma cuidou e lhe deu destinação”.
Por meio de tais considerações é possível dizer que o desleixo em relação à propriedade não demonstrando qualquer interesse pela mesma, faz com que o proprietário perca seu direito de propriedade se aquele que se apossa do imóvel, exerça destinação correta para o mesmo.
3 Requisitos da usucapião
Dividem-se em três requisitos para se atingir a usucapião, sendo eles: requisitos pessoais, reais e formais.
Segundo Diniz (2014, p. 181), “Os requisitos pessoais consistem nas exigências em relação ao possuidor que pretende adquirir o bem e ao proprietário que, consequentemente, o perde. Como é a usucapião um meio aquisitivo de propriedade há necessidade de que o adquirente seja capaz e tenha qualidade para adquirir o domínio por essa maneira”.
Requisitos pessoais, seguindo o conceito acima, nada mais é do que a verificação da possibilidade de se adquirir o bem pela usucapião em relação ao antigo proprietário e verificar a possibilidade jurídica do pedido do possuidor.
Diniz (2014, p. 181), nesta ordem de ideias, elenca dezesseis possibilidades em que não se pode adquirir por usucapião, todas previstas nos artigos 197 à 202 do Código Civil, in verbis: “a) entre cônjuges na constância do casamento; b) entre ascendente e descendente, durante o poder familiar; c) entre tutelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela; d) em favor do credor solidário nos casos dos artigos 201 e 204, § 1º, do Código Civil, ou herdeiro do devedor solidário, na hipótese do art. 204, § 2º, também do Código Civil; e) contra os absolutamente incapazes de que trata o art. 3º; f) contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados e dos Municípios; g) contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra; h) pendendo condição suspensiva; i) não estando vencido o prazo; j) pendendo ação evicção; k) antes da sentença que julgará fato que deva ser apurado em juízo criminal; l) havendo despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação feita ao devedor; m) havendo protesto, inclusive cambial; n) se houver apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores; o) se houver ato judicial que constitua em mora o devedor; p) havendo qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito do devedor, alcançando, inclusive, o fiador, artigo 204, § 3º do Código Civil.)”
Sendo assim, todas essas possibilidades acima não são passíveis de usucapião, ou seja, o proprietário nesses casos jamais perderá sua propriedade e o possuidor, por consequência, não vai atingir o objetivo de usucapir determinado bem.
Orlando Gomes (apud, DINIZ, 2014, p. 182) ainda nos esclarece que “Quanto àquele que sofre os efeitos da usucapião não há exigência relativamente à capacidade. Basta que seja proprietário do imóvel. Ainda que não tenha capacidade de fato, pode sofrer os efeitos da posse continuada de outrem, pois cabe ao seu representante impedir esse fato. Há proprietários que não podem perder a propriedade por usucapião, como ocorre com as pessoas jurídicas de direito público, cujos bens são incompatíveis”.
Pode-se concluir através dessa visão que mesmo o proprietário sendo incapaz, pode sofrer os efeitos da usucapião visto que ele deveria ter um representante que administrasse seus bens, diferente dos bens de órgãos públicos que não são passíveis de usucapião.
Já os requisitos reais, referem-se propriamente aos bens, pois como os requisitos pessoais explana a questão do proprietário e possuidor, nesse quesito se analisa quais bens não podem ser objeto de usucapião (DINIZ, 2014). A título exemplificativo, neste quesito, Diniz (2014, p. 183) faz um levantamento dos bens que não podem ser objeto de usucapião, quais sejam: “As coisas que estão fora do comércio, pela própria natureza, por não serem suscetíveis de apropriação pelo homem, como o ar, a luz solar, etc; b) os bens públicos que estão fora do comércio são inalienáveis; c) os bens que, por razões subjetivas, apesar de se encontrarem in commercio, dele são excluídos, necessitando que o possuidor invertesse o seu título possessório. Exemplo: no caso do condômino em face dos demais comunheiros, se estiver de posse de uma área de terra excedente à correspondente ao seu quinhão ou à sua quota”.
Além dessas possibilidades, o imóvel com a cláusula da inalienabilidade, muitas vezes adquirida nas escrituras de doações, conforme Diniz (2014), também não é passível de usucapião, visto que dita cláusula tem seu efeito por completo.
Por fim, seus requisitos formais “compreendem quer os elementos necessários e comuns do instituto, como a posse, o lapso de tempo e a sentença judicial, quer os especiais, como o justo título e a boa fé”. (DINIZ, 2014, p. 185). Pois como já foi verificado sem posse não há que se falar em usucapião.
No caso do locatário, apesar do mesmo estar em poder da posse, o mesmo não pode requerer a usucapião pois há relação dele com o imóvel, é objeto de uma relação contratual com o próprio proprietário, sendo assim o mesmo tem a obrigação de restituir o bem.
A posse para se adquirir a usucapião precisa ser mansa e pacífica, sem oposição do antigo proprietário e de terceiros; precisa ser contínua, ou seja, não pode haver interrupções na referida posse; tal posse também precisa ser justa, isto é, sem vícios nem clandestinidade, visto que não se constituirá posse enquanto os vícios não cessarem. (DINIZ, 2014).
Ambos os requisitos que já foram tratados com maior nitidez no capítulo anterior.
4 Ação de usucapião na vigência do Código de Processo Civil de 1973
A ação de usucapião tem natureza declaratória, conforme artigo 1.241 do Código Civil: “Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel”.
Sendo assim aquele que se acha na posse de um imóvel, por determinado tempo, atingindo os preceitos legais, poderá requerer ao juiz que seja declarada sua propriedade mediante usucapião.
A ação de usucapião possuía sua fundamentação jurídica nos artigos 941 a 945 do antigo Código de Processo Civil, Lei 5.869/73. Tais artigos descreviam o procedimento especial da ação, fazendo menção ao procedimento principalmente de duas modalidade de usucapião, a usucapião extraordinária e a ordinária, e conforme citam Donizetti e Quintella (2014, p. 765), “a ação regulada pelos artigos 941 a 945 do CPC – usucapião extraordinária e ordinária – tem um procedimento especial”.
Já em contrapartida a ação de usucapião especial urbana deve ser analisado o artigo 14 do Estatuto das Cidades, Lei 10.257/2001: “Na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o rito processual a ser observado é o sumário”. Ou seja, nessa modalidade o procedimento da usucapião deve ser pelo sumário.
E por fim, a ação de usucapião especial rural, conforme Donizetti e Quintella, (2014), era realizado pelo procedimento comum sumário igualmente a usucapião especial urbana. Destaca ainda que antes da Lei 9.245/95, o procedimento da usucapião especial rural era regrado pela Lei 6.969/81, que previa procedimento comum sumaríssimo.
Vale destacar, conforme leciona Venosa (2014) que em todas as modalidades de usucapião há a necessidade de intervenção do Ministério Público.
Com a vigência do Novo Código de Processo Civil, a ação de usucapião deixa de ser um procedimento especial, passando a ser adotado o procedimento comum.
É importante ressalvar também que antes da vigência da Lei 13.105/2015, a única forma de se requerer a usucapião era pela via judicial, onde somente a sentença poderia declarar a usucapião, não existindo procedimento extrajudicial, situação esta que foi alterada pela nova lei processual, uma vez que o Novo Código de Processo Civil passou a regulamentar a usucapião extrajudicial, feita diretamente no Cartório de Registro de Imóveis, conforme a seguir será demonstrado.
5 Usucapião Extrajudicial
Tal nomenclatura veio para trazer um novo procedimento de adquirir a propriedade através da usucapião que não pela via judicial, mas sim pela via extrajudicial, procedimento este a ser adotado por escolha dos interessados, sendo uma das inovações trazidas pelo NCPC, o qual entrou em vigor em data de 18 de março de 2016.
Sobre a usucapião extrajudicial, Brandelli (2016, p. 13), dispõe que “Trata-se o procedimento extrajudicial de usucapião de importante novidade que veio recentemente introduzida no ordenamento jurídico brasileiro, com acerto, em nosso entender, possibilitando, em casos de ausência de litígio, o reconhecimento da aquisição de direitos reais imobiliários diretamente no Registro Imobiliário, sem a necessidade de processo judicial, tornando, assim, o caminho mais célere, menos custoso (não apenas pecuniariamente falando, mas também psicologicamente), e auxiliando a redução da carga desumana de processos submetidos ao Poder Judiciário”.
Para o autor, tal procedimento adveio para tirar a responsabilidade do Judiciário em casos em que não haja litigio, fazendo com que o pedido de usucapião possa ser realizado diretamente junto ao Registro Imobiliário, fazendo com que dito instrumento possa ser realizado de maneira mais breve, diminuindo ainda a grande e pesada carga de processos que o judiciário precisa julgar.
O procedimento da usucapião extrajudicial está previsto no artigo 1.071 do Novo Código de Processo Civil, o qual acrescentou acrescentou o artigo 216-A, a Lei de Registros Públicos Lei 6015/73, in verbis: “Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo (…)”.
Apesar de criar esse novo procedimento para requerer a usucapião, o artigo deixa claro que a via jurisdicional não está extinta, ou seja, o procedimento de usucapião judicial continua em vigor, sendo que o interessado pode optar pela via judicial a usucapião, se assim o desejar.
Em relação ao procedimento judicial que ainda continua a vigorar, aquele que desejar ingressar com a ação de usucapião, seguirá pelo procedimento comum, visto que, conforme já destacado, a usucapião deixa de ser ação de procedimento especial, conforme previa a lei processual civil revogada.
No entanto, importante destacar que a regulamentação da usucapião extrajudicial não é uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro, visto que já se previa no Brasil uma forma extrajudicial de usucapião como nos casos de regularização fundiária. Nesse sentido, Maia (2016, p. 99) esclarece que, “a concessão da usucapião, pela via administrativa, foi instituída no Brasil por meio da Lei nº 11.977/2009, mas esta é aplicável somente no contexto de projetos de regularização fundiária de interesse social”. Assim, fundada nesta possibilidade o NCPC veio a regulamentar a usucapião extrajudicial para qualquer de suas modalidades, com o escopo de desjudicializar o procedimento, mormente nos casos em que não há litígio.
Citada Lei 11.977/2009, refere-se a Lei do Programa Minha Casa, Minha Vida, que teve como objetivo a regularização fundiária de áreas que se encaixassem nas disposições do artigo 60 da referida Lei, conforme: “ Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente, o detentor do título de legitimação de posse, após 5 (cinco) anos de registro, poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do art. 183 da Constituição Federal”.
Fato é que a referida lei era muito restritiva, pois só poderia ser requerida pelo meio administrativo aquele que se encaixasse nos moldes do artigo 183 da Constituição Federal, ou seja, aquele que fosse adquirir pela usucapião especial urbana.
Nesse aspecto, conforme explana Júnior, R. (2015, s/p), “O que há de novo, contudo, é a generalização do procedimento a qualquer suporte fático de usucapião em que haja consenso, ampliando sensivelmente o âmbito de aplicação do instituto”. Ou seja, enquanto a Lei 11.977/2009 só poderia ser aplicada na usucapião especial urbana, o novo procedimento de usucapião extrajudicial abrangeu toda e qualquer modalidade de usucapião.
Seguindo esta mesma linha de raciocínio, Paiva (2015, p. 01), também defende que “O novo instituto da usucapião extrajudicial, ao contrário da usucapião também de índole administrativa que contemplou procedimento previsto apenas para o reconhecimento da usucapião especial urbana (art. 183 da Constituição), terá amplo aspecto de abrangência, contemplando procedimento aplicável à concessão das diversas espécies de usucapião de direito material previstas na legislação brasileira”.
Concluindo em seu parecer, a ideia de abranger a todas as espécies de usucapião e não só apenas a usucapião especial urbana, como ocorria na Lei do Programa Minha Casa, Minha Vida.
6. Procedimento da usucapião extrajudicial
Esgotados os conceitos da lei material substantiva, necessário se faz a análise processual da usucapião extrajudicial, a partir de uma análise do artigo 216-A[3], seus incisos e parágrafos, da Lei 6.015/73 – Lei de Registros Públicos, alteração esta que decorreu da inovação trazida pelo artigo 1.071, do NCPC.
6.1 Competência e o pedido do interessado
A usucapião extrajudicial deve ser requerida perante o registro imobiliário onde o imóvel se encontra, como pode ser visto no artigo 216-A, caput: “Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado (…)”.
Como já dito acima, a via judicial continua sendo possível, uma vez que se trata de uma opção dos interessados. A via judicial poderá, inclusive ser utilizada nos casos e que num primeiro momento, optou-se pelo procedimento extrajudicial no qual foi negado o pedido, uma vez que os procedimentos extrajudiciais não fazem coisa julgada.
Ademais, referido artigo dispõe que o procedimento extrajudicial serve para aquisição apenas de bens imóveis. Nesse sentido Lobo & Orlandi Advogados, destacam que, “a usucapião extrajudicial tem por objeto bem imóvel. Embora outros direitos reais imobiliários possam ser adquiridos pela usucapião, o “caput” do art. 216-A só se refere a “imóvel usucapiendo”. Assim, a usucapião de outros direitos continuará sendo reconhecida somente na via jurisdicional. (ADVOGADOS, 2016, p. 2)”.
Nestes termos, conclui-se que em se tratando de usucapião de bens móveis, aos interessados só cabem adotar a via judicial, pois a referida lei não contemplou outros direitos reais.
Outra questão relevante, diz respeito ao fato de que sendo esse procedimento extrajudicial realizado pela via administrativa, conforme salienta Brandelli (2016), não há qualquer interferência do Judiciário, bem como não há intervenção do Ministério Público.
O caput do artigo 216-A ainda deixa claro que o processo de usucapião deve ocorrer junto ao Cartório de Registro de Imóveis em que o imóvel esteja localizado, mediante requerimento da parte interessada, ou seja, segundo Brandelli (2016), o Cartório de Registro de Imóveis não poderá atuar de ofício, necessita do requerimento expresso de quem possui legitimidade ativa (usucapiente).
Por fim, o caput do artigo 216-A, seguindo o que já ocorre com outros procedimentos extrajudiciais, exige a presença e assistência jurídica de um advogado. Sobre esta exigência, Dib (2015, s/p), esclarece que: “Embora não se trate de processo judicial, a assistência de advogado em procedimento complexo como este é fundamental para auxiliar a parte na produção da prova documental e nos eventuais desdobramentos do procedimento. Pelo mesmo motivo é exigida também para o inventário e o divórcio extrajudiciais desde a Lei 11.441/2007”.
Sendo assim, apesar de extrajudicial e não necessitar de intervenção do Judiciário, nem do Ministério Público, o procedimento da usucapião extrajudicial necessita do acompanhamento de um advogado para garantir que o procedimento seja eficaz, semelhante ao que ocorre no inventário e divórcio extrajudiciais, uma vez que o advogado é indispensável a administração da justiça, devendo atuar com zelo e competência na defesa dos interesses de seus clientes, ainda que nas vias extrajudiciais.
No mesmo sentido, BRANDELII (2016, p. 71), ensina que: “A parte legitimada a requerer a usucapião extrajudicialmente deverá fazer-se representar por advogado, nos termos do caput do art. 216-A da Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos – LRP). Não poderá requerer diretamente ao Registrador, salvo se advogando em causa própria. Assim, deverá ser juntada necessariamente ao requerimento a prova da representação do advogado, isto é, a procuração com poderes suficientes para requerer a usucapião extrajudicial, ou a prova de tratar-se o requerente de advogado, em caso de advogar em causa própria”.
O autor destaca a necessidade do advogado para que o mesmo possa intervir e agir pelo cliente. Da mesma forma que o pedido judicial, precisa de procuração com poderes específicos para agir pelo feito, podendo requerer diretamente ao Registrador se o advogado estiver atuando em causa própria.
6.2 A instrução do pedido
Feito a análise do caput do artigo 216-A, é preciso discutir seu incisos, os quais descrevem os documentos que devem acompanhar o requerimento de reconhecimento de usucapião, quais sejam: “I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias; II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes; III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; IV – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel”.
Conforme cita o inciso I, o requerimento deve ser acompanhado de ata notarial que ateste o tempo de posse. Esta ata é o documento elaborado pelo Tabelião de Notas, instrumento esse que se faz necessário maior explanação, visto que o Código de Processo Civil contemplou dito instrumento em seu artigo 384: “A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião”.
Sendo assim, o notário poderá, a pedido da parte, atestar fatos que sejam de sua percepção, através da ata notarial. Brandelli (2016, p. 74), sobre tal exigência dispõe que “o Notário, desta forma, para instruir o pedido de usucapião extrajudicial, lavrará ata notarial, a pedido da parte interessada, na qual deverá narrar, com presunção relativa derivada de sua fé pública, os elementos que puder coletar a respeito da titularidade, do tempo e da qualidade da posse existente sobre o imóvel usucapiendo. Para tanto, poderá o Notário, por exemplo, descrever a situação possessória que captou por seus sentidos visualizando o imóvel, colher declarações de pessoas que possam algo dizer sobre o tema, como vizinhos, enfim, narrar todos os elementos que puder coletar por seus sentidos a respeito de todas as situações que possam esclarecer sobre quem exerce a posse do imóvel usucapiendo, o tempo e a qualidade da posse do usucapiente (…)”.
Deste modo, o notário transcreverá na ata tudo o que for de sua percepção, verificando a qualidade da posse, se de boa ou má-fé, analisando se trata de posse ad usucapionem ou ad interdicta[4], podendo ainda ouvir testemunhas e vizinhos que possam ajudar o tabelião a distinguir o tempo e a qualidade da posse.
Já o inciso segundo do artigo 216-A, traz a necessidade de planta e memorial descritivo que descreverão o imóvel, seus confrontantes e todas as características do imóvel usucapiendo, devendo referidos documentos serem elaborados por profissionais habilitados nesta área de conhecimento.
Nessa corrente, Brandelli (2016) lembra que junto à planta e o memorial descritivo, devem conter a descrição correta dos confinantes e dos titulares de direitos reais, citando o número da matrícula a que cada um pertence, ou seja, a matrícula do registro de imóveis, bem como suas devidas qualificações para que o registrador possa verificar de quem se trata.
O inciso II do artigo 216-A deixa claro a necessidade da assinatura dos titulares de direitos reais e confinantes que estejam averbados ou registrados na matrícula. Júnior, R. (2015), contempla que essa situação se deve ao fato de caracterizar o consenso na usucapião extrajudicial através da anuência dos mesmos.
Essa é uma das grandes diferenças existentes entre a usucapião judicial e a extrajudicial, visto que na judicial, visto que a usucapião extrajudicial somente será possível se houver consenso entre as parte. Brandelli (2016, p. 78) com relação a essa exigência legal, afirma que “ A usucapião extrajudicial registral somente é permitida quando for amigável, isto é, quando não houver litígio a respeito do pedido. Em havendo litígio, deverá o processo ser judicial, uma vez que, pelo estado atual do ordenamento jurídico, não é dado ao Oficial de Registro decidir sobre litígios. O fato de ser a usucapião extrajudicial registral amigável, embora mantendo seu caráter de aquisição originária do direito real, tem implicações importantes e que consistem em pontos de divergência em relação à usucapião judicial”.
Outra exigência da lei é a necessidade de na usucapião extrajudicial ser preciso a matrícula ou transcrição anterior, pois é necessário verificar quem são os titulares de direitos registrados nas mesmas, bem com a necessidade da anuência desses, pois se esses requisitos não são preenchidos no oficial do registro de imóveis não poderá dar continuidade ao processo de usucapião extrajudicial.
Há ainda que atentar aos outros titulares de direitos reais que não o proprietário do imóvel, como os aqueles detentores de servidão, hipoteca, usufruto, superfície, pois se esses direitos estiverem registrados na matrícula, os seus detentores deverão anuir ao pedido de usucapião.
O inciso III, faz menção às certidões que se fazem necessárias ao pedido de usucapião, para garantir uma maior seguridade no feito. Sobre tal exigência Lobo & Orlandi Advogados (2016, p. 5), ponderam que “deverão ser apresentadas certidões em nome do requerente e, nos casos de acessio possessionis e/ou sucessio possessionis, de todos os que tiverem tido posse durante o prazo necessário para a usucapião, de acordo com o requerimento e a lei”.
Além dos documentos acima citados, o requerente precisará apresentar justo título e todos os documentos que comprovem sua posse e seu início, conforme descreve a redação do inciso IV do artigo 216-A. No entanto, a exigência de justo título está condicionada a modalidade de usucapião requerida.
Sobre tal questão, BRANDELLI (2016, p. 81), explica que “o procedimento extrajudicial de usucapião serve para reconhecer a aquisição material de um direito real pela usucapião, e o justo título somente será necessário quando a espécie de usucapião invocada reclamá-lo. Assim, se a usucapião invocada for, por exemplo, a extraordinária, não há que se falar em apresentação de justo título”.
Destarte, o justo título não se faz necessário em hipóteses onde realmente não exista justo título, como é o caso da modalidade de usucapião extraordinária, modalidade essa que independe de justo título e boa-fé.
Nesses casos o possuidor terá que provar sua posse apresentando outros documentos, como contas de luz, água, pagamentos de impostos, declarações de imposto de renda, dentre outros, tudo para provar “(…) origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse”, sendo essas exigências do inciso IV, do artigo 216-A.
Ainda conforme Brandelli (2016) deve-se apresentar documentos que comprovem a modalidade de usucapião invocada.
Júnior, D. (2016), sobre a juntada do justo título ou de outras provas no procedimento, esclarece que a prova terá cunho documental e será complementar a ata notarial, onde o tabelião se utilizará de provas para poder atestar o tempo de posse.
Ou seja, as provas documentais trazidas no procedimento serão interpretadas e analisadas de forma complementar ao disposto na ata notarial pelo tabelião, sendo este documento imprescindível e essencial ao procedimento extrajudicial de usucapião.
6.3 Recebimento do pedido e a prenotação
O interessado, representado por advogado, após a juntada da documentação elencada nos incisos do artigo 216-A da Lei de Registros Públicos, remeterá os mesmos até o Registro de Imóveis competente, sendo referido pedido, conforme disposto no parágrafo 1º do citado artigo “autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido”.
A prenotação a que se refere o parágrafo 1º, nas palavras de Lobo & Orlandi Advogados (2016, p. 7), valerá “até o desfecho do requerimento, com o registro da usucapião, a remessa do processo ao juiz competente, ou o indeferimento. A prenotação dá ao requerimento prioridade quando confrontado com títulos contraditórios, mas só com títulos contraditórios. Não são contraditórios títulos de direitos reais ou não, que tenham sido constituídos, transferidos, modicados ou extintos pelos proprietários ou titulares de direitos inscritos, como, v.g., de hipoteca comum ou cedular do imóvel, constituição de servidão, usufruto, alienação fiduciária, quitações, autorizações de cancelamento, ou ainda documentos comprobatórios de extinção de direitos reais”.
Diante do exposto, verifica-se que a prenotação na usucapião da prioridade aos títulos contraditórios de mesma natureza, haja visto que essa preferência é apenas se for protocolado outro pedido de usucapião extrajudicial do mesmo imóvel.
Os efeitos da prenotação valerão até o final do procedimento como citam os autores acima. No entanto, caso o pedido seja negado, por certo seus efeitos são cessados.
6.4 Notificações
Se não foram preenchidos os requisitos do inciso II do artigo 216-A, o registro de imóveis competente terá que atentar ao parágrafo 2º do referido artigo, qual seja: “Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância”.
Nesse parágrafo talvez esteja um dos pontos mais complexos e controvertidos de se conseguir êxito no procedimento de usucapião extrajudicial, visto que o resultado do procedimento depende da assinatura dos titulares de direitos sobre o imóvel usucapiendo e dos confinantes do referido bem, sendo que a falta da assinatura dos mesmos é interpretada como discordância.
Analisando referido parágrafo, Júnior, R. (2015, s/p), bem diz que: “Vale ressaltar um ponto importante da regulamentação normativa: se o confinante ou titular de direitos reais não se manifestar, não se presume sua anuência. A solução adotada é oposta à vigente na retificação extrajudicial, em que o silêncio do confinante notificado implica concordância tácita (Lei de Registros Públicos, artigo 213, parágrafo 5º)”.
Paiva (2015, p. 4), sobre tal requisito, ainda descreve que, “Restará, entretanto, um problema de difícil solução na hipótese em que haja o silêncio do titular do direito real sem que isso signifique propriamente discordância com a realização do procedimento (§ 2º do art. 216-A)”.
Brandelli (2016, p. 99), sobre o assunto em questão, conclui que “silenciando o notificado, entender-se-á que impugnou ele o pedido, e não que concordou, por expressa disposição legal (art. 216-A, § 2º, da LRP), a qual é bastante criticável, e, parece-nos, será causa de grande falta de êxito da via extrajudicial registral de usucapião”.
Referidos autores mostram a grande dificuldade que o parágrafo 2º trouxe, visto que em outros procedimentos como a retificação extrajudicial e até mesmo nos procedimentos judiciais, como é o caso da revelia, o silêncio caracteriza concordância, aceitação.
Ainda, visto a necessidade de assinatura dos detentores dos direitos reais e confinantes, caso do proprietário seja falecido, conforme esclarecem Lobo & Orlandi Advogados (2016), é preciso ser notificado a pessoa do inventariante caso haja inventário aberto, se esse não for o caso, terá que ser notificado a todos os herdeiros, surgindo dessa forma a dificuldade imposta pelo parágrafo 2º.
6.5 Fazendas
Além da notificação dos detentores de direitos reais registrados na matrícula e confrontantes, o Registro de Imóveis terá que dar ciência às Fazendas Públicas, conforme explana o parágrafo 3º: “O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido”.
Assim que as Fazendas entejam cientes do pedido de usucapião, terão o prazo de quinze dias para se manifestarem a respeito do pedido.
A ciência que deve ser dada as Fazendas é diferente do consentimento expresso que se espera atingir no parágrafo 2º. Brandelli (2016) destaca que nesse caso o silêncio das Fazendas entende-se como anuência. No entanto, referida afirmação é um tanto quanto questionável, uma vez que os imóveis públicos não são passíveis de usucapião, sendo temeroso afirmar que nos procedimentos extrajudiciais o não cumprimento do prazo por referidos entes importaria anuência do pedido, uma vez que não existe “aceitação tácita” contra a fazenda Pública, diante da indisponibilidade do interesse público.
Desta forma, conclui-se que a notificação aos entes públicos se faz necessária, uma vez que, conforme já alegado os bens de patrimônio público não são usucapíveis devendo as fazendas participarem ativamente do feito, possuindo dessa forma a possibilidade de impugnarem ou não o pedido dependendo do interesse público envolvido no procedimento.
6.6 Edital
Além dos detentores de direitos reais, confrontantes e fazendas, terceiros interessados podem se manifestar sobre o feito, é o que descreve o parágrafo 4º, “O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias”.
Sendo assim, aquele que de qualquer forma possa ter algum direito afetado com o reconhecimento da usucapião, e que inicialmente não teve conhecimento do mesmo, fica resguardado o direito de impugnar o pedido.
Por tal razão, Brandelli (2016, p. 99) discorre que, “passado o prazo de 15 dias a contar da publicação sem que tenha havido impugnação, presumir-se-á a anuência, e seguirá o processo”.
Assim, caso não haja manifestação de terceiros interessados, que a princípio são desconhecidos, o procedimento terá seu prosseguimento normal, até seus ulteriores termos.
6.7 Diligências
Tendo apresentado toda a documentação exigida pelo artigo 216-A, e tendo ainda a concordância dos titulares de direitos reais registrados na matrícula, bem como de seus confrontantes e realizadas as notificações dos entes públicos e terceiros interessados, o oficial do Registro de Imóveis apreciará o pedido.
Em caso de dúvida, pode o oficial do Registro de Imóveis realizar diligências até o imóvel objeto da usucapião para o saneamento das mesmas, conforme descreve o parágrafo 5º: “Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser solicitadas ou realizadas, diligências pelo oficial de registro de imóveis”.
Isso pode ocorrer quando o oficial do Registro de Imóveis, ao analisar o requerimento, verificar possíveis pontos controvertidos, sendo assim “o registrador poderá realizar diligências in loco, para elucidar dúvidas que tenham restado da análise da documentação (JÚNIOR, R. 2015, s/p).”
Tais diligências podem ocorrer de ofício pelo registrador como também podem ser solicitadas pelo requerente.
6.8 Reconhecimento do pedido
Realizado todo o procedimento, bem como a coleta de assinaturas daqueles que se fazem necessários, sem nenhuma impugnação e após as eventuais diligências realizadas, será registrado a aquisição do imóvel pela usucapião, conforme dita o parágrafo 6º: “Transcorrido o prazo de que trata o § 4º deste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5º deste artigo e achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso.”
Frente ao exposto, estando o pedido de usucapião em ordem, será concluído o registro em nome do novo proprietário e se necessário será abertura de uma nova matrícula.
Sendo assim, conforme esclarecem Lobo e Orlandi Advogados (2016, p. 14), “o conjunto dos documentos e das provas constantes do processo autorizam a conclusão de que o requerente preencheu os requisitos da lei para a aquisição da propriedade por uma das modalidades da usucapião”.
Nestes termos, importante destacar que além dos requisitos procedimentais a serem observado pelo Oficial do Registro de Imóveis, o mesmo ainda há de verificar se a modalidade de usucapião que o requerente pleiteou pela via extrajudicial contemplou, através das provas anexadas ao requerimento, todas as exigências do direito material, nos termos da legislação civil pertinente.
6.9 Da dúvida
O parágrafo 7º dispõe sobre o procedimento de dúvida, in verbis: “Em qualquer caso, é lícito ao interessado o procedimento de dúvida, nos termos da lei”.
Dessa maneira, o interessado pode dispor do procedimento de dúvida a qualquer momento, observando o que dispõe o artigo 198 da Lei de Registro Públicos: “Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la (…).
Sendo assim, se o Registro de Imóveis solicitar algo que o requerente acredite não ser necessário o mesmo poderá valer-se do procedimento de dúvida, encaminhando-a ao juízo competente, o qual decidirá sobre a necessidade ou não do que está sendo solicitado pelo Oficial do Registro de Imóveis.
6.10 Da rejeição do pedido
Nas hipóteses em que não forem cumpridas todas as exigências que elencam o artigo 216-A, da Lei de Registros Públicos, ocorrerá a rejeição do pedido por parte do oficial do Registro de Imóveis. Para tanto, se faz necessário a análise dos 8º ao 10º, in verbis: “§ 8º. Ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido. § 9º. A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião. § 10º. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.”
Como já foi visto, nada impede que o requerente entre com ação de usucapião direto pelas vias judiciais, sendo assim, se o oficial do registro de imóveis rejeitar o pedido de usucapião extrajudicial, conforme explana o parágrafo 8º, pode o mesmo requerer a usucapião judicialmente, visto autorização dada pelo parágrafo 9º.
Brandelli (2016, p. 104), em analise ao parágrafo 10º, conclui que “tendo havido impugnação de algum dos notificados, seja legitimado passivo certo ou incerto, seja ente público, deverá o Oficial de Registro de Imóveis encerrar o processo administrativo e remeter os autos para o Juízo competente” (…).
A competência para que seja instruído o processo judicial será do local do imóvel, visto redação dada pelo artigo 47 do Código de Processo Civil: “Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação do imóvel”. Bem como deverá ser emendado o requerimento apresentado ao registro imobiliário para a adequação ao procedimento comum previsto no NCPC.
7 Considerações finais
Já foi destacado ao decorrer do presente artigo que a usucapião extrajudicial trata-se de novo procedimento de reconhecimento de usucapião que não pela via judicial, evitando dessa forma a intervenção do judiciário, bem como a intervenção do ministério público.
Em primeiro momento, quando falamos em evitar o procedimento judicial, parece que o procedimento se tornará mais simples, mais célere, visto que no procedimento judicial os processos costumam demorar muito mais que procedimentos da via extrajudicial, já em virtude da grande carga de processos que são de responsabilidade do Judiciário.
A intenção de desjudicializar o procedimento da usucapião, já vem ocorrendo há algum tempo, como foi visto, a Lei do Programa Minha Casa, Minha Vida, nº 11.977/2009, trata do procedimento de usucapião administrativa, a qual de forma restritiva regula apenas a possibilidade de usucapião administrativa a modalidade de usucapião especial urbana, sendo que a mesma teve como o objetivo a regularização fundiária. O NCPC, no entanto, estendeu o procedimento de usucapião extrajudicial a todas as modalidades de usucapião.
É nítido que a passagem de competências de julgamento do Judiciário aos órgãos extrajudiciais tem como um dos principais objetivos desjudicializar o processo, e tal finalidade tem ocorrido com muito sucesso em nosso ordenamento jurídico, haja visto a retificação de registro público, divórcio, inventário, os quais quando iniciados pelos procedimentos extrajudiciais ocorrem de forma muito mais simples e rápida do que por meio de um processo judicial.
A usucapião extrajudicial não eliminou o reconhecimento pela via judicial, mais trouxe uma nova opção ao jurisdicionado quando ao procedimento da usucapião. Reveste do caráter da consensualidade, ou seja, só pode ser concedida desde que fique claro que todos os envolvidos, bem como os possíveis envolvidos concordem com o pedido.
Por todo exposto, percebe-se que a intenção do legislador ao criar o procedimento extrajudicial da usucapião foi desjudicializar o procedimento e incentivar os jurisdicionados a se valerem de meios extrajudiciais para resolução de conflito, uma vez que o processo de desjudicialização ao mesmo tempo que serve para dar maior celeridade ao processo que não haja litigio, serve também para desafogar o Judiciário, com o objetivo de que o mesmo seja acionado pelas partes para resolução de demandas litigiosas, não precisando de sua intervenção em casos que haja consenso entre as partes. No entanto, ao mesmo tempo em que se fala em consensualidade dos procedimentos extrajudiciais, questiona-se a efetividade do procedimento da usucapião extrajudicial o qual a maioria das vezes é litigioso, justamente porque os titulares dos direitos reais existentes sobre o imóvel usucapiendo não estão dispostos a transferir à propriedade de forma consensual, havendo sempre um embate entre as partes envolvidas, fato este, que por si só inviabilizará, na maioria dos casos a adoção do procedimento.
Por outro lado, caso preenchidos todos os requisitos legais, por certo referido procedimento cumprirá a finalidade do legislador, proporcionando ao jurisdicionado o tão almejado acesso à ordem jurídica justa, através da adoção de um procedimento adequado, célere e efetivo.
Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG); Mestra e doutoranda em Ciências Sociais e Aplicadas pela UEPG
Acadêmico do Curso de Direito do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais (CESCAGE). Auxiliar de Cartório em Tabelionato de Notas
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