Quem
milita nas lides forenses em matérias versando essencialmente sobre Direito do
Consumidor, volta e meia depara-se com as mais esdrúxulas afrontas a comezinhas
regras desse monumental microssistema. As
ilegalidades e abusividades são as mais diversas, sempre
tendo alguém para inventar algo que possa, de algum modo, burlar a frágil
estrutura negocial do consumidor que, em sua maioria absoluta, é composto de
pessoas de baixa renda e tirocínio comercial.
Já
há algum tempo, a novel abusivididade atinge, por
mais das vezes, a jovial camada de consumidores que freqüentam as casas e os restaurantes
noturnos. Trata-se da por muito conhecida “cobrança mínima”. Além dos estabelecimentos
comerciais freqüentemente não comunicarem, previamente, o consumidor sobre a cobrança
de serviços extras, outros tantos infringem o Código de Defesa do Consumidor e
cobram taxas ilegais.
Segue
a mesma linha de raciocínio a cobrança, muitas vezes exagerada, pela perda do
cartão de consumação. Ante a transferência da responsabilidade pelo controle de
consumo (que, originariamente, é do estabelecimento comercial), tem o
consumidor sido compelido a pagar valores previamente fixados pelos
fornecedores, em patamares deveras elevados. Às claras, o consumidor não pode
ser obrigado a pagar o montante exigido pela casa nos casos de perda do cartão.
Por
primeiro, cumpre observar que, o artigo 39 do Código de Defesa e Proteção do
Consumidor, explicita claramente que é vedado ao fornecedor de produtos ou
serviços, condicionar o fornecimento de um produto ou de serviço ao de outro,
bem como, sem justa causa, a limites quantitativos (inciso I, in fine).
A
primeira parte desse dispositivo proíbe a chamada “venda casada”, sob o manto
da qual repousa, inexoravelmente, a limitação do fornecimento do produto
através da consumação mínima. A prática, portanto, redunda em prática
totalmente ilícita e abusiva, nos exatos termos do artigo 39 (inciso I, primeira parte). Nenhum fornecedor pode
condicionar a venda de um produto à aquisição de outro; no caso fluente, nenhum
estabelecimento comercial pode condicionar a entrada de um consumidor em seu
recinto ao pagamento de certa quantia mínima, determinando-lhe previamente
quanto tem de gastar. O que se permite é a cobrança fixa de ingresso de
entrada, ou qualquer valor sob rubrica semelhante.
Afora
a abusividade da limitação do fornecimento do
produto, tisnando-a de ilegal pela venda casada, a parte final do inciso I do
artigo 39, de per si, veda a imposição de
limites ao consumo do cliente. Não se pode condicionar a compra a mais nem a
menos, sob pena de afronta a liberdade de contratação e a autonomia da vontade.
O cliente, neste tocante, tem direito de consumidor apenas alguma ínfima
parcela dos produtos vendidos pelo fornecedor, e, em conseqüência, de pagar só
aquilo que consumir. Se a consumação mínima for apresentada para pagamento,
incluída na nota de débito, o consumidor tem todo o direito de se recusar ao
pagamento.
Prevendo,
desde já, que esta recusa ao pagamento pode resultar em imensuráveis transtornos,
então que o consumidor requeira nota fiscal especificando o que foi cobrado a
título de consumação mínima no documento. Ao depois, munido da prova do
pagamento indevido, que se valha o consumidor da ação objetivando o reembolso
do que fora coagido a pagar indevidamente, em dobro.
Outro
aspecto também merece especial relevo: a consumação mínima fomenta o
enriquecimento ilícito do estabelecimento comercial, por permitir-lhe promover
a cobrança de produto ou um serviço não consumido pelo cliente. Se o consumidor,
simplesmente entra no estabelecimento, conversa com amigos, e coloca-se em
retirada, nada ingerindo, ainda assim tem de pagar a “consumação mínima”! Não
há qualquer contraprestação, apenas uma das partes está sofrendo desfalque
patrimonial: o consumidor. O fornecedor nada vende,
nada fornece, mas ainda assim está sendo remunerado. Absurda a proposição!
Logo,
mesmo sem navegar profundamente pelas veredas protecionistas do Código de
Defesa do Consumidor, facilmente se conclui a impossibilidade jurídica dos
estabelecimentos comerciais continuarem promovendo a cobrança da malfadada
“consumação mínima”, posto abusiva e de nenhum efeito.
Eventual montante pago pelo consumidor a tal título,
outorga-lhe o direito à repetição em dobro do que desembolsou, corrigido
monetariamente e acrescido dos juros legais.
Advogado, Escritor e Consultor.
Pós-Graduado em Direito Civil pelo uniFMU.
Membro do IV Tribunal de Ética da OAB/SP.
Autor dos livros Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica e
Arrematação e Adjudicação de Imóvel: Efeitos Materiais.
Autor de dezenas de artigos e trabalhos publicados.
Consultor especializado em ME e EPP.
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