A atividade da imprensa sob os ditames constitucionais

Resumo: A imprensa é atividade praticada pelas pessoas, geralmente instituições poderosas, sendo garantida por direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e manifestação do pensamento. Entretanto, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seus artigos a delimitação ao exercício dessa atividade, delimitando o âmbito de exercício dessa função tão essencial para a sociedade, inclusive após a revogação expressa da Lei de Imprensa. Através de uma interpretação sistemática e teleológica do texto fundamental, propõe formular um conhecimento dos institutos que se aplicam à atividade da imprensa, denotando alguns aspectos deturpados ou não aplicados como previsto na normatividade no desenvolver das funções da mídia. Analisando a Constituição como uma lei fundamental e, não apenas, como uma carta política, é possível identificar que diversas condutas estão submetidas ao crivo das normas fundamentadoras, capaz de dispor imperativamente as condutas, atividades e relações travadas a cada dia na sociedade. É relutante como o exercício desenvolvido pela imprensa repercute cada vez mais entre as pessoas, interferindo, transformando e criando novos padrões. Nesse aspecto se notabiliza violações aos preceitos constitucionais da imprensa em face dos indivíduos e do Estado, gerando a responsabilização dos atos.. Diante disso, faz-se conveniente esquadrinhar como a Constituição afixa a imprensa diante dos aspectos que constituem esta, bem como a sujeição teórica e prática da imprensa perante as normas constitucionais.


Palavras-chave: Imprensa. Constituição Federal. Revogação. Lei da Imprensa. Violações.


Abstract: The press is an activity practiced by people, usually powerful institutions, as guaranteed by fundamental rights such as freedom of speech and expression of thought. However, the 1988 Federal Constitution provides in its articles the delimitation exercise of this activity, limiting the scope for the exercise of that function as essential to society, even after the express repeal of the press law. Through a systematic and teleological interpretation of the fundamental text proposes to formulate a knowledge of the institutes that apply to the activity of the press, showing some aspects of misleading or not applied as provided in the development of the normative functions of the media. Looking at the Constitution as a fundamental law, and not just as a political charter, we can identify several behaviors that are subject to the scrutiny of the fundamental rules, capable of having mandatory behaviors, activities and relationships waged every day in society. Are you reluctant to exercise developed by the press affects more and more among the people, interfering, changing and creating new patterns. This aspect is renowned constitutional violations against the press in the face of individuals and the State, generating the accountability of actions. . Given this, it is convenient to scan the Constitution post the press before the aspects that comprise it, as well as theoretical and practical subjection to the press before the constitutional requirements. 
Keywords: Printing. Federal Constitution. Revocation. Law of the Press. Violations.


Sumário: 1. Introdução. 2. A imprensa: o poder da informação e a formulação de um direito. 3. As disposições constitucionais a respeito da atividade da imprensa. 4. A revogação da lei de imprensa: entendendo o processo da Lei 5.250. 5. Os abusos e violações da imprensa: aspectos constitucionais e legais da responsabilidade. 6. Considerações finais. 7. Referências.


1 – INTRODUÇÃO


A prática da imprensa é cada dia mais importante no meio social e fundamental para a comunicação das pessoas, diante da enorme quantidade de informação que é posta a disposição nos mais diversos meios de comunicação.


Apesar das constantes críticas e denúncias do usos do meios midiáticas para fins ilícitos e como instrumento de manipulação de massas, tem que destacar a importante função que essa pode proporcionar quando garantido a liberdade e controlado os atos de exteriorização da informação.


Tal ocorre na democracia de um Estado, por meio do qual, pessoas podem expressar os anseios e defender-se contra os atos da Administração Pública que põe em risco a efetiva participação do povo. Nisso se ressalta a regulação do exercício da imprensa, formulado pelo teor jurídico que possui.


A Constituição Federal do Brasil emana diversos dispositivos acerca da matéria, onde são postos os ditames fundamentais para a liberdade de imprensa, confluindo ao mesmo tempo para harmonia com outros institutos do Direito, diante a convivência humana. Destaque pontualmente acentuado após a revogação da Lei 5.250, chamada de Lei da Imprensa, que traçava as principais vedações e responsabilidades pelos abusos cometidos na atividade da imprensa.


Nesse diapasão, alguns aspectos podem apresentar lacunosos na regulação desse instituto e do seu exercício. Entretanto, através de interpretações dos textos constitucionais poderá ser possível, enquanto não advier nova lei, resolver as questões de conflito provenientes desse meio, contando subsidiariamente, com a aplicação de outros diplomas legais.


Dessa maneira, levantar o valor que a imprensa tem diante dos arranjos constitucionais, avaliando os aspectos da promoção e efetividade do exercício lícito e benéfico que esta atividade pode trazer para o Estado e a população.


2 – A Imprensa: o poder da informação e a formulação de um direito.


A imprensa pode ser entendida em diversos aspectos, sendo o vocábulo empregado em diferentes sentidos. Por estes, pode-se envolver o sentido de uma máquina, uma instituição, um grupo, uma atividade ou uma função. Seja qual for, estão interligados entre si para a ideia de um único complexo que interfere na sociedade ativamente, tal qual na organização de um Estado.


Entretanto, a noção empregada nesse estudo é relativa aos diferentes meios de comunicação em massa presentes na sociedade, que prestam um serviço misto, de interesses privados e públicos, controladas por instituições, que através da atividade desempenhada se tornam muito poderosas. As manifestações usam meios variados para se expressar, como rádio, televisão, revista, internet, jornal, entre outros, chegando a diferentes lugares do mundo e informando através do poder da comunicação um número enorme de pessoas.


No Brasil, a repercussão maior da imprensa ocorreu com a chegada da família real portuguesa, em 1808, quando fora estimulada a produção de meios capazes de atualizar as informações ocorridas no Brasil, em Portugal e no mundo. Grandes investimentos foram feitos, e nos anos de 1960, houve um eloquente crescimento da atividade nacionalmente, formatando o formoso e, algumas vezes perigoso, ato de se comunicar.


Em certos momentos da história mundial, a imprensa serviu como legitimador dos abusos de um grupo e instrumento de repressão. Em outros casos, se apresentou como uma “arma” fundamental de revoluções e reclamações contra abusos de poderosos governantes. É verdade, aquele que controla essa atividade de maneira exclusiva pode deter poderes e vantagens perante outras partes.


A atividade da imprensa foi modificada no passar do tempo, recebendo influências dos demais fatores que envolvem a sociedade, como o capitalista, o Estado-nação, a emancipação dos direitos, os discursos acerca da ética, a força da religião e os atos de grupos que reclamavam seus interesses. Mas não fora para isso que a imprensa surgiu, uma função essencial pode se apresentar quando estipulado as finalidades lícitas para uso de toda sociedade, ainda que a criação seja maculada com certos vícios elitistas.


Através da atividade desempenhada pela imprensa – ou mídia – os dados são emitidos e chegam ao conhecimento da população, estes dados são chamados de informação. É através da informação que o conhecimento pode ser criado, opiniões constantemente são transformados, fatos são conhecidos, os interesses encontram soluções e o ócio é revigorado. Na informação comunicada, existe a participação efetiva. Tudo isso, e muito mais, forma o universo da informação e a influência da comunicação, promovida propriamente pela imprensa.


Uma realidade social significa reconhecimento de quem faz parte dela. E a imprensa pode proporcionar isso na consciência dos indivíduos de forma plena, seguindo princípios que a enlaçam, cada dia se tornando mais intenso. Diante dessas transformações, Wilson Dizard Jr. (2000, p.50) diz que “a questão central é se a nova mídia nos tornará individual e coletivamente mais livres e mais competentes para lidar com os complexos problemas da democracia pós-industrial”.


Outro ponto a levantar, senão a inescusabilidade da matéria seria apresentada, é a institucionalização da imprensa por meios de empresas corporativistas, grandes ou pequenas. Isso ocorreu em diversos ramos sociais, inclusive no Direito, para personificação das organizações sociais espelhadas nas funções e atividades primordiais presentes no cotidiano. Tais instituições envolvem empresas, governantes e movimentos sociais, que estudam, pesquisam e buscam realizar paradigmas elaborados para boa prática da imprensa.


 Cada meio que se manifesta a imprensa – televisão, p.ex. – existe um grupo que dirige a atividade desempenhada, pondo em risco a credibilidade por meio de parcialidades que podem surgir no exercício cotidiano. Capitalistas ou religiosos, liberais ou revolucionários, estes são alguns dos grupos que podem controlar a imprensa, expondo indiretamente sua ideologia; isto se coloca como um risco, pois como meio de emanação de informação e participação democrática, pode a imprensa se transformar em um instrumento de manipulação de massas.


É frequente o posicionamento acerca do tema, mais reluzente nos confrontos de interesses. Tais passagens são frequentes nos meios de comunicação, quando são expressas as opiniões acerca da imprensa atual, tal como por este editor-chefe em sítio da internet (2011),


“Não tenho nenhuma simpatia por qualquer coisa que lembre censura à imprensa. A ampla liberdade de informação e crítica tem sido a âncora do processo de democratização no Brasil e no mundo. Entretanto, não são poucos os exemplos de que a liberdade de imprensa, nos últimos anos, tem sido usada para injuriar, difamar, caluniar e invadir injustamente a privacidade de cidadãos, enxovalhar pessoas, liquidar com reputações. O nível de arrogância de órgãos da mídia como Veja, Globo, Estadão, Internet para ficar só nos maiores, constitui por si uma ameaça permanente de abuso da liberdade de imprensa. (………………….).”


Todavia, críticos já têm demais para deturpar e esvair a credibilidade da imprensa. Criar uma ideologia e afastar os graves problemas que permeiam esse meio de comunicar-se também é imaturo e irresponsável. Mas ao menos propor uma mudança de perspectiva para possibilitar a articulação de prestar socialmente a garantia de uma imprensa livre, capaz de agir positivamente na participação legítima dos indivíduos na realidade social, política e, por que não dizer, jurídica.


Reluta-se o tema pelo aspecto jurídico-político, por está nacionalmente presente o contexto da democracia e dos direitos fundamentais. De tal modo que a imprensa pode funcionar plenamente na democracia, a partir da garantia da participação de minorias, classes e grupos, na defesa de suas opiniões e teses em face do Estado.


Direita ou indiretamente, a imprensa pode está pautada no ideal de liberdade democrática, desempenhando funções sociais pertinentes ao progresso social. Tem grande necessidade a participação dos membros do povo para a democracia, pois “a democracia aponta, invariavelmente, em todas as épocas, para uma progressão participativa e emancipatória, que avança com lentidão, mas em grau e qualidade que surpreende”, diz Paulo Bonavides (2003, p. 58).


Tal qual, que a imprensa torna viável a prática de alguns direitos pelas pessoas, nas mais variadas situações jurídicas. Em si, pode então dizer, na normatividade apresentada e interpretações dos textos constitucional e legais, que há uma liberdade de imprensa. A Constituição Federal da República Federativa do Brasil, no Art. 139, usa a expressão “liberdade de imprensa”.


Roberto Muylaert, presidente da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), disse que “a recente revogação da Lei de Imprensa demonstra que a sociedade brasileira considera de grande relevância o direito de informar. Ele lembrou que o processo de melhoria da qualidade das publicações brasileiras depende da democracia e da liberdade da imprensa, juntamente com a publicidade e a competição” (2011).


Dessa forma, tem a juridicização da imprensa, tomada como o exercício de liberdade fundamental, que deve ser protegida, regulada e limitada pelo Estado, tal como ocorre com qualquer outro direito. Ademais, vai mais a fundo, podendo dizer que a liberdade de exercer a imprensa está no patamar de direito fundamental, constitucionalmente tutelado.


Após a discussão acerca das óticas da imprensa, passa-se a destacar o elemento mais próprio para o ordenamento e o Direito, que é a liberdade de imprensa.


3 – As Disposições Constitucionais a respeito da Atividade da Imprensa.


A Constituição Federal é a carta política e norma fundamental de um estado, de onde irradia valores principiológicos para as diversas áreas legais, legitimando as disposições que permeiam no ordenamento jurídico como um todo. Estas, na maior parte, trazem dispositivos hipotéticos, ou seja, traçam condutas para as pessoas na sociedade.


Do mesmo contorno que aufere um plano de manifestação para as outras leis de conduta, ela mesma – a Constituição Federal – apresenta disposição para a conduta das pessoas e instituições na sociedade, delimitando o plano de relacionamento inter partes, ainda que de maneira genérica ou limitada. Isso faz confirmar que, além de Carta Política, a Constituição se demonstra como uma lei fundamental reguladora da sociedade, capaz de promover e exigir comportamentos essenciais para o convívio social.


Fica evidente esse traço, pois é um dos pontos teóricos em que o constitucionalismo foi explicado durante a história, concepção ainda presente nos dias hodiernos. Além da Constituição conceituada como carta política ou elemento sociológico, pode ser apresentada como fator essencialmente jurídico, devido à juridicização/normatividade expressada por ela, aplicando-se aos mais diferentes fatos e situações jurídicas. Confirma-se ainda mais por ser a Constituição pátria classificada como analítica.


Luís Roberto Barroso explica acerca dessa disposição de normas de conduta pelas constituições, defluindo até mesmos em caráter de deveres a serem cumpridos pelo Estado. Esse pensamento é confirmado após as transformações da era moderna, onde aparece a figura do Estado Democrático de Direito (Art. 1º da CF/88), quando as constituições,


“Além de organizar o exercício do poder político, todas as constituições modernas definem os direitos fundamentais dos indivíduos submetidos à soberania estatal […] o dever jurídico a ser cumprido consiste em uma atuação efetiva, na entrega de um bem ou na satisfação de um interesse” (BARROSO; 2003, p. 99, 108-109)


Não poderia ser diferente quanto à liberdade de imprensa, podendo ser encontrados vários dispositivos constitucionais que direta ou indiretamente normatizam a atividade. Levantando este debate, é inerente a ligação que a liberdade de imprensa tem com direitos afins, referido inclusive aos direitos fundamentais. Exemplificando, põe a referência aos direitos à liberdade de manifestação (expressão), pensamento, direito de resposta e retratação referente ao agravo, entre outros direitos.


Em relação a estes últimos direitos fundamentais, percebe-se que a liberdade de imprensa é corolário desse complexo de liberdades individuais, que se exteriorizam através das instituições midiáticas e dos meios que estas contam para exercer a atividade. É evidente a natureza individual das liberdades fundamentais, traçadas nos incisos do Art. 5º da Constituição Federal de 1988, entretanto, alguns deles só podem ser exercidos de maneira coletiva, por exemplo, o direito de associação.


Por meio dessa garantia, assegurada constitucionalmente, é possível o exercício efetivo do intricado corpo de liberdades que se referem à atividade de imprensa. Dentre os dispositivos que se aplicam à matéria, lembrando-se da semelhança direta ou indireta com outros direitos, podem ser destacados na Constituição Federal,


“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:


IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;[…]


V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;[…]


IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;[…]


XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;[…]


XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;[…]


§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.


[…]


Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:[…]


III – restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;


[…]


Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.


[…]


Art. 224. Para os efeitos do disposto neste Capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.”


Estes são alguns artigos que se colocam para justificar e delimitar a atividade da imprensa, podendo ainda ser aplicados outros artigos, a partir de uma interpretação extensiva ou restritiva da Constituição, contando com diversos modos para se subjugar esta matéria ao olhar do diploma jurídico em questão.


Evidentemente que a matéria não é plenamente regulada, ficando alguns pontos obscuros na regência da atividade da imprensa e da liberdade inerente aos indivíduos que usam e usufruem daquela. Situação ressaltada, e não agravada, pela Revogação da Lei de Imprensa, no ano de 2010.


Como tal a normatividade da Constituição é imperante, conforme menciona Konrad Hesse (1991, p. 19),


“A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem.”


Inquestionável a situação de que a liberdade de imprensa é um direito fundamental, de grande valor social, exercido coletivamente a partir da participação social e democrática de cada indivíduo ou grupo na construção da informação e consciência. Por meio de normas, podem concretizar os ideais que visam serem promovidas pelo exercício dessa faculdade, normas estas, previstas constitucionalmente.


A concepção da juridicização pela Constituição Federal não está apoiada somente na garantia da efetividade e promoção das liberdades protegidas pela mesma, mas vai além, abrangendo a limitação do exercício de uma liberdade em defesa da outra.


A essência de valores e direitos não vem traduzidas em substituição de um pelo outro, ao contrário, na coexistência razoável e proporcional de cada um de seus elementos, ponderando-se de acordo com o caso concreto. De tal forma que Juliana Maia, na sua obra atual acerca do Direito Constitucional através de aulas de Vicente Paulo, reproduzindo pensamento de Alexandre de Moraes, coloca,


“Diante do conflito entre dois ou mais direitos fundamentais, o intérprete deverá utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual, sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas” (PAULO; 2007, p.117).


No caso da imprensa, isso também se aplica quando ocorrer alguns abusos e violações, como abordado mais a frente. No aspecto da regulação, apenas o esplendoroso texto constitucional poderia abarcar esse paradoxo de “confronto” de princípios, já que norma constitucional, em regra, não pode ser considerada inconstitucional em relação à outra constante no mesmo diploma.


Por isso, a liberdade de imprensa é direito e objetivo do Estado, submetido a ordem constitucional para a promoção dos complexos de direitos que, juntamente com este, visam garantir a dignidade da pessoa humana.


4 – A Revogação da Lei de Imprensa: entendendo o processo da Lei nº 5.250.


Durante o período da ditadura militar, aqui no Brasil, que se estendeu por média de duas décadas, em que os militares detiveram o poder governamental, fora publicada a Lei nº 5.250, de 09 de fevereiro de 1967.


Com o fito de regular uma matéria até então lacunosa pelo ordenamento, o governo se propunha a delimitar as ações dos jornalistas e repórteres, através da responsabilização dos atos de ilegalidade e abusos cometidos pelos mesmos. Isso restringiu de certa forma a publicação de matérias e documentários, principalmente quando se mencionava o governo da época.


De propósito ou não, essa lei caía perfeitamente para a cúpula do governo militar, pois pela normatização, a lei passou a ser instrumento de controle da imprensa, onde qualquer um poderia ser submetido às penalidades abstratamente previstas. Ademais, a jurisdição não oferecia o devido processo legal para a produção minuciosa de provas, que viessem a incriminar os “acusados” de abusos pela imprensa, na verdade, sendo estes vítimas da manipulação do poder elitista.


Após alguns anos de “perseguição legalizada”, não somente restringido à imprensa, ocorre a prolação dos atos institucionais, por meio dos quais se limitava ainda mais a liberdade, atingindo as empresas e pessoas que ameaçavam o governo. Foi o período conhecido por “anos de chumbo”. Como mencionado acima, quando a imprensa é manipulada pode trazer benefícios para aqueles que a controlam, desse modo, os militares apoiaram-se nesse meio para disseminar a ideologia, através da rádio e televisores.


Entretanto, com a pressão do povo ao governo e um complicado jogo político nos bastidores, aconteceu a progressão de garantias que culminaria na redemocratização do país, já nos anos 80. Com a instauração da Assembleia Constituinte, defensores de diversos setores da sociedade se manifestavam para ver seus direitos defendidos na Constituição que haveria de surgir, culminando em uma constituição analítica.


Entre os direitos postos no novo diploma fundamental, continha os direitos fundamentais, de onde é corolário a liberdade de imprensa, que ocupou todo um capítulo na Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988. A garantia proposta à imprensa deixava de lado o rigorismo da época da ditadura, reformulando um novo aspecto para o exercício da comunicação e da informação.


Diante disso, alguns juristas e estudiosos afirmaram ter sido a Lei nº 5.250/67 revogada pelos ditames que sobrepujavam na Constituição de 1988. É bem evidente que não havia qualquer menção expressa, podendo ainda ser avocado o texto da lei para os casos nela previstos, com a aplicação das penalidades previstas. Contudo, agora  não mais com a imposição de decisões ao livre arbítrio dos governantes, ao contrário do que ocorria durante a ditadura.


Com o passar dos anos, cada vez mais inutilizada foi sendo a Lei da Imprensa pelos juízes e tribunais, que analisavam os fatos relativos à matéria sob o enfoque constitucional, por meio dos princípios da liberdade de manifestação, pensamento de informação, todos confluindo à liberdade de imprensa, disposto no Art. 220 da CF/88.


Alguns dos julgados são transcritos abaixo, de alguns tribunais dos países que já aplicavam a Constituição soberanamente,


“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. APELAÇÃO CÍVEL. DANOS MORAIS. MATÉRIA JORNALÍSTICA. PUBLICAÇÃO NÃO VOLTADA A OFENDER A HONRA. AUSÊNCIA DE ATO INDENIZÁVEL.


O caso em tela não indica existência de dano moral na publicação vergastada, que se mantém nos limites permitidos na Lei N.º 5.250/67 (Lei de Imprensa), reguladora da liberdade de manifestação do pensamento e de informação, assim como não traz ofensas ao art. 220 da Constituição Federal que dispõe sobre a liberdade de informação, em seu § 1º quanto às restrições do art. 5º, X, da carta magna. A publicação não indica ato ilícito, ainda que tenha gerado aborrecimentos aos apelantes que, mesmo sem assumirem autoria por furto, estavam conduzindo veículo furtado, quando ocorreu a apreensão pelos agentes da Polícia Rodoviária Federal, onde os referidos condutores ficaram detidos na Delegacia de Polícia até que foi constatado se tratar de veículo furtado e vendido com chassi adulterado (clonado), bem como a autoridade policial informou ao Jornal apelado acerca do indiciamento por receptação (art. 180, caput, CP). Descabe atribuir responsabilidade indenizável à publicação apenas por refletir o evento, cuja notícia do fato, inclusive, chegou ao local onde residem os recorrentes através de televisão, antes mesmo da publicação do Jornal, a retirar qualquer carga de ofensividade à honra. Apelação conhecida e improvida. Unanimidade (TJMA – APELAÇÃO CÍVEL: AC 110912006 MA).


DIREITOS ELEITORAL E PROCESSUAL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTOS NÃO ATACADOS. PRECEDENTES. ART. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RESTRIÇÕES. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. NEGADO PROVIMENTO.


1. No agravo interno deve-se infirmar os fundamentos da decisão impugnada.


2. O Tribunal Superior Eleitoral, em mais de uma oportunidade, já se manifestou no sentido de que a liberdade de imprensa, nos termos do art. 220 da Constituição Federal, não é plena, uma vez que sofre restrições, principalmente em períodos eleitorais, com o intuito de preservar o necessário equilíbrio e igualdade entre os candidatos.


3. Como proclamam os enunciados sumulares nºs. 279/STF e 7/STJ, não se presta o recurso especial para propiciar o reexame de matéria de prova (TSE – AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO: AAG 2549 SP).


AGRAVO DE INSTRUMENTO – MATÉRIA PUBLICADA EM JORNAL – FATOS TIDOS POR INVERÍDICOS – DIREITO DE RESPOSTA – LIBERDADE DE IMPRENSA – ART. 220 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA – SÚMULA Nº 279 DO STF. AGRAVO A QUE SE NEGOU PROVIMENTO.


1. O deferimento de resposta decorrente de matéria jornalística de conteúdo ofensivo não afronta a liberdade de informação assegurada pelo art. 220 da Constituição Federal (TSE – AGRAVO DE INSTRUMENTO: AG 2584 MG).”


Este processo fulminou na revogação expressa da Lei, em meados do ano de 2009, ressaltado por muitos como um avanço na democracia e desmoronamento dos resquícios da ditadura quanto à atividade da imprensa em âmbito nacional.


Conforme as palavras do Ministro do Tribunal Superior Eleitoral ao tempo da revogação expressa da Lei 5.250/67, Carlos Ayres Brito ressaltou que “de acordo com a Constituição, a manifestação do pensamento não pode sofrer restrições e que a responsabilidade da imprensa vem em um segundo momento. Para Ayres Britto, a Constituição ‘tratou bem a imprensa’ porque a imprensa é a ‘irmã da democracia’”. Tal pensamento foi comungado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal e pelo então Presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer.


Sob comum opinião, afirma-se ter sido uma situação que motivou a democracia, por meio da qual a imprensa detém maior poder de intervenção de participação do povo ao Estado, ao passo que está junto da democracia para efetivar os objetivos desta. É evidente o avanço e os benefícios do fato, ainda que não interferisse tanto na prática, onde já se comungava o ideal.


Entretanto, como elogios emanaram, críticas também vieram em relação específica à responsabilização dos abusos cometidos na atividade da imprensa, que rotineiramente ocorre e envolve diferentes pessoas e situações. Como ficaria esse caso diante da recente revogação da Lei da Imprensa, que ainda sendo pouco aplicada, proporcionava um meio de chegar a punição dos difamadores, caluniadores e injuriosos que usam da imprensa para denegrir outras pessoas. Isto é que se passa a tratar no tópico seguinte.


5 – Os Abusos e Violações da Imprensa: aspectos constitucionais e legais da responsabilidade.


Jogo de interesses, oligopólios, armações, luta por audiência, procura incessante por lucros e vendas, escândalos, entre outros, são muitos os tópicos e temas que põe a imprensa em fundamento distorcido para os reais objetivos que se propõem. Há diversas matérias que são submetidas ao crivo da informação, envolvendo política, esporte, economia, religião, jornalismo, pessoas e coisas. Assuntos de interesse do público e de cunho público, isto é o que engloba.


Entretanto, alguns fatores devem ser questionados e debatidos para se poder delimitar o que se define com ilegalidade e legalidade, abuso ou exercício regular do direito. Isto, pois, a atividade de certos programas ou revistas tem, por sua natureza, um liame de propagação de notícias de entretenimento, que envolvem fuxicos, casos e escândalos que os “famosos” protagonizam. Mas até onde vai o limite da liberdade de imprensa e o respeito à vida privada?


Evidente que a parcialidade da imprensa na prestação da informação pode, por exemplo, condenar ou absolver um suspeito, ou emitir a verdade ou a inverdade de uma suposição de corrupção. São percalços que seguem a atividade e, na ausência de uma fiscalização interna e externa, aliado à falta de imparcialidade e veracidade da informação, acarretam sérios prejuízos ao objeto da informação, que em grande parte são pessoas.


Apesar da proteção e garantia à liberdade de imprensa, que apesar dessa explanação ainda se defende ferrenhamente, Pedro Frederico Caldas (1997, p. 105),


“já vimos que nenhum direito é inteiramente absoluto. Pode-se dizer, como já foi dito, que um direito tem seu campo de atuação limitado pelo campo de atuação de outro direito. Exercício de direito vulnerador de uma situação jurídica, ou de outro interesse juridicamente protegido, configura despotismo ou abuso de direito. Configurações que trincam a ordem jurídica, o equilíbrio e a harmonia social, demandando a reparação devida.”


Como referendado acima, algumas vezes os direitos podem ser confrontados, entre as partes, tendo que fazer uma avaliação em cada caso concreto, geralmente se tratando de direitos de personalidade. A Constituição Federal remete-se o direito de resposta proporcional ao agravo ou violação cometida, quando a informação é veiculada por algum meio de comunicação, tendo o sujeito o direito ao tempo, espaço e meio proporcional ao usado pelo agravante. No julgamento do emérito Pedro Caldas, “não é incomum que a liberdade de informar e o direito à intimidade entrem em choque, revelando uma contraposição dialética entre dois interesses juridicamente protegidos, ambos exornados pela dignidade da proteção constitucional” (1997, p. 147).


Por meio da defesa expostas em casos, existe a garantia de, em primeiro plano, garantir a liberdade de imprensa e, depois, avaliar se o exercício da imprensa culminou em prejuízo para alguém. Entretanto, quando ocorrer alguma violação, tem-se a necessidade de manter o limite da liberdade de imprensa, dirigindo as medidas para as pessoas que dirigem os interesses através do meio de comunicação, até porque, a informação provém da interpretação realizada por pessoas, e não pela tecnologia de imprensa.


Diante da inconstitucionalidade da Lei de Imprensa, críticas surgiram circulando na seara da responsabilidade das infrações cometidas. Nesse alvitre, cumpre fornecer algumas opiniões acerca do tema, que se perfaz como,


“A prática de calúnia, injúria e difamação, assim como a divulgação deliberada de notícia falsa ou a revelação indevida de intimidade são delitos que compete ao Judiciário punir e reparar, quando for o caso, na forma da lei. Estamos, aliás, numa espécie de vácuo legal, depois que o Supremo sepultou como inconstitucional grande parte da Lei de Imprensa do regime militar.”


No contexto atual, seria possível citar casos que envolvem as hipóteses traçadas acima. Os prejuízos podem ser incalculáveis para as pessoas submetidas aos abusos que infielmente são dirigidas contra elas.


Há uma liberdade extremamente deliberada para imprensa, detendo algumas regalias nas quais fornecem um campo de ação amplo para a atividade. Séries de atos podem ser legitimadas na busca de garantir a manifestação do pensamento e o fornecimento da informação. Mas a responsabilização por infringência de direitos repercutem em diferentes âmbitos, ou seja, civil, administrativo e penalmente, de acordo com a gravidade da conduta.


Geralmente se traduz em danos morais, com o pagamento de indenizações para as vítimas, conforme os ditames do diploma civil de 2002. Com a presença do ato ilícito, dá-se ensejo à responsabilização do agente, tal qual presente nos Arts. 186, 927 e 187, dando destaque a este último dispositivo, que menciona “Também comete a to ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e pelos bons costumes”.


Dessa forma, existem dispositivos normativos capazes de impor a devida responsabilização dos danos causados, deixando a submissão de cada fato para o Judiciário, respeitando o ideal de liberdade e limitação. Defluir a compatibilidade necessária para a coexistência pacífica dos direitos.


6 – Considerações Finais.


Depois da emanação constitucional em defesa da liberdade de imprensa e de outros direitos afins, muito avanço houve para a consolidação e promoção dos direitos fundamentais. Com vista a isso, a participação efetiva dos indivíduos no Estado Democrático de Direito é mais real e possível, diante da grande relevância que imprensa detém na contextura atual.


Em realce aos direitos fundamentais, a Constituição proporcionou uma garantia especial sobre a matéria, colmatando as lacunas e impropriedades de outras leis que dispunham limitativamente da liberdade de imprensa.


Agora, com a facilidade de disseminação da informação e os avanços tecnológicos, nunca houve maior abrangência da informação comunicativa, trazendo um número ilimitado de benefícios. Todavia, permeiam nesse campo vícios e abusos que prejudicam pessoas e constituem responsabilização dos infratores.


 


Referências bibliográficas:

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Informações Sobre o Autor

Maria dos Remedios Calado

Professora na UFCG; Especialista em Direito Processual Civil; Assessora Jurídica do Programa de Direitos Humanos na UFCG


Equipe Âmbito Jurídico

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