Resumo: O presente trabalho pretende abordar o Princípio da Proteção Integral como filosofia a ser seguida por todos os intérpretes e aplicadores do Direito, de modo que as crianças e adolescente sejam reconhecidos como sujeitos de direitos principalmente no âmbito infracional, em que há risco de restrição e privação de determinados direitos na execução de medidas socioeducativas, em virtude da sua natureza impositiva, sancionatória e retributiva. Para uma análise crítica da utilização do Princípio da Proteção Integral no âmbito do procedimento infracional pelos Tribunais pátrios foi utilizada como parâmetro a recente decisão proferida no HC 346.380-SP pelo Superior Tribunal de Justiça.
Palavras-chaves: Princípio da Proteção Integral; medida socioeducativa; procedimento infracional
Abstract: The present work intends to approach the Principle of Integral Protection as a philosophy to be followed by all the interpreters and applicators of the Law, so that the children and adolescent are recognized as subjects of rights mainly in the infractional scope, in which there is risk of restriction and deprivation of certain rights in the execution of socio-educational measures, by virtue of their tax, sanction and retributive nature. For a critical analysis of the use of the Principle of Integral Protection in the scope of the infraction proceedings by the Courts, the recent decision rendered in HC 346.380-SP by the Superior Court of Justice was used as a parameter.
Key words: Principle of Integral Protection; socioeducative measure; infraction procedure
Sumário: 1Introdução. 2 Manifestações Internacionais em favor das crianças e dos adolescentes. 3 A positivação do princípio da proteção integral no Brasil. 4 O princípio da proteção integral no âmbito infracional. 4.1 O ato infracional. 4.2 As medidas socioeducativas. 4.3 Utilização do Princípio da Proteção Integral na aplicação das medidas socioeducativas. 5 Considerações Finais. Referências.
1. Introdução
A fragilidade das crianças e dos adolescentes é pressuposta, vez que são pessoas ainda em formação. Assim, o Princípio da Proteção Integral busca proteger esta parcela da população, conferindo direitos e privilégios que minuam tal condição.
Os movimentos internacionais se ergueram diante das graves violações aos direitos das crianças e dos adolescentes, marginalizados pela comunidade adulta e entendidos como mero objeto desta, originando declarações e tratados internacionais, os quais elencam princípios, diretrizes e regras e impõem compromissos aos Estados-partes.
Inspirado nestes movimentos, o constituinte de 1988 positivou o Princípio da Proteção Integral, que mais tarde embasou o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Como em todo âmbito infanto-juvenil, no procedimento infracional o princípio Proteção Integral deve nortear a interpretação e aplicação do direito, visto que trata-se de processo cujo resultado final, em regra, será aplicação de medida socioeducativa.
O princípio em estudo dependerá, no âmbito infracional, do reconhecimento do Direito Penal Infanto-juvenil, uma vez que a resposta estatal se revelará na execução da medida socioeducativa, cuja natureza é punitiva e sancionatória, em que pese, com fim educativo.
Apesar de já consagrada a Doutrina da Proteção Integral, ainda se observa na práxis jurídica a adoção de uma visão paternalista, apregoada pelo sistema tutelar, em que o magistrado age conforme sua convicção sem observar os interesses do verdadeiro interessado, por vezes o relegando a mero objeto processual.
Assim, o presente estudo busca realizar uma análise crítica da utilização de princípios garantistas, em especial da Proteção Integral, nas decisões dos Tribunais pátrios, tendo como parâmetro a recente decisão no HC 346.380-SP, no qual o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser possível a imediata execução da medida socioeducativa de internação decorrente de sentença de primeiro grau não transitada em julgado, ainda que o adolescente tenha permanecido em liberdade durante o procedimento.
2) Manifestações Internacionais em favor das crianças e dos adolescentes
Ao longo da história, as crianças e adolescentes vieram a receber a paulatina atenção dos Estados na busca de instrumentos protetivos dos direitos que a eles eram atinentes.
Pode-se dizer que são direitos relativamente novos se lembrarmos que historicamente esse público não era considerado titular de direitos, apenas como uma extensão da família ou uma expectativa para vida adulta.
As crianças e adolescentes são titulares dos direitos humanos, até mais que os próprios adultos. São eles sujeitos de direito, que devem ser protegidos, uma vez que se trata de pessoas em desenvolvimento.
A compreensão de crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento foi uma construção gradativa. Essa é a atual compreensão da comunidade jurídica nacional e internacional.
A primeira normativa internacional a garantir direitos e uma proteção integral às crianças e adolescentes foi a Declaração de Genebra de 1924 que determinava “a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial”.
Esta Declaração foi feita pela União Internacional “Save Children”, contendo os princípios básicos de proteção à infância e trazendo a proposta de que os países deveriam pautar suas atividades de acordo com alguns preceitos básicos.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a Declaração foi ampliada e aprovada pela Assembleia da Sociedade das Nações (MACIEL, 2013).
Desta feita, em 20 de novembro de 1959, a Assembléia Geral, órgão máximo da ONU, aprovou a Declaração Universal dos Direitos da Criança, contendo dez princípios, e aumentando assim, profundamente o direito dos menores.
Assim a Declaração dos Direitos da Criança foi um verdadeiro “Divisor de Águas” na nossa atual legislação de menores, visto que foi a pioneira em consolidar os direitos da criança e do adolescente, teoricamente os dando o apoio e a segurança de que tanto necessitavam em razão de sua qualidade de pessoas em desenvolvimento. Insta mencionar que o Brasil é signatário desta declaração, assumindo internacionalmente o compromisso de garantir e efetivar todos os direitos da criança e do adolescente, efetivando o que mais tarde seria denominado de Doutrina da Proteção Integral.
A proteção integral dispensada à criança e ao adolescente encontra suas raízes mais próximas na Convenção sobre os direitos da Criança de Nova Iorque. Nesse sentido ensina Wilson Donizete Liberati que
“A nova teoria, baseada na teoria da total proteção dos direitos infanto-juvenis, tem seu alicerce jurídico e social na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas, no dia 20.11.89. O Brasil adotou o texto, em sua totalidade, pelo Dec. 99.710, de 21.11.90, após ser ratificado pelo Congresso Nacional (Dec. Legislativo 28, de 14.9.90).” (Liberati, 2004, pág. 16)
Insta mencionar que o texto da Convenção dispõe sobre o reconhecimento da dignidade a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (CHAVES, 1997).
No que diz respeito a proteção integral da criança, em especial na aplicação de medidas socioeducativas, o artigo 40 da Convenção em epígrafe prevê que os Estados devem respeito aos direitos humanos e as garantias legais, tratando as crianças de modo apropriado ao seu bem estar. Vejamos a íntegra do Artigo 40:
“Artigo 40. 1. Os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança a quem se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se acuse ou declare culpada de ter infringido as leis penais de ser tratada de modo a promover e estimular seu sentido de dignidade e de valor e a fortalecer o respeito da criança pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de terceiros, levando em consideração a idade da criança e a importância de se estimular sua reintegração e seu desempenho construtivo na sociedade.
2. Nesse sentido, e de acordo com as disposições pertinentes dos instrumentos internacionais, os Estados Partes assegurarão, em particular:
a) que não se alegue que nenhuma criança tenha infringido as leis penais, nem se acuse ou declare culpada nenhuma criança de ter infringido essas leis, por atos ou omissões que não eram proibidos pela legislação nacional ou pelo direito internacional no momento em que foram cometidos;
b) que toda criança de quem se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se acuse de ter infringido essas leis goze, pelo menos, das seguintes garantias:
I) ser considerada inocente enquanto não for comprovada sua culpabilidade conforme a lei;
II) ser informada sem demora e diretamente ou, quando for o caso, por intermédio de seus pais ou de seus representantes legais, das acusações que pesam contra ela, e dispor de assistência jurídica ou outro tipo de assistência apropriada para a preparação e apresentação de sua defesa;
III) ter a causa decidida sem demora por autoridade ou órgão judicial competente, independente e imparcial, em audiência justa conforme a lei, com assistência jurídica ou outra assistência e, a não ser que seja considerado contrário aos melhores interesses da criança, levando em consideração especialmente sua idade ou situação e a de seus pais ou representantes legais;
IV) não ser obrigada a testemunhar ou a se declarar culpada, e poder interrogar ou fazer com que sejam interrogadas as testemunhas de acusação bem como poder obter a participação e o interrogatório de testemunhas em sua defesa, em igualdade de condições;
V) se for decidido que infringiu as leis penais, ter essa decisão e qualquer medida imposta em decorrência da mesma submetidas a revisão por autoridade ou órgão judicial superior competente, independente e imparcial, de acordo com a lei;
VI) contar com a assistência gratuita de um intérprete caso a criança não compreenda ou fale o idioma utilizado;
VII) ter plenamente respeitada sua vida privada durante todas as fases do processo.
3. Os Estados Partes buscarão promover o estabelecimento de leis, procedimentos, autoridades e instituições específicas para as crianças de quem se alegue ter infringido as leis penais ou que sejam acusadas ou declaradas culpadas de tê-las infringido, e em particular:
a) o estabelecimento de uma idade mínima antes da qual se presumirá que a criança não tem capacidade para infringir as leis penais;
b) a adoção sempre que conveniente e desejável, de medidas para tratar dessas crianças sem recorrer a procedimentos judiciais, contando que sejam respeitados plenamente os direitos humanos e as garantias legais.
4. Diversas medidas, tais como ordens de guarda, orientação e supervisão, aconselhamento, liberdade vigiada, colocação em lares de adoção, programas de educação e formação profissional, bem como outras alternativas à internação em instituições, deverão estar disponíveis para garantir que as crianças sejam tratadas de modo apropriado ao seu bem-estar e de forma proporcional às circunstâncias e ao tipo do delito”.
Como instrumento legal em âmbito internacional a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança é o de maior representatividade nas conquistas e direitos implementados em favor da infância e adolescência.
3) A positivação do princípio da proteção integral no Brasil
Do movimento internacional iniciam-se movimentos sociais no Brasil, em meados de 1980, representativos do Direito da Criança e do Adolescente no cenário jurídico, diante da indignação com a realidade social vivenciada por crianças e adolescentes brasileiros violados na quase totalidade de sua cidadania.
Acerca dos movimentos sociais em prol dos direitos da criança e do adolescente, Kátia Maciel destaca que
“A conjuntura político-social vivida nos anos 1980 de resgate da democracia e busca desenfreada por direitos humanos, acrescida da pressão de organismos sociais nacionais e internacionais, levou o legislador constituinte a promulgar a “Constituição Cidadã” e nela foi assegurado com absoluta prioridade às crianças, adolescentes e ao jovem o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” (Maciel, 2013)
Nesse diapasão, a Constituição Federal de 1988 é o marco legal do princípio da proteção integral da criança e do adolescente no Brasil, positivado mais precisamente o seu artigo 227. Senão vejamos.
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Nas palavras de Antônio do Amaral e Silva e Munir Cury “a Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história brasileira, aborda a questão da criança como prioridade absoluta, e a sua proteção é dever da família, da sociedade e do Estado”.
Ora, a principal mudança trazida pelo constituinte foi conceber a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, comuns e especiais, rompendo com a doutrina até então proclamada de que o menor era objeto de direitos do mundo adulto.
Assim, analisa-se a criança e o adolescente como sujeito de direitos comuns a todos indivíduos e direitos especiais decorrentes da sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento físico e mental. Outra vez a Carta Magna rompe com os paradigmas anteriores e estabelece proteção especial à essa população vulnerável ao mundo adulto. Nesse sentido o §3º do artigo 227 da Constituição da República.
“§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;
II – garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
III – garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
IV – garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;
V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;
VI – estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
VII – programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins.”
No entanto, as disposições genéricas contidas na Constituição da República não foram suficientes para efetivar o princípio da proteção integral, necessitando de uma normativa voltada exclusivamente à criança e ao adolescente. Foi este o apelo da comunidade nacional e internacional, decorrentes das manifestações sobre os direitos da criança.
Nessa direção afirma Munir Cury que
“Se é certo que a própria Constituição Federal proclamou a doutrina da proteção integral, revogando implicitamente a legislação em vigor na época, a Nação clamava por um texto infraconstitucional consoante com as conquistas da Carta Magna.” (Cury, 2008)
Surge então o Estatuto da Criança e do Adolescente, sancionado pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, com entrada em vigor em 12 de outubro de 1990, pormenorizando os direitos da criança e do adolescente e os deveres da família, sociedade e Poder Público para assegurá-los.
Insta mencionar que desde os primeiros artigos o Estatuto em epígrafe deixa transparecer sua base principiológica, qual seja a proteção integral. Segue a íntegra dos artigos 1º e 3º.
“Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.
Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata a lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
Ao longo do Estatuto da Criança e do Adolescente os direitos previstos de forma genérica na Constituição Federal vão sendo afirmados e regulamentados, sempre com objetivo colocar os menores a salvo de toda forma de negligência, discriminação exploração, violência, crueldade e opressão.
De maneira sistemática, o Estatuto em comento organiza seu texto de forma a dispor sobre os direitos fundamentais da criança e do adolescente no Título II. São reconhecidos os seguintes direitos fundamentais: o direito à vida e à saúde (arts. 7º a 14), à liberdade, ao respeito e à dignidade (arts. 15 a 18), à convivência familiar e comunitária (arts. 19 a 52), à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer (arts. 53 a 59) e à profissionalização e à proteção no trabalho (arts. 60 a 69). Além destes outros direitos e garantias podem ser elencados como por exemplo os direitos quando privado de liberdade (artigo 124), direitos processuais assegurado o devido processo legal (artigo 110), e direitos individuais, difusos e coletivos (arts. 208 a 224).
Sobre os direitos fundamentais da Criança e do Adolescente Paulo Lúcio Nogueira comenta que
“Tais direitos devem ser assegurados com absoluta prioridade, justamente em se tratando da criança e do adolescente, pela família, pela comunidade, pela sociedade e pelo Poder Público, devendo todos contribuir com sua parcela para o desenvolvimento e proteção integral do menor.” (Nogueira, 1993)
O princípio da proteção integral não se trata de mais um princípio incorporado na legislação pátria a fim de acalmar os ânimos dos movimentos sociais sem, contudo, implementar os direitos dele decorrentes. Apesar de realidade fática estar em descompasso com a legislação menorista o princípio da proteção integral tem uma importante função, qual seja nortear a interpretação do Estatuto e demais leis em benefício dos menores, havendo a prevalência dos seus interesses, no que diz respeito às condições peculiares destas pessoas, ainda em desenvolvimento.
Merece destaque os ensinamentos de Roberto Elias que dispõe que
“A ênfase que se dá à proteção integral é pertinente, pois não se pode pensar no menor apenas como alguém que precisa ser alimentado para sobreviver, como um simples animal. É deveras importante atentar para o seu desenvolvimento psíquico e psicológico.” (Elias, 1994)
4) O princípio da proteção integral no âmbito infracional
Até a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente a comunidade cunhava a criança ou adolescente em conflito com a lei de “menor infrator”, relacionando-o diretamente com a criminalidade, criando uma verdadeira repugnância a essa população. Essa reação para com essa parcela da população fazia com que estes fossem cada vez mais marginalizados na sociedade.
Em contraposição à “doutrina da situação irregular” e alcunha de “menor infrator”, o Estatuto da Criança e do Adolescente, inspirado nas manifestações internacionais, instituiu a filosofia da Proteção Integral. Desaparece, portanto, o termo “menor infrator” na legislação, substituindo por adolescente em conflito com a lei.
Essa nova filosofia exige uma transformação na cultura e pensamento da sociedade como um todo, onde as crianças e adolescentes deixam de ser enxergados como delinquentes e passam a ser sujeito de direitos e interesses superiores em virtude da condição peculiar de pessoas em formação.
Nesse sentido Guilherme Freire de Melo Barros entende que
“A lei tem o objetivo de tutelar a Criança e o adolescente de forma ampla, não se limitando apenas a tratar de medidas repressivas contra seus atos infracionais.” (Barros, 2012)
Contudo, não basta uma mudança na legislação, tendo em vista que é na sua aplicação que se verifica uma maior transformação da sociedade. Insta mencionar que não é a toa que o constituinte estabeleceu ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a proteção integral das crianças e dos adolescentes, vez que cabem a todos os institutos e segmentos sociais interpretar e aplicar as normas de maneira que prevaleça os interesses do menor, bem como sejam observados seus direitos.
4.1) O ato infracional
A delinquência no seu amplo sentido, que tenha como autor a criança ou o adolescente, vem alargando seus limites e recebe um tratamento diferenciado em relação às infrações praticadas por agentes capazes e imputáveis. Daí advém a preocupação do legislador em estabelecer critérios e princípios acerca dos atos infracionais e também as medidas a serem aplicadas aos menores de 18 anos.
Nesse sentido o § único do artigo 2o do ECA dispõe que “nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos de idade”.
Cumpre ressaltar que o legislador preferiu usar a expressão ato infracional no lugar de infração penal, porque esta expressão poderia ter um sentido pejorativo. Assim, teoricamente, crianças e adolescentes não cometem crimes e contravenções, mas apenas atos infracionais.
Sobre tal questão preceitua SILVA (1992, p. 161): “O menor comete, sim, infração penal, apenas não é processado criminalmente por ser considerado um inimputável sob a ótica do Texto Maior”.
O crime, na definição da maioria dos doutrinadores, é considerado como fato típico, antijurídico e culpável. Assim, devido à inimputabilidade do menor de 18 anos, quando a criança ou adolescente comete uma infração, esta não é considerada como crime, por faltar um dos seus requisitos, qual seja a culpabilidade.
Ou seja, o ato atribuído à criança ou ao adolescente, embora enquadrável como crime ou contravenção, pela sua idade, não constitui tais delitos, mas sim simples ato infracional. A conduta de seu agente não configura uma ou outra daquelas infrações, por se tratar simplesmente de um tratamento que deve ser diferenciado ao seu agente, que é próprio e específico (MACIEL, 2006).
Em que pese a criança e adolescente possam praticar um ato infracional igualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente as diferem quanto ao tratamento concedido. Enquanto às crianças em conflito com a lei são lhe aplicadas as medidas de proteção, aos adolescentes é cabível aplicação de medidas socioeducativas e algumas medidas de proteção. Tal conclusão se extrai do artigo 105 do ECA que dispõe que “ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101.”
Portanto, a pessoa com idade até 12 anos incompletos, se praticar algum ato infracional, será encaminhada ao Conselho Tutelar e estará sujeita às medidas de proteção, já a pessoa com idade entre 12 de 18 anos ao praticar ato infracional, estará sujeito a processo contraditório, com ampla defesa e poderá receber uma “sanção” denominada medida socioeducativa.
4.2) As medidas socioeducativas
O Estatuto da Criança e do Adolescente elenca as medidas socioeducativas no artigo 112 e seguintes, como consequências da prática de ato infracional praticado por adolescente.
Dispõe o art. 112 do ECA:
“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I – Advertência
II – Obrigação de reparar o dano
III – Prestação de serviço à comunidade
IV – Liberdade Assistida
V – Inserção em regime de semiliberdade
VI – Internação em estabelecimento educacional
VII – Qualquer uma das previstas no artigo 101, I a VI”.
Observa-se que o Estatuto limita-se a dispô-las em um rol taxativo e a traçar suas hipóteses de cabimento.
Sabe-se que as medidas sócio-educativas constituem na resposta estatal, aplicada pela autoridade judiciária, ao adolescente que cometeu ato infracional, no entanto o Estatuto da Criança e do Adolescente restou omisso no que diz respeito à identificação da natureza jurídica dessas medidas socioeducativas.
É neste ponto que a doutrina menorista trava seus maiores debates e divergências, vez que a partir da constatação da natureza jurídica das medidas socioeducativas é possível traças diretrizes e regras de tratamento dispensadas aos adolescentes.
Em que pese a divergência, há um consenso no que diz respeito a natureza pedagógica destas.
As medidas socioeducativas possuem uma finalidade educativa e de inclusão social plena do adolescente, em respeito à peculiar condição de ser humano em fase de desenvolvimento, destinatário de proteção integral.
Segundo Olympio de Sá Sotto Maior Neto (MPGO, V. 2, p. 18), em sua reflexão sobre o ato infracional e as medidas socioeducativas dispõe que
“quando se trata de adolescente autor de ato infracional, a proposta é de que, no contexto da proteção integral, recebe ele medidas socieducativas (portanto, não punitivas), tendentes a interferir no seu processo de desenvolvimento objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração social (o educar para a vida social visa, na essência, o alcance de realização pessoal e participação comunitária, componentes próprios da cidadania).”
Enquanto a finalidade do processo penal é a aplicação da pena, no procedimento socioeducativo a finalidade é pedagógica e de transformação da realidade do adolescente, tendo como instrumento as medidas socioeducativas.
O que se debate é se tais medidas são ou não penas, isto é, se possuem natureza puramente pedagógica ou também sancionatória.
Nesse sentido PACAGNAN atribuía à medida socioeducativa seu aspecto de pena: “Queira ou não denominá-la assim, trata-se de uma sanção, uma ordem imposta ao adolescente” (1995, p. 30).
Sobre a natureza das medidas socioeducativas, Volpi explica
“As medidas socioeducativas comportam aspectos de natureza coercitiva, uma vez que são punitivas aos infratores, e aspectos educativos no sentido da proteção integral e oportunização, e do acesso à formação e informação. Sendo que em cada medida esses elementos apresentam graduação de acordo com a gravidade do delito cometido e/ou sua reiteração.” (VOLPI, 2011, pág. 20)
No mesmo sentido de Volpi, Konzen, referenciado por Schmidt, orienta:
“A medida socioeducativa, seja pena ou seja sanção, significa para seu destinatário, a reprovação pela conduta ilícita, providência subseqüente que carrega em si, seja a conseqüência restritiva ou privativa de liberdade, ou até mesmo modalidade de simples admoestação, o pesa da aflição, porque sinal de reprovação, sinônimo de sofrimento porque segrega do indivíduo um de seus bens naturais mais valiosos, a plena disposição e exercício da liberdade.” (SCHMIDT, 2011, pág. 30)
Assim, tem-se que a medida socioeducativa também é punitiva. Mesmo a pena por crime, como disposto na Lei de Execução Penal, tem seu lado socioeducativo: pune-se e tenta-se, com a punição, reeducar.
O procedimento para a aplicação da medida socioeducativa no Estatuto da Criança e do Adolescente é semelhante ao processo criminal: iniciativa do Ministério Público (artigo 182), cientificação da acusação (artigo 184, parágrafo 1o), interrogatório (artigo 186), defesa prévia (artigo 186, parágrafo 3o), instrução e julgamento (artigo 186, parágrafo 4o), alegações finais, e sentença.
Desta feita, em virtude da dupla natureza das medidas socioeducativas, pedagógica e sancionatória, são assegurados ao adolescente em conflito com a lei todos os direitos assegurados pelo Direito Penal, para que o mesmo possa ter um julgamento justo e igualitário.
A grande diferença entre o “Direito do Menor” e o Direito Penal está em que este leva o juiz, em seu julgamento, a colocar em primeiro lugar o ato praticado, e somente depois olha-se para o homem que está em julgamento para examinar sua personalidade, e só então fixar a pena definitiva. O juiz de menores, ao contrário, analisa primeiro o menor que tem à sua frente, para então considerar o ato criminoso praticado. Essa é a essência desse direito intuitivo, que tem como pressuposto principal a reeducação e ressocialização desse menor.
4.3) Utilização do Princípio da Proteção Integral na aplicação das medidas socioeducativas
A partir da constatação da natureza punitiva das medidas socioeducativas abre-se espaço para o reconhecimento do Direito Penal Infanto-juvenil.
O Direito Penal Infanto-juvenil é caracterizado pela subsidiariedade, isto é, sua aplicação apenas se mostra necessário quando outras esferas do Direito da Criança e Adolescente falharem na missão de proteção destas pessoas. Primeiro se busca a proteção de seus direitos através de políticas públicas, na omissão ou insuficiência destas aciona-se o sistema de medidas de proteção e por fim surgem as medidas socioeducativas.
O reconhecimento deste sub-ramo do Direito da Criança e do Adolescente se faz necessário e imprescindível para conter arbitrariedades no procedimento infracional tão comuns na doutrina tutelar, em que havia ampla discricionariedade do magistrado tanto no procedimento quanto na escolha da punição do menor. Outrossim, o juiz de menores decidia com base na sua íntima convicção do que é melhor para o menor, desprezando o interesse do adolescente.
Nesse sentido Zaffaroni e Pierangeli ensinam que
“Resulta disso ser inadmissível a absoluta discricionariedade e à falta de garantia existentes no direito do menor que tende, sob o pretexto de um paternalismo, converte-se num discurso de justificação de uma ordem repressiva, muitas vezes lesiva aos direitos humanos do que o sistema penal para os adultos.” (Zaffaroni e Pierangeli, 2006)
O Direito Penal Infanto-juvenil impõe a observância das garantias e princípios, tanto os previstos na legislação criminal quanto os decorrentes da doutrina da proteção integral.
As garantias e princípios, de observância compulsória pelo julgador, tem como finalidade a limitação da intervenção punitiva estatal.
Assim no procedimento para imposição de medida socioeducativa devem ser respeitadas as garantias penais dirigidas aos adultos além das garantias previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, consagrando o Princípio da Proteção Integral.
No âmbito infracional o Princípio da Proteção Integral tem por fim o respeito das garantias e direitos do adolescente em conflito com a lei, a consideração de pessoa ainda em formação e o melhor interesse daquele.
Portanto é forçoso concluir que os interesses da criança e do adolescente são superiores. A superioridade decorre do dever de proteção pela família, sociedade e Estado, tendo em vista sua condição de sujeitos de direitos e de pessoa em formação e desenvolvimento.
Ocorre que o reconhecimento do Direito Penal Infanto-juvenil, embora essencial, está em vias de construção paulatina nos Tribunais pátrios.
Em que pese exista vasta doutrina elencando os direitos fundamentais da criança e do adolescente, estes são comumente utilizados para agravar a situação do adolescente em conflito com a lei, em nome do “melhor interesse do menor”.
Em recente decisão o Superior Tribunal de Justiça entendeu afastar a garantia da presunção de inocência para promover a execução provisória da medida socioeducativa de internação. Senão vejamos a ementa do acórdão.
“DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CUMPRIMENTO IMEDIATO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA INDEPENDENTE DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA.
Mesmo diante da interposição de recurso de apelação, é possível o imediato cumprimento de sentença que impõe medida socioeducativa de internação, ainda que não tenha sido imposta anterior internação provisória ao adolescente. Cuidando-se de medida socioeducativa, a intervenção do Poder Judiciário tem como missão precípua não a punição pura e simples do adolescente em conflito com a lei, mas, principalmente, a ressocialização e a proteção do jovem infrator. Deveras, as medidas previstas nos arts. 112 a 125 da Lei n. 8.069/1990 não são penas e possuem o objetivo primordial de proteção dos direitos do adolescente, de modo a afastá-lo da conduta infracional e de uma situação de risco. Por esse motivo, deve o juiz orientar-se pelos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, definidos no art. 227 da CF e nos arts. 3° e 4° do ECA. Desse modo, postergar o início de cumprimento da medida socioeducativa imposta na sentença que encerra o processo por ato infracional importa em "perda de sua atualidade quanto ao objetivo ressocializador da resposta estatal, permitindo a manutenção dos adolescentes em situação de risco, com a exposição aos mesmos condicionantes que o conduziram à prática infracional". Observe-se que não se cogita equiparar o adolescente que pratica ato infracional ao adulto imputável autor de crime, pois, de acordo com o art. 228 da CF, os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis e estão sujeitos às normas da legislação especial. Por esse motivo e considerando que a medida socieducativa não representa punição, mas mecanismo de proteção ao adolescente e à sociedade, de natureza pedagógica e ressocializadora, não calharia a alegação de ofensa ao princípio da não culpabilidade, previsto no art. 5°, LVII, da CF, sua imediata execução. Nessa linha intelectiva, ainda que o adolescente infrator tenha respondido ao processo de apuração de prática de ato infracional em liberdade, a prolação de sentença impondo medida socioeducativa de internação autoriza o cumprimento imediato da medida imposta, tendo em vista os princípios que regem a legislação menorista, um dos quais, é o princípio da intervenção precoce na vida do adolescente, positivado no parágrafo único, VI, do art. 100 do ECA. Frise-se que condicionar o cumprimento da medida socioeducativa ao trânsito em julgado da sentença que acolhe a representação – apenas porque não se encontrava o adolescente já segregado anteriormente à sentença – constitui verdadeiro obstáculo ao escopo ressocializador da intervenção estatal, além de permitir que o adolescente permaneça em situação de risco, exposto aos mesmos fatores que o levaram à prática infracional. Ademais, a despeito de haver a Lei n. 12.010/2009 revogado o inciso VI do art. 198 do referido Estatuto, que conferia apenas o efeito devolutivo ao recebimento dos recursos – e não obstante a nova redação conferida ao caput do art. 198 pela Lei n. 12.594/2012 – é importante ressaltar que continua a viger o disposto no art. 215 do ECA, o qual prevê que "O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte". Ainda que referente a capítulo diverso, não há impedimento a que, supletivamente, se invoque tal dispositivo para entender que os recursos serão recebidos, salvo decisão em contrário, apenas no efeito devolutivo, ao menos em relação aos recursos contra sentença que acolhe representação do Ministério Público e impõe medida socioeducativa ao adolescente infrator, sob pena, repita-se, de frustração da principiologia e dos objetivos a que se destina a legislação menorista. Pondere-se, ainda, ser de fundamental importância divisar que, ante as características singulares do processo por ato infracional – sobretudo a que determina não poder o processo, em caso de internação provisória, perdurar por mais de 45 dias (art. 183 do ECA) – não é de se estranhar que os magistrados evitem impor medidas cautelares privativas de liberdade, preferindo, eventualmente, reservar para o momento final do processo – quando, aliás, disporá de elementos cognitivos mais seguros e confiáveis para uma decisão de tamanha importância – a escolha quanto à medida socioeducativa que se mostre mais adequada e útil aos propósitos ressocializadores de tal providência. Sob outra angulação, não seria desarrazoado supor que, a prevalecer o entendimento de que somente poderá o juiz impor ao adolescente o cumprimento imediato da medida socioeducativa de internação fixada na sentença se já estiver provisoriamente internado, haverá uma predisposição maior, pela autoridade processante, de valer-se dessa medida cautelar antes da conclusão do processo. Em suma, há de se conferir à hipótese em análise uma interpretação sistêmica, compatível com a doutrina de proteção integral do adolescente, com os objetivos a que se destinam as medidas socioeducativas e com a própria utilidade da jurisdição juvenil, que não pode reger-se por normas isoladamente consideradas.” (HC 346.380-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/4/2016, DJe 13/5/2016)
Observa-se que a Egrégia Corte, com fulcro no caráter ressocializador da medida socioeducativa, decidiu pelo cumprimento imediato da medida de internação fixada na sentença de primeiro grau, ainda quando interposto recurso de apelação.
Discutiu-se a atribuição de efeito suspensivo na apelação e a execução provisória da medida socioeducativa na situação em que o adolescente respondeu o procedimento infracional em liberdade.
Imprescindível analisar a orientação jurisprudencial com viés da doutrina da proteção integral e das garantias do Direito Penal Infanto-juvenil, por tratar-se de pessoa em desenvolvimento.
Insta mencionar que caso um adulto, que se encontre em liberdade, seja condenado a pena de reclusão em regime inicialmente fechado e interponha apelação esta terá, obrigatoriamente, duplo efeito, devolutivo e suspensivo. Em outras palavras não seria possível o cumprimento imediato da pena em razão da garantia constitucional da presunção de inocência.
Em 2016 o Supremo Tribunal Federal mitigou o princípio da presunção de inocência e permitiu o cumprimento imediato da pena após a confirmação por Tribunal de Segundo grau da condenação, ainda que interposto recurso extraordinário e especial. Senão vejamos a ementa da decisão.
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5o, LVII). ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA.
1. Em regime de repercussão geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5o, inciso LVII, da Constituição Federal.
2. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria”. (STF. Plenário virtual. ARE 964246 RG, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 10/11/2016 (repercussão geral).
No entanto, embora mitigado, o princípio prevalece até a decisão condenatória de segundo grau, ou seja, observa-se o efeito suspensivo do recurso de apelação, impedindo o imediato cumprimento da pena imposta na sentença de primeiro grau.
Não é de difícil percepção que a recente orientação do Superior Tribunal de Justiça com fundamento no caráter pedagógico da medida de internação impôs ao adolescente tratamento mais gravoso que se fosse um adulto em situação semelhante.
Na contramão dessa decisão o SINASE (Lei n° 12.594/2012) estabelece o princípio da legalidade, dispondo no artigo 35 que ao adolescente não pode ser dispensado tratamento mais gravoso que o dispensado ao adulto.
Ainda há que se analisar que muito embora a medida socioeducativa tenha finalidade educativa, não se pode olvidar seu caráter punitivo e sancionatório, ainda mais quando se impõe de medida de internação.
Ocorre que ignorar a natureza impositiva, retributiva e punitiva das medidas socioeducativas em contrapartida à prática infracional importa grave violação aos direitos do adolescente, que merece ser escudado pelo sistema garantista do direito penal infanto-juvenil.
A medida socioeducativa de internação é medida privativa do direito à liberdade do adolescente, restringindo o direito à convivência familiar e comunitária e inclusão social integral. Na ótica do Direito Penal Infanto-juvenil esta medida tem correlação com o regime fechado de cumprimento de pena, que possui finalidade retributiva e preventiva.
Sobre finalidade retributiva da medida socioeducativa Wilson Donizete Liberati, referenciado Guilherme Freire de Melo Barros, expõe que “ela pode ser considerada uma medida de natureza retributiva na medida em que é uma resposta do Estado à prática do ato infracional praticado”.
A mitigação da garantia constitucional da presunção de inocência e, em consequência, imposição de medida privativa de liberdade vai na contramão da filosofia garantista e da proteção integral.
Não se olvida que o Estatuto elegeu o Princípio da Atualidade como norteador da aplicação das medidas socioeducativas, no entanto este não tem o condão de reduzir as garantias constitucionais nem ao menos de preferir a celeridade da atuação estatal ao invés do princípio da culpabilidade prevista no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988.
Trata-se de pessoa em desenvolvimento e em formação física e psicológica, que carece de proteção integral e especial quando comparado ao adulto.
A Declaração dos Direitos Da Criança de 1959 já mencionava: “a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento”.
É imperioso destacar que a medida de privação de liberdade, em que pese ter, em tese, finalidade educativa, é medida gravosa que deve ser aplicada como “ultima ratio”. Por vezes, inclusive, tal medida tem efeito dessocializador quando não há promoção educacional, profissional e familiar do adolescente, somados esforços em conjunto de instituições envolvidas na execução das medidas socioeducativas.
Sobre os efeitos negativos da segregação, Zaffaroni e Pierangeli ensinam que
“Na realidade latino-americana constata-se, desgraçadamente, que a legião de menores serve tão-somente para submetê-los a uma situação mais gravosa e repressiva do que a do maior; exatamente em razão de sua pouca idade, sofre os efeitos negativos de uma segregação, de forma mais grave do que o adulto, posto que está atinge de maneira mais profunda a sua personalidade”. (Zaffaroni e Pierangeli, 2006)
Sabe-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente determina a aplicação das regras recursais do Código de Processo Civil, bem como prevê que o recurso de apelação será recebido somente no efeito devolutivo, nos termos do artigo 199-A do Estatuto em epígrafe.
No entanto reconhecendo no procedimento infracional um Direito Penal Infanto-juvenil, cabem aos aplicadores das normas interpretá-las sistematicamente e finalisticamente, observando os objetivos da Doutrina da Proteção Integral erguida pelo constituinte originário e regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Portanto, tratando-se de tratamento mais gravoso ao adolescente, o imediato cumprimento da medida de internação antes do trânsito em julgado da sentença que a determina, fere seu direito a recorrer em liberdade e vai na contramão dos Princípios da Proteção Integral, do Melhor Interesse do Menor e da Presunção de Inocência.
O Princípio da Proteção Integral impõe que os intérpretes e aplicadores das normas dirigidas à criança e ao adolescente, em nome de um superior interesse, não agravem a situação daqueles que buscam proteger e sim proporcione o maior benefício possível.
Sobre o Princípio do Melhor Interesse Guilherme Barros ensina que
“Esse postulado traduz a ideia de que, na análise do caso concreto, os aplicadores do Direito – advogado, defensor público, promotor de justiça e juiz – devem buscar a solução que proporcione o maior benefício possível para à criança ou adolescente.” (Barros, 2012)
É certo que prefere-se adoção de políticas públicas e medidas que menos interfiram na autonomia do adolescente. Em último caso, demonstrado a necessidade e utilidade da medida socioeducativa, às autoridades e instituições envolvidas na apuração da prática de ato infracional cabem observância de todos os direitos do adolescente.
Nesse sentido Zaffaroni e Pierangeli entendem que
“Resulta claro, não obstante, que a tutela do menor — produto da característica formadora deste ramo jurídico — não pode traduzir-se num paternalismo de entidade que desconheça as mínimas garantias processuais — o que pode afetar a própria base da família —, nem negar a realidade de que o menor é uma pessoa em formação, isto é, que a tutela não pode negar todos os direitos do tutelado, já que em tal caso chegaria a ser mais tremenda que a pena.” (Zaffaroni e Pierangeli, 2006)
5) Considerações Finais
A partir desse estudo podemos concluir que a criança e o adolescente não são meros objetos, nos quais os adultos determinam seu “melhor interesse”. A nova filosofia da Proteção Integral, inaugurada no Brasil pela Constituição Federal de 1988 e pormenorizadas no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, enxerga estes como sujeitos de direitos e merecedores de tutela especial e integral, dever de todos os integrantes da família, sociedade e Estado.
Em virtude da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento às crianças e adolescentes devem ser observados todos os direitos e garantias para sua perfeita formação, seja decorrente do legislação menorista ou da legislação comum.
Como princípio norteador de todo tratamento dispensado às crianças e adolescente a Proteção Integral impõe ao aplicador do direito interpretar a norma de forma que melhor tutele os interesses daqueles, principalmente quando se tem o risco de privações e restrições de direitos. Isto se verifica no procedimento infracional, no qual resulta em aplicação de medida socioeducativa como resposta estatal em virtude da prática de um ato infracional praticado por adolescente.
Não se olvidou a finalidade pedagógica das medidas socioeducativas, porém não pode ignorar sua natureza punitiva, retributiva e sancionatória, impondo, assim, que seja reconhecido o Direito Penal Infanto-juvenil.
O Direito Penal Infanto-juvenil exige respeito aos direitos especiais do adolescente em conflito com a lei e aos direitos penais dirigidos aos adultos, consagrando a Proteção Integral.
A partir da análise crítica da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, verificou-se que os Tribunais pátrios estão cientes da doutrina da Proteção Integral e das suas implicações, no entanto a utilizam de forma a conferir tratamento mais gravoso ao adolescente quando comparado ao adulto em idêntica situação, desconsiderando princípios legais e constitucionais, bem como os objetivos primeiros da normativa voltada à infância e juventude.
Ainda, é possível observar que o princípio do “melhor interesse do menor” vem sendo utilizado como supedâneo de uma visão paternalista, ignorando os efeitos deletérios das medidas socioeducativas, principalmente da medida de internação, bem como sua natureza sancionatória e punitiva.
Necessário, portanto uma mudança estrutural no entendimento dos Tribunais de forma que se enxergue às crianças e os adolescentes como pessoas em formação física e psíquica, sujeitos de direitos e merecedores de proteção especial.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia. Especialista em Direito Civil Direito Processual Civil e Direito do Consumidor pelo Centro Universitário Leonardo Da Vinci UNIASSELVI. Advogada
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