Violência de gênero, feminicídio e direitos humanos das mulheres

Resumo: A violência contra mulheres refere-se a um problema mundial, ocorrendo em proporções maiores em países em estado de guerra e dificuldades sociais, porém, ainda mantém índices alarmantes em países mais desenvolvidos. Neste artigo discorre-se sobre a violência contra a mulher no Brasil e na Itália, com o objetivo de realizar uma comparação entre o contexto atual e as leis existentes, de forma a identificar suas semelhanças e distinções, tendo-se em vista a violência de gênero, o feminicídio e o necessário respeito aos direitos humanos. Trata-se de uma pesquisa de revisão bibliográfica, baseada na legislação, doutrina e jurisprudência brasileira e também italiana, bem como artigos publicados sobre o tema.

Palavras-chaves: Violência de gênero. Feminício. Direitos humanos.

Sumário: Introdução. 1. Violência contra a mulher na Itália. 2.1. Política de igualdade de gênero na Itália. 2.2. Síntese sobre a Erradicação da violência de gênero na Itália. 2.3. Violência de gênero e família de fato na Itália. 3. Violência doméstica contra a mulher no Brasil. 3.1. A Lei Maria da Penha. 4. Tratados de direitos humanos internacionais e a dignidade da pessoa humana. 5. Considerações finais. Referências.

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1 Introdução

A violência contra a mulher é um problema enfrentado por diversos países, independentemente de fatores sociais e culturais.

Em se tratando de países cujas leis se fundamentam nos princípios universais dos direitos humanos, o enfrentamento a esta questão torna-se ainda mais relevante, como é o caso do Brasil e da Itália.

No Brasil, a incidência de violência contra mulheres é bastante alta, envolvendo agressões físicas (materiais), verbais e discriminatórias (morais), envolvendo pessoas da própria família, marido e empregadores. A sociedade brasileira ainda tem muito marcado o poder patriarcal, de modo que as violências praticas contra mulheres, muitas vezes, ainda não são devidamente reprimidas. Apesar de haver uma lei específica sobre a violência contra a mulher – a Lei Maria da Penha, ainda há muitas mulheres que têm medo de denunciar os abusos e violência, por motivos diversos, mas, ressaltando-se ainda a dependência econômica. Embora o mercado de trabalho tenha se tornado mais aberto às mulheres, os salários e oportunidades são mais favoráveis aos homens, dificultando a independência financeira das mesmas.

Ainda sob a influência do domínio patriarcal – ou machista – de pensamento que marca a sociedade brasileira, encontra-se a discriminação moral a que as mulheres são submetidas ao se separarem ou, mais ainda, ao denunciarem os companheiros, com o agravante de que, quase sempre, essas mulheres não têm um abrigo ou outro lugar para morar, voltando a conviver com o agressor. As leis brasileiras ainda são bastante frágeis nesse sentido, pois, mesmo que o agressor seja preso, em pouco tempo poderá ser solto para responder pelos atos cometidos em liberdade, o que coloca a mulher em uma condição de vulnerabilidade.

Há muitos relatos de maridos ou companheiros que, ao retornarem ao convívio, mesmo alegando arrependimento, voltam a agredir as companheiras de maneira ainda mais violenta, muitas vezes acarretando na morte delas e até mesmo dos filhos.

Segundo Brito (1999), em geral, o parceiro agressivo torna-se afetuoso, demonstra arrependimento e pede perdão, mas em pouco tempo volta a agredir. A mulher, fragilizada, acredita que a situação pode ser modificada e, assim, não procura a justiça para formalizar a denúncia e, assim, favorecendo um ciclo de espancamento.

Esta é a realidade observada no Brasil, em todas as classes sociais, em que algumas não denunciam por medo de lhes faltar o sustento ou mesmo de sofrerem algum ato violento por parte do marido ou companheiro, outras por questões morais ou culturais, com receio da discriminação, solidão, sofrimento dos filhos, dentre outras. Porém, o que se observa é que, em todos os casos, a mulher já se encontra em situação de vulnerabilidade material, social, física e emocional, devido a um convívio conjugal desequilibrado e opressor.

Conforme Magalhães (2003, p. 33):

“A violência implica em ausência de ética, uma vez que no ato violento não se vê o outro, não se percebe a humanidade daquele que está sendo atingido. Este é coisificado, desprovido de sua condição de ser humano, tratado como objeto. (….) geralmente, aquele que violenta também sofreu a violência, também foi coisificado (…). trata-se da perpetuação de um ciclo.”

No mesmo sentido, afirma Chauí (1998, p. 1):

“(…) violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão, intimidação, pelo medo e pelo terror. A violência se opõe à ética porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos, inertes ou passivos. Na medida em que a ética é inseparável da figura do sujeito racional, voluntário, livre e responsável, tratá-lo como se fosse desprovido de razão, vontade, liberdade e responsabilidade é tratá-lo não como humano e sim como coisa (…).”

Como se observa, todo tipo de violência envolve a coisificação do sujeito, ou seja, o outro é considerado como um objeto, sendo as relações sociais colocadas no mesmo nível de mercadorias, possivelmente influenciado pelo sistema de produção capitalista. Há uma supervalorização das coisas em detrimento das pessoas, acarretando na perda de referências e valores humanos. (MELATTI, 2011).

A sociedade brasileira é bastante marcada pela ideologia da violência, que é observada nos mais diversos âmbitos e ocorrem de diversas maneiras.

A violência doméstica revela a gravidade deste cenário, ao se verificar que, apesar dos laços afetivos e consaguíneos, esses vínculos não são suficientes para conter a brutalidade nas relações humanas. Além disto, observa-se uma relação de poder e de desigualdade entre seus membros. (MELATTI, 2011).

Uma característica importante da violência doméstica é a recorrência, diferentemente do que ocorre no ambiente público. Assim, a violência praticada por pessoas que vivem na mesma casa pode ser considerada mais traumatizante, pois o sujeito agredido convive com a ameaça constante, o que repercute em traumas emocionais, sociais, de desenvolvimento e políticas (SAFFIOTTI, 2004), por afetar a célula mater da sociedade, que é a família.

De acordo com Focault (1981), no ambiente familiar existe um micropoder que inicia e reproduz a ideia de dominação existente na sociedade contemporânea ocidental. No mesmo sentido, Saffioti (1997), afirma que há uma hierarquia na família, que é determinada por quatro fatores principais, que são: gênero, raça/etnia, classe social e idade, cuja ideologia deve ser respeita como uma regra social, de forma a manter a hegemonia do sistema.

A ideia de comparar a realidade brasileira e italiana referente à violência de gênero, especificamente contra a mulher, deve-se ao fato de que ambos os países enfrentam um cenário semelhante, tanto no âmbito social quanto de normas, porém com algumas diferenças, que serão abordadas no decorrer deste artigo.

2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA ITÁLIA

Na Itália, as leis de combate a violência contra a mulher também têm se tornado mais rígidas, especialmente a partir da aprovação de um conjunto de medidas destinadas a resolver o problema, de maneira mais eficaz.

Tais iniciativas visam conter os índices alarmantes de casos de violência contra a mulher. Segundo dados do Istat – Instituto italiano de Estatísticas -, na Itália, uma em cada três mulheres, entre os 16 e os 70 anos, já foi agredida por um homem. Os dados ainda revelam que seis milhões e 743 mil mulheres, em algum momento da vida, sofreram violência física e sexual. (ANSA-BRASIL, 2014)

Diante deste quadro, as medidas que visam conter a violência contra as mulheres se caracterizam pelo aumento de sanções para determinados tipos de violência doméstica, bem como a concessão de licenças para o acolhimento de vítimas estrangeiras, por razões humanitárias. Outras reformas também visam facilitar a denúncia sobre agressores, que modo que sejam retirados da casa em que habitam com as agredidas. Além disso, as denúncias não poderão ser retiradas pelas queixosas, o que muitas vezes ocorria, devido ao receio das mulheres e, principalmente, com a finalidade de proteger os filhos, principalmente as crianças.

O projeto de medidas também inclui a prevenção do bullying on line contra mulheres.

A sociedade italiana é muito patriarcal, além de voltada para a família, sendo a violência doméstica nem sempre é considerada um crime, porém não há dependência econômica e a percepção do Estado a respeito pode não ser considerada apropriada ou útil, como afirma Rashida Manjoo, relator da ONU sobre a violência contra as mulheres. (THE GUARDIAN, 08.08.2013, p.1).

O parlamento italiano aprovou medidas visando assegurar a igualdade de gênero na Itália, tendo as mulheres como alvo, por ainda sofrerem injustiças em diversos âmbitos sociais e também familiares, dentre os quais encontram-se: salário, acesso às melhores oportunidades de trabalho, discriminação, exploração sexual e violência doméstica.

A violência sexual foi reconhecida como um "crime contra a pessoa" apenas em 1996. Em 2009, a punição para atos sexuais foi aumentada e uma lei introduzida que classificava tais atos como um tipo de ofensa punível. Em 19 de junho 2013, o Conselho da Europa, em convenção que abordou a Prevenção e luta sobre a violência doméstica contra mulheres, denominada Convenção de Istambul, tornou-se lei após unânime aprovação do Parlamento.

Porém, a Itália ainda está longe de alcançar resultados satisfatórios na igualdade de gênero, apesar de progressos relevantes no âmbito da pressão do movimento de mulheres, sociedade civil e da legislação europeia. As crises políticas e financeiras ameaçam algumas conquistas recentes das mulheres em termos de renda, emprego para as mulheres altamente educadas e infra-estrutura social, mas, ao mesmo tempo, eles oferecem a oportunidade de repensar o modelo de bem-estar italiano que depende amplamente o trabalho remunerado das mulheres e com a prestação de serviços de assistência.

2.1 POLÍTICA DE IGUALDADE DE GÊNERO NA ITÁLIA

As recentes mudanças na legislação italiana sobre a igualdade e políticas de gênero se tornaram marcos relevantes nas últimas décadas. 

Segundo a nova Estratégia da UE, abordam-se a igualdade de gênero, igualdade de gênero no emprego, reconciliação do trabalho e da vida familiar, a presença de mulheres em cargos de tomada de decisão, e recentes medidas de combate à violência contra as mulheres. Além disso, é feita abordagem relativa a saúde e direitos reprodutivos, todas decorrentes da pressão do movimento de mulheres, sociedade civil e da legislação europeia. Porém, apesar do reconhecido avanço, a Itália ainda está longe de alcançar resultados satisfatórios. 

O problema é que o posicionamento das mulheres na sociedade italiana tem sido profundamente afetado pelas alterações socioculturais desde o início da década de 1970 (segunda onda do feminismo). Contudo, as transformações nas estruturas sociais não têm ocorrido de maneira coerente a tais ideais. Os partidos políticos foram muito lentos para responder às solicitações da sociedade civil, bem como do movimento das mulheres.

As mudanças vêm ocorrendo de maneira lenta e incompleta, sendo que a legislação incorporou muitas reivindicações do movimento das mulheres no Direito de Família, como o divórcio e aborto. Também foram adotadas leis antidiscriminatórias. Em alguns casos, estas medidas foram reduzidas na sua implementação por falta de financiamento e recursos.

Além disso, a Itália não tem uma infraestrutura adequada para promover a igualdade de gênero. Observa-se a falta de coordenação e acompanhamento adequado e ferramentas de avaliação a nível central, que não estão completamente e devidamente implementadas devido a recursos limitados, tanto em termos de pessoal quanto financeiro.

A Itália é um dos seis países que fundaram a União Europeia, tendo passado por dramáticas mudanças econômicas e sociais nas primeiras décadas após a Segunda Guerra Mundial. A renda per capita mais que triplicou entre 1947 a 1967, sendo que milhões de pessoas abandonaram o campo e se mudaram para cidades industriais do Norte e regiões centrais, três milhões de italianos migraram do Sul para o Norte (CRAINZ, 2003). As novas gerações de baby-boomers que cresceram no boom dos anos do "milagre econômico" (1958-1963), logo começaram a questionar os papeis de gênero e as configurações familiares tradicionais. (SANTOS et al., 2011).

As leis e os tribunais eram lentos para realizar as mudanças culturais. As mulheres italianas votaram, pela primeira vez, em 1946, e a Constituição da República Italiana consagra o princípio da igualdade de gênero em um de seus artigos fundamentais (artigo 3º). No entanto, em vinte anos, muito pouco foi feito para se consolidar este princípio. Tanto os setores de direita como da esquerda política, num parlamento onde as mulheres eram uma pequena minoria, compartilhavam uma cultura de "familismo" que repousava sobre a ideia de que a família tradicional foi a fundação da ordem social e a principal promotora de proteção social (Lombardo; De Giorgio, 2013). 

O Partido Democrata-Cristão – a principal personificação do poder político 1948-1994 – era obviamente respeitador dos princípios da Igreja Católica, enquanto outra liderança, o Partido Comunista, em parte, partilhava os mesmos valores e, também em parte, estavam preocupados com a perda do consenso ao desafiar os papéis tradicionais de chefes de família do sexo masculino e de gênero. As mulheres eram excluídas pelos tribunais até 1963, contribuindo para confirmar sua posição subordinada (RodotÀ, 1981).

Até o final da década de sessenta, a chamada para a mudança tinha crescido e se tornado mais forte, apoiado pelos direitos civis e movimentos de mulheres. Em 1970, uma lei que introduziu o divórcio (Lei n. 898/1970) foi aprovada, depois de várias tentativas sem sucesso e, em 1974, as organizações pró-divórcio ganharam quase 60 por cento dos votos em um referendo para revogá-la. Esta inesperada vitória confirmou as mudanças radicais que ocorreram na sociedade italiana, consolidando o caminho para uma reforma radical do direito da família em 1975 (Lei 151/1975), pondo fim à estrutura hierárquica da família, dominada pelo homem, e para quase toda a discriminação contra as crianças nascidas fora do casamento – a paridade completa somente ocorreu em 2013 por meio da Lei n. 219 de 2013. Em 1978, a lei do aborto (Lei n.194/1978) foi aprovada e confirmada mais tarde por um referendo e, finalmente, em 1981, a lei sobre crimes de honra foi revogado, até então fortes circunstâncias atenuantes eram aplicadas a assassinos de esposas adúlteras e estupradores que se voluntariassem a se casar com as mulheres que tinham estuprado.

No entanto, após o impulso dos anos setenta, o movimento feminista desapareceu da cena pública, embora sobrevivendo em iniciativas isoladas. Mais uma vez uma grande lacuna aberta entre as mudanças que continuaram na sociedade e sua tradução em leis. A participação das mulheres com mais de 25 anos na força de trabalho cresceu de 35% em 1977 para o 56%, na atualidade. Em meados da década de 1980, a percentagem de meninas no ensino secundário ultrapassou a dos meninos; na década de 1990, pela primeira vez, as mulheres superaram os homens em educação terciária, o que ainda ocorre. No entanto, foi somente em 1996 que o estupro deixou de ser classificado como um crime contra a moral pública e não contra uma pessoa individual (Lei n. 66/1996) e somente em 2009 a perseguição tornou-se objeto de uma lei específica (Lei n. 38/2009).

A crise do movimento das mulheres nos anos 80 tornou-se ainda mais profunda quando as forças advogando papeis tradicionais das mulheres e da família prevalecia em meados dos anos 90. Algum progresso em direitos civis, subiu contra uma forte oposição, como mostra a falta de uma lei anti-homofobia ou qualquer reconhecimento da união civil ou gay/união lésbica e, além disso, atestada por uma lei sobre reprodução assistida (Lei nº 40/2004) que, ao garantir a proteção do embrião como uma prioridade em risco a saúde das mulheres, mais tarde reconhecido por uma sentença do Tribunal Constitucional italiano e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Durante muito tempo, as mulheres permaneceram ausentes do cenário público político; a sua representação em cargos principais de decisão continuaram a ser demasiadamente pequeno. 

Nos anos 1990 e 2000, o progresso na igualdade de gênero originadas, principalmente, a partir da necessidade de adoção de diretivas da UE (tais como 97/80/CE sobre a discriminação e 2002/73/ CE sobre a igualdade no emprego) e utilização dos fundos europeus, enquanto os meios de comunicação, Departamento Temático: Direitos dos Cidadãos e Assuntos Constitucionais e da televisão em particular, ao espalhar os estereótipos de gênero e representado exclusivamente as mulheres como objetos sexuais desejáveis.

Em 2011, como o fim do quarto governo Berlusconi ocorreu uma forte onda reação contra esse estado de coisas que tomou forma na sociedade. Mediante a presença de jovens mulheres e velhas organizações surgiu uma variedade de iniciativas contra a discriminação de gênero; campanhas bem sucedidas contra a violência doméstica ganharam o apoio dos meios de comunicação e indignação do público, sustentando a aprovação de uma nova lei contra o "feminicídio" (Lei 119/2013); medidas para a participação das mulheres nas instâncias de tomada de decisão e administração de empresas foram introduzidos (as chamadas "quotas rosa"); líderes políticos comprometidos a um maior envolvimento das mulheres em seus governos. Esta mudança de atitude favoreceu a criação de medidas que efetivamente diminuam as desigualdades de gênero, em face de cortes orçamentários e crise fiscal, mas o compromisso renovado da sociedade civil é uma mudança promissora.

A Itália está classificada entre os países da UE com a menor igualdade de gênero, de acordo com o Índice Europeu de Igualdade de Gênero (GEI). O seu desempenho encontra-se acima da média da UE apenas na área da saúde, devido à longa expectativa de vida das mulheres italianas. Nas demais áreas, o respeito dos direitos das mulheres está longe de ser satisfatório. 

As Políticas que voltam a abordar o desequilíbrio de gênero têm sido cautelosas, apesar dos progressos no quadro jurídico, tendo sido promovidos principalmente pelas Diretivas provenientes da UE ou por pressões da sociedade civil.

O cenário jurídico italiano sobre a igualdade de gênero é fornecido pelo Código Nacional de Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens estabelecidas em 2006 (DL 198/2006), que organiza e harmoniza 11 leis sobre a igualdade de oportunidades em um único texto, com o intuito de gerir a promoção da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens em todas as áreas da sociedade.

O Código Nacional de Igualdade de Oportunidades e leis posteriores aplicam as diretivas de UE sobre a igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento em matéria de emprego. A Diretiva 76/207/ CEE do Conselho, de 9 de fevereiro de 1976, refere-se à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JOL 39 de 14.2.1976, p. 40), Diretiva com a redação dada pela Diretiva 2002/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JOL 269, 5.10.2002, p. 15). (INFOCURIA, 2015)

A Diretiva 86/378/ CEE do Conselho de 24 de julho de 1986 relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento para homens e mulheres nos regimes profissionais de segurança social (JOL 225 de 12.08.1986, p. 40). Diretiva alterada pela Diretiva 96/97/ CE (JOL 46 de 17.02.1997, p. 20). (INFOCURIA, 2015)

As discriminações diretas e indiretas são definidas e proibidas. Apoio jurídico para as mulheres (e outros) que são discriminados é fornecida por uma rede de apoio.

No entanto, ainda nenhuma medida eficaz foi implementada contra a prática de "Dimissioni em bianco", ou seja, a prática de empregadores de fazer contratações de mulheres jovens condicionada a assinatura de uma carta sem data de demissão a ser utilizado para justificar o despedimento em caso de gravidez.

Medidas para a conciliação da vida familiar e profissional estão incluídas em várias regulamentações do mercado de trabalho, sendo que alguns fundos foram alocados para promover mais acordos de trabalho favoráveis ​​à família e à construção de uma infraestrutura social adequada.

No entanto, recentes cortes orçamentais e as medidas de austeridade comprometem seriamente as realizações dos anos pré-crise. O modelo de bem-estar do Mediterrâneo – com base em transferências monetárias do Estado para as famílias e do trabalho não remunerados das mulheres – está sujeito a pressão insuportável. Em particular, as mulheres com idades entre cinquenta e sessenta, cuja aposentadoria por idade foi adiada para sessenta e sete, enfrentam as dificuldades de conciliar o trabalho com cuidado de seus parentes idosos e apoio aos familiares desempregados e cuidados com as crianças.

O Direito de família reconhece a igualdade entre homens e mulheres e concede os mesmos direitos para as crianças nascidas dentro e fora do casamento (o último a discriminação contra filhos nascidos fora do casamento, que dizia respeito às suas relações com os avós e outros parentes, foi recentemente cancelada). A legislação italiana ainda tem que adotar a recente acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre o direito da mãe a dar seu nome de família (em vez de nome de família do pai) para seus filhos. As uniões não civis são permitidas. O divórcio é possível, mas implica custos elevados e um longo período de espera, o que várias propostas vêm tentando reduzir.

A presença de mulheres em cargos de tomada de decisão é ainda muito limitada e várias medidas foram recentemente estabelecidas com sucesso para melhorar a situação. A cota do sistema foi imposta sobre os conselhos de administração e conselhos de Revisores Oficiais de Contas de empresas listadas na Bolsa de Valores (começando com 20 por cento de ser aumentado para 33 por cento em 2015) e nos conselhos de empresas estatais não-listadas. As regras para a eleição de administrações locais foram alteradas para garantir uma presença considerável de mulheres. Nenhum governo local pode ser assumido por pessoas do mesmo sexo, embora deva ainda ser esclarecido qual seria a porcentagem máxima permitida. No entanto, a lei eleitoral para eleições nacionais que está para ser votada no parlamento não inclui disposições que asseguraram 50 (ou 40) por cento das mulheres na Câmara Baixa.

O Departamento para a Igualdade de Oportunidades aprovou o primeiro Plano Nacional Contra Violência de Gênero em 28 de outubro de 2010. Também neste caso, o principal problema é a implementação da lei em termos de formação adequada das forças policiais, a criação de centros de apoio e abrigos para vítimas de violência. Uma lei muito debatida, que diz respeito a saúde reprodutiva das mulheres, é a Lei n. 40/2004, pois é muito restritiva e, por isso, foi modificada por muitas intervenções, tanto dos tribunais inferiores como pelo Tribunal Constitucional, sendo considerada nociva para a saúde das mulheres.

A Diretiva 2006/54/CE do Parlamento e Conselho Europeu e do Conselho, de 5 de Julho de 2006, referente à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres no tocante ao emprego e à atividade profissional (JOL 204 de 27.6.2006, p. 23). (INFOCURIA, 2015)

Na Itália, o aborto é legal, mas a lei que o introduziu (Lei 194), de 1978, periodicamente tem passado por tentativas de modificação, periodicamente sujeito a tentativas de modificá-lo, apesar de que a Itália tenha uma das mais baixas taxas de aborto por mil mulheres em idade fértil entre os países industrializados. As pressões para modificar a citada lei partem de duas frentes: as associações pró-vida que consideram que a permissão é exagerada e o aspecto civil, com organizações de direitos, que criticam a objeção de consciência generalizada dos profissionais de saúde que atuam nas cirurgias ginecológicas, que constituem um obstáculo para a implementação da lei, conforme apontado pelo Conselho da Europa Comité dos Direitos Sociais em 7 de março 2014.

O problema de mecanismos institucionais eficientes para a promoção, promulgação e monitoramento da legislação em relação à igualdade de gênero na Itália nunca foi satisfatoriamente resolvido a nível nacional pelo governo central, sendo observadas diversas soluções adotadas nos últimos anos. O corpo diretivo responsável pela igualdade de gênero é o Departamento para a Igualdade Oportunidades (MPO), criado em 1997, dentro do gabinete do Primeiro-Ministro. Porém, ainda não houve um trabalho eficiente no âmbito das questões de gênero, tanto pela constante troca de ministros em curto período quanto pela falta de recursos de de conhecimentos dos mesmos quanto a matéria, gerando interpretações bastante distintas no tocante a desigualdade e discriminação.

A Comissão Nacional para a igualdade entre homens e mulheres (criada em 2006, a Lei 198) composta por 26 membros que representam as organizações de mulheres e da sociedade civil organizações colaboram com o Ministro, embora não muito é dado publicidade às suas atividades.

As Comissões de Igualdade de Oportunidades (CPOs) estavam ativas em cada instituição do setor público desde 1988 (províncias, administrações municipais, regionais, universidades, unidades locais do sistema nacional de saúde, etc.), cujo desempenho é extremamente diversificado. Alguns limitam-se a lidar com os problemas menores do pessoal enquanto outros são ativos na promoção da igualdade de gênero na sociedade em geral. Os CPOs foram recentemente modificados pela Lei n. 183/2010.

Os Conselhos de Igualdade foram criados em 1991, a nível regional e provincial para lidar com casos de discriminação no emprego, sendo coordenados em uma rede dirigida por um Assessor Nacional da Igualdade desde 2006. Esses Conselhos cooperam com os serviços de emprego e organismos para acompanhar a aplicação concreta dos princípios de igualdade de oportunidades.

Durante vários anos o Departamento e o Conselho co-existiram e, em seguida, definitivamente foram substituídos, em 1990, pela Comissão para a Igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, tendo em vista a igualdade de gênero em Itália.

Mediante a fragilidade dos mecanismos de igualdade de gênero no nível do centro de administração, a perspectiva de gênero foi muito raramente utilizada para avaliar a impacto de novas leis e medidas em matéria de igualdade de gênero.

A situação demonstra-se um pouco melhor em administrações locais, a nível regional, provincial ou nível municipal, sobretudo daquelas cujas orientações políticas são de centro-esquerda, onde algumas iniciativas de sucesso iniciativas foram realizadas. 

Os projetos-piloto foram lançados no início de 2000, utilizando os fundos do FSE, dentre os quais, entre 2005/2006, fez surgir a Carta Europeia para a igualdade das mulheres e homens na vida local, que foi assinada por 430 administrações locais (243 apenas na Toscana). Em 2009, a Toscana aprovou uma lei regional (LR 16/2009) assim como o DL 150/2009, que exige que todas as administrações públicas promovam a igualdade de gênero. No entanto, há outras indicações sobre metodologias, calendário e responsabilidades, de modo que o ato foi totalmente ignorado pela maior parte das administrações.

“A Carta europeia para a igualdade das mulheres e dos homens na vida local dirige-se às colectividades locais e regionais da Europa, que são convidadas a subscrevê-la, a tomar publicamente posição relativamente ao princípio de igualdade das mulheres e dos homens e a implementar, no seu território, os compromissos definidos na Carta.

(…) cada autoridade signatária assume o compromisso de colaborar com todas as instituições e organizações do seu territóio no intuito de promover a instauração, de facto, de uma verdadeira igualdade.” (CEMR, 2006, p.5)

A participação das mulheres na vida pública não está bem estabelecida na Itália e sua presença na política nacional não é apoiada pela previsão de cotas de gênero, apesar dessas cotas estarem em vigor a nível local.

2.2 Síntese sobre a Erradicação da violência de gênero na Itália

A violência sexual foi reconhecida como um “crime contra a pessoa” apenas em 1996. Em 2009, a punição para atos de violência sexual foi aumentada e uma lei introduzida que considerou este um tipo de delito como ofensa punível. Em 19 de junho 2013, o Conselho da Europa elaborou a convenção sobre "Prevenção e luta contra a violência contra as mulheres e violência doméstica” – a chamada Convenção de Istambul, que se tornou lei após votação unânime do Parlamento.

O movimento italiano de mulheres tem sido capaz de construir uma rede nacional de centros anti-violência para troca de experiências, o diálogo com as autoridades públicas a nível local e nacional, para se tornar a espinha dorsal do serviço nacional de assistência para a violência contra as mulheres. No entanto, todas estas iniciativas deparam-se com a falta de fundos e recursos.

Em 1998 uma lei sobre a imigração estabeleceu que as vítimas de tráfico humano podem solicitar uma autorização especial de residência. A lei foi concluída em 2003 com disposto a oferecer a curto prazo e ajuda a longo prazo para as vítimas. Como um todo, o sistema italiano para a proteção das vítimas de tráfico de seres humanos é coerente com os princípios orientadores adotados internacionalmente, em primeiro lugar em relação ao respeito da autonomia da vítima e seu direito à integração social.

Em 2006, uma nova lei introduziu punição da exploração sexual de crianças e de pornografia infantil.

A mutilação genital feminina foi proibida por uma lei específica em 2006.

Até 1996, a violência sexual foi considerada como um "crime contra pública moralidade". Após 19 anos de debate ocorreu a reforma dos artigos do código penal italiano, relativo a violência sexual, reconhecendo que a violência sexual é um "crime contra a pessoa” (Lei n. 66/1996). Essa lei considera como punível qualquer ato sexual ou tentativa de obter um ato sexual por violência ou coação ou mesmo comentários sexuais indesejados a mulheres e homens, crianças e adultos. Abrange também aqueles casos que não apresentam um real contato entre o corpo do agressor e da vítima. Inicialmente, a lei previa penas de 5 a 10 anos de prisão por violência sexual perpetrada por um indivíduo; de 6 a 12 anos de prisão por violência sexual por parte de um grupo; de 3 a 6 anos de prisão por atos sexuais realizados na frente das crianças (com idade até 14). Além disso, o autor pode ser condenado à perda de sua autoridade parental sobre os filhos.

Desde então, uma série de alterações e novas leis para contrastar o fenômeno da violência foram promulgadas sob a pressão das organizações da sociedade civil. 

Em 2001 foi promulgada a Lei n. 154/2001, dispondo obre a violência doméstica, relativa a todos os membros da família (maridos, esposas, parceiros coabitação, filhos, pais) que são submetidas a violência física bem como a violência psicológica. A vítima pode pedir e obter do juiz uma "ordem de proteção" que obriga o infrator a deixar a casa.

Em 2006, a Lei n. 38/2006 introduziu o castigo da exploração sexual de crianças e de pornografia infantil, incluindo os praticados por meio da internet.

No mesmo ano, a mutilação genital feminina também foi abordada e proibida por meio da Lei n. 7/2006 (Disposições relativas à prevenção e repressão de formas de mutilação genital feminina). A lei define a mutilação genital feminina como qualquer forma de parcial ou total remoção dos órgãos genitais femininos externos ou outras modificações dos genitais femininos, realizadas por meninas por razões não terapêuticas, culturais, dentre outras.

Ainda, em 2006, foi criado o disque-denúncia nacional para vítimas de violência. O número 1522 é um número gratuito disponível 24 horas por dia, que funciona através de sistema que transfere as chamadas originadas em todo o território nacional para uma rede central. Porém, ainda há muitas áreas do país não atendidas pelo serviço.

Há outros números de telefone gratuitos que operam para combater a violência: o pedágio livre, com serviços diferenciados em todo o país com uma alta variabilidade de práticas em todos os campos de intervenção social, incluindo serviços prestados às mulheres vítimas de violência. 

Tais iniciativas demonstram que o envolvimento das organizações da sociedade civil na prestação de serviços tem de ser considerado, assim como a transferência de responsabilidades das instituições públicas para a sociedade civil.

A experiência dos centros anti-violência e da grande variedade de atividades que realizam são um bom e valioso exemplo no campo. A pluralidade de modelos de cooperação público-privada e, mais especificamente, o desenvolvimento de centros anti-violência em todo o país, financiado e promovido por organizações da sociedade civil ligados ao movimento italiano de mulheres são as contribuições mais valiosas que a Itália vem propiciando para a enfrentar violência contra as mulheres. O movimento de mulheres italiana tem favorecido a construção de uma rede nacional de centros anti-violência para troca de experiências, o diálogo com autoridades públicas a nível local e nacional e para tornar-se a espinha dorsal do serviço nacional de assistência para a violência contra as mulheres.

O Plano de Ação Nacional sobre a Violência contra as Mulheres emitido em 2011 tem sido considerado ineficaz, por ter sido elaborado sem consulta às partes interessadas, carecendo de objetivos claros, e não contar com os financiamentos necessários do governo central, devido às fortes reduções de despesas na despesa pública italiana.

Os recursos destinados aos "centros anti-violência" e, mais comumente, aos abrigos para mulheres podem depender, em muitos casos, de regiões ou autarquias locais. Porém, frequentemente, são muito escassos os registros de progressos em matéria de igualdade de gênero na Itália nos últimos anos, enquanto que as questões de saúde reprodutiva e representação política das mulheres permanecem controversas. 

A crise econômica, ocorrida a partir de 2007, vem demonstrando que as mulheres podem contribuir igualmente para o bem-estar das famílias e que elas não querem voltar para sua função tradicional. Assim, elas continuaram a buscar um emprego, mesmo quando demitidas e algumas delas entraram no mercado de trabalho pela primeira vez para contribuir com a renda familiar em período de desemprego generalizado entre os homens. As mulheres ainda vêm superando os homens em escolas e universidades.

As organizações de mulheres da sociedade civil lançaram uma série de iniciativas depois de muitos anos do silêncio. No entanto, a posição das mulheres não melhorou para todas da mesma forma: o progresso foi maior entre as mulheres no Norte do que do Sul da Itália, bem como para as mulheres com níveis mais elevados de educação.

A crise econômica está ameaçando algumas dessas conquistas. A oferta global de cuidados e serviços que se destinam a apoiar o emprego feminino é fraca e afetada pelos cortes de orçamento, principalmente em relação aos serviços para os idosos e creches.

O emprego e independência econômica das mulheres é ameaçada tanto por crescentes dificuldades em conciliar o trabalho e a vida familiar como pela crescente perda de empregos no setor de serviços na segunda onda da crise, desde 2010.

A consciência destas questões pode favorecer a criação de políticas específicas, mas isso também dependerá de as mulheres conseguirem a necessária representação política.

Em resposta à questão da violência de gênero, em 08 de agosto/2013, o primeiro-ministro italiano, Enrico Letta, anunciou medidas vigorosas visando combater o abuso e o assassinato de mulheres, muitas vezes cometidos por ex ou atuais companheiros das vítimas.

O decreto define penas mais duras e amplia as proteções para mulheres que vivem em situação mais vulnerável, como imigrantes sem autorização de residência no país. Porém, novos ataques ocorreram após a divulgação de tal medida, levando ao entendimento de que apenas penalidades mais duras não são suficientes.

Mesmo após o citado decreto, em agosto/2013, houve o assassinato de uma mulher no norte da Itália por seu ex-companheiro, que depois escondeu o corpo dela em seu carro, também o assassinato de uma siciliana diante de seu filho por seu ex-marido, que depois se suicidou, e também outro homem que jogou ácido no rosto de uma mulher em Gênova. No mesmo ano, mais de 80 mulheres foram mortas, sendo que muitas delas já tinham prestado queixa à polícia por serem perseguidas ou assediadas. Das 2.200 mulheres assassinadas entre 2000 e 2012, cerca de uma a cada dois dias,75% foram mortas por seus companheiros ou ex-companheiros. (POVOLEDO, 2013).

Em relatório divulgado pela ONU em 2012 sobre a violência contra mulheres na Itália apresentou a violência doméstica como a mais comum no país, atingindo quase 32% das mulheres de 16 a 70 anos de idade. O relatório também demonstrou que mais de 90% das italianas estupradas ou abusadas não realizaram qualquer denúncia à polícia. (POVOLEDO, 2013).

Tais dados demonstram que fatores culturais influenciam a decisão das mulheres em não denunciar, como a cultura relativa a honra e ao paternalismo existente na sociedade europeia, levando as mulheres que acreditarem que a violência é “legítima”, em decorrência de algum tipo de “rebeldia” delas aos padrões impostos.

Em um caso citado por Povoledo (2013), uma mulher resolveu denunciar o marido, que a tinha ameaçado com uma faca. Porém, o policial que atendeu a ocorrência dirigiu-se a ela e recomendou que a mesma preparasse uma boa macarronada para o marido e, assim, fizessem as pazes.

Tal atitude do policial espelha o que ocorre na sociedade italiana, em que não há uma estrutura psicológica, jurídica e financeira que favoreça que as mulheres tomem a decisão de sair de um relacionamento abusivo, como prossegue Povoledo (2013, p.1):

“Faltam abrigos de emergência para as vítimas de abusos. O principal abrigo de Roma consiste em um apartamento simples de três quartos.

Apesar de atender Roma e toda a região do Lazio, na Itália central, o abrigo não tem condições de receber mais de três mulheres de cada vez, por um período máximo de uma semana.

Há pouquíssimos lugares na Itália para onde podem ir mulheres vítimas de abusos (…).”

Segundo uma força-tarefa do Conselho da Europa, para cada 10 mil habitantes, deve haver uma vaga em abrigo para uma mulher e seus filhos. Deste modo, a Itália deveria disponibilizar 5.700 vagas com esse fim, porém possui apenas 500 e, como agravante, a falta de recursos tem levado ao fechamento de diversos desses locais, bem como de centros de combate à violência. (POVOLEDO, 2013)

Assim, o novo decreto não considera que as vítimas e seus agressores, geralmente, continuam a viver juntos, mesmo após o registro da queixa policial, em decorrência da morosidade da Justiça italiana. Além disso, mesmo os agressores condenados dificilmente ficam presos por muito tempo.

Neste cenário, a falta de recursos para viabilizar a efetividade do novo decreto torna-se uma forma de violência contra as mulheres.

A realidade sobre o abuso na família é confirmada na jurisprudência italiana, como segue:

“Cassação Penal, Seção VI, 23 de agosto de 2012 (ud. 29 de maio de 2012, n. 33142) – Crimes contra a família – Abuso em família – Interrupções – Unidade do criminoso – Requisitos (art. Cp 572.).

A conduta de abuso na família pode incluir quebras, devido às circunstâncias, tanto subjetiva e objetiva, que, para ser relevantes para a interrupção do criminoso e, em seguida, o configura como delitos diferentes, sendo necessário que se determine uma mudança da vontade do agente, verificável com base em um período apreciável de tempo, que demonstre que cessou a intenção de agredir.

Omissão. – 1. No julgamento em epígrafe, o Tribunal de Recurso confirmou a sentença de Trieste, em 2 de Outubro de 2008 do Tribunal de Pordenone, apelou por MG, condenado a três anos de prisão como responsável ​​por um único delito de maus-tratos em família, art. 57., em detrimento de sua esposa T.L. e crianças L. e L.

O Tribunal de Recurso observou que a responsabilidade do acusado derivado de declarações convergentes e confiáveis ​​de T. esposa e filha, encontrou esses textos diferentes (assistentes sociais, professores, agentes de polícia), demonstrando que tinha M. submetido as parentes a constante assédio, por meio de insultos graves e frequentes, violência física e humilhação. Precariamente chegou ao fim no período (outubro de 2001-Abril de 2002) em que o réu foi removido do lar conjugal, mas recomeçou pouco depois a voltar, até porque M. não foi sujeito a uma medida de precaução privativa de liberdade em 17 de setembro 2005. – A omissão.

Razões: Omissão. O crime de abuso consiste de conduta opressiva, caracterizada subjetivamente pela vontade do agente para sujeitar o contribuinte a uma série de sofrimento físico e mental, que, quando visto objetivamente, são prolongadas e reiteradas. Tal conduta pode bem compreender circunstâncias subjectivas e objetivas, que sejam significativas para efeitos da interrupção do criminoso e, em seguida, se configura por delitos diferentes, exigindo que uma alteração seja estabelecida sobre a vontade do agente, verificável com base em um período apreciável de tempo, chegando a sugerir que cessou a intenção de agredir e que ele se recuperou, como resultado de sua nova vontade.

Neste caso, no entanto, as atividades materiais de maus-tratos por circunstâncias temporárias devido à saída compulsória do lar conjugal de M., é retomada depois de alguns meses, assim que o acusado foi capaz de fazer de nova resinserção dentro da família, com formalidades e atitude psicológica idêntica.

Deve, portanto, ser considerado, de acordo com a avaliação dos tribunais inferiores, que este comportamento posterior está ligado tanto a material quanto ao psicológico, se configurando em um único crime de abuso, até que M. sofreu, mais recentemente, a medida cautelar, em 17 de Setembro de 2005. – Omissão.”

O Supremo Tribunal Federal, ao rejeitar por improcedente a apelação do acusado, confirma a irrelevância de um corte temporário na condução dos maus-tratos. O artigo 572 do Código Penal favoreceu a unidade de qualificação do fato de crime. O assédio, insultos e violência física aos parentes não tinham chegado ao fim no período de seis meses e, assim mesmo, ele retornou ao lar conjugal, de forma coercitiva, voltando a maltratar a família.

Ao decidir o caso que lhe foi apresentado, o Supremo Tribunal de Justiça atribuiu importância à estrutura particular do elemento subjetivo do caso em questão.

A infração ao abrigo do artigo. 572 C.P. é qualificado como crime necessariamente habitual e recorrente e poderia ser criminalmente irrelevante (atos de humilhação generalizados, insultos, agressões, lesões ou ameaças).

A fraude disposta no art. 572 C.P. é um elemento unificador da pluralidade de atos lesivos contra a personalidade da vítima, pois o agressor se realiza na inclinação da vontade de se conduzir de maneira opressiva e prevaricatória. A reincidência do abuso demonstra um círculo vicioso, pois o infrator se compromete a não mais cometê-los, mas volta a praticar os atos lesivos.

A ligação subjetiva entre os diferentes atos de assédio é considerada do presente para o passado. É necessário provar que o agente está ciente dos sofrimentos causados e, mesmo assim, pôs em prática um novo abuso, como resultado de uma vontade autônoma para cometer um crime. A demonstração de tal ocorrência será determinada por fatores objetivos relacionados com as formalidades de conduta, considerando-se também o período de tempo decorrido.

No entanto a solução do caso em questão parece aceitável, tendo em conta o fato de que a interrupção da conduta coercitiva em um nível objetivo é presumivelmente equivalente a vontade subjetiva.

2.3 Violência de gênero e família de fato na Itália

O reconhecimento da família de fato como união estável e a autonomia nos contratos de matrimônio têm sido um avanço na legislação, visando coibir a discriminação familiar. (BALESTRA, 2007)

Assim, não sendo necessário o vínculo do matrimônio, diferentemente do direito brasileiro em que a união de fato não tem efeito jurídico. O artigo 29 da Constituição italiana apenas reconhece como família a união matrimonial baseada no casamento. Desse modo, a convivência more uxuorio não admite a tutela aos companheiros, embora possa haver exceções.

A respeito da regulamentação da convivência matrimonial, a regra da autonomia de negociação permite que o contrato de convivência regule a distribuição do custo que a convivência traz às partes, de acordo com o tipo de regime escolhido para coabitação. (BALESTRA, 2007)

Desse modo, marido e mulher são tutelados apenas como co-inquilinos, não possuindo direitos equivalentes aos direitos dos cônjuges, acarretando em prejuízos aos conviventes. Se houver separação ou morte de algum dos conviventes e se o viúvo(a) não for proprietário do imóvel, terá apenas o direito de posse, a não ser que tenha contribuído onerosamente para a aquisição do mesmo. Além disso, não há herança se não houver um testamento firmado.

Assim, a auto-regulamentação contratual ou pacto de convivência é a única forma de assegurar que os bens patrimoniais da família de fato sejam partilhados de acordo com a vontade dos conviventes.

3 Violência doméstica contra a mulher no Brasil

As mudanças no Estado e sociedade em geral vêm impulsionando as modificações nas estruturas familiares, fazendo surgir novos modelos de vínculos conjugais, assim como comportamentos e maneiras distintas nos relacionamentos entre os sexos.

Aos poucos, a mulher vem conquistando seu lugar em todos os nichos da sociedade. Porém, devido a influência patriarcal (ou machista) vigente por praticamente toda a história da humanidade, a mulher enfrenta a discriminação, mesmo que velada, e a flagrante e descarada violência, em geral, por parte de companheiro ou cônjuge.

Esta realidade é diariamente vivenciada nas delegacias e tribunais, que se deparam com um incontável número de denúncias e processos relacionados a violência contra a mulher, especialmente a doméstica.

Embora não seja o foco deste trabalho, mas a psicologia pode ser uma fonte de busca de entendimento sobre as razões que levam a isso, porém, sob um enfoque jurídico, observa-se claramente a violência como prática discriminatória, abusiva e lesiva contra os direitos da mulher, tanto no âmbito subjetivo quanto material.

Por outro lado, a sociedade atual tem se acostumado a violência, devido à grande visibilidade que esse tipo de ato tem nas mídias de massa, demonstrando que se caracteriza por uma clara afronta aos Direitos da Pessoa Humana.

A lesão Corporal e a Ameaça costumam estar presentes na violência doméstica, e encontram-se previstas nos artigos 129 e 147 do Código Penal brasileiro.

Apesar disso, ainda se verifica que, ano após anos, vêm aumentando as denúncias de mulheres que alegam sofrer violência doméstica, apontando como motivos a bebida e o ciúme do seu companheiro. (SAGIM et al., 2005)

 O aumento das denúncias pode estar relacionado a um maior número de casos, mas, principalmente, ao fato de que mais mulheres têm se encorajado a denunciar, o que, há algumas décadas, era muito difícil, pela falta de efetiva proteção e insegurança a que as mulheres eram submetidas. No entanto, ainda hoje, grande parte das denúncias são retiradas pelas vítimas em seguida, voltando para casa e, logo, sendo reiniciada a situação de violência doméstica (SAGIM et al., 2005).

Diversos são os motivos que levam a mulher que sofre violência doméstica a retornar ao convívio com seu agressor, tais como: falta de recursos para manter-se, moradia, filhos menores, medo de sofrer retaliação, dentre outros fatores emocionais e materiais que a desencorajam a abandonar a situação de risco.

Como delineado, a sociedade vem mudando, se desenvolvendo e se tornando mais aberta a novos comportamentos e tipos de relacionamentos, inclusive quanto a participação efetiva da mulher em diversas áreas de atividades. Porém, há um antagonismo ou retrocesso quando se trata de violência doméstica contra a mulher, ou seja, o homem ainda não consegue lidar com a mulher em condições de igualdade, em um relacionamento de respeito, colaboração e cumplicidade.

A violência doméstica é um fenômeno mundial, que sempre esteve presente em todas as culturas e etnias, em nações mais e menos desenvolvidas, em todas as economias e regimes políticos, ocorrendo em maior ou menor intensidade em diferentes épocas, mas nunca deixou de existir. (SAGIM et al., 2005).

 Ao que parece, o problema maior é que não se tem dado a devida importância ao problema e, por isso, está enraizado e vem acompanhando o desenvolvimento social, sem que seja extirpado completamente.

A violência pode ter diferentes conotações. Etimologicamente, segundo o Dicionário Michaellis (2009), violência refere-se a:

“1 Qualidade de violento. 2 Qualidade do que atua com força ou grande impulso; força, ímpeto, impetuosidade. 3 Ação violenta. 4 Opressão, tirania. 5 Intensidade. 6 Veemência. 7 Irascibilidade. 8 Qualquer força empregada contra a vontade, liberdade ou resistência de pessoa ou coisa. 9 Constrangimento, físico ou moral, exercido sobre alguma pessoa para obrigá-la a submeter-se à vontade de outrem; coação. (…)”

No entanto, a definição de violência depende do que é assim considerado por uma sociedade ou cultura, ou seja, o que é considerado um ato violento para uma pode não o ser para outra, assim como também depende do momento histórico. De maneira geral, a violência é um emaranhado e dinâmico fenômeno bio-psico-social, que surge e de desenvolve na vida em sociedade. Além disso, não é parte integrante da natureza humana e que não apresenta raízes biológicas. (MICHAUD, 1989)

Em geral, quando se trata de violência, se remete ao uso indiscriminado da força física contra alguém com a finalidade de praticar ato lesivo a sua integridade física ou moral, para fins diversos (roubar, agredir, torturar, humilhar, dominar, destruir, ferir ou provocar a morte). (ROJA, 1997)

A violência, então, denota o emprego de força bruta ou instrumentos para agredir alguém visando obter algo que a vítima não pretende dispor ou que não deseja, ou mesmo impor sua opinião pelo uso da força física. Assim, a característica principal da violência é a brutalidade, o abuso, a agressão, o constrangimento e o desrespeito contra alguém.

Em se tratando da violência contra mulher, pode-se afirmar que se refere ao ato brutal que provoca danos e sofrimentos, relacionado ao corpo da vítima, podendo ter conotação física, sexual e/ou psicológica, bem como ameaças, coerção, privação de liberdade, afetando sua vida pública ou privada. (BRASIL, 1999)

A Organização das Nações Unidas procurou unificar os critérios para definir o que é exatamente a violência contra a mulher, como segue:

“Violência contra a mulher, se refere a todo ato de violência que tenha e que possa ter como resultado um dano como o sofrimento físico, sexual ou psicológico para a mulher, inclusive as ameaças e seus atos de coação, ou a privação arbitrária de sua liberdade, tanto que se procedam em sua vida pública ou privada.” (ONU, 1993).

Como mencionado, a violência tem sido bastante alardeada pela mídia, gerando grande visibilidade, tanto porque há mais mulheres tendo a coragem de denunciar, ou mesmo porque esse tipo de ato contra a mulher esteja mais arraigada em todas as esferas sociais. Os fatos demonstram que a violência contra a mulher tem ocorrido por motivos fúteis, mas com graves danos emocionais e físicos para as vítimas.

Entretanto, a violência contra a mulher se caracteriza por um confronto direto com os Direitos da Pessoa, cujas principais conseqüências são: opressão, pânico, medo, insegurança, sensação de abandono, depressão, além da tortura psicológica, humilhação e perda da liberdade.

A violência doméstica provoca constrangimento, pois, conforme Saffioti (1997, p. 53), a família é considerada:

“[…] um ninho de afeto, as pessoas sentem-se envergonhadas de admitir, mesmo para amigos, que um membro de sua família prática violência. Assim, qualquer que seja a modalidade de violência, geralmente se forma em torno dela uma conspiração do silêncio. Ninguém fala sobre o assunto.”

A família é considerada a célula mater da sociedade e um espaço sagrado, onde se formam os valores, e onde seus integrantes (pais, filhos, marido, mulher, companheiros), normalmente, mantém um vínculo de amor e amizade. Quando este vínculo se rompe, seu efeito atinge todos os seus membros, inclusive aqueles que mantém vínculos de parentesco (avós, tios, primos, sogros etc).

O ideal socialmente aceito de família parte do princípio de que duas pessoas, movidas pelo desejo de compartilhar suas necessidades e desejos mútuos, celebram um pacto de união, com a finalidade de viver em condições de igualdade, respeito, deveres e cumplicidades.

Entretanto, no dia a dia das pessoas costumam ocorrer conflitos, cuja solução imediata depende da maturidade e disposição dos envolvidos na retomada do equilíbrio. Quanto isso não ocorre, o espaço familiar torna-se propício a diversos tipos de violência, prevalecendo o interesse do membro mais forte, que pode ser no aspecto físico, mas, principalmente, no econômico.

Nesse contexto, a mulher costuma ficar em desvantagem, tanto pelo aspecto social, pela discriminação, quanto econômico, devido a, geralmente, o homem ser o mantenedor e quem mais comete os abusos.

Mesmo havendo a proteção legal, raramente a mulher se defende, preferindo se acomodar à situação, visando uma suposta proteção dela e dos filhos, em relação a moradia, sustento e evitar os constrangimentos perante a sociedade.

Por outro lado, a mulher que resolve denunciar, muitas vezes, não encontra amparo entre os familiares e na sociedade para que possa recomeçar sua vida, não encontrando outra opção senão retornar ao convívio com o companheiro agressor. E, assim, formando um ciclo de agressões interminável, ou pior ainda, com a morte ou lesões graves, como foi o caso de Maria da Penha, a mulher que se tornou símbolo da Lei que recebeu seu nome, que hoje se encontra em uma cadeira de rodas.

Há, ainda, aquelas mulheres que, além não de reagirem às agressões, procuram manter uma aparência de que tudo vai bem, ou porque se acostumaram com a situação, ou porque acham que reivindicar seus direitos seria vergonhoso. Isso ocorre até mesmo com mulheres das classes mais abastadas, as quais, ao invés de denunciar as agressões, preferem procurar terapeutas para tentar solucionar seus problemas.

Este tipo de comportamento retira da mulher sua liberdade e individualidade, além da sua autoestima. Para as feministas, tudo começa quando a mulher aceita a mudança de nome no ato do casamento civil, quando ela deixa de ser uma senhorita para receber o respeitoso título de “senhora”. Porém, esta nova condição, ao contrário de significar maior honra e respeito, na verdade, a torna propriedade do homem. Além disso, suas responsabilidades em relação ao lar e à família consomem todo o seu tempo, levando-a a esquecer-se de si mesma e das próprias necessidades.

Mesmo entre as mulheres que se sentem insatisfeitas por reconhecerem que são objeto de diversos tipos de violência, isso não as leva a reagir mediante agressões físicas sofridas dentro do lar. E isto está a todo o momento estampado nas mídias, demonstrando que, apesar do maior acesso à informação e liberação feminina, a violência doméstica ainda é uma realidade em muitos lares.

Desse modo, observa-se a necessidade de estudos mais aprofundados que busquem entender as variáveis desta problemática, que, ao que tudo indica, ao invés de diminuir, parece estar aumentando.

Por outro lado, não se pode deixar de mencionar que a mulher tem conquistado a igualdade de direitos em relação aos homens, o que também tem acarretado numa mudança de comportamento nas relações entre sexos. Antigamente, os meninos eram ensinados que não deviam bater nas meninas, e que “em mulher não se bate nem com uma flor”. Porém, hoje, até mesmo as mães e pais de meninos chegam a recomendar que, se agredidos por uma menina, também podem bater. Assim, trazendo uma nova conotação, ou seja, que homem pode agredir uma mulher.

Segundo Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres[1] no Brasil (2013, p. 1):

“O machismo ainda é um dos grandes causadores das agressões contra as mulheres. (…)

Homens e mulheres não são educados como iguais. Ainda vivemos uma desigualdade de gênero muito forte. Se a mulher não corresponde aos desejos do homem, ele pode discipliná-la. Por isso é tão importante o empoderamento feminino”.

Por isso, em 2014, a ONU Mulheres lançou a campanha mundial Pequim+20 “Empoderar Mulheres. Empoderar a Humanidade. Imagine!” E, assim, remetendo à ideia de que a mulher somente poderá ser realmente respeitada quando estiver em condições de igualdade em relação ao homem, especialmente nas questões de poder.

Um exemplo recente do machismo e que prevalece na sociedade e sua relação com as agressões contra as mulheres é apresentado em artigo publicado pela Carta Capital, em 14.12.2014, pelo jornalista Deutsche Welle, em trecho transcrito a seguir:

“Declarações como a do deputado federal Jair Bolsonaro dificultam conscientização. Para especialistas, machismo é a principal causa dessa violência. Número de agressões continua elevado.

As declarações ofensivas do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS) durante um discurso na Câmara nesta quarta-feira 10 voltaram a causar indignação e levaram quatro partidos – PT, PC do B, PSOL e PSB – a pedir a cassação do parlamentar.

Durante o discurso, Bolsonaro afirmou que só não estupraria a colega porque ela "não merecia". Atitudes como a do deputado contribuem para perpetuar o machismo e a violência contra a mulher, ainda bastante presentes no país.

 Em 2014, casos de abuso sexual a mulheres no transporte público e o incentivo a esse assédio em uma página no Facebook causaram revolta no Brasil. O fato mostra como a violência contra a mulher continua presente em espaços públicos e privados. (…)” (WELLE, 2014, p.1)

Em pleno século XXI, a violência doméstica contra a mulher representa um grave problema de saúde pública e social, gerando prejuízos às vítimas, famílias, sociedade e, também, econômica, em relação ao aumento das despesas nos serviços de saúde e assistência social.

Segundo Heise (1995), a violência contra a mulher pode ser de diferentes tipos e, por isso, de difícil denominação.

A violência contra a mulher costuma ocorrer em todos os níveis econômicos ou sociais, como afirma Heise (1994):

“A violência presente nas relações de gênero é um sério problema de saúde para as mulheres em todo o mundo. Para se ter como exemplo, a violência doméstica e o estupro são considerados a sexta causa de anos de vida perdidos por morte ou incapacidade física em mulheres de 15 a 44 anos – mais que todos os tipos de câncer, acidentes de trânsito e guerras. Assim, o reflexo desse problema é nitidamente percebido no âmbito dos serviços de saúde, seja pelos custos que representam, seja pela complexidade do atendimento que demanda)”. (HEISE, 1994 apud VIEIRA et al., 2013, p. 1)

O Mapa Brasileiro de Violência, baseado em informações fornecidas pelo Ministério da Saúde, o Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA) e da Escola Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), publicou a ocorrência de mais de 4.500 homicídios femininos em 2011, principalmente entre mulheres com idades de 15 a 24 anos. De acordo com o "Mapa da Violência", o Brasil ocupa a sétima posição no mundo em termos de homicídios femininos. (CEBELA, 2013)

No Brasil, a cada 15 segundos uma mulher é violentada, sendo que 70% dos crimes contra a mulher ocorrem no lar e, geralmente, o agressor é o próprio marido ou companheiro. Destes números, 40% dos atos violentos envolvem lesões corporais graves, em consequência de agressões físicas, que desencadeiam em um impacto de 10,5% do PIB (Produto Interno Bruto), referentes a despesas com o sistema de saúde, policiamento, sistema jurídico e órgãos de apoio e atenção à mulher. (PEREIRA, 2006)

Independentemente da faixa etária, a localização mais comum para a ocorrência de violência contra as mulheres no Brasil é a própria residência da vítima. Enquanto a taxa de ocorrência no ambiente doméstico é de 71,8%, a taxa de ocorrência em áreas públicas é de apenas 15,6%, segundo dados de 2010. (FIÚZA, 2011)

Ao longo dos últimos trinta anos, tem havido um aumento de 230% no número de mulheres vítimas de assassinato no Brasil, e na última década cerca de 43,7 mil mulheres foram assassinadas. Segundo Waiselfisz (2012, p.1), “de 2001 a 2011, o índice de homicídios de mulheres aumentou 17,2%, com a morte de mais de 48 mil brasileiras nesse período.”

Com relação aos tipos de violência, a violência física é predominante, representando 44,2% da violência total, seguida pela violência psicológica e sexual, o que corresponde a 20,8% e 12,2%, respectivamente.

As mortes resultantes de violência doméstica cresceu até 1996, permanecendo relativamente constante até 2006. Em 2007, o ano em que a Lei Maria da Penha foi promulgada, a taxa diminuiu ligeiramente, embora tenha aumentado novamente em 2008, 2009 e 2010.

Os dados estatísticos também revelam que a residência é o lugar mais inseguro para a mulher, uma vez que 48% das mulheres agredidas declaram que a violência ocorreu em sua própria residência; enquanto apenas 14% dos homens declararam sofrer agressões no interior de suas casas (PNAD/IBGE, 2009).

Pesquisa do Instituto Avon, em parceria com o Data Popular, em novembro de 2014, indica que 3 em cada 5 mulheres jovens já sofreram violência em relacionamentos. Além disso, 56% dos homens admitiram que já cometeram algum tipo de agressão, tais como: xingamentos, empurrões, agressão verbal, tapa, soco, impedimento de sair de casa e obrigou a mulher a fazer sexo. (COMPROMISSO E ATITUDE, 2015)

Outros dados do Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher, da Secretaria de Políticas ´para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), apontam que

“77% das mulheres que relatam viver em situação de violência sofrem agressões semanal ou diariamente. Em mais de 80% dos casos, a violência foi cometida por homens com quem as vítimas têm ou tiveram algum vínculo afetivo: atuais ou ex-companheiros, cônjuges, namorados ou amantes das vítimas. (…)

Em comparação a 2013, o Ligue 180 registrou, em 2014, aumento de 50% nos registros de cárcere privado de mulheres, uma média de 2,5 registros/dia. No caso de estupros denunciados, o aumento foi de 18%, uma média de três denúncias/dia. A violência sexual contra a mulher, que inclui estupros, assédios e exploração sexual, cresceu 20% em 2014, uma média de quatro registros/dia”. (COMPROMISSO E ATITUDE, 2015, p.1).

No Brasil, uma abordagem mais séria contra a violência doméstica foi feita com a promulgação da Lei n. 10.884, em 2004, que alterou o artigo 129 do Código Penal para incluir crimes de agressão contra um parente, cônjuge ou alguém que compartilha a mesma residência, sendo aplicada uma pena de seis meses a um ano de prisão. Esta lei criminaliza a violência doméstica.

3.1 A Lei Maria da Penha

Por muito tempo, as Casas-Abrigo e as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) eram as únicas iniciativas governamentais para defesa das mulheres contra a violência doméstica. Porém, em 2003, foi criada a Secretaria de Políticas para as Mulheres/Presidência da República, sendo ampliadas as políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres. Assim, assegurando a prevenção, bem como os direitos da mulher, com a responsabilização dos agressores. (LOPES, 2011)

Em 2006, o Brasil aprovou a Lei n. 11.430, denominada Lei Maria da Penha, cujo principal objetivo é a proteção completa de mulheres de todos os tipos de violência.

A promulgação da Lei Maria da Penha ampliou a assistência às mulheres em situação de violência, incluindo, além dos abrigos e as DEAMs, uma rede de atendimento, composta por centros de referência da mulher, defensorias da mulher, promotorias da mulher ou núcleos de gênero nos Ministérios Públicos, juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher, Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), dentre outros. (LOPES, 2011)

 A ideia de uma rede de enfrentamento à violência contra as mulheres envolve uma atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, não-governamentais e a comunidade, com a finalidade de desenvolver estratégias para a prevenção e políticas que assegurem “o empoderamento das mulheres e seus direitos humanos, a responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em situação de violência.” (LOPES, 2011, p.8).

A rede de atendimento contempla um conjunto de ações e serviços de diferentes setores, tais como; assistência social, justiça, segurança pública e saúde, visando a melhoria da qualidade do atendimento, identificação e encaminhamento adequado das mulheres que vivem em condição de violência, bem como um atendimento integral e humanizado.

A rede de enfrentamento pretende fazer frente à complexidade que envolve a violência contra as mulheres, mediante uma visão multidimensional da questão, que envolve diversas áreas. (LOPES, 2011)

 A Lei Maria da Penha contém uma provisão cível, medidas de proteção especiais e disposições processuais penais. Do ponto de vista legislativo, é um passo importante em termos de proteção dos direitos das mulheres. A Lei Maria da Penha foi criada após um longo processo de lutas e esforços por parte de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica e ativista dos direitos das mulheres, bem como juristas, organizações sem fins lucrativos e outros agentes sociais.

A Lei Maria da Penha aumentou a pena para os casos em que o crime é cometido por marido, companheiro ou alguém que partilha a casa, de 3 meses a 3 anos de prisão, a ser aumentada em um terço em casos de grave dano.

A Lei Maria da Penha amplifica a definição de violência para incluir violência sexual, física, psicológica, moral e econômica, trazendo-a, assim, em consonância com a Convenção Interamericana que visa Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher ("Convenção de Belém do Pará"), que o Brasil adotou em 1994. A Lei Maria da Penha também está fundamentada na Constituição Federal, artigo 226, parágrafo 8, que afirma que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos seus membros, criando mecanismos para coibir a violência no seio da família."

Importante destacar que a Lei Maria da Penha limita-se à violência doméstica e familiar. De acordo com o artigo 5º da Lei Maria da Penha, um ato de omissão por parte do agressor é considerado como um crime. O artigo 5º também protege lésbicas, uma vez que destina-se a todas as mulheres, independentemente da orientação sexual.

O artigo 6º da Lei Maria da Penha reconhece expressamente que a violência contra as mulheres trata-se de uma violação aos direitos humanos.

Outras inovações trazidas por esta lei incluem a criação de tribunais específicos de violência doméstica, proibição de sanções pecuniárias para os agressores, a possibilidade de concessão de medidas urgentes, a possibilidade de ações que estão sendo considerados como tendo ambos um caráter civil e criminal, e alterações do Código de Processo Penal, Código Penal, Lei de Execução Penal, bem como as normas civis.

Para que a lei seja efetivamente aplicada há passos necessários que devem ser implementadas, como a articulação dos Três Poderes da República, os investimentos em infra-estrutura adequada para atender a demanda ea formação de equipes multidisciplinares compostas por profissionais especializados para auxiliar em casos complexos.

Uma análise da distribuição dos tribunais brasileiros revela desproporcionalidade significativa na estrutura judicial presente entre os estados e regiões. Por exemplo, o Distrito Federal, com uma população de 2.609.977 habitantes, possui 10, ao passo que os Estados do Rio Grande do Sul e Paraná, com população quase cinco vezes maior (10.732.770 e 10.512.152, respectivamente), têm apenas um. (SINDEPOL, 2015)

A avaliação parcial realizada pelo Conselho Nacional Judicial (Conselho Nacional de Justiça – CNJ), quanto à aplicação da Lei Maria da Penha, revelou que a partir de julho de 2010, dentro de tribunais especializados em violência doméstica, havia 331.379 processos. Desse total, as decisões foram feitas em 111 mil desses processos, resultando em 9.715 prisões, sendo 1.577 prisões preventivas. Estes dados, apesar de incompletos devido ao fato de que o CNJ ainda carece de informações pormenorizadas sobre todos os tribunais e os sistemas judiciários especializados, contribui para a compreensão da eficácia da presente lei que ajuda as mulheres a evitar as agressões e pune seus agressores. (SINDEPOL, 2015)

A principal vantagem da Lei Maria de Penha é que torna a violência contra as mulheres especificamente mais visíveis e, assim, confronta todas as formas de opressão e agressão sofridas pelas mulheres.

De acordo com um estudo publicado pelo Senado brasileiro em março de 2013, apesar do fato de que as mulheres concordam que a violência tem aumentado entre os anos de 2009 e 2013, o estudo concluiu que as mulheres estão mais conscientes sobre a lei Maria da Penha e se sentem mais protegidas após sua criação.

Em 2013, foi levado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 6622/13, do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que tipifica como hediondo o crime de feminicídio, bem como tipifica o crime de violência psicológica contra a mulher. O projeto visa alterar o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) e a Lei de Crimes Hediondos (8.072/90). (HAJE, 2013)

Este projeto foi sancionado em 09.03.2015 pela presidente Dilma Roussef, sendo tipificada o feminicídio, representando um valioso instrumento de proteção aos direitos e à integridade da maioria da população brasileira, que, de acordo com o Censo do IBGE (2010) é do sexo feminino.

Deste modo, a legislação brasileira também define como crime hediondo a morte violenta de mulheres por razões de gênero. Tal conceito surgiu na década de 70 para dar maior notoriedade à discriminação, opressão e desigualdade contra as mulheres, que, em muitos casos, termina em morte.

4 TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS INTERNACIONAIS E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Normalmente, todo ser humano busca ser respeitado e considerado pelos demais, e pela sociedade em que vive. Os valores morais, como forma de designar o bem e o mal, é requerido pela sociedade. Naturalmente, de acordo com as diferentes culturas, as noções de moral podem ser diferentes, porém, alguns conceitos são fundamentais a todos os homens.

A liberdade pessoal é indispensável, fundamental e necessária para todos e em tudo o que é moralmente lícito.

O Estado tem o direito de vigiar, de exercer o poder de polícia, e o dever de promoção, garantindo a liberdade de pensamento e por conseqüência da própria liberdade pessoal.

Por força constitucional, a pessoa humana tem que conviver, com liberdade e autonomia de organização, como pressuposto e garantia da liberdade de expressão, de cátedra, de pluralismo de ideias, de liberdade das artes e ciências, dentro de padrões morais e éticos que respeitem a dignidade do homem e, como diz João Paulo II, na Encíclica Centesimus Annus, “que respeitem o seu direito de amadurecer a sua inteligência e liberdade na procura e no conhecimento da verdade.” Só assim se poderão preparar homens para construir uma sociedade mais justa.

Devido à indivisibilidade dos direitos humanos, a violação aos direitos econômicos, sociais e culturais propicia a violação aos direitos civis e políticos, uma vez que vulnerabilidade econômica-social leva à vulnerabilidade dos direitos civis e políticos. Acrescente-se ainda que este processo de violação dos direitos humanos alcança prioritariamente os grupos sociais mais vulneráveis.

Para a consolidação da Democracia, torna imprescindível a construção de um novo sistema político-econômico, que seja capaz de assegurar um desenvolvimento sustentável, mais igualitário e democrático, nos planos local, regional e global.

Interessante observar a lição de Hanna Arendt, citada por Flávia Piovesan (2000, p. 90), que definiu a “cidadania como o pertencimento a uma comunidade disposta e capaz de lutar pelos direitos de seus integrantes, como o “direito de ter direitos”.

Infelizmente, devido a não existência de uma cidadania internacional, os direitos humanos não encontram amparo no mundo globalizado, que dita suas próprias regras, aumentando a população excluída, com o aumento crescente da pobreza.

Vivenciamos tempos cada vez mais marcados pela relação entre Estados, regiões e instituições internacionais, havendo, então, a urgente necessidade de se aperfeiçoar as normas vigentes nos Estados, a nível nacional e internacional, de forma a fazer valer os princípios fundamentais da dignidade humana, dentre os quais o respeito aos direitos humanos e a democracia se apresentam como única alternativa de justiça para que esse mundo cada vez mais globalizado, atenda às necessidades dos povos, incluindo e não marginalizando.

O primeiro passo parece que já está sendo dado: mediante o reconhecimento de que o processo de globalização trouxe diversos aspectos positivos, não se contava com tantos efeitos negativos. É necessário haver uma atenuação de tais efeitos em curto prazo, a fim de garantir que as gerações futuras não sofram ainda mais prejuízos com uma política econômica que não se sintoniza a direitos fundamentais há muito reconhecidos.

Ao proclamar os direitos humanos para todas as pessoas, estabelecendo-os como uma meta a ser atingida por todos os povos e todas as nações, a Declaração Universal dos Direitos Humanos se manifesta como um avanço no tratamento universalizante das questões relacionadas aos direitos humanos e às suas violações.

Através da Declaração o discurso dos direitos humanos toma forma e conteúdo mais precisos, passando a ser cada vez mais representativo nos âmbitos político e jurídico. Por discurso de direitos humanos entende-se todo o conjunto de instrumentos, técnicas, princípios e normas que, tanto na esfera política como na esfera jurídica, possibilitam modificar a realidade existente para a constituição de uma nova, possibilitando que as relações entre as pessoas e entre estas e os Estados ocorram racional e pacificamente.

A Declaração dos Direitos Humanos fundamenta-se no 'reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis' e tendo esse reconhecimento como 'fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo' (preâmbulo).

Nuances remotas da Declaração da ONU de 1948 são encontradas, de um lado, no direito internacional e no direto humanitário dos séculos XVIII e XIX e, de outro em dois documentos relacionados, um ao processo histórico de mudança de poder da França e o outro, à instituição de poder ligada à formação do Estado norte-americano, a saber, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 e a Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776.

A Declaração Francesa veio afirmar como dado aspectos culturais que ainda deveriam ser construídos, qualificando como direitos naturais a liberdade, a propriedade e a igualdade em direitos. Tais direitos não eram, de fato, naturais, e eram acessíveis a uma minoria, posto que a estruturação da sociedade em estamentos apenas acabara de ser abolida.

Diferentemente da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que se estende a todas as pessoas, mas sem originariamente caráter vinculante, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 integra o direito positivo francês – vigorando até a atualidade, ao lado da Constituição francesa.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, como observa Eric Hobsbawn (1996, p. 20): “é um manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios da nobreza, mas não um manifesto a favor de uma sociedade democrática e igualitária”.

Para Hobsbawn (1996), as intenções que nortearam a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão se diferenciam em sentido e extensão da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas, uma vez que o texto escrito se desprende de seu contexto, hoje vemos a Declaração Francesa de 1789 adequando-a ao nosso tempo.

A Declaração Francesa, a Declaração de Direitos da Virgínia e a Declaração de Independência Americana foram importantes para o desenvolvimento dessas idéias especialmente dentro dos Estados, porém o mesmo não ocorre de maneira direta para o direito internacional dos direitos humanos. A origem da proliferação dos documentos internacionais de proteção de direitos humanos está, principalmente, nos tratados internacionais bilaterais e multilaterais para a abolição da escravatura e do comércio de escravos, assim como nas normas de direito humanitário para o banimento de armas cruéis e para a salvaguarda de prisioneiros de guerra, de feridos e de civis. (Lewandowski, 1984)

Segundo Piovesan (2000), as normas de Direito Humanitário começam a surgir no século XIX, para disciplinar o tratamento das vítimas em conflitos armados, a proteção humanitária aos militares postos fora de combate (feridos, doentes, náufragos, prisioneiros) e às populações civis.

A Liga das Nações, materializada no Tratado de Versalhes, de 28 de junho de 1919, ao final da Primeira Guerra Mundial, abriu caminho para a proteção, de forma mais ampla, aos direitos de pessoas, prevendo, também, o direito de petição à Liga, reconhecido às populações dos Estados membros. (Truyol y Serra, 1977)

Este é o período a partir do qual o direito internacional deixa de ter por objeto, com poucas exceções, a relação somente entre Estados, passando a tratar, também, das pessoas e de seus direitos relacionados à dignidade humana. Observa-se, entretanto, que os tratados sobre minorias celebrados sob a égide da Liga das Nações eram impostos seletivamente, em especial sobre nações derrotadas em guerras e sobre Estados recém criados ou ampliados. Tais documentos não previam normas gerais impondo o respeito às minorias também por parte dos Estados com maior poder, assim como não asseguravam respeito às pessoas que não pertenciam às minorias especificadas ou maioria da população.

Com a criação da Organização das Nações Unidas — ONU, na Carta de São Francisco, em 1945, a proteção e promoção internacionais dos direitos humanos se converte em princípio jurídico de direito internacional. A Carta de São Francisco ou Carta das Nações Unidas consiste em tratado internacional, vinculando juridicamente, portanto, todos os Estados que fazem parte da ONU. Desse modo, todos os Estados membros devem dar cumprimento ao princípio do "respeito universal aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção por motivos de raça, sexo, idioma ou religião".

De fato, o artigo 1º da Carta coloca como propósitos das Nações Unidas, "conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais", sem qualquer distinção. Tratam da questão da proteção e promoção dos direitos humanos o artigo 1º, itens 2 e 3, artigos 13, 55 e 56.

A importância dada pela Carta à matéria é revelada com especial força no artigo 55, que vem vincular o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e liberdades fundamentais como necessário à criação de condições de estabilidade e bem-estar, que, por sua vez, são necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as nações, estando tais relações fundadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos.

 A Declaração dos Direitos Humanos trouxe a valiosa contribuição de tornar a promoção desses direitos um objetivo da ONU e, sobretudo, expande a relação entre os Estados e seus habitantes para esfera internacional.

O detalhamento de direitos humanos, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos traz, constitui a primeira iniciativa de enumeração de direitos humanos no âmbito do direito internacional e institui, sobretudo, como aponta Flávia Piovesan (2000, p. 156):

“(…) extraordinária inovação, ao conter uma linguagem de direitos até então inédita …. Ao conjugar o valor da liberdade com o valor da igualdade, a Declaração demarca a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual esses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e indivisível”.

A Declaração expressa, a um só tempo, o discurso liberal dos direitos civis e políticos, nos artigos 3º a 21, com o discurso social dos direitos econômicos, sociais e culturais, nos artigos 22 a 28, que demonstram-se essencialmente necessários para que direitos civis e políticos possam ser realmente efetivos.

Os direitos humanos, nos dizeres de José Afonso da Silva (1994, p. 166):

“(…) são históricos, como qualquer direito. Nascem, modificam-se e desaparecem. Eles apareceram com a revolução burguesa e evoluem, ampliam-se com o correr dos tempos. Sua historicidade rechaça toda fundamentação baseada no direito natural, na essência do homem ou na natureza das coisas.”

A dimensão histórica dos direitos humanos relaciona-se à noção de pessoa, em sua concreção social e histórica.

Quanto à importância da cultura para a construção dos direitos humanos, Boaventura de Souza Santos (1997, p. 112) propõe uma concepção multicultural de direitos humanos. O autor observa que:

“(…) concebidos como direitos humanos universais, os direitos humanos tenderão a operar como localismo globalizado — uma forma de globalização de cima-para-baixo. Para poderem operar como forma de cosmopolitismo, como globalização de-baixo-para-cima ou contra-hegemônica, os direitos humanos têm de ser reconceptualizados como multiculturais. … O conceito de direitos humanos assenta num bem conhecido conjunto de pressupostos, todos eles tipicamente ocidentais, designadamente: existe uma natureza humana universal que pode ser conhecida racionalmente; a natureza humana é essencialmente diferente e superior à restante realidade; o indivíduo possui uma dignidade absoluta e irredutível que tem que ser defendida da sociedade ou do Estado; a autonomia do indivíduo exige que a sociedade esteja organizada de forma não hierárquica, como soma de indivíduos livres.”

Sobre essa questão, Boaventura de Sousa Santos prossegue, alertando que:

“(…) contra o universalismo uniformizante deve se proceder a ‘diálogos interculturais’ sobre ‘preocupações isomórficas’, de forma a se buscar por "valores ou exigências máximos” e não por valores ou exigências mínimos. A advertência freqüentemente ouvida hoje com novos direitos ou com concepções mais exigentes de direitos humanos é uma manifestação tardia da redução do potencial emancipatório da modernidade ocidental à emancipação de baixa intensidade, possibilitada ou tolerada pelo capitalismo mundial. Direitos humanos de baixa intensidade como o outro lado de democracia de baixa intensidade”. (SANTOS, 1997, p. 114)

O estabelecimento de um verdadeiro diálogo intercultural voltado à conjunção dos valores máximos de cada cultura permitirá a construção de um discurso dos direitos humanos hábil a implementar a efetividade da dignidade humana, conferindo conteúdo material aos direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Tecnicamente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem é uma recomendação, que a Assembleia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros (Carta das Nações Unidas, artigo 10). Nesta condição, costuma-se sustentar que o documento não tem força vinculante. Por essa razão, a Comissão de Direitos Humanos concebeu-a, originalmente, como etapa preliminar à adoção de um pacto ou tratado internacional sobre o assunto.

Entretanto, hoje devemos reconhecer que a vigência dos direito humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente porque se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não. A doutrina jurídica contemporânea distingue os direitos humanos fundamentais, na medida em que estes últimos são justamente os direitos humanos consagrados pelo Estado como regras constitucionais escritas, inclusive no âmbito do direito internacional.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os ideais de respeito aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana foram ratificados em tratados assinados por diversos países, dentre os quais o Brasil e a Itália. A liberdade e a igualdade entre homens e mulheres são considerados universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados.

Desse modo, a efetivação da cidadania vincula-se ao respeito aos direitos humanos, o que envolve as relações entre as pessoas, de maneira democrática e igualitária, visando a participação, desenvolvimento e igualdade.

Destaca-se, assim, a necessidade de se favorecer a participação efetiva da mulher na sociedade, para que possa conquistar sua cidadania, ou seja, dar condições para que a mesma possa ter igualdade de oportunidades e de respeito, em relação aos homens.

Este artigo demonstrou que a violência doméstica contra mulheres está bastante atrelada a desigualdade social e econômica da mulher em relação aos homens, por ainda vivermos em uma sociedade patriarcal, que não respeita a mulher como sujeito de direitos.

Esta realidade está presente na sociedade brasileira e também na italiana, pois ambas apresentam índices alarmantes de violência doméstica contra as mulheres, muito embora esses países tenham leis de proteção que asseguram os direitos das mulheres, com normas punitivas em relação aos seus agressores.

No entanto, a questão parece estar mais atrelada ao cunho social e cultural. Apesar dos grandes avanços no reconhecimento de leis e tratados em favor da igualdade e respeito aos direitos humanos, as mulheres ainda são bastante discriminadas.

Tanto no Brasil, quanto na Itália, as leis ainda não são suficientes para conter a violência doméstica contra as mulheres, o que reforça a ideia de que são necessárias medidas e políticas sociais mais efetivas em favor do direito das mulheres, em consonância aos direitos humanos e o princípio da dignidade da pessoa humana.

Por sua vez, a sociedade precisa ser estimulada a refletir sobre o papel da mulher, o que exigirá mudanças profundas na visão equivocada há muito arraigada, mas que se perpetua, de maneira antagônica ao ideal de uma sociedade justa e igualitária.
 

 

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Notas

[1] Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres.


Informações Sobre o Autor

Karla Ingrid Pinto Cuellar

Advogada, Doutora em Direito Público, Mestre em Direitos Fundamentais, Especialista em Direito Público, Professora Universitária da UFPR – Setor Litoral


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Equipe Âmbito Jurídico

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