É voz corrente a importância da água na sociedade e os sensíveis impactos sociais e econômicos que uma projeção de sua escassez revela.
O bem em comento tem-se ressentido da demanda incontrolada da indústria, da agricultura, do turismo e do uso doméstico, principalmente, nos países ricos, o que tem antecipado a possibilidade de sua severa escassez futura.
Hoje, cerca de 1,4 bilhão de pessoas carecem de água potável e sua utilização está a demandar a existência de uma autoridade capaz de regulamentá-la, em conformidade com os interesses coletivos, harmonizando-os com os interesses particulares.
O mercado, acelerador das desigualdades, não poderia desempenhar tal papel, cabendo aos representantes do povo o dever de tomada de decisões que adotem pontos de vista cooperativos e internacionais para a gestão de um recurso que deve permanecer ou voltar a ser um bem comum da humanidade.
No dia 22 de março de 1992, a Organização das Nações Unidas – ONU instituiu o “Dia Mundial da Água”, oportunidade em que publicou um documento com o título de “Declaração Universal dos Direitos da Água”. Veja-se teor da mesma: “1) A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão, é plenamente responsável aos olhos de todos; 2) A água é a seiva de nosso planeta. Ela é condição essencial de vida de todo vegetal, animal ou se humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura; 3) Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia; 4) O equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este equilíbrio depende em particular, da preservação dos mares e oceanos, por onde os ciclos começam; 5) A água não é somente herança de nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como a obrigação moral do homem para com as gerações presentes e futuras; 6) A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo; 7) A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis; 8) A utilização da água implica em respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado; 9) A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social; 10) O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.”
De lá pra cá, com mais afinco, a ONU e outras entidades vêm discutindo sobre o assunto e propondo medidas e ações com o objetivo de dar racionalidade e eficiência ao uso da água nos diversos países integrantes dessa organização mundial. Em 1997, recomendou que se concedesse prioridade absoluta aos graves problemas de água doce, com que se vêem confrontadas numerosas regiões do mundo. Para isso, foi reconhecido que se faz necessário a colaboração multilateral dos Estados e recursos financeiros adicionais provenientes da comunidade internacional.
Em 2000, a ONU organizou a chamada Cúpula do Milênio, que, dentre outras resoluções, determinou que até 2015 se reduzisse à metade o número de pessoas sem acesso à água potável e em 2002, a Rio+10 – Conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável promovida na África do Sul – propôs a extensão desse compromisso, reduzindo à metade o número de indivíduos sem acesso ao saneamento básico, no mesmo prazo. Todavia, os países que assinaram os dois documentos não definiram como pretendiam cumprir tais metas, nem os valores que desembolsariam para alcançá-las.
Advogada, assessora do Tribunal de Contas do Estado de Goiás – TCE, professora do curso de Direito da Universidade Católica de Goiás – UCG, especialista em Direito Civil e Processo Civil e mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento
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