Resumo: O artigo 1.134 do Código Civil veda expressamente que sociedades estrangeiras participem do Capital Social de sociedades nacionais sem autorização do Governo Brasileiro, mas permite a participação em sociedades anônimas de nacionalidade brasileira. Nesta seara, questiona-se: Possui personalidade jurídica para celebrar contratos a sociedade de responsabilidade limitada, em que um ou todos os sócios são sociedades estrangeiras sem autorização para funcionar no território nacional? Portanto, tem o presente estudo a finalidade de identificar em nosso ordenamento jurídico do plano da existência e da validade do negócio jurídico se um contrato celebrado por uma sociedade nacional cuja composição societária tenha como sócia pessoa jurídica constituída em território estrangeiro tem ou não validade e eficácia.[1]
Abstract: Article 1,134 of the Civil Code prohibits expressly that foreign societies participating in the capital of national societies without authorization from the Brazilian Government, but allows participation in companies anonymous Brazilian nationality. This, wonders: it has legal personality to contract the limited liability company, in which one or all members are foreign societies without authorization to work in the national territory? Therefore, this study to identify in our legal background of the existence and validity of business legal if a contract concluded by a national society whose composition corporate law has as fully legal person established on foreign territory or not validity and effectiveness.
Sumário: 1. Introdução. 2. Sociedade estrangeira. 2.1. Sociedade estrangeira no Brasil. 2.2. Sócio pessoa jurídica. 3. Exploração de atividade econômica no Brasil por sociedade estrangeira. 3.1. Por subsidiárias. 3.2. Por sociedade nacional do tipo responsabilidade limitada. 3.3 Vedação – Decreto 2.627/40, Leis 6.404/76 e 10.406/02. 3.4. Projeto de Lei – Deputado Carlos Bezerra. 4. Personalidade jurídica da sociedade. 4.1. Personalidade jurídica da sociedade nacional do tipo limitada com sócia pessoa jurídica estrangeira. 4.2. Sociedade irregular ou inexistente. 4.3. Validade e existência dos negócios jurídicos celebrados pela sociedade. 5. Análise de um “mock case” – Pedido de habilitação de crédito feito pelo Consórcio Metal Brasil na massa falida da sociedade DTS S/A Administração e Participações. 6. Conclusão. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
O sistema jurídico brasileiro é complexo e eivado de leis que diariamente são desrespeitadas ou até mesmo ignoradas pelas pessoas que delas devem obedecê-las ou deveriam, pelo menos, observá-las. A bem da verdade o Estado Democrático de Direito, em que pauta nosso ordenamento jurídico, muitas vezes se torna utópico.
A afirmação é tão verdadeira, que não é difícil identificar sociedades estrangeiras que exercem atividades econômicas no Brasil, constituídas na forma de sociedades empresárias do tipo responsabilidade limitada, sem autorização do Poder Executivo para funcionar no Território Nacional.
O Código Civil dispõe no artigo 1.134:
“A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira”.
Contudo, a norma de eficácia plena e absoluta, é flagrantemente desrespeitada pelas pessoas jurídicas e inclusive pela própria administração pública, que defere arquivamento de contratos sociais constitutivos pautados numa norma do Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC, que autoriza a sociedade estrangeira a ser sócia de sociedade nacional, independentemente do tipo societária e sem autorização do governo brasileiro. Tudo pautado em suposição de constitucionalidade.
Neste sentido, o presente estudo tem por finalidade, demonstrar que a sociedade nacional cuja composição societária tenha outra pessoa jurídica de nacionalidade estrangeira não goza de personalidade jurídica, quiçá exista do ponto de vista de jurídico.
Não obstante a vedação expressa da participação de sociedade estrangeira no quadro societário de sociedade nacional do tipo limitada, maior ainda é a insegurança jurídica para as pessoas que com ela realizam negócios. Em que pese à presunção de idoneidade daqueles que exercem a administração da sociedade, não há como saber se existe patrimônio suficiente para arcar com eventual desconsideração da personalidade jurídica da sociedade nacional. Deste modo, credores da sociedade nacional, funcionários e até mesmo o Fisco, não possuem segurança jurídica alguma, de que a má gestão ou qualquer ato que cause a desconsideração da personalidade jurídica, sejam suportados pela sócia estrangeira. Ademais, imagina-se o custo de uma demanda suportado por um funcionário para valer-se de seus direitos trabalhistas, na hipótese de desconsideração?
Daí, a necessidade da autorização do Poder Executivo para que esta sociedade exerça ou desenvolva atividades no Território Nacional. Por derradeiro, atribuir personalidade jurídica e consequentemente capacidade à esta sociedade (constituída na forma de sociedade de responsabilidade limitada com sócios pessoas jurídicas estrangeiras) é a mesma coisa que permitir a um estrangeiro, sem qualquer visto (autorização) concedido pelo Governo brasileiro, a permanência no Estado de forma clandestina.
2. SOCIEDADE ESTRANGEIRA
Define-se sociedade como sendo a reunião de duas ou mais pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Esta definição está prevista no artigo 981 do Código Civil[2].
A sociedade é uma das espécies de pessoas jurídicas de direito privado, e por sua vez, para que possa desenvolver a atividade econômica, necessita adquirir personalidade jurídica, isto é, ter arquivado o contrato social ou estatuto social no órgão competente – se empresária (exercício profissional de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços) na Junta Comercial do Estado da respectiva sede; se simples (exercício de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa) no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, também da circunscrição da sede – para tornar-se um sujeito de direitos. Com o arquivamento ou registro, a pessoa jurídica, pode adquirir direitos e contrair obrigações.
O ordenamento jurídico brasileiro, de acordo com o artigo 1.126 do Código Civil[3], considera nacional a sociedade que atende a dois requisitos, a saber: sede no Brasil e organização de acordo com a legislação. Portanto, se a sociedade estiver constituída no Território Nacional e organizada na forma da lei brasileira, independentemente da nacionalidade dos sócios e origem do capital investido, será sempre considerada Nacional.
Em considerações, brilhantemente ensina o professor Fábio Ulhoa Coelho (2008, v. 2, p. 31):
“se dois ou mais estrangeiros, residentes no exterior, e trazendo os recursos de seu país, constituem uma sociedade empresária com sede de administração no território nacional, obedecendo aos preceitos da ordem jurídica aqui vigente, essa sociedade é brasileira, para todos os efeitos”.
Por excludente, na hipótese da sociedade não atender a um destes dois requisitos será estrangeira. O professor Irineu Strenger (2000, p. 519) revela que:
“na ordem jurídica internacional, entretanto, deve-se ter em conta a existência do sujeito de direito das gentes, que não deve sua personalidade ou reconhecimento a nenhuma legislação estatal. A Santa Sé, a Organização das Nações Unidas, a Comunidade Européia do Carvão e do Aço e tantas outras se encontram nesse caso. São pessoas jurídicas supra-estatais ou internacionais, às quais não se pode atribuir nacionalidade”.
A afirmação do ilustre professor Irineu Strenger corrobora com a regra estampada no artigo 11 da Lei de Introdução ao Código Civil, assim redigida:
“as organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem”.
Neste sentido, a sociedade constituída em território alienígena, para o direito brasileiro será estrangeira e obedecerá as regras do país em que está constituída. A sociedade, desde que regularmente constituída noutro país, pode desenvolver atividades no Brasil, desde que atenda aos requisitos legais.
2.1. Sociedade estrangeira no Brasil
A sociedade estrangeira repita-se aquela constituída em território estrangeiro, para desenvolver atividades no Brasil, depende de autorização do governo federal. A autorização é requisitada ao Ministério ou Agência Estatal competente para a fiscalização da atividade exercida pela requisitante, no entanto, de acordo com a Instrução Normativa nº 81, de 05 de janeiro de 1999, do DNRC (Departamento Nacional de Registro do Comércio), o requerimento deverá ser dirigido ao Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, sendo, porém protocolizada no Departamento Nacional do Registro do Comércio.
No § 2º do artigo 11 da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto Lei 4.657 de 1942) encontra-se a seguinte disposição:
”não poderão, entretanto, ter no Brasil: filiais, agências ou estabelecimentos, antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo Brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira”.
O requerimento da autorização deve estar instruído, conforme determinação prevista no § 1º do artigo 1.134 do Código Civil, com os seguintes documentos: prova de se achar a sociedade constituída conforme a lei de seu país; inteiro teor do contrato ou do estatuto; relação dos membros de todos os órgãos da administração da sociedade, com nome, nacionalidade, profissão, domicílio e, salvo quanto a ações ao portador, o valor da participação de cada um no capital da sociedade; cópia do ato que autorizou o funcionamento no Brasil e fixou o capital destinado às operações no território nacional; prova de nomeação do representante no Brasil, com poderes expressos para aceitar as condições exigidas para a autorização; e o último balanço.
Alias, a regra do Código Civil comentada acima, nada mais é do que reafirmação da norma prevista no artigo 64 do Decreto-Lei 2.627/40. Este decreto foi parcialmente revogado pela Lei 6.404/76 que regulamenta as sociedades anônimas. No entanto, a referida lei excepcionou as regras contidas dos artigos 59 a 73 do Decreto-Lei 2.627/40, permanecendo vigente até os dias atuais.
Em razão disto, só pode a sociedade estrangeira funcionar[4] no Brasil, se autorizada pelo Governo Federal. No entanto, a lei faculta as sociedades estrangeiras que participem de sociedades anônimas brasileiras independentemente de permissão. Isto é, para explorar as atividades no território nacional, têm a sociedade estrangeira, duas opções: a primeira é submeter-se ao processo de pedido de autorização; a segunda é constituir uma sociedade anônima nacional e tornar-se acionista.
Na primeira opção não haverá constituição de uma nova sociedade no Brasil, mas sim, a conferência de licença para a extensão ao Brasil das operações negociais exploradas no país estrangeiro. Por conseguinte, na segunda modalidade, nascerá uma nova sociedade, constituída por acionistas estrangeiros. Importante frisar que esta sociedade será, do ponto de vista técnico-jurídico, nacional e sujeita ao regramento e disposições do ordenamento jurídico brasileiro.
É claro que na grande maioria dos casos, por uma questão burocrática, acabam estas sociedades estrangeiras optando pela segunda forma. Todavia, talvez mal orientadas, acabam por desrespeitar a legislação pátria constituindo sociedades de tipo diverso daquele permitido na legislação, ou seja, ao revés de constituírem sociedades anônimas, por conta de custos e complexidade da norma regulatória, optam por outros tipos societários, tal como a sociedade de responsabilidade limitada.
2.2. Sócio pessoa jurídica
Importante trazer a este estudo o conceito de pessoa jurídica, para que se possa admiti-la como sócia de uma sociedade. Pois bem, ab initio, a lição da professora Maria Helena Diniz:
“pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios que visa à obtenção de certas finalidades, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações”[5].
Sem prejuízo do conceito acima, o Professor Silvio de Salvo Venosa, explica que:
“o ser humano, pessoa física ou natural, é dotado de capacidade jurídica. No entanto, isoladamente é pequeno demais para a realização de grandes empreendimentos. Desde cedo percebeu a necessidade de conjugar esforços, de unir-se a outros homens, para realizar determinados empreendimentos, conseguindo, por meio dessa união, uma polarização de atividades em torno do grupo reunido. Daí decorre a atribuição de capacidade jurídica aos entes abstratos assim constituídos, gerados pela vontade e necessidade do homem. As pessoas jurídicas surgem, portanto, ora como conjunto de pessoas, ora como destinação patrimonial, com aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações”[6].
Assevera o Desembargador Carlos Roberto Gonçalves que:
“a pessoa jurídica é, portanto, proveniente desse fenômeno histórico e social. Consiste num conjunto de pessoas ou de bens, dotado de personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei, para a consecução de fins comuns. Pode-se afirmar, pois, que pessoas jurídicas são entidades a que a lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações. A sua principal característica é a de que atuam na vida jurídica com personalidade diversa da dos indivíduos que as compõem (CC, art. 50, a contrario sensu, e art. 1.024)”[7].
Como demonstrado nos ilustres conceitos supracitados, em suma, pessoa jurídica é um ente abstrato, em que a lei confere personalidade jurídica, para habilitá-la a contrair obrigações e adquirir direitos.
Neste sentido, sendo a pessoa jurídica dotada de personalidade jurídica, admite-se que ela seja sócia ou acionista de outra pessoa jurídica. Tal possibilidade está amparada na legislação pátria. Alias, os sócios de uma pessoa jurídica, constituída na forma de sociedade, tanto podem ser pessoas físicas quanto pessoas jurídicas. Não há óbice nenhum que todos os sócios sejam pessoas jurídicas.
Pela exegese do inciso I do artigo 997 do Código Civil, nota-se que uma pessoa jurídica pode fazer parte do quadro societário de outra.
“Art. 997, CC. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:
I – nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas).”
Na mesma linha interpretativa, outro permissivo legal, encontra-se no artigo 2º da Lei 6.404/76, que permite que uma companhia tenha como objetivo social a participação em outras sociedades.
“Art. 2º, Lei 6.404/76. Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes. (…)
§ 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais).”
Sobre esta última regra, vale colacionar explicações e conselhos do mestre Modesto Carvalhosa:
“Dispõe a lei vigente que a companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; em seguida, admite essa participação sem sua inserção expressa no objeto social quando tal participação representar meio de realização do próprio objeto social ou para beneficiar-se de incentivos fiscais. Desse dispositivo surgem duas regras diversas. A primeira é que será obrigatória a menção estatutária da faculdade de participar de outras sociedades, quando não há rigorosa conexidade e dependência entre a atividade da companhia e das demais de que irá participar. A segunda é que poderá ser considerado desvio de objeto, quando a participação sem previsão estatutária se produzir em companhias alheias ao objeto. Um exemplo, neste caso: uma companhia, que tem por objeto a fabricação de pneumáticos, em determinado momento começa a participar do capital de diversas sociedades distribuidoras desse produto. Neste caso, não pode ser aceita a conexidade empresarial, pois a finalidade é industrial e não comercial, mesmo que o produto objeto dessa participação seja o mesmo. Outro exemplo: uma companhia, fabricante de automóveis, em determinado momento começa a participar de outra concorrente, sem que tenha havido previsão estatutária de participação em outras companhias. Também neste caso será considerado desvio de objeto, pois participar de concorrente do mesmo ramo industrial não pode ser considerado meio de realizar o objeto social. Mais um exemplo: uma indústria farmacêutica, que participa de companhia que fornece matéria-prima para seus produtos e também para produtos farmacêuticos de concorrentes, não pode considerar essa participação como meio de realizar o objeto social”.
Aconselha:
“será de inteira prudência que as companhias façam constar de seus estatutos a faculdade de participação em outras sociedades, tendo em vista o risco de, não o fazendo, tal fato ser considerado desvio de objeto. Isto porque não será facilmente configurável, nos casos concretos, a participação como meio de realizar o objeto social. Apenas nas hipóteses de incentivos fiscias a participação acionária pode ser omitida”.[8]
Portanto, uma pessoa jurídica, pode participar ou até mesmo controlar outra pessoa jurídica. Como aconselha o professor Modesto Carvalhosa, prudente que no contrato social ou estatuto social conste no objeto item possibilitando a participação e controle de outras sociedades.
3. EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE ECONÔMICA NO BRASIL POR SOCIEDADE ESTRANGEIRA
Nada obsta que uma sociedade estrangeira explore atividades no Brasil. Ela (sociedade) precisa apenas atender aos requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.
A sociedade estrangeira deve, nos moldes do artigo 1.134 do Código Civil, formular pedido de autorização ao Poder Executivo, apresentando os documentos exigidos no § 1º do citado artigo, todos autenticados de acordo com a legislação do país de origem e devidamente legalizados no consulado brasileiro respectivo, além da correspondente tradução por tradutor público juramentado, assim como ensina José Edwaldo Tavares Borba.
O jurista ainda esclarece, ao escrever sobre a Instrução Normativa 81, de 05 de janeiro de 1999, do DNRC, que:
“A instrução supra, ao relacionar os documentos que devem acompanhar o requerimento, é mais específica do que a lei, sem, todavia afastar-se dos limites facultados pela interpretação lógico-sistemática da matéria. Observe-se que, da deliberação, deverá constar o capital destacado para as operações no Brasil, o qual será fixado em reais. Assim, e se esses recursos não estiverem disponíveis no País, deverão ser remetidos em montante que, após o fechamento do câmbio, alcance um valor suficiente para o depósito, em instituição financeira, do valor em reais correspondente ao capital destacado. Esse depósito, todavia, somente precisará ser feito após a expedição do ato do governo federal autorizativo do funcionamento da sociedade. A deliberação de se instalar no Brasil deverá definir também quais as atividades que a sociedade exercerá no território nacional, posto que o seu âmbito de atuação poderá compreender todo o seu objeto social no país de origem, ou apenas parte dele. Tal indicação é relevante, uma vez que o ato de autorização enunciará quais serão essas atividades. A prova de achar-se a sociedade constituída de acordo com a lei de seu país será mediante certidão expedida pelo órgão local com funções de registro do comércio. O ato de nomeação do representante no Brasil, que poderá ser o mesmo ato que deliberou a criação do estabelecimento, deverá se fazer acompanhar de procuração outorgando ao representante plenos poderes para administrar a sociedade, além de poderes especiais para aceitar as condições que o governo brasileiro estabelecer, bem como para receber citação. O último balanço da sociedade deverá, igualmente, integrar o rol de documentos.
Exige ainda a instrução que o representante designado, ou representantes, se mais de um, declarem desde logo que aceitam as condições em que for concedida a autorização. Embora pareça um absurdo exigir uma declaração de aceitação de condições ainda não estabelecidas, a regra pode ser considerada de natureza prática, posto que, não sendo aceitáveis as condições, a sociedade poderá, pura e simplesmente, desistir de se instalar no País.
A comprovação (guia quitada) do recolhimento do preço do serviço deverá também integrar a documentação a ser apresentada.
Uma vez publicado o ato autorizativo, caberá ao representante da sociedade promover o depósito bancário do montante correspondente ao capital estabelecido para as operações no Brasil. Trata-se evidentemente, em face do princípio da unidade do capital social, de um capital meramente operacional.
Cumprida essa providência, o passo seguinte será o arquivamento, na Junta Comercial, do ato autorizativo juntamente com os documentos que fundamentaram a autorização, fazendo-se ainda uma declaração do endereço que será adotado pela filial.
O Presidente da República, através do Decreto nº 5.664, de 10.01.06, delegou competência ao Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior para autorizar o funcionamento, no Brasil, de sociedade estrangeira. Permite-se a subdelegação.”
Atendendo aos requisitos legais e obtida a autorização, legitima-se a sociedade estrangeira a operar (a funcionar) no Brasil.
Além da autorização, fica a sociedade estrangeira condicionada a requerer apreciação do Poder Executivo brasileiro, de qualquer alteração contratual (seja contrato ou estatuto social), sem a qual não produzirá qualquer efeito no Brasil.
As sociedades estrangeiras que têm autorização do Governo Federal para funcionar no Brasil podem, nos termos do artigo 1.141 do Código Civil[9], requerer a nacionalização, desde que transfiram para o Brasil a sua sede, regendo-se a partir de então, pelas normas brasileiras.
3.1. Por subsidiárias
Ao revés de solicitarem a autorização para funcionar no Brasil, haja vista tamanha burocracia, como demonstrado no item 3, muitas sociedades estrangeiras acabam por constituir subsidiárias no Brasil.
Com efeito, constituem uma nova pessoa jurídica e não um estabelecimento. Esta pessoa jurídica, embora pertença a sociedades estrangeiras, desfruta da condição de sociedade brasileira, uma vez que atende aos requisitos de nacionalidade (artigo 11 da Lei de Introdução ao Código Civil). Trata-se de uma sociedade nacional cujo controle advém de uma sociedade com domicílio no Exterior. Para todos os efeitos legais é uma “empresa” brasileira com capital estrangeiro.
Esta possibilidade decorre do artigo 1.134 do Código Civil, que não obsta a participação de sociedades estrangeiras sem autorização do Governo Federal em sociedades anônimas brasileiras.
Nota-se que a regra permissiva confere autorização para que sociedades estrangeiras sem autorização participem do quadro societário de sociedades anônimas brasileiras, não admitindo, interpretação extensiva, para os demais tipos societários.
3.2. Por sociedade nacional do tipo responsabilidade limitada
Em virtude do procedimento burocrático do pedido de autorização, como fartamente demonstrado neste estudo, muitas sociedades estrangeiras acabam optando pela constituição de subsidiárias no Brasil.
Porém, deixam de observar a regra do artigo 1.134 do Código Civil e constituem sociedades nacionais subsidiárias, do tipo responsabilidade limitada.
É fato que no Brasil, a sociedade preferida pelos empreendedores é a sociedade limitada, talvez pela ilusória nomenclatura de que os sócios respondem limitadamente pelas dívidas da sociedade.
A sociedade limitada surgiu na Alemanha em 1892, em Portugal em 1901. No Brasil em 1919, pelo Decreto 3.708, inicialmente denominada sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Com a edição do Código Civil em 2002, o referido Decreto foi revogado, sendo este tipo societário regido pela legislação civil, passando a ser denominada simplesmente sociedade limitada.
É a preferida pelos empreendedores por ser menos burocrática do que as demais modalidades de sociedades, principalmente aquela regrada pela lei 6.404/76 (sociedades anônimas).
Este trabalho visa demonstrar a ilegalidade da participação de sociedade estrangeira sem autorização, no capital social de sociedade nacional do tipo limitada. Porém, existem muitos posicionamentos contrários.
3.3. Vedação – Decreto 2.627/40, Leis 6.404/76 e 10.406/02
O Decreto-Lei 2.627/40 regulamentou o funcionamento das sociedades por ações até a edição da Lei 6.404/76. A nova lei das sociedades anônimas revogou todo o decreto-lei, com exceção dos artigos 59 a 73, que tratam das sociedades que dependem de autorização do Governo para exercerem a atividade econômica, inclusive sobre as sociedades estrangeiras.
“Art. 300, Lei 6.404/76. Ficam revogados o Decreto-Lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, com exceção dos artigos 59 a 73, e demais disposições em contrário. Lei 6.404/76.”
Por sua vez, o artigo 64 do Decreto-Lei 2.627/40[10], diga-se de passagem, ainda vigente, dispõe claramente que a sociedade estrangeira necessita – para funcionar – de autorização do Governo Federal, todavia, faculta-lhe a participar como acionista de sociedade anônima brasileira.
Não bastassem as leis supracitadas, em 2002 foi editado o Código Civil, que passou a dispor sobre o direito de empresa, revogando, inclusive, parte do Código Comercial e todo o Decreto 3.708/19 que tratava das sociedades por quotas de responsabilidade limitada.
Por conseguinte, a nova legislação repetiu a regra estampada no artigo 64 do Decreto-Lei 2.627/40[11], reforçando ainda mais a idéia de que a sociedade estrangeira só pode – sem autorização do Governo Brasileiro – participar de sociedades anônimas, assim como estabelece o artigo 1.134 do Código Civil[12].
Além disto, o artigo 11 da Lei de Introdução ao Código Civil claramente dispõe que as organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à Lei do Estado em que se constituírem e que não poderão ter no Brasil: filiais agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, estando sujeitas, portanto, as regras do direito pátrio.
Portanto, a sociedade nacional que possui no quadro societário pessoa jurídica estrangeira e esteja constituída do tipo responsabilidade limitada, que não tenha autorização do Poder Executivo para funcionar no Brasil não goza dos atributos da personalidade jurídica. Pode-se, então presumir que esta sociedade na ânsia de desenvolver suas atividades no Território Nacional, ignorou as regras de direito interno e constituiu uma sociedade nacional para evitar ou burlar a burocracia do pedido de autorização, alias requerimento este regulado pelos parágrafos 1º e 2º do artigo 1.134 do Código Civil.
Por outro lado comenta a Professora Priscila M. P. Corrêa da Fonseca que:
“O art. 1.134 tem origem em dispositivo que já constava do Decreto-lei nº 2.627/40, o qual, como cediço, regulava as sociedades anônimas. Por essa razão, o mencionado artigo refere-se apenas à possibilidade de a sociedade estrangeira poder vir a ser acionista de uma sociedade anônima brasileira. A restringenda, contudo, não se justifica e apenas se explica em razão de imperdoável falta de atenção do legislador que se limitou a copiar aquele dispositivo legal, o qual, releve-se, relativamente às sociedades anônimas ainda se encontra vigente, conforme reiteradamente explicado nos comentários aos artigos antecedentes. O Capitulo IX refere-se à sociedade dependente de autorização e encontra-se inserido no novo Código Civil, no subtítulo II, que cuida das sociedades personificadas, abrangendo, por isso, a disciplina de diversos tipos societários que não apenas a anônima. Por essas razões, nada impede que a sociedade estrangeira possa, no Direito Brasileiro, vir a ser sócia de outros tipos societários diversos da sociedade anônima. Prova disso tem-se no fato de que o novo Código Civil exige que do instrumento de contrato social da sociedade simples se faça constar o nome e a nacionalidade dos sócios (art. 997, I). Ou seja, admite expressamente o novel codex a participação de sócios de nacionalidade diversa da brasileira em sociedades aqui constituídas”[13].
Na mesma linha de raciocínio, o Professor Haroldo Valladão, manifestou opinião em artigo publicado em 27 de agosto de 1975, no Jornal O Estado de S. Paulo, colacionado a seguir.
“Veio abrir larga porta à maior fraude ao justo e rigoroso preceito da prévia autorização com exame de estatutos, imposição de condições convenientes à defesa dos interesses nacionais etc. Permitiu que, salvo os excepcionalíssimos casos em que as nossas leis exigem que os sócios sejam brasileiros, adquirissem as sociedades estrangeiras o controle de sociedades nacionais e passassem a funcionar no Brasil, indiretamente, por interposta pessoa, sem qualquer ciência ou controle do Governo brasileiro. E a fraude ampliou-se ainda mais: passaram as sociedades estrangeiras a fundar diretamente sociedades brasileiras ficando com a maioria absoluta, quase a totalidade de capital a elas pertencentes. É a consagração do funcionamento por intermédio de outrem o ‘doing business’ indireto, através de um ato, que se diria isolado, mas integra uma operação total, a do exercício permanente duma atividade extraterritorial pela sociedade comercial estrangeira, controladora da outra, nacional. Constitui passe típico de sociedade multi ou transnacional, e que se verifica, habitualmente, na compra, ou na fundação de sociedade nacional, com a mesma finalidade de estrangeira, com o mesmo objeto social. Proliferou, tanto, que há anos, ao lado do extraordinário incremento das companhias e subsidiárias estrangeiras desapareceram do Diário Oficial os decretos concedendo autorização para funcionamento no Brasil da sociedade estrangeira. Não se aplicaram mais nem a parte principal do art. 64 nem o art. 11, §1º da Lei de Introdução. E estão em vigor apenas no papel, em face da simulação acima apontada. Chegou-se, pois, à revogação, por fraude, assim desmascarada, daqueles textos imperativos, vigentes do nosso Direito Internacional Privado das Sociedades Comerciais.”
O professor Armando Luiz Rovai, inclusive orientador deste estudo, publicou artigo no Portal Âmbito Jurídico[14] sugerindo a ilegalidade da participação de sociedades estrangeiras no quadro societário de sociedades do tipo responsabilidade limitada constituídas no Brasil. Veja artigo colacionado adiante.
“Considerações sobre a proibição de ingresso de sócios estrangeiros nas sociedades do tipo Ltda – aplicação do artigo 1.134 do Código Civil:
Não obstante os trabalhos que vêm sendo escritos a respeito do Código Civil de 2002 e seu impacto no mundo empresarial, uma questão ainda não ficou bem evidenciada, qual seja: a temática sobre a participação das sociedades estrangeiras no Brasil.
Desta feita, é oportuna uma análise sobre o tema, principalmente no que abarca sobre a Responsabilidade Social. Via de regra, a adoção de sociedades estrangeiras no quadro societário de sociedades nacionais possui uma dupla finalidade; i) viabilizar a realidade econômica do Brasil, num mundo globalizado onde as fronteiras são cada vez mais infinitas e, ii) dentro de uma sistemática que é adotada por muitos, para proteção patrimonial – sempre -, dentro de um cenário legal e regular.
Ocorre, contudo, que o art. 1.134 do Código Civil é enfático ao dispor que a sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo; ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira.
A redação desse artigo nos possibilita compreender que as sociedades estrangeiras somente podem participar de empresas nacionais na condição de acionistas. Sabe-se, contudo, que a maioria das sociedades que vem operar no Brasil busca sua constituição sob o tipo societário Limitada, por causa da agilidade operacional desse tipo de empresa, bem como e, principalmente, em razão da possibilidade de menor exigência de transparência dos seus balanços fiscais.
Destarte, na prática, o que se tem presenciado, é a utilização de sociedades estrangeiras, tipo offshore (sociedades constituídas em paraísos fiscais, que possuem tal denominação por, geralmente, localizarem-se em ilhas), por aqueles que almejam a manutenção e perpetuação do patrimônio conquistado, fazendo com que sociedades estrangeiras participem de sociedades nacionais do tipo Ltda, como meio de proteção para salvaguardar os bens e direitos conquistados ao longo dos anos.
É de se ressaltar que tais sociedades não se tratam exclusivamente de meios ilegais para práticas de atos ilícitos. Tratam-se, muitas vezes, de expedientes regulares e usuais, próprias das exigências de um mundo globalizado com a incidência de mecanismos empresarias de alta velocidade.
Neste sentido, vale dizer, também, que seria utópico aguardar a autorização do Poder Executivo para o início das atividades de todas as sociedades estrangeiras que pretendem se instalar no Brasil – outra alternativa disposta no artigo 1.134 do Código Civil. Essa medida, tomada ao pé da letra, no mínimo, inviabilizaria o País e tornaria mais alto o famoso “custo Brasil”.
Cumpre observar que não são poucos os que entendem que a redação do art. 1.134, de fato, não proíbe a sociedade estrangeira de investir em outros tipos societários – porque, isso seria desastroso economicamente, haja vista a quantidade de sociedades limitadas estrangeiras que, efetivamente, figuram como sócias em sociedades nacionais.
Ademais, é de bom tom que se esclareça que as sociedades estrangeiras, por possuírem personalidade jurídica, podem ser utilizadas como meio de distinguir o patrimônio da sociedade e dos sócios, através de planejamentos societários adequados e regulares, algo extremamente útil, tendo em vista os riscos inerentes da atividade negocial.
Neste diapasão, as pessoas físicas têm notória preocupação a respeito da salvaguarda dos bens e direitos conquistados ao longo dos anos, considerando que essa conquista de patrimônio assegura-se como uma das mais tradicionais formas de avaliação e reconhecimento das capacidades do ser humano.
Porém, um item tem que ficar evidenciado. Pela letra da Lei, as sociedades do tipo limitada que contiverem em seus quadros societários sociedades estrangeiras estarão em desacordo com o artigo 1.134 do Código Civil Brasileiro – em outras palavras, estariam irregularmente constituídas.
Exemplo e conseqüência do que ora se consigna, é o da sociedade limitada, inadimplente, que possui no seu quadro societário sócios estrangeiros.
No caso dos respectivos credores buscarem, em juízo, seus haveres, entendemos que o patrimônio dos sócios estaria sujeito à expropriação, pois, diante da patente irregularidade constitutiva societária, a responsabilidade dos sócios passaria a ser ilimitada.
Não se trata da hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, prevista no artigo 50 do Código Civil, mas, sim, da conseqüência de sua irregularidade diante das normativas do diploma legal vigente. O Art. 1.080 do Código Civil dispõe que as deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.
De todo modo, a realidade e a prática demonstram que um grande número de sociedades limitadas estrangeiras figura como sócia em sociedades nacionais, na configuração de verdadeiras joint ventures societárias, tendo em vista que com o desenvolvimento das relações econômicas, houve aumento do comércio entre os países, o que intensificou o fluxo de bens e serviços.
Sociedades cujas sedes são localizadas em outros países são responsáveis pela produção e circulação de bens e serviços, num mercado, veloz e feroz, significando que, para acompanhar a dinamização das relações econômicas internacionais, as empresas tiveram de encontrar maneiras de aumentar seu poder tecnológico e sua logística, atuando em países distantes de suas respectivas sedes, com leis e costumes diferentes dos seus.
Parece-nos, assim, bastante tranqüilo concluir que as sociedades do tipo limitada, cujos sócios sejam sociedades estrangeiras, por ocasião da aplicação do artigo 1.134 do Código Civil, estão irregulares, devendo adaptar-se ao tipo societário de Sociedade Anônima. Via de conseqüência, as elaborações e divulgações das demonstrações financeiras dessas sociedades ajustar-se-iam ao princípio da publicidade, em evidente atenção ao princípio da transparência – mola propulsora e elemento principal dos requisitos que levam á responsabilidade social, evidente mecanismo de equilíbrio e ajuste negocial.
Por fim, entendemos que cabe ao Poder Público a devida fiscalização, através dos órgãos incumbidos da execução do Registro Público de Empresas – Juntas Comerciais – atentando-se para os respectivos arquivamentos societários, a fim de que haja o evidente cumprimento da Lei, em favor da transparência.”
Acerca da vedação expressa apontada, tanto no Decreto-lei 2.627/40 quanto no artigo 1.134 do Código Civil, há divergência de entendimentos entre os mais renomados juristas e estudiosos do direito comercial / societário.
A interpretação gramatical da lei leva o leitor ao seguinte entendimento: toda sociedade estrangeira necessita de autorização do Poder Executivo para “funcionar” no território nacional, salvo se a participação ocorrer em sociedade anônima nacional. Nesta seara, “funcionar” significa explorar atividade econômica direta ou indiretamente no Brasil.
Tal interpretação é juridicamente válida, tanto é que existe na Câmara dos Deputados um projeto de alteração do artigo 1.134 do Código Civil.
3.4. Projeto de Lei – Deputado Carlos Bezerra
A vedação expressa do artigo 1.134 do Código Civil, no que tange as sociedades estrangeiras, sem autorização do Poder Executivo, fazerem parte de sociedades nacionais de tipos societários diversos de sociedade anônima, é objeto de proposta e/ ou projeto de lei, apresentada pelo Deputado Carlos Bezerra, que propõe modificação do referido artigo para fazer constar a possibilidade de tais sociedades integrarem o quadro societário de qualquer modalidade de sociedade. Até a elaboração deste estudo – março de 2010 – tanto a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, quanto a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, manifestaram-se favoráveis a proposta do deputado.
“O Congresso Nacional decreta: Art. 1º O art. 1.134, caput, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser sócio, acionista ou quotista de sociedade brasileira. Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação oficial”.
O Deputado Carlos Bezerra apresentou a seguinte JUSTIFICAÇÃO para o projeto: O objetivo primordial desta proposição é o de evitar que seja ressuscitada a dúvida se a empresa estrangeira poderá ou não participar de outras [sic] sociedade que não por ações. Esta medida também tem o propósito de adequar o atual caput do art. 1.134 do Código Civil ao art. 73 do Decreto-Lei nº 2627/40, ainda em vigor, nos termos do art. 300 da Lei das Sociedades por Ações, com [sic] a modificações introduzidas pela Constituição Federal e pela regulamentação subseqüente.
Para fundamentar nossa preocupação, pedimos vênia para reproduzir, logo a seguir, um artigo muito pertinente a respeito do tema, que foi publicado no jornal Valor Econômico, em sua edição de 10 de outubro do corrente ano, de autoria dos juristas Antônio Félix de Araújo Cintra e Renato Berger:
“O Código Civil e as sociedades estrangeiras: Logo após a edição do Código Civil, em 2002, a questão referente ao regime jurídico das sociedades estrangeiras no Brasil foi bastante discutida. Uma vez afastadas as diversas confusões de conceitos que teimam em surgir nesse tipo de discussão, a questão mostrou-se tranqüila e a conclusão foi clara: não há qualquer impedimento ou irregularidade na participação de sociedades estrangeiras em limitadas brasileiras. Considerando que o tema voltou recentemente à tona, aproveitamos para relembrar alguns argumentos já sedimentados ao longo dos anos sobre a matéria.
Inicialmente, é importante esclarecer o escopo da seção na qual está inserido o artigo 1.134 do Código Civil, que constitui o objeto central da discussão. Aquela seção inteira, composta de oito artigos, trata do funcionamento da sociedade estrangeira no território brasileiro. Ou seja, trata das hipóteses em que a sociedade estrangeira opera diretamente no Brasil, o que não se confunde com a participação em uma sociedade constituída no Brasil. Nessa parte aplicável ao funcionamento no Brasil de sociedade estrangeira, o Código Civil não trouxe nenhuma novidade importante. Assim, continua valendo a regra de que a sociedade estrangeira deve obter autorização do Poder Executivo para operar diretamente no Brasil. A obrigatoriedade de autorização específica vem desde o Decreto-lei nº 2.627, de 1940 – a antiga Lei das S.A.
Porém, a polêmica foi criada em função de uma ressalva feita no próprio artigo 1.134, que estabelece que, independentemente dos casos de autorização para funcionamento direto no Brasil, a sociedade estrangeira poderia também ser acionista de sociedade anônima brasileira. Lendo a ressalva de maneira inversa, alguns chegaram à conclusão de que a sociedade estrangeira não poderia participar de qualquer sociedade brasileira que não fosse uma sociedade anônima.
A Constituição Federal não mais diferencia a empresa brasileira da empresa brasileira com capital nacional. Um dos motivos que explica a confusão criada pelo novo Código Civil vem do histórico legislativo, pois a ressalva do artigo 1.134 é a mesma que já aparecia desde 1940 na antiga Lei das S.A. Tendo em vista que tal lei regulava especificamente as sociedades anônimas, pareceu relevante ao legislador esclarecer que a participação em sociedades anônimas não se confundia com funcionamento direto no Brasil. Naturalmente, o legislador não precisava fazer o esclarecimento com relação a outros tipos societários, já que eles não eram objeto da antiga Lei das S.A. O detalhe parece ter passado despercebido pelos legisladores do Código Civil, que simplesmente reproduziram o dispositivo na sua forma original. Entretanto, como explicado a seguir, isso não retira a legalidade da participação de sociedades estrangeiras em limitadas brasileiras.
O primeiro argumento, que já poderia ser considerado definitivo, é de ordem constitucional. Desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 6, em 1995, a Constituição Federal não mais diferencia a empresa brasileira da empresa brasileira com capital nacional. Diversos efeitos relevantes decorrem dessa ausência de diferenciação, entre os quais a regra geral que proíbe o tratamento mais favorecido da segunda em detrimento da primeira. Assim, seria contrário à Constituição Federal obrigar que empresas com participação de estrangeiros se organizassem sob a forma de sociedades anônimas, enquanto que empresas com participação exclusiva de nacionais estariam liberadas para se organizarem conforme qualquer tipo societário.
Para evitar que a questão fique apenas no plano constitucional, vamos analisar também o próprio Código Civil. Afinal, a resposta ali é ainda mais simples. Neste tópico, a matéria é esgotada com o simples exame do artigo 997, que relaciona os itens que devem aparecer nos contratos sociais de sociedades que não são sociedades anônimas. O artigo 997, que se aplica às sociedades limitadas, aponta que deve ser indicada a “nacionalidade e sede dos sócios, se (pessoas) jurídicas”.
Ora, se a nacionalidade do sócio pessoa jurídica deve ser indicada, é evidente que a nacionalidade do sócio pessoa jurídica pode ser distinta da brasileira. Em outras palavras, o Código Civil admite expressamente que uma sociedade limitada tenha entre seus sócios sociedades estrangeiras.
Dentro de sua esfera de competência, o Departamento Nacional do Registro de Comércio (DNRC) também já regulamentou há anos a constituição de sociedades limitadas que tenham pessoas jurídicas estrangeiras como sócias. Por meio da Instrução Normativa nº 98, de 2003, que instituiu o manual de atos de registro de sociedade limitada a ser usado como regra por todas as juntas comerciais do país, o DNRC simplesmente apontou as informações que devem ser prestadas e as formalidades que devem ser obedecidas nos casos em que uma limitada tiver como sócio uma pessoa jurídica estrangeira. E assim tem sido na prática.
As sociedades limitadas, assim como as sociedades anônimas e os demais tipos societários previstos na lei brasileira, são instrumentos legítimos de organização empresarial colocados à disposição das partes interessadas.
Independentemente de a sociedade contar ou não com participação de estrangeiros, não há nada de ilegal, imoral ou reprovável na simples escolha de um ou outro tipo societário.”
Assim, diante dessas densas considerações, acreditamos que a necessidade de ajuste no art. 1.134 do Código Civil está fartamente fundamentada, razão pela qual esperamos contar com a atenção e o apoio de nossos ilustres Pares para a aprovação desta matéria.”
4. PERSONALIDADE JURÍDICA DA SOCIEDADE
É comum ouvir que a pessoa jurídica é uma empresa e que seus sócios são os empresários. No entanto, tal afirmação não está correta. Pela exegese do artigo 966 do Código Civil[15] pode concluir que é empresário aquele que exerce profissionalmente a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, isto é, a pessoa, seja ela natural ou jurídica, que pratique ou desenvolva atividade econômica é empresária. E assim, uma pessoa física que adquire uma máquina para produção de uma determinada peça e as coloque em circulação no mercado para obtenção de vantagem, é indubitavelmente, um empresário. Todavia, imagine que esta pessoa encontre um amigo, e com ele, resolva constituir uma sociedade, para em conjunto, produzir e fornecer as mesmas peças. Pode-se afirmar que ambos são empresários? Não. Nesta hipótese será empresária a sociedade e não os sócios. No exemplo, verifica-se que no início o empresário tomou a iniciativa de organizar uma atividade econômica de produção para circulação de bens, desenvolvendo-a individualmente. Mas, a partir do momento em que empregou esforços com o amigo, nasceu desta união, uma sociedade, a qual passou a praticar no lugar deles, a atividade econômica.
O eminente professor Fábio Ulhoa Coelho assevera que:
“Empresário, para todos os efeitos de direito, é a sociedade, e não os seus sócios. Acrescenta ainda que é incorreto considerar os integrantes da sociedade empresária como os titulares da empresa, porque essa qualidade é da pessoa jurídica, e não dos seus membros”.
Tecnicamente a sociedade constituída para o exercício da atividade empresarial é uma pessoa jurídica, que é um ente abstrato dotado de personalidade jurídica própria e distinta da de seus membros. Em verdade é um sujeito de direitos e obrigações. Para Maria Helena Diniz:
“A pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios que visa à obtenção de certas finalidades, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações”.
Muito embora a expressão “empresário” seja utilizada diariamente em contratos, escrituras públicas etc., para o direito societário o sócio de uma sociedade (pessoa jurídica) é denominado empreendedor ou investidor. No primeiro caso além de realizar investimento para o capital conduz o negócio, já o segundo apenas injeta o capital para o desenvolvimento.
Empresário, portanto, é aquele quem exerce a atividade econômica de forma organizada para a produção ou circulação de bens e/ ou serviços. No entanto, o parágrafo único do artigo 966 do Código Civil, excetua da condição de empresário, aqueles que exercem atividades, mesmo com o emprego de auxiliares ou colaboradores, de cunho intelectual, científico, literário ou artístico.
Assim, um advogado, um contador, um médico, um artesão etc., jamais serão empresários na medida em que suas atividades compreendem nas exceções elencadas no dispositivo em comento.
Os profissionais liberais mesmo que associados não são empresários e não serão mesmo que exerçam atividades que por sua própria natureza constituam elemento de empresa. Por conseguinte, um médico oncologista que se associa a outro especialista em oftalmologia visando a constituição de uma clínica médica na forma de sociedade, não será empresária. Da mesma forma, um advogado que se associa a outro para abertura de um escritório, também não será uma sociedade empresária. Agora, se um pintor de quadro, tendo em vista a necessidade de ampliação de seus negócios, associa-se a outro para em conjunto constituir um ateliê, passará esta sociedade a exercer elemento de empresa, tornando-se, portanto, uma sociedade empresária. Assim, os profissionais liberais, mesmo que unidos em sociedade, desde que vinculados a um órgão regulador (OAB, CRM, CRO etc.) não são considerados empresários, mesmo que pratiquem ou exerçam atividades consideradas como elemento de empresa. Isto porque, com exceção dos escritórios de advocacia, que obedecem lei específica que veda a pratica de qualquer ato de comércio, as sociedades carregam características específicas de atividades não comercial. Por exemplo, uma clínica médica regulada pelo Conselho Regional de Medicina, presta serviços de natureza científica, e mesmo comercializando qualquer produto (cremes, remédios etc.) ainda assim não será empresária, pois a essência da atividade deve ser observada.
No entanto, tal afirmação não é unânime, inclusive o posicionamento majoritário, com exceção para as sociedades de advogados, é que se a sociedade mesmo que inseridas no parágrafo único do artigo 966 do Código Civil que desenvolvam qualquer elemento de empresa, será considerada empresária.
Antigamente, quando o ordenamento jurídico brasileiro adotava o sistema francês de disciplina privada da economia, pautado na teoria dos atos de comércio, distinguiam-se as sociedades em: comercial e civil. A distinção era feita com base na natureza do objeto, ou seja, se a sociedade desenvolvia atividade voltada ao comércio, estava regulada pelo direito comercial, estando sujeita a falência, concordata etc. Todavia, se o objeto não fosse a prática de comércio, a sociedade era civil, e como tal, estava regulada única e exclusivamente pelo Código Civil de 1916, sujeita as regras da insolvência civil no caso de penúria.
Tal distinção, entre atividade empresária e simples, se fez necessária para que seja possível entender, depois de delineados alguns conceitos adiante, a personificação da pessoa jurídica.
O professor Fran Martins conceituou pessoa jurídica como um:
“ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode ser sujeito de direitos. Não se confundem, assim, as pessoas jurídicas com as pessoas físicas que deram lugar ao seu nascimento; pelo contrário, delas se distanciam, adquirindo patrimônio autônomo e exercendo direitos em nome próprio”[16].
Pelo conceito do emérito professor Fran Martins, pode-se observar a existência de autonomia patrimonial entre a pessoa jurídica e seus respectivos sócios ou acionistas. Isto quer dizer que a pessoa jurídica tem vida própria e autônoma. Em verdade é um sujeito de direitos e obrigações.
O professor Fábio Ulhoa Coelho (2008, v. 2, p. 7) afirma que:
“as sociedades empresárias são sempre personalizadas, ou seja, são pessoas distintas dos sócios, titularizam seus próprios direitos e obrigações (a conta de participação não é, a rigor, sociedade, mas um contrato de investimento comum que a lei preferiu chamar de sociedades: Cap. 33, item 4)”. E continua, (2008, v. 2, p. 11) “o sujeito de direito personalizado tem aptidão para a prática de qualquer ato, exceto o expressamente proibido. Já o despersonalizado somente pode praticar ato essencial ao cumprimento de sua função ou o expressamente autorizado”.
Embora a pessoa jurídica revista-se de uma figura abstrata depois de preenchidos alguns requisitos legais adquire personalidade jurídica, que nada mais é, do que a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações.
A existência legal da pessoa jurídica de direito privado, conforme artigo 45 do Código Civil[17] começa a com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessária, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Nestor Duarte, eminente Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, leciona que a:
“criação técnica, a existência da pessoa jurídica de direito privado tem início com a inscrição do ato constitutivo no registro competente. Em regra, para funcionar, não depende de autorização do Poder Público, mas, nos casos em que isso se exige (art. 170, parágrafo único, da CF), deve-se proceder à inscrição (art. 119, parágrafo único, da Lei 6.015/73)”[18].
Portanto, a personalidade jurídica da pessoa jurídica inicia-se com o registro do ato constitutivo no órgão competente. Entretanto, foi importante iniciar esta análise demonstrando as diferenças entre atividade empresária e simples, para compreender que a pessoa jurídica empresária adquire a personalidade jurídica com o arquivamento do ato constitutivo na Junta Comercial do Estado em que possui sede e a pessoa jurídica simples, por derradeiro, personifica-se com o registro do contrato social no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas também da circunscrição da sede.
4.1. Personalidade jurídica da sociedade nacional do tipo limitada com sócia pessoa jurídica estrangeira
O atributo da personalidade jurídica é conferido às pessoas – físicas ou jurídicas – desde o seu nascimento. Assim, a pessoa humana ao nascer e dar o primeiro respiro, isto é, nascer com vida, adquire a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações. Na mesma linha, a pessoa jurídica, quando do arquivamento ou registro dos atos constitutivos (contrato social) no órgão competente, adquire personalidade jurídica. Passa, a partir deste momento, a gozar do direito de personalidade, diga-se, torna-se sujeito de direitos e obrigações.
A pessoa jurídica é uma entidade em que a lei confere personalidade, capacitando-a a ser sujeito de direitos e obrigações. Tem como característica principal a autonomia patrimonial, isto é, é diversa da dos indivíduos que a compõe.
Porém, para que uma pessoa jurídica seja constituída, impende atender aos requisitos exigidos pela legislação. O Desembargador Carlos Roberto Gonçalves afirma que são quatro os requisitos, a saber: a) vontade; b) elaboração do ato constitutivo; c) registro do ato constitutivo; e d) liceidade de seu objeto.
Todavia, no caso em questão, nota-se que a sociedade nacional do tipo responsabilidade limitada com sócia pessoa jurídica estrangeira, não preenche os itens supracitados, isto porque, consoante a regra estampada no artigo 45 combinado com o artigo 1.134, ambos do Código Civil, possuem como sócia pessoa jurídica constituídas em território alienígena sem autorização para funcionar no Brasil. Mesmo na qualidade de sócias ainda assim necessitam de autorização do Poder Executivo para explorar atividades no Território Nacional.
Neste sentido, a exploração do objeto social por tal sociedade é indevida e flagrantemente irregular. Ora, a regra acima demonstrada é muito clara e irrefutável. A existência desta sociedade equipara-se a de um estrangeiro vivendo no Brasil de forma clandestina e ilegal.
Por conseguinte, se a sociedade não existe para o ordenamento jurídico ou se existe não atende aos requisitos de validade do negócio jurídico, conclui-se que não tem capacidade nem tampouco legitimidade para figurar no pólo ativo de uma demanda judicial, muito menos para assumir obrigações ou contrair direitos.
4.2. Sociedade irregular ou inexistente?
A propósito do que foi explicado acima, impende ainda identificar se a sociedade nacional do tipo responsabilidade limitada constituída na forma da vedação expressa da lei é irregular ou inexiste em nosso ordenamento jurídico.
Para tanto, necessário será, primeiramente, trazer alguns conceitos importantes para responder a questão, isto é, a sociedade nacional do tipo responsabilidade limitada que tenha sócias pessoas jurídicas estrangeiras sem autorização para funcionar no Brasil, é uma sociedade irregular ou sequer existe em nosso ordenamento jurídico?
O primeiro ponto é explicar a diferença, se é que existe, entre uma sociedade irregular ou uma sociedade de fato. Não há dentre os autores uma posição majoritária sobre o tema. Alguns entendem que são sinônimos outros não.
A sociedade de fato é aquela que não cumpriu a solenidade legal de constituição, isto é, não registrou o ato constitutivo no órgão competente. A sociedade irregular é aquela maculada por vícios que inquinam nulidade.
Todavia, alguns autores entendem que a sociedade de fato ou irregular, é aquela que não levou à registro o ato constitutivo, ou seja, toda sociedade não personificada é uma sociedade irregular ou de fato.
O professor Fábio Ulhoa Coelho cita Carvalho de Mendonça:
“se não foram cumpridas todas as formalidades legais da constituição, registro e publicidade da sociedade, será esta irregular. De fato, por outro lado, é a sociedade nula em razão de graves vícios que a atingem”.
Para Fran Martins, também citado por Fábio Ulhoa Coelho:
“a expressão sociedade de fato identifica a sociedade não registrada que, não obstante, apresenta-se como regular. Sociedade irregular seria a constituída com observância das formalidades legais, mas que deixou de cumprir as obrigações a que se encontrava sujeita”.
Não obstante aos ensinamentos dos ilustres professores supracitados, o artigo 986 do Código Civil admite a existência da sociedade de fato enquanto não inscritos os atos constitutivos nos órgãos competentes. A sociedade de fato (sociedade não personificada) existe para os efeitos jurídicos e diferencia-se das personificadas apenas no que tange a responsabilidade dos sócios. Enquanto, nas sociedades personificadas os sócios não respondem pelas obrigações da sociedade, nas não personificadas os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no artigo 1.024 do Código Civil[19]. Isto quer dizer que o sócio responde solidariamente com a sociedade e não pode arguir o benefício de ordem para execução do patrimônio, ou seja, o patrimônio do sócio e da sociedade fazem parte de um complexo de bens passível de penhora.
Já as sociedades irregulares são aquelas são aquelas que atendem todas as formalidades e solenidades legais exigidas para a constituição. São dotadas de personalidade jurídica, e em tese, possuem patrimônio autônomo de seus sócios. Todavia, são maculadas com vícios que as tornam inexistentes do ponto de vista jurídico. Isto quer dizer, com fundamento no conceito de nulidade, que se o contrato social possui algum vício que o torne nulo, consequentemente, todos os atos posteriormente praticados são eivados de nulidade.
Assim, uma sociedade nacional constituída do tipo responsabilidade limitada com sócios pessoas jurídicas estrangeiras sem autorização do Poder Executivo para funcionar, está maculada com vício em sua constituição, portanto, nulo o ato constitutivo nulos todos os negócios jurídicos por ela praticados.
4.3. Validade e existência dos negócios jurídicos celebrados pela sociedade
O ordenamento jurídico pátrio, não permite que sociedades estrangeiras, participem do capital social de sociedades nacionais, sem autorização do Poder Executivo, salvo se a sociedade brasileira for do tipo sociedade anônima.
Nesta seara, em contemplação aos ensinamentos de Pontes Miranda, em relação ao plano da existência e validade do negócio jurídico, pode-se concluir que a sociedade nacional cujo sócios são pessoas jurídicas estrangeiras, inexiste do ponto de vista jurídico.
No entanto, ainda que existente o negócio jurídico (contrato social), o que se admite apenas por hipótese, do plano de validade é flagrantemente nulo (sem efeito). É sabido que as sociedades são constituídas por meio da celebração de contratos de sociedade, os quais dentre as regras específicas de constituição, devem observar aos princípios norteadores e basilares da formação dos contratos e dos negócios jurídicos. Em sendo assim, o contrato deve atender aos requisitos constantes do artigo 104 do Código Civil[20].
Neste diapasão, o negócio jurídico deve atender a três requisitos, a saber: o primeiro de caráter subjetivo – ligado a qualidade do sujeito que praticará o negócio (capacidade e personalidade), o segundo de natureza objetiva – ligada ao objeto (lícito, possível, determinado ou determinável), e por fim, o último requisito, o formal – atribuído a forma que deve ser praticado (prescrito e não defeso em lei).
Corroborando com o acima demonstrado o Professor Fábio Ulhoa Coelho nos ensina:
“para ser válido, o contrato social da limitada deve, em primeiro lugar, atender aos requisitos gerais de validade de qualquer ato jurídico, definidos, no direito brasileiro, pelo artigo 104 do Código Civil. De fato, os contratos privados, inclusive os constituintes de sociedades empresárias, são espécie de atos jurídicos, e não se consideram válidos quando desatendem aos pressupostos daquele dispositivo da legislação civil. Assim, para preencher a primeira condição de validade, o contrato social da limitada deve ser celebrado entre agentes capazes, ter objeto lícito e observar forma legal”.
Na mesma linha o Desembargador Carlos Roberto Gonçalves comenta:
“para que o negócio jurídico produza efeitos, possibilitando a aquisição, modificação ou extinção de direitos, deve preencher certos requisitos, apresentados como os de sua validade. Se os possui, é válido e dele decorrem os mencionados efeitos, almejados pelo agente. Se, porém, falta-lhe um desses requisitos, o negócio e inválido, não produz o efeito jurídico em questão e é nulo ou anulável”.
No caso de uma sociedade nacional constituída do tipo responsabilidade limitada cujos sócios são pessoas jurídicas estrangeiras, pode-se observar que o contrato social da sociedade empresária está revestido de vícios insanáveis, vez que contrariam os requisitos de existência e validade do negócio jurídico, isto é, ela (a sociedade nacional) não pode estar em juízo muito menos praticar qualquer ato de natureza civil ou mercantil, na medida em que sequer existe no ordenamento jurídico pátrio. Ademais, falta-lhe personalidade jurídica o que a impede de exercer ou adquirir direitos e contrair obrigações.
5. ANÁLISE DE UM “MOCK CASE” – Pedido de habilitação de crédito feito pelo Consórcio Metal Brasil na massa falida da sociedade DTS S/A Administração e Participações.
Corroborando com o exposto, para reforçar a idéia da vedação da participação de sociedade estrangeira no capital social de sociedade nacional, colaciona-se adiante ementa e voto do Desembargador Justino Magno de Araújo do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, em sede de recurso de agravo de instrumento[21].
Em seu voto, o eminente desembargador não acolheu a pretensão do Consórcio Metal Brasil, para habitar crédito na massa falida da sociedade DTS S/A. Isto porque, o Consórcio é formado por sociedades estrangeiras sem autorização para funcionar no Brasil.
Entendeu o desembargador relator, que o recurso de agravo de instrumento não poderia ser conhecido, vez que ao examinar a capacidade da agravante, observou que ela (sociedade Consórcio) não gozava de personalidade jurídica, embora constituída no Território Nacional, tinha como sócia pessoa jurídica estrangeira sem autorização do Poder Executivo para funcionar, assim como preconiza o artigo 1.134 do Código Civil.
Diante da ilegitimidade ad causam, o Consórcio não pode fazer valer o seu direito de ter habilitado um crédito na massa falida da sociedade DTS S/A, mesmo sendo este crédito legítimo.
O Consórcio Metal Brasil, inconformado com a decisão, interpôs recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, o qual teve seguimento negado pelo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Por derradeiro, interpôs ainda, um recurso de agravo de instrumento contra decisão denegatória de recurso especial. O Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso por depender de reexame de prova e a decisão monocrática transitou em julgado[22].
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – N° 514.243-4/6 – SAO PAULO – EMENTA: AGRAVO – Falência – Habilitação de crédito – Sociedade estrangeira – Ausência da prova de autorização para funcionamento Representação – Requisito – Capacidade civil – Verificação – Impossibilidade – Ausência de condição da ação – Ilegitimidade ativa “ad causam” – Carência da ação – Recurso não conhecido. RELATÓRIO. Trata-se de agravo de instrumento, tirado contra a interlocutória de fls. 228 que, em sede de habilitação de crédito, determinou ao habilitante que provasse a origem do seu crédito (fls. 226). Questiona o agravante o acerto da decisão guerreada, sustentando que, apesar de ter se manifestado sobre origem do crédito falencial, não se ateve a Sra. Síndica nos esclarecimentos ofertados, reiterando apenas a solicitação. Assim, pelo fato de estar no próprio instrumento de confissão de dívida o detalhamento da dívida refletindo exatamente o somatório das faturas concernentes às exportações feitas, não há que falar em necessidade de prova da origem do crédito. Instruído com as peças obrigatórias, o agravo foi processado com efeito suspensivo (fls. 235), sobrevindo contraminuta de fls. 247/249 e parecer da Ilustrada Procuradoria Geral de Justiça pela conversão do julgamento em diligência para os fins de juntada de certidão da JUCESP atualizada em nome do agravante, em 10 (dez) dias (fls. 252/253), sob pena de não conhecimento do presente recurso e ainda, pelo cumprimento do item 2.1 de fls. 253/254 que requer a comprovação da autorização brasileira para que o agravante possa atuar no território nacional, firmando contrato de consórcio (arts. 278 e 279, LSA). Em face da manifestação do agravante com relação à mencionada determinação, foram encaminhados novamente os autos à apreciação do Parquet, que opinou pela incognoscibilidade do presente recurso, em face da ilegitimidade ativa (fls. 282/288). VOTO. (N° 15.224). Por ocasião do pedido de habilitação de crédito nos autos da falência de DTS S/A Administração e Participações, insurge-se o agravante contra a r. decisão, ora hostilizada, argumento de que seu crédito já se encontra plenamente demonstrado por meio de instrumento de confissão de dívida que instruiu o seu pedido, o qual informa de forma clara a sua origem, consubstanciada inclusive em exportações feitas à falida pelas empresas que integram o consórcio agravante. Todavia, do exame dos autos infere-se incognoscível o recurso. A douta Procuradoria Geral de Justiça enfocou com propriedade a questão, demonstrando a ausência de capacidade e de legitimidade do consórcio-agravante. Com efeito. Para propor ação não basta ter interesse: é preciso ter também legitimidade. Esta se configura com a titularidade do direito subjetivo sobre o bem da vida em litígio. Mister se faz que para representar o titular de tal direito in casu o ente possua capacidade. Tal requisito, contudo, o agravante não logrou demonstrar. O diploma civil pátrio preceitua que a sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados (vide art 1.134, CC/2002). Da leitura do art. 4°, X, da Lei 8.934/94, combinado com os art. 1o e 5o da Instrução Normativa n° 81/99 do Departamento Nacional de Registro de Comércio, depreende-se que a autorização deste órgão é condição sine qua non para o registro e funcionamento no país de empresa estrangeira, como é o caso do agravante. Tal documentação restou faltante, inobstante determinação nesse sentido constante da parte final do r. despacho de fls. 257, Restou prejudicada, pois, a comprovação da constituição regular da sociedade. Dessarte, não comprovando sua regularidade, prejudicada fica a verificação da capacidade do consórcio agravante, requisito para a representação dos titulares do direito de cobrança, não havendo, pois, que se falar em legitimidade ad causam do consórcio-agravante. Por todo o exposto, não conheço do agravo. JUSTINO MAGNO ARAÚJO (relator)
6. CONCLUSÃO
Como visto, não há um posicionamento definido sobre o tema. Muitos juristas entendem que as sociedades nacionais constituídas na forma de sociedade limitada cujo quadro societário tenha como sócia pessoa jurídica estrangeira sem autorização para funcionar no Brasil não goza dos atributos da personalidade jurídica. Outros, por sua vez, defendem a idéia de que o artigo 1.134 do Código Civil deve ser interpretado de forma sistemática, isto é, entendem que não há qualquer ilegalidade.
Porém, pelas regras de hermenêutica, por meio da exegese do texto legal, nítida é a proibição da participação de sociedades estrangeiras sem autorização do Poder Executivo Brasileiro em sociedades nacionais constituídas do tipo responsabilidade limitada.
Neste sentido, a resposta para a questão lançada no item 1, é indubitavelmente, negativa. Isto é, não possui personalidade jurídica para celebrar contratos a sociedade de responsabilidade limitada, em que um ou todos os sócios são sociedades estrangeiras sem autorização para funcionar no território nacional.
Embora, haja posicionamentos contrários, pode-se entender que a sociedade nas condições supracitadas não são sujeitos de direitos e obrigações, portanto, não podem celebrar contratos com terceiros, vez que sequer existem para o ordenamento jurídico brasileiro.
Todavia, importante ressaltar que os atos praticados por estas sociedades nestas condições são nulos de pleno direito, pois não atenderam aos requisitos de validade exigidos pelo artigo 104 do Código Civil. Como demonstrado neste estudo, ausente um dos três requisitos do referido artigo, inviabiliza o negócio jurídico.
Assim sendo, o fato do ato constitutivo da sociedade estar eivado de nulidade, uma vez que não preenchido o requisito subjetivo de validade do negócio jurídico (falta de agente capaz) qualquer obrigação assumida pela sociedade, também está maculada de vício insanável. Não é demais lembrar que nulidade é uma punição cominada pela lei aos negócios jurídicos praticados sem a observância dos requisitos essenciais (artigo 104 do Código Civil), impedindo-os de produzir os efeitos esperados.
Impende ressaltar, conforme detalhado neste estudo, admitindo-se a existência dos atos constitutivos, ainda assim a sociedade é irregular, pois sua constituição contraria dispositivo legal (artigo 1.134 do Código Civil). Tal irregularidade enseja a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade nacional, com responsabilização direta das sociedades estrangeiras.
Portanto, pode-se concluir que as sociedades nacionais que estejam nestas condições, correm riscos iminentes de terem seus atos constitutivos declarados nulos pelo Poder Judiciário mediante provocação de terceiros interessados, ou serem consideradas (estas sociedades) irregulares e sofrerem as consequências drásticas da desconsideração da personalidade jurídica.
Advogado, especialista em direito civil e societário pela Universidade Mackenzie, em direito processual civil pela PUC Campinas, sócio fundador do escritório Nogueira Leite e Costa Rui Advogados Associados.
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