Resumo: O presente trabalho pretende abordar a nova metodologia de aquisição de passagens aéreas pela Administração Pública por meio do credenciamento de companhias aéreas. O estudo apresenta, ainda, o histórico das principais metodologias de aquisição de passagens aéreas, além dos entendimentos do TCU, AGU e MPOG sobre o assunto.
Palavras-chave: Aquisição. Passagens Aéreas. Credenciamento. Companhias.
Sumário: Introdução. 1. As principais metodologias de aquisição de passagens aéreas pela Administração Pública. 2. Histórico das alterações normativas e jurisprudenciais a respeito do tema. 3. A irracionalidade e a antieconomicidade do regime de pagamento de taxa de administração às agências de viagens. 4. O credenciamento direto das companhias aéreas: uma solução inevitável. 5. O entendimento do Tribunal de Contas da União, da Advocacia Geral da União e do Ministério do Planejamento.
INTRODUÇÃO
A quase totalidade dos órgãos e entidades da Adminstração Pública necessita da constante aquisição de passagens aéreas para os mais diversos fins. Por essa razão, há, inclusive precedentes do Tribunal de Contas da União no sentido de considerar a emissão de bilhetes aéreos como serviços continuados, à luz das especificadade do órgão ou entidade em questão. São as mais diversas finalidades que ensejam o acionamento desse tipo de serviço, como a participação de servidores em cursos e outros eventos de capacitação, o deslocamento de autoridade para reuniões e outros eventos institucionais fora da sede do órgão ou mesmo a realização de atividades técnicas e/ou finalísticas em sedes descentralizadas da mesma instituição.
Por essas razões, a discussão em torno da forma como a Administração adquire as passagens aéreas voltadas a essa finalidade é matéria de suma relevância para o cotidiano de gestores e demais agentes públicos. Recentes modificações no mercado em questão foram determinantes para o surgimento de interessante celeuma, especialmente, em torno da metodologia a ser adotada nas contratações que visam a suprir as necessidade da Administração em termo de serviços de transportes aéreos.
1. AS PRINCIPAIS METODOLOGIAS DE AQUISIÇÃO DE PASSAGENS AÉREAS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Até bem pouco tempo, quase todos os órgãos e entidades que integram a Administração Pública costumavam firmar contratos com agências de viagens ou empresas de turismo para a intermediação dos serviços de emissão de bilhetes aéreos. Os preços cobrados por esses agentes privados eram os mesmos que as companhias aéreas (TAM, Gol, Azul, Avianca etc.) exigiam em seus sítios eletrônicos ou lojas oficiais.
A remuneração das agências de viagens se dava mediante as comissões a elas pagas pelas companhias aéreas sobre o valor do bilhete emitido. Nesse sentido, o critério de ajudicação nos certames licitatórios voltados à futura contratação das agências de vaigens costumava consistir no:
A) maior deSconto sobre a comissão paga à agência pela companhia AÉREA, QUE CORRESPONDIA A UM PERCENTUAL DO BILHETE CHEIO.
Para a Administração, tratava-se de medida, em tese, vantajosa, pois ela acabava se beneficando com o deságio sobre o valor do bilhete referente a esse desconto. Por outro lado, na prática, constatava-se a ausência de diligência das agências de viagens contratadas em buscar as melhores tarifas dos bilhetes, uma vez que sua comissão se dava sobre os respectivos valores.
Recentes alterações no mercado de passagens aéreas impuseram a imperiosa necessidade de adaptação à Administração Pública. É que as companhias aéras, a partir de 2013, deixaram de pagar às agências de viagens as comissões que, no final das contas, eram a sua remuneração na metodologia que os órgãos públicos costumavam adotar. Trata-se de medida que as companhias aéreas, a propósito, há muito adotavam no mercado privado.
Por isso, não restou outra alternativa, por ora, à Administração, nos casos em que pretendesse contratar agências de viagens para a emissão permanente de passagens, senão passar a remunerá-las mediante o:
B) PAGAMENTO DE TAXA DE ADMINISTRAÇÃO (NORMALMENTE UM PERCENTUAL), COBRADA A MAIS, SOBRE O VALOR DO BILHETE EMITIDO.
Aquilo que era, pois, aparentemente, vantajoso para a Administração, passou a ser manifestamente antieconômico. O propósito, pois, do presente trabalho reside em demonstrar que há uma alternativa a esse dois modelos, os quais se revelam impraticáveis: o primeiro, porque inviável do ponto de vista prático e o segundo porque irracional e antieconômico.
2. HISTÓRICO DAS ALTERAÇÕES NORMATIVAS E JURISPRUDENCIAIS A RESPEITO DO TEMA.
Diante das significativas modificações mercadológicas já introduzidas no tópico supra, a Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento editou sucessivos normativos com vistas a disciplinar a nova sistemática de contratação de passagens aéreas, tendo em vista que a própria jurisprudência do TCU foi oscilante a respeito do tema. O quadro sinótico a seguir enumera os normativos e decisões editados a respeito da questão:
Toda a celeuma instaurada em torno do tema teve início com a já citada mudança no mercado de passagens aéreas, ocorrida a partir da deliberação das companhias aéreas no sentido de não mais pagar às agências de viagens parcela dos valores das passagens adquiridas a título de comissão. Trata-se de postura que já existia no mercado particular que se estendeu para a aquisição em favor de órgãos públicos. Isso inviabilizou a manutenção do critério que anteriormente se adotava nos certames licitatórios, que optavam pela adjudicação conforme o maior desconto sobre a comissão paga pelas companhias aéreas.
A IN 07 SLTI teve por objetivo adequar as contratações públicas a essa nova realidade. Assim, instituiu-se, como novo critério de adjudicação o “menor valor ofertado pela prestação do serviço de Agenciamento de Viagens” (art. 2º, §1º). Em sede de cautelar, o TCU chegou a suspender os efeitos da referida IN em virtude de representação apresentada pela Associação Brasileira de Agências de Viagens – ABAV.
Sem embargo, no acórdão 1973/2013-13, o Plenário do tribunal voltou atrás e, após acolher as ponderações da Secretaria de Controle Externo – SECEX que instruiu o feito, findou por compreender que a IN 07 não consistiu em uma opção da Administração, mas sim em uma necessidade, sob pena de se inviabilizarem todas as contratações vindouras.
Assim, a disciplina da IN 07/2012 SLTI/MPOG encontra-se em pleno vigor, de modo que a metodologia de contratação por ela recomendada se delinea a partir do que dispõem seus arts. 2º a 4º, verbis:
“Art. 2º Por se tratar de serviço comum, a licitação será realizada, preferencialmente, na modalidade pregão, em sua forma eletrônica.
§ 1º A licitação deverá utilizar o critério de julgamento menor preço, apurado pelo menor valor ofertado pela prestação do serviço de Agenciamento de Viagens.
§ 2º Agenciamento de Viagens compreende a emissão, remarcação e cancelamento de passagem aérea pela agência de viagens.
§ 3º Passagem aérea, a que se refere o § 2º deste artigo, compreende o trecho de ida e o trecho de volta ou somente um dos trechos, nos casos em que isto represente toda a contratação.
§ 4º Trecho, a que se refere o § 3º deste artigo, compreende todo o percurso entre a origem e o destino, independentemente de existirem conexões ou serem utilizadas mais de uma companhia aérea.
§ 5º O valor ofertado pela prestação do serviço de Agenciamento de Viagens deverá ser único, independentemente de se tratar de passagem aérea nacional ou internacional.
Art. 3º Além do serviço de Agenciamento de Viagens, o instrumento convocatório poderá prever, justificadamente, outros serviços correlatos.
§ 1º A remuneração pela prestação dos serviços dispostos no caput será calculada por um percentual incidente sobre o valor ofertado pela prestação do serviço de Agenciamento de Viagens, devida a cada utilização, e definido pelo órgão ou entidade no instrumento convocatório.
§ 2º É permitida a adoção de um percentual próprio para cada serviço indicado no instrumento convocatório.
Art. 4º A remuneração total a ser paga à agência de viagens será apurada a partir da soma dos seguintes valores:
I – valor ofertado pela prestação do serviço de Agenciamento de Viagens multiplicado pela quantidade de passagens emitidas no período faturado; e
II – valores decorrentes da incidência dos percentuais sobre o valor de Agenciamento de Viagens definidos para a prestação dos serviços correlatos, multiplicado pela quantidade destes serviços efetivamente realizados.” (GRIFOS NOSSOS)
3. A IRRACIONALIDADE E A ANTIECONOMICIDADE DO REGIME DE PAGAMENTO DE TAXA DE ADMINISTRAÇÃO ÀS AGÊNCIAS DE VIAGENS
Não é necessário nenhuma genialidade para deduzir que o regime proposto pela IN 07/2012 para a emissão de bilhetes aéreos é manifestamente antieconômico para a Administração. É que, atualmente, os órgãos e entidades pagam, sobre o valor do bilhete cheio, um percentual, para a agência de viagens, pago a título de taxa de administração (serviço de agenciamento nos termos da IN).
O artigo 15, III, da Lei 8.666/93, estabelece que “As compras, sempre que possível, deverão submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado”. A lógica de tal dispositivo é de simples dedução: como, no mercado privado, os agentes econômicos atuam, via de regra, com vsitas à obtenção de lucro, é de sua natureza, buscar as condições de contratção que alcancem o melhor custo-benefício.
Não há, pois, racionalidade alguma em impor à Administração a obrigatoriedade de contratação de um agente intermediário para a emissão de bilhetes aéreos, mediante o pagamento de taxa adicional de administração, quando as passagens podem ser facilmente adquiridas diretamente junto às companhias por intermédio, por exemplo, de seus sítios eletrônicos. Trata-se do mecanismo adotado por toda a iniciativa privada, o qual, por ser-lhe manifestamente vantajoso, deve por ela ser adotado.
4. O CREDENCIAMENTO DIRETO DAS COMPANHIAS AÉREAS: UMA SOLUÇÃO INEVITÁVEL.
No tópico 02 supra, antecipou-se o objetivo do presente estudo no sentido de propor uma alternativa às metodologias de contratação até então majoritariamente adotadas pela Administração. Pois bem, essa alternativa reside na contratação, mediante credenciamento, das próprias companhias aéreas atuantes em território nacional, a fim de ver atendidas as necessidades do setor público.
O credenciamento é uma forma de contratação direta por inexigibilidade de licitação, com base no art. 25, caput, da Lei 8.666/93. Por meio desse mecanismo, os órgãos e entidades contratam o maior número possível e quiçá todos os agentes econômicos que atuam em determinados mercado. Por isso, a concorrência restaria prejudicada, na medida em que, inviável diante da amplitude do interesse da Administração.
Trata-se, por exemplo, de mecanismo amplamente adotado na contratação de médicos, laboratórios, clínicas, hospitais e etc., pelos órgãos públicos que dispõem de planos de autogestão em saúde. In casu, a ideia seria contratar tantas quantas fossem as companhias áreas disponíveis no mercado (TAM, Gol, Azul, Avianca e outras companhias de caráter regional), mediante o credenciamento, para que os bolhetes aéreos pudessem ser junto a ela diretamente emitidos, por meio dos seus mecanismos usuais (sítio eletrônico, lojas autorizadas etc.), fugindo-se, assim, do custo extra e desnecessário consistente no pagamento de taxas de administração às agências de viagens. No acórdão 351/2010, Plenário, o TCU delineia os requisitos básicos para a contratação direta por inexigilibilidade por meio do credenciamento:
a) a contratação de todos os que tiverem interesse e que satisfaçam as condições fixadas pela Administração, não havendo relação de exclusão;
b) a garantia da igualdade de condições entre todos os interessados hábeis a contratar com a Administração, pelo preço por ela definido;
c) a demonstração inequívoca de que as necessidades da Administração somente poderão ser atendidas dessa forma, cabendo a devida observância das exigências do art. 26 da Lei 8.666/93, principalmente no que concerne à justificativa de preços.
A esses requisitos, acrescenta-se a necessidade de que o órgão ou entidade, por meio de sua instância competente, discipline o uso dos contratos fruto do credenciamento. No caso da emissão de bilhetes aéreos, o regulamento interno deverá, fatalmente, prever a necessidade de consulta prévia aos sítios das companhias que oferecem o trecho de viagem pretendido, para que a Administração, necessariamente, adquira o bilhete mais barato entre aqueles viáveis para o atendimento de sua necessidade em questão.
5. O ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, DA ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO E DO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO.
Diante de todas as ponderações acima tecidas, não é de se surpreender que diversas de nossas instâncias administrativas e jurisdicionais tenham levantado a necessidade ou a possibilidade de que a Administração adote o mecanismo de credenciamento das companhias aéreas para a aquisição de bilhetes aéreos.
O próprio TCU, no acórdão 1973-13, Plenário, recomendou, expressamente, a análise a respeito da possibilidade de contratação direta das companhias aéreas por meio de seu credenciamento:
“RELATÓRIO (…)86. Ora, no caso de passagens nacionais, por exemplo, existem hoje apenas quatro empresas fornecedoras no mercado brasileiro, sendo que duas delas correspondem a aproximadamente 80% das vendas. Discutiu-se no Painel de Referência a possibilidade de realizar credenciamento para contratação direta com todas as quatro companhias, elegendo-se, no momento da compra, aquela que apresentar o preço mais vantajoso.(…)
ACÓRDÃO
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões expostas pelo Relator, em: (…)
9.6. determinar à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação, com fundamento no art. 250, inciso II, do RI/TCU, que promova estudos no sentido de avaliar a vantajosidade de contratar diretamente das companhias aéreas o fornecimento de passagens aéreas nacionais e internacionais para a Administração Pública, informando ao Tribunal, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, as conclusões;
À luz de tal recomendação, o MPOG, recentemente, publicou o edital 01/2014, que tem, exatamente, por objeto, contratar diretamente, pelo menos as principais companhias aéreas do país. A 8ª Vara Federal do Distrito Federal, por seu turno, acolhendo as pretensões da Advocacia Geral da União, esposadas nos autos do processo 0046744-82.2014.4.01.3400, aderiu ao entendimento do TCU no sentido de entender válido o regime de credenciamento das companhias. Veja-se, nesse sentido, a notícia publicada em 21.10.2014 no sítio eletrônico da AGU[1]:
“O Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão (MPOG) não necessita de intermediários na hora de comprar passagens aéreas para a viagem de servidores. O entendimento foi confirmado, na Justiça, pela Advocacia Geral da União (AGU), em ação ajuizada pela Associação Brasileira de Agência de Viagens no DF (Abav/DF), que questionava a contratação direta de companhias aéreas. A sentença foi confirmada nesta segunda-feira (20/10), após ser negado recurso à Abav/DF.
O principal argumento da entidade era quanto à modalidade de contratação, que ocorre por meio de inexigibilidade de licitação. Segundo a Abav/DF, sem a intermediação das agências de turismo a requisição de voos torna-se burocrática, além de prejudicar a concorrência no setor.
Entretanto, a Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento (Conjur/MPOG) e a Procuradoria Regional da União na 1ª Região (PRU1), unidades da AGU, demonstraram que não existe ilegalidade na contratação direta. De acordo com os advogados públicos, esse procedimento teria sido, inclusive, uma orientação do Tribunal de Contas da União (TCU) para tornar a compra de passagens mais barata.
A tese foi acatada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que negou o pedido da associação que representa as agências de turismo. Para o TRF1, a escolha do tipo de contratação depende da escolha do gestor público, desde que este vise ‘a legalidade dos atos, a transparência na compra e a economia aos cofres públicos’.
‘Pretender os impetrantes que o Judiciário substitua ao administrador público e passe a interferir em questões inerentes ao seu poder discricionário representa situação que viola irremediavelmente o princípio de reserva da administração’ diz um trecho da decisão.
A defesa da Abav/DF recorreu por meio dos chamados embargos de declaração, alegando falhas no julgamento de primeira instância. O Tribunal, no entanto, negou o recurso e determinou a extinção do processo.”
CONCLUSÃO
Restou-se comprovada a obsolescência da aquisição de passagens aéreas pela Administração Pública por meio de contratos firmados com agências de viagens. Estas agências desempenham papel de agente intermediário, que pouco acrescenta ao processo de compra de passagens aéreas.
Ante o exposto, tem-se a inevitabilidade do credenciamento direto das companhias aéreas. Esta metodologia é, sem sombra de dúvida, a mais célere e menos dispendiosa para a Administração Pública.
O credenciamento direto não só proporciona mais agilidade e economia, como respeita com mais objetividade os princípios que regem a Administração Pública.
Procuradora Federal de 2 Categoria. Lotada na Procuradoria Regional Federal da 1 Região. Bacharel em Direito e Especialista em Direito Público
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