INTRODUÇÃO
Seria relevante para o atendimento dos interesses das pessoas jurídicas de direito público e, por conseguinte, para o aperfeiçoamento da defesa do próprio interesse público, se os órgãos que as representam judicial e extrajudicialmente fizessem uso da ação penal privada subsidiária da pública, se necessário, bem como, da intervenção na condição de assistentes de acusação nos processos penais instaurados em face de crimes que lesam o seu patrimônio público ou interesse jurídico, tendo em vista que as sentenças proferidas nas aludidas ações influenciam, e muito, nas questões relacionadas ao ressarcimento de danos e à responsabilidade funcional dos servidores.
Assim, é de se indagar:
1 – São os entes públicos detentores de legitimidade para tanto, levando-se em consideração as suas distinções, para uns, e a sua semelhança, para outros, com o Ministério Público?
2 – Em se considerando a possibilidade do ente público tomar as providências legais supracitadas, teria o dever ou a mera faculdade de agir?
3 – Qual seria o âmbito de atuação na qualidade de assistente, ou seja, seria um assistente simples ou litisconsorcial, ou ainda, limitar-se-ia a atuar visando apenas futura indenização ou atuaria de uma forma mais ampla, como colaborador da acusação pública?
4 – Em quais processos poderia atuar: apenas naqueles relacionados com a eventual e futura indenização em favor do Estado-Administração ou também naqueles em que, malgrado não lhe cause prejuízo material, figura como sujeito passivo imediato, como sói acontecer nos crimes praticados por funcionário público contra a Administração Pública?
A reflexão sobre os conteúdos das normas e princípios vigentes, especialmente os de natureza constitucional, bem como acerca dos posicionamentos doutrinário e jurisprudencial, conduz à conclusão de que o ente de direito público é detentor não só da legitimidade como também do dever de propor a ação penal privada subsidiária da pública. quando omisso o Parquet, nos crimes que provocam lesão ao patrimônio público ou interesse jurídico, bem como de atuar de forma ampla nos processos penais instaurados em face da prática de referidos delitos, na condição de assistente da acusação.
A escolha do presente tema tem como finalidade, primeiramente, promover a conscientização, em especial dos órgãos de representação das pessoas jurídicas de direito público, no sentido de que o Estado-Administração possui não só legitimidade, como também o dever de utilizar os instrumentos processuais acima referenciados, eis que se mostram omissos frente à persecução penal relacionada aos citados crimes, deixando de lado instrumento relevante para a defesa do interesse público.
Em segundo lugar, pelo fato de que, indisputavelmente, uma participação efetiva e colaborativa junto aos órgãos de persecução penal, irá aperfeiçoar, e muito, a atuação estatal em defesa do patrimônio público, eis que, como é cediço, o processo penal destina-se, também, à reparação civil, conforme o disposto no art. 63 do Código de Processo Penal adiante transcrito, como, outrossim, dele exsurgem importantes reflexos na área cível e, por conseguinte, nos processos administrativos disciplinares, tal como aqueles previstos no artigo 65 do mesmo diploma legal
Art. 63: Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito de reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.”
Art. 65: Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.
Além do que, com a conscientização e tomada das providências cabíveis, o ente público, necessariamente, passará a acompanhar os inquéritos policiais junto às Delegacias de Polícia do Patrimônio Público; promoverá o aperfeiçoamento da atuação da Fazenda nos processos cíveis de reparação de danos, se porventura em andamento concomitante com o correspondente processo penal; proporcionará uma maior eficiência da acusação pública, pois o procurador da entidade política terá, obviamente, acesso mais agilizado à documentos e importantes informações, além do conhecimento adquirido em razão do desempenho de suas funções, que poderá compartilhar com o Parquet, ligados ao intrincado funcionamento da máquina administrativa e aos ramos do direito a ela afetos, etc.
É de se ressaltar, ainda, que a aludida conscientização dos órgãos representativos, acerca, inclusive, do dever de atuar, conduzirá, quiçá, a uma profunda modificação em suas estruturas, como, p. ex., criação de novas procuradorias ou órgãos e, até mesmo, alterações nas provas dos concursos para provimento do cargo de representante da entidade política, tais como o de Procurador do Estado; da Fazenda Nacional; dos Municípios, etc., eis que o foco de atuação estará direcionado, também, na área criminal, quase que totalmente desprezada atualmente.
1- ENTE DE DIREITO PÚBLICO OU ENTIDADE POLÍTICA
1.1. – CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
Entidade ou ente, nada mais é do que a pessoa jurídica.
Assim, pode-se afirmar que no âmbito de nossa organização política e administrativa, os entes de direito público são os estatais, autárquicos e fundacionais.
Acerca da definição dos aludidos entes, é de se trazer à baila as lições de Hely Lopes Meirelles:
“Entidades estatais: São pessoas jurídicas de Direito Público que integram a estrutura constitucional do Estado e têm poderes políticos e administrativos, tais como a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal. A União é soberana; as demais entidades estatais têm apenas autonomia política, administrativa e financeira, mas não dispõem de Soberania, que é privativa da Nação e própria da Federação.
Entidades autárquicas: São pessoas jurídicas de direito público, de natureza meramente administrativa, criadas por lei específica, para a realização de atividades, obras ou serviços descentralizados da entidade estatal que as criou. Funcionam e operam na forma estabelecida na lei instituidora e nos termos de seu regulamento. As autarquias podem desempenhar atividades educacionais, previdenciárias e quaisquer outras outorgadas pela entidade estatal-matriz, mas sem subordinação hierárquica, sujeitas apenas ao controle finalístico de sua administração e da conduta de seus agentes.
Entidades fundacionais: São pessoas jurídicas de Direito Público ou pessoas jurídicas de Direito Privado, devendo a lei definir as respectivas áreas de atuação, conforme inc. XIX do art. 37 da CF, na nova redação dada pela EC 19/98. No primeiro caso elas são criadas por lei, à semelhança das autarquias, e no segundo a lei apenas autoriza a sua criação, devendo o Poder Executivo tomas as providências necessárias à sua instituição.” [01]
Frise-se, que, comumente, os doutrinadores utilizam-se dos termos Fazenda Pública; Estado-Administração ou Pessoa Jurídica de Direito Público como sinônimos de ente de direito público.
1.2 – REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO
Os entes públicos são representados em juízo pelo Chefe do Executivo ou por procurador constituído de forma contratual ou institucional.
O ente estatal, mais especificamente, os Estados-membros e o Distrito Federal, são representados por procuradores institucionalmente constituídos, nos termos do art. 132 da Carta Magna adiante transcrito:
“Art. 132: Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fazes, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas”.
Da mesma forma, a União, nos termos em que estabelece o disposto no artigo 131 da Constituição Federal:
“Art. 131: A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial ou extrajudicialmente, cabendo-se, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”.
Os Municípios, por sua vez, são representados pelo Chefe do Executivo, ou por procurador, conforme estabelecido no inciso II do art. 12 do Código de Processo Civil: “Serão representados em juízo, ativa e passivamente: II – o Município por seu Prefeito ou procurador”.
Como se vê, a Constituição silenciou acerca da aludida representação, talvez pela grande dificuldade prática de se obrigar a instituição de Procuradorias, frente a notória escassez de recursos financeiros que afeta a maioria dos municípios.
No que tange às autarquias e fundações de direito público, pode se afirmar que serão representadas por seus dirigentes máximos ou por procurador autárquico ou fundacional, nos termos em que dispuser a lei, conforme se depreende do disposto no art. 12 do Código de Processo Civil.
É interessante salientar, neste tópico, que os procuradores dos entes públicos são detentores da importante missão de representá-los judicial e extrajudicialmente, agindo ativa ou passivamente (defesa) em seu favor, e não a pessoa do governante ou do dirigente executivo.
A propósito, ensina Cláudio Grande Júnior, citando Fides Angélica Ommati:
“Quanto à atividade de defesa, o grande impasse diz respeito a “não se confundir a defesa do Estado com defesa do governo, se bem que, por vezes, possa ocorrer”. E tal se deve ao fato de que do mesmo modo que no processo penal ao réu deve ser efetivamente garantida a ampla defesa, ao Estado também se deve garanti-la, porque ambas as hipóteses encarnam interesses indisponíveis. Pode-se afirmar categoricamente que “no plano da defesa jurídica, a evolução é marcada pela defesa dita integral, que inclui a judicial e extrajudicial”……Pode perfeitamente ocorrer de se ter que defender o governo, um vez que este dá tônica à atuação estatal, o que, inclusive, determina o comportamento do Estado em ações populares e civil públicas. Mas não se pode chegar ao absurdo de advogados públicos defenderem a pessoa do governante em processos criminais ou de mero interesse particular, porque aí, sim, este estaria patrimonializando mão-de-obra qualificada estatal em benefício pessoal. Aliás, o que o Estado ganharia com isso?. Nada, só o governo! Não se justifica, portanto, dito patrocínio judicial por advogados públicos”. [02]
Sobre o mesmo tema, as lições de Hely Lopes Meirelles:
“O Chefe do Executivo não pode utilizar advogado da Administração Pública, ou contratá-lo às expensas da Fazenda Pública, para sua defesa, por fato anterior ou concomitante ao exercício do cargo, salvo em questão pertinente às suas prerrogativas”. [03]
Outra questão que importa ser esclarecida neste momento, diz respeito às características que norteiam a “representação” exercida pelos órgãos das entidades políticas.
Em se considerando que o representante da pessoa jurídica de direito público não é, em última análise, representante e nem substituto processual, é de se afirmar que ele o presenta. Vale dizer: a defesa e o ataque judiciais e extrajudiciais praticados pelos procuradores (pessoas físicas), são, na verdade, os atos praticados pelo próprio ente público.
Com extrema precisão técnica posicionou-se, a respeito, Athos Gusmão Carneiro, citando Pontes de Miranda:
A substituição processual mostra-se inconfundível com a representação.
O substituto processual é parte, age em juízo em nome próprio, defende em nome próprio o interesse do substituído.
Já o representante defende “em nome alheio o interesse alheio”.
Nos casos de representação, parte em juízo é o representado, não o representante. Assim, o pai ou o tutor representa em juízo o filho ou o tutelado, mas parte na ação é o representado…….
Também inconfundíveis substituição processual e presentação. O órgão mediante o qual a pessoa jurídica se faz presente e expressa sua vontade não é substituto processual e nem representante legal: “A pessoa jurídica não é incapaz. O poder de presentação, que ela tem, provém da capacidade mesma da pessoa jurídica…….
…………………………….
A presentação é extrajudicial e judicial (art. 17); processualmente, a pessoa jurídica não é incapaz. Nem o é, materialmente…(…)…O que a vida nos apresenta é exatamente a atividade das pessoas jurídicas através de seus órgãos: os atos são seus, praticados por pessoas físicas”. (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t., 1, § 97, n. 1). (grifo nosso) [04]
2 – AÇÃO PENAL.
2.1 – CONCEITO
O Prof. Júlio Fabrini Mirabete traz em sua obra “Processo Penal”, conceitos de ação penal elaborados por Magalhães Noronha e José Frederico Marques: “…o direito de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do Direito Penal Objetivo” (Magalhães Noronha), ou ainda, “o direito de invocar-se o Poder Judiciário para aplicar o direito penal objetivo” (José Frederico Marques). [05]
O citado Mestre, por sua vez, adotando o conceito elaborado por Fernando da Costa Tourinho Filho, leciona que a ação penal:
a- É um direito autônomo:
O direito de ação é autônomo, pois não se confunde com o direito subjetivo material que ampararia a pretensão deduzida em juízo. Se não fosse, não se poderia compreender como o direito de ação pôde ser exercido pela parte quando, afinal, foi ela julgada improcedente. Tem assim a ação um conteúdo próprio, uma vida própria, diversos do direito material a que está ligado. O destinatário da ação não é o sujeito passivo da pretensão insatisfeita e sim o Estado, representado pelo órgão judiciário, a quem se endereça o pedido sobre a pretensão. O interesse do autor é ver atendida sua pretensão, aquela deduzida perante o Estado-Juiz.
b- É um direito abstrato:
Além de autônomo, o direito de ação é um direito abstrato, que investe o seu titular da faculdade de invocar o poder público, por meio dos órgãos judiciários, para compor uma lide e atender, se possível, a pretensão insatisfeita de que este se origina. Independe, portanto, do resultado final do processo, de que o autor tenha ou não razão, ou de que obtenha ou não êxito no que pretende.
c- É um direito instrumental, específico e determinado:
É também um direito instrumental. Embora o fim último do autor seja o de obter um resultado favorável à pretensão insatisfeita, o direito de ação tem por fim a instauração do processo, com a tutela jurisdicional, para a composição da lide. Esse direito instrumental, porém, só existe porque é conexo a um caso concreto. Ingressa-se em juízo pretendendo algo específico. Seu conteúdo é a pretensão deduzida, como determinado, porque está ligada a um fato ou interesse concreto.
d- É um direito subjetivo:
É a ação um direito subjetivo, porque o titular pode exigir do Estado-Juiz a prestação jurisdicional.
e- É um direito público:
É um direito público porque serve para a aplicação do direito público, que é o de provocar a atuação jurisdicional.
E, por fim, assevera:
Diante de tais características pode-se adotar a definição de ação fornecida por Fernando da Costa Tourinho Filho: “Ação é o direito subjetivo de se invocar do Estado-Juiz a aplicação do direito objetivo a um caso concreto. Tal direito é público, subjetivo, autônomo, específico, determinado e abstrato”. (grifo nosso) [06]
2.2 – CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES PENAIS
Vários são os critérios de classificação das ações penais.
Colocando-se a ação penal no esquema da Teoria Geral do Processo, em face do seu conteúdo, pode-se afirmar que ela subdivide-se em ações de conhecimento (declaratória, constitutiva e condenatória), as cautelares e as executivas.
Convém trazer à colação, a esta altura, as lições do Professor Julio Fabrini Mirabete:
a- Ação penal declaratória:
Ação penal de conhecimento é aquela em que a prestação jurisdicional consiste numa decisão sobre situação jurídica disciplinada no Direito Penal. São exemplos de ação penal declaratória o hábeas corpus preventivo em que o pedido é de declarar-se a existência de uma ameaça à liberdade de locomoção….
b- Ação penal constitutiva:
Sendo a ação penal constitutiva àquela destinada a criar, extinguir ou modificar uma situação jurídica sob a regulamentação do direito penal ou formal, apontam-se como exemplos as referentes ao pedido de homologação de sentença penal estrangeira e o de revisão criminal (que é uma rescisória no campo penal).
c- Ação penal condenatória:
A ação penal condenatória, destacadamente a mais relevante no campo penal, é a que tem por objetivo o reconhecimento de uma pretensão punitiva ou aplicação de medida de segurança, para que seja imposto ao réu o preceito sancionador da norma penal incriminadora.
d- Ação penal executiva:
Como ação penal executiva, em que se dá atuação à sanção penal, cita-se a execução da pena de multa, disciplinada nos artigos 164 a 170 da Lei de Execução Penal. Como a execução das demais penas (privativas de liberdade e restritivas de direito) independe de provocação dos órgão da persecução penal, procedendo-se de ofício, sem citação, não há que se falar, nessas hipóteses, em ação executiva, mas em prolongamento da ação penal condenatória.
e- Ação penal cautelar:
A ação cautelar, em que há a antecipação provisória das prováveis conseqüências de uma decisão de ação principal em que se procura afastar o periculum in mora assegurando a eficácia futura desse processo, encontra exemplos no processo penal na perícia complementar (art. 168), no depoimento ad perpetuam rei memoriam (art. 225), na prisão preventiva (arts. 311 e ss) etc. [07]
Todavia, o critério mais utilizado é aquele que se baseia no aspecto subjetivo do titular da ação penal (aquele legitimado a propor a ação penal).
Adotando-se o citado critério, as ações penais são públicas, quando a titularidade de seu exercício é do Ministério Público, ou privadas, quando seu titular é o particular ofendido ou seu representante legal.
As ações penais públicas, por sua vez, subdividem-se conforme esteja ou não presente uma condição específica de procedibilidade, qual seja, a representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça. Quando se exige este requisito, a ação é pública condicionada; nos demais casos a ação será pública incondicionada.
É de se ressaltar que os motivos determinantes do enquadramento de determinado crime a um dos tipos de ação supracitados são de natureza política criminal.
Assim, os crimes mais agressivos a sociedade, são de persecução absolutamente indisponível, estando sujeitos a ação pública incondicionada.
Nos crimes em que ocorra lesão imediata concernente à esfera íntima do ofendido e apenas mediata ao interesse da coletividade, exige-se que o ofendido manifeste o desejo de que se inicie a persecução, embora a iniciativa continue sendo pública (ação penal pública condicionada).
Há crimes em que a ofensa atinge quase que exclusivamente o interesse do sujeito passivo. Nestes, o Estado confere ao ofendido o próprio direito de ação.
Tendo em vista a finalidade do presente trabalho, é de se concentrar a atenção mais especificamente, embora de forma bastante concisa, na sub-classificação das ações penais privadas.
Leciona o Mestre Julio Fabrini Mirabete, que:
“há duas formas de ação privada: a exclusiva, ou principal, e a subsidiária da ação pública. A ação privada exclusiva somente pode ser proposta pelo ofendido ou por seu representante legal…Fala-se na ação privada personalíssima, cujo exercício compete, única e exclusivamente, ao ofendido, em que não há sucessão por morte ou ausência”. [08].
No que se refere à ação privada subsidiária da pública, assevera o citado mestre que pode “intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal (art. 100, § 3º, do CP, e art. 29, do CPP. [09].
Veja-se o que dispõem os citados dispositivos legais:
Art. 100 – A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente declara privativa do ofendido.
…….
§ 3º – A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal”.
“Art. 29 – Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.”
Importante, neste momento, citar, também, o artigo 30 do Código de Processo Penal: “Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada”.
Assim, é de se concluir que a aludida ação pode ser intentada por qualquer um que tenha o seu bem jurídico lesado ou ameaçado pela prática de crime, qualquer que seja a lei definidora do ilícito.
Assente-se, em passant, que a propositura desta ação só tem guarida quando caracterizada a inércia do Ministério Público. Vale dizer: quando, transcorrido o prazo legal, não são tomadas as providências cabíveis, o que não ocorre, vale ressaltar, quando o inquérito policial é arquivado por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça.
No ponto, Mirabete observa que:
“A ação penal subsidiária, ou supletiva, só tem lugar no caso de inércia do órgão do MP, ou seja, quando ele, no prazo que lhe é concedido para oferecer a denúncia, não a apresenta, não requer diligência, nem pede o arquivamento. Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem provas (Súmula 525) e, em conseqüência, não cabe a ação privada subsidiária”. [10].
No mesmo sentido, o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
“Para que surja o direito de promover a ação penal privada subsidiária é indispensável que tenha havido omissão da ação pelo Ministério Público, o que nada mais é do que a inércia processual – falta de oferecimento de denúncia ou de pedido de arquivamento formulado à autoridade judiciária – e não verificar-se se ocorreu ou não inércia administrativa do citado órgão”. [11]
Note-se, que, se o juiz não concordar com o pedido de arquivamento, aplica-se o disposto no artigo 28 do Código de Processo Penal:
“Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará obrigado o juiz obrigado a atender”.
Todavia, é de se concluir que se evidencia a inércia do Ministério Público nas hipóteses em que o pedido de arquivamento do inquérito policial não for cabalmente fundamentado, e, por via de conseqüência, a possibilidade da propositura da ação penal privada subsidiária da pública.
Como se vê, a questão é por demais intrigante, eis que, de um lado, a lei processual determinando que o juiz estará obrigado a acatar a decisão do Procurador-Geral no sentido de que o inquérito deverá ser arquivado. Do outro, a possibilidade, muito remota, é claro, do Chefe do Ministério Público insistir num arquivamento absurdo, decorrente de escancarada falta ou descabida fundamentação.
Ora, nestes casos, é forçoso concluir que a restará à vítima desconsiderar a decisão do Ministério Público e a posterior homologação desta decisão pelo juiz, até mesmo em face da sua nulidade absoluta, e propor a ação penal privada subsidiária da pública, sob o argumento de que restara caracterizada a inércia do Parquet.
No caso, porém, de não ser recebida a ação por ter sido aplicado no caso concreto o art. 28 do CPP, restaria ao ofendido a tomada das medidas processuais cabíveis (recurso em sentido estrito; mandado de segurança; ação de nulidade, etc.), para assegurar o seu direito constitucional de acesso à justiça, ou seja, de utilizar-se da ação penal privada prevista nos artigos 5º, inc. LIX da Carta Magna; 100, § 3º do CP e 29 do CPP, quando evidenciada a omissão do Ministério Público.
Não se trata, é evidente, de negar vigência ao disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, eis que para a sua aplicabilidade, pressupõe-se, obviamente, a atuação legítima do “Parquet” em fundamentar adequadamente o pedido de arquivamento do inquérito policial.
Do contrário, estar-se-ia admitindo, ao arrepio da técnica, da lógica, da moral, dos princípios que norteiam o estado democrático de direito e o devido processo legal, um monopólio tirano da ação penal.
2.3 – NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA
Como é cediço, a ação penal privada subsidiária da pública, está prevista, inclusive, no art. 5º, inciso LIX da Constituição Federal: “Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”.
A propósito, ensina o Prof. Mirabete que:
“Essa ação privada subsidiária da ação pública passou a constituir garantia constitucional com a nova Carta Magna (art. 5º, LIX), em consonância, aliás, com o princípio de que a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º , XXXV). Atende-se ao inderrogável princípio democrático do processo a participação do ofendido na persecução penal” [12].
O Procurador da República Anastácio Nóbrega Tahim Júnior, por sua vez, observa:
“Alçada à categoria de garantia constitucional, a ação penal privada subsidiária da pública ainda suscita controvérsias. Singularizada por muitos como uma verdadeira avis rara de nosso ordenamento jurídico, sem prejuízo da inconveniência resultante de sua existência num sistema acusatório, como é o caso do nosso, a verdade é que, com assento no artigo 5º de nossa Carta Política de 1988, a ação penal privada subsidiária consubstancia-se em cláusula pétrea, em que pese todas essas honrosas críticas”. [13]
Têm-se, pois, que a natureza jurídica da ação penal privada subsidiária da pública é de instrumento de garantia constitucional, podendo, assim, ser também chamada de “remédio”.
2.4 – A LEGITIMIDADE DO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA COM RELAÇÃO AOS CRIMES QUE CAUSAM OU POSSAM CAUSAR LESÃO AO SEU PATRIMÔNIO FÍSICO.
Conforme visto acima, a ação supracitada caracteriza-se como cláusula pétrea e pode ser intentada por qualquer um que tenha o seu interesse ou bem jurídico lesado ou ameaçado de lesão pela prática de crime.
Desta feita, pode-se afirmar que o titular desta ação é, obviamente, o sujeito passivo imediato do crime ou o ofendido pela prática delituosa (CPP, art. 30).
Todavia, é necessária uma análise acerca da abrangência da aplicabilidade desse dispositivo constitucional.
Não se pode afirmar, obviamente, que o citado sujeito passivo poderia ser tão-somente a pessoa física.
É evidente que também detém esta condição a pessoa jurídica, eis que também pode, obviamente, sofrer lesão ou ameaça de lesão, em decorrência da prática de uma infração penal.
Neste sentido é o entendimento do Prof. Fábio Ramazzini Bechara, ao comentar acerca da pessoa jurídica na condição de sujeito passivo de crimes:
Nesse mesmo conceito se inserem não somente as pessoas físicas, mas igualmente as pessoas jurídicas, sejam elas de direito público ou de direito privado. No crime de estelionato, na modalidade emissão de cheques sem fundos, por exemplo, tanto é possível que o sujeito passivo seja uma pessoa física quanto uma pessoa jurídica – uma empresa, uma sociedade de economia mista, a União, os Estados, os Municípios. (grifo nosso). [14]
Têm-se, pois, que a entidade política é detentora da aludida legitimidade, eis que é pessoa jurídica e figura como sujeito passivo direto em várias figuras delitivas, tais como aquelas previstas no Capítulo I do Título XI do Código Penal; na Lei das Licitações e Contratos, etc.
No ponto, é de se trazer o comentário de Jessé Torres sobre o artigo 90 da Lei Federal n. 8.666/93:
“Art. 90 – Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:
Pena – detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
……..
3.1 – Objetividade jurídica
A Administração Pública, no particular aspecto de seu patrimônio, que deve ser protegido através da aquisição mediante a proposta mais vantajosa, sobretudo quanto ao preço, da moralidade que deve presidir seus atos e da livra concorrência que se aplica ao processo licitatório, permitindo a competição salutar entre todos os licitantes.
……..
3.3 – Sujeito passivo
Primariamente, o Estado que vê frustrado ou fraudado seu interesse na competitividade da licitação e da qual deve emergir a proposta mais vantajosa economicamente.(grifei) [14-a]
Não há se falar que o Ministério Público, por se confundir com o Estado-Administração, retiraria deste a legitimidade para propor a ação subsidiária, eis que, consoante é sabido, a Constituição Federal de 1988 retirou do Parquet a atribuição de representante judicial dos entes de Direito Público (arts. 131 e 132), o que os legitima plenamente para a propositura da ação subsidiária.
Como dilucida o Professor Airton Rocha Nóbrega:
Uma avaliação atual dessa questão, exige, necessariamente, que se considere o fato de estarem deslocadas da esfera de competência do Ministério Público as atribuições alusivas à representação judicial dos entes de Direito Público que, com a promulgação da Carta Federal de 1988, se viu transferida, no âmbito federal, para a esfera da Advocacia-Geral da União (art. 131).
Esse órgão passou a ter, portanto, por intermédio de quadro próprio, de forma independente e dissociada da atuação do Ministério Público, a função institucional de representante judicial da União, diretamente ou através de órgão vinculado.
Ao Ministério Público, como órgão independente e instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, reserva-se o exercício de atribuições que lhe são próprias (CF: art. 129), não mais fazendo parte desse rol de atividades aquela alusiva à representação de tais entes.) (grifei) [15].
Por sua vez, o Professor Rodolfo de Camargo Mancuso, citando José Marcelo Menezes Vigliar, afirma:
Nesse ponto, é muito importante a distinção conceitual, desenvolvida na doutrina italiana por Renato Alessi, entre “interesse público primário” e “interesse público secundário”, cujo desdobramento permite, a nosso ver, a não menos importante distinção entre “interesse público” (propriamente dito) e “interesse fazendário” ou “da Administração Pública”.
Note-se que o art. 127 da CF legitima o Ministério Público à defesa “dos interesse sociais e individuais indisponíveis”, mas no art. 129, IX, veda-lhe “a representação judicial e a consultoria jurídicas entidades públicas”, justamente por causa daquela distinção, observando-se, v.g., que “o interesse da União” vem a ser defendido por esse mesmo ente político, através de sua Procuradoria, no caso a Advocacia Geral da União (CF, art. 131). No ponto, preleciona José Marcelo Menezes Vigliar: “Fica patente que nem sempre o interesse cujo Estado (enquanto pessoa jurídica de direito público) é o titular coincide com o interesse público identificado com o conceito de bem geral (interesse da coletividade como um todo. (grifo nosso) [16]
O Professor Jessé Torres Pereira Júnior, ao comentar o disposto no art. 103 da Lei Federal n. 8.666/93, em singular e objetiva apreciação, assevera com plena juridicidade, que o Estado-Administração, por distinguir-se do Ministério Público, tem plena legitiminade para propor a ação subsidiária:
Consagrou o legislador, neste dispositivo, o que a doutrina nomeia ação penal privada subsidiária da pública. Instituto incluído nos artigos 29 e 30 do Código de Processo Penal e alçado a direito individual pelo constituinte de 1988, consiste na garantia que se assegura ao cidadão de poder deflagrar o processo persecutório do infrator em caso de inércia de órgão de atuação do Ministério Público, quando este deixa de propor a ação penal, oferecendo a denúncia no prazo legal. É hipótese, pois, de substituição processual, eis que o ofendido ou quem tenha qualidade para representá-lo atua em nome próprio defendendo direito alheio, uma vez que o titular do direito de punir é o Estado.
Cumpre, pois, definir quem tem a legitimação extraordinária para propor a ação penal privada subsidiária. Remete o dispositivo em comento ao disposto nos artigos 29 e 30 do diploma processual penal, estabelecendo este último que caberá ao ofendido (ou a quem tenha qualidade para representá-lo) a iniciativa para intentar a ação penal no caso de omissão do Ministério Público. Legitimado, pois, será o titular do bem jurídico penalmente tutelado e lesado pelo ato infracional praticado.
Sob este prisma, vamo-nos deparar com curiosa situação, nos caso dos crimes definidos na Lei: como, em todos eles, o objeto da proteção penal é a Administração Pública e, por conseguinte, sujeito passivo primário é o Estado, disto se segue será ele, o ofendido, o legitimado extraordinariamente para a propositura da ação penal privada subsidiária da pública. Peculiar situação em que veremos o Estado substituindo-se…ao próprio Estado!
Com efeito. Titular do direito de ação penal pública, não detém o Ministério Público um direito próprio, seu, exclusivo, senão que a Constituição lhe confere a guarda e o exercício de um direito do Estado, já que a este, e só a este, se reconhece a titularidade do direito de punir. Por isto mesmo, é o Ministério Público órgão do Estado, velando o legislador constituinte por conferir-lhe prerrogativas (antes só reconhecidas à magistratura) que lhe assegurassem a necessária independência no exercício da superior função que lhe entregou a Carta da República. O exame destas prerrogativas (art. 128, I, da Constituição Federal) revela a preocupação do legislador constituinte, em tornar os membros do Parquet imunes a influências e pressões originadas, de regra, no seio da Administração Pública.
Disto se depreende que nem sempre são coincidentes os interesses defendidos e tutelados pelo Ministério Público e aqueles patrocinados pela Administração Pública. A prática, aliás, demonstra o sem-número de vezes em que o Ministério Público atua contra a Administração Pública, promovendo medidas na área cível e criminal, que confrontam o exercício do poder pelo administrador.
Não é de desprezar-se, portanto, a hipótese em que o entendimento do Ministério Público contrarie os interesses da Administração Pública quando à dedução da ação penal, não se podendo admitir que o Estado, por sua Administração, se visse tolhido em seu direito de ver submetida à apreciação do Poder Judiciário lesão que entenda ter ocorrido a direito seu, no caso de inércia ou inação da representação do Ministério Público.
Não hesitamos, portanto, em admitir que, em se tratando de crime definido na Lei (como, de resto, em qualquer crime cometido contra interesse ou patrimônio da Administração Pública), a inércia do Ministério Público, na propositura da ação penal pública autoriza ao Estado, por sua Administração, o exercício da ação penal privada subsidiária, hipótese em que ele se equipara ao particular (como em tantas outras, aliás), assim como o exercício da faculdade de recorrer, prevista no artigo 598 do Código de Processo Penal, nos casos em que o órgão de atuação do Ministério Público se conforme com a decisão proferida na ação penal, mas cujo desfecho a Administração Pública repute incompatível com o interesse público.(grifei) [17]
Assim, caracterizada a efetiva distinção de interesses e de atuação entre o Ministério Público e os entes públicos, bem como a evidente possibilidade destes serem sujeitos passivos de crimes, resta categoricamente demonstrada a legitimidade das aludidas entidades proporem a ação privada subsidiária da pública, se necessário, lembrando, nesse ponto, que a referida ação fora elevada à categoria de garantia constitucional, conforme visto no item anterior.
Realce-se, ainda, que se a melhor doutrina tem admitido, inclusive, a propositura da ação subsidiária da pública até mesmo nos chamados crimes vagos, quanto mais naqueles tipos penais em que o ente público é de pronto identificado como vítima; ofendido ou sujeito passivo imediato.
A esse respeito, e para corroborar ainda mais as afirmativas acima, é de se transcrever parte da tese apresentada e aprovada pelo Ilustre Procurador da República em Goiás, Dr. Anastácio Nóbrega Tahim Júnior, no 13º Congresso Nacional do Ministério Público, onde cita, inclusive, o Código de Defesa do Consumidor, que prevê a titularidade da ação subsidiária até mesmo por órgão da administração pública sem personalidade jurídica:
“…..não se pode deixar de ter presente que a ação penal privada subsidiária é privada, apenas, subsidiariamente. Traz ela, como pano de fundo, toda a principiologia que inspira e informa as ações penais públicas. Em se tratando de ação pública em sua essência, pois, como qualquer uma outra, seu móvel não é um interesse particular da vítima, mas o interesse público que anima e justifica a própria repressão criminal.
Parece insustentável, portanto, que esse interesse público e princípios como o da obrigatoriedade e da indisponibilidade, por exemplo, possam não ser reconhecidos a ponto de cair no vazio a persecução penal quando inerte o Ministério Público, em casos que tais; tão somente pelo fato de se ter, como sujeito passivo, uma dada coletividade…
Assim, quer tenha o crime, como sujeito passivo, uma pessoa individualmente considerada e determinada, quer uma coletividade destituída de personalidade jurídica, é possível concluir, com extrema razoabilidade, que há identidade de razão jurídica entre ambas as situações, a justificar a aplicação dos mesmos princípios e dispositivos.
É dizer, qualquer que seja o delito, se inerte o Ministério Público quando do oferecimento de denúncia, estará aberto o caminho para a ação penal privada subsidiária, por quem detenha a necessária legitimidade…..”
……….
Corroborando a tese aqui esboçada, no sentido de que a ação penal privada subsidiária da pública também tem ampla aplicação nos crimes que comprometem toda uma coletividade – e a de consumidores não poderia passar ao largo dessa disciplina -, a Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, atribuiu legitimidade ativa para aquela causa também aos legitimados indicados no artigo 82, incisos III (as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC) e IV (as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC) da mesma lei, nos termos de seu artigo 80.
Conclusão:
……….
I – a ação penal privada subsidiária da pública tem, também,plena aplicação nos chamados crimes vagos; aqueles em que o sujeito passivo é uma coletividade destituída de personalidade jurídica;
II – em caso de inércia do Ministério Público no oferecimento de denúncia em casos que tais (crimes contra a incolumidade pública ou mesmo contra o meio ambiente, por exemplo), a ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública poderá ser proposta por todo aquele que puder se identificar, ao lado da coletividade a que pertence, como sendo o titular do bem jurídico tutelado pela norma penal;
III – a noção de coletividade lesionada e, conseqüentemente, de indivíduos que a integra, para os fins de ação penal privada subsidiária da pública, deve-se prender à idéia de sujeito passivo. A extensão desses conceitos, portanto, vai até onde houver titularidade do bem jurídico penalmente protegido; e
Quanto aos crimes vagos que interessem às relações de consumo, a legitimidade ativa para a causa é, sem prejuízo da pertencente ao ofendido, também conferida aos legitimados indicados no art. 82, incisos III (as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem persolnalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC) e IV (as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre os seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC) da Lei n. 8.078/90)”. (grifo nosso). [18]
Tem-se, assim, que a legitimidade do Estado para a propositura da ação subsidiária fundamenta-se, também, pela aplicação do disposto no art. 3º do Código de Processo Penal c/c art. 82, III da Lei 8.078/90.
3 – A ASSISTÊNCIA DA ACUSAÇÃO
3.1 – CONCEITO E LEGITIMIDADE
Trata-se, basicamente, do direito colocado à disposição daquele que figura como sujeito passivo nos crimes de ação penal pública, de, facultativamente, auxiliar o Ministério Público na acusação (CPP, art. 268).
No que diz respeito a natureza jurídica do instituto da assistência, não é pacífico o entendimento doutrinário, uns afirmando que caracteriza-se como uma mera parte contingente ou adesiva, eventual, cuja única finalidade é a obtenção de futura indenização, e outros entendendo que o assistente pode intervir de forma ampla no processo, auxiliando e reforçando a acusação pública e, secundariamente, visando posterior reparação de danos.
O artigo 268 do Código de Processo Penal estabelece que pode intervir como assistente do Ministério Público o ofendido ou seu representante legal, ou na falta, qualquer das pessoas mencionadas no art. 31.
O citado artigo 31, por sua vez, dispõe que “No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão”.
É de bom alvitre lembrar que detem também esta legitimidade as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, eis que, conforme já asseverado acima, quando se demonstrou a titularidade para a propositura da ação penal privada subsidiária da pública, podem, obviamente, figurar como vítima ou sujeito passivo de crimes (item 2.4).
Ressalte-se, por fim, que não cabe recurso da decisão que indeferir o pedido de assistência, nos termos do art. 273 do Código de Processo Penal.
Todavia, os tribunais vêm admitindo o ingresso de assistente, através de mandado de segurança (RT 577:386).
3.2 – A LEGITIMIDADE DO ENTE PÚBLICO PARA ATUAR COMO ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO NOS PROCESSOS RELACIONADOS AOS CRIMES QUE CAUSAM OU POSSAM CAUSAR LESÃO AO SEU PATRIMÔNIO.
O artigo 268 do Código de Processo Penal estabelece: “Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou o seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no art. 31”.
A despeito do dispositivo acima, doutrina e jurisprudência tem se dividido acerca da possibilidade do ente público intervir como assistente em processos penais instaurados em face da prática de crimes que lhes tenham provocado lesão ou ameaça de lesão.
Admitindo a assistência do ente público, trazemos o entendimento do Prof Vicente Greco Filho:
“…divergência quanto aos crimes contra a administração pública. Poderia a fazenda, em crime, por exemplo, de peculato, ingressar como assistente? Entendemos que sim, porque o interesse patrimonial e a qualidade de ofendido da Fazenda não se confundem com a função institucional do Ministério Público de titular da ação penal. O ministério Público não representa a Administração, logo não se esgota nele o interesse de intervir para preservar a reparação civil e colaborar na aplicação da lei penal” (grifei). [19]
Em sentido contrário, o entendimento do Prof. Júlio Fabrini Mirabete, ao dispor que: “O Poder Público não pode intervir como assistente, uma vez que o Ministério Público, parte acusadora, atua sempre em seu nome, sendo a ingerência da administração uma superafetação prejudicial à defesa”. [20]
Ao que tudo indica, não há razão para tal divergência, eis que se o ente público pode ser titular da ação penal privada subsidiária da pública, conforme lhe garante a própria Carta Magna, muito mais pode figurar como assistente nos aludidos processos criminais.
Além do que, como bem asseveram os Professores Vicente Greco Filho e Airton Rocha Nóbrega nos textos retro transcritos, a qualidade de ofendido da Fazenda não se confunde com a função institucional do Ministério Público.
Ora, o interesse da Fazenda Pública que, de regra, é garantir futura indenização, não só legitima a sua intervenção processual, como também, evidencia a sua distinção com o Parquet.
Acerca deste interesse especial da Fazenda, que a diferencia do Ministério Público, é oportuno destacar, neste momento, as lições de Rômulo de Andrade Moreira:
A consumação de uma infração penal não acarreta, tão-somente, o aparecimento da pretensão punitiva do Estado.
Como o crime poderá vir a surgir, também, a pretensão individual de ressarcimento do dano causado à vítima.
Assim, a princípio, ao lado da pretensão punitiva, de regra (pois nem toda ação delituosa é necessariamente ressarcível) a prática da infração penal dá ensejo ao direito de alguém a ser indenizado civilmente pelo dano provocado. Entre nós esta norma vem expressa no art. 159 do Código Civil:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.
………………………
…o certo é que, via de regra, a prática do delito também faz surgir a pretensão da vítima a um ressarcimento pelo respectivo dano. Como escreveu Bettiol, o crime ocasiona, portanto, não apenas um dano penal, mas também um dano civil eu deve ser reparado. Assim, gravita em torno do crime toda uma série de interesses e de disposições não penais que, por se referirem ao crime, poderiam agrupar-se sob a denominação de “direito criminal civil’….(grifo nosso) [21]
Aliás, diga-se de passagem, não é estranho ao direito brasileiro, a intervenção da Fazenda Pública, no pólo ativo, juntamente com o Ministério Público, como ocorre na ação civil pública.
Como leciona Rodolfo de Camargo Mancuso:
“Sob o critério da “imperatividade da citação” de todos aqueles implicados, o litisconsórcio passivo será do tipo necessário (embora não unitário), salvo, pensamos, com relação à Administração, já que à esta é facultado “atuar ao lado do autor (§ 3ºdo art. 6º), e, por assim dizer, “recusar” o litisconsórcio passivo”. Assim, com relação ao Poder Público, parece que se forma um curioso litisconsórcio passivo secundum litis, conforme ele se decida a: 1. contestar a ação; 2. abster-se de fazê-lo; 3. assistir o autor popular (art. 6º, § 3º da Lei 4.717/65). [22]
Poderia se argumentar, ainda, que a Fazenda Pública não teria esta legitimidade, pelo fato de que o Ministério Público, por ser titular da ação civil para a apuração de atos de improbidade administrativa, teria esta missão, qual seja, a de promover o ressarcimento dos danos ao Estado, eis que este é um dos efeitos daquela ação (art. 12 da Lei n. 8429/92).
Tal argumento, todavia, não merece prosperar, pelo simples fato de que a Fazenda Pública também é titular da aludida ação civil destinada a apuração de improbidade administrativa.
Exatamente essa é a lição do Professor Pedro Roberto:
Particularmente, acreditamos que, tratando-se de crime que haja ocasionado direto prejuízo patrimonial para o Poder Público, este, considerando que também em seu benefício se aplicam as regras do art. 91, inciso I, do Código Penal e do art. 63 do Código de Processo Penal, pode habilitar-se como assistente de acusação, nos processos destinados à apuração de tais ilícitos penais. No ponto, deve-se inclusive considerar a regra constitucional segundo a qual ao Ministério Público é vedado, no Brasil, empreender a defesa judicial das pessoas jurídicas de Direito Público, muito embora nesse ponto se deva fazer também a ressalva de que, normalmente, o crime que causa prejuízo ao Poder Público configura também um ato de improbidade, o que, face a essa particular situação, faria nascer de todo modo a legitimidade do Ministério Público para a ação destinada à imposição ao seu autor das sanções previstas pelo art. 12 da Lei n. 8429/1992, entre as quais se inclui o ressarcimento integral do dano. Mesmo nesse caso, porém, como a legitimidade é também da pessoa jurídica de Direito Público prejudicada, tratando-se de situação de legitimidade concorrente e disjuntiva, somente tal circunstância, só por si, já faria surgir o interesse da pessoa jurídica de Direito Público prejudicada, em atuar na ação penal como assistente do Ministério Público. (grifo nosso) [23]
Cumpre lembrar, ainda, apenas para enfatizar a importância da intervenção do ofendido no processo penal, que, no Brasil, adota-se a independência ou separação entre a ação penal e a civil: Vale dizer: a ação civil que visa a indenização por danos decorrentes de uma determinada prática delituosa pode ser proposta antes, durante ou depois da ação penal correspondente.
Todavia, como é sabido, tal independência é relativa, eis que a ação penal – procedente e, em determinados casos, a absolutória -, gera importantíssimos e decisivos efeitos na área cível.
Vejamos, a respeito, a lúcida exposição de Rômulo de Andrade Moreira:
…Estas possibilidades resultam claras nos arts. 63 e 64 do Código de Processo Penal:
Art. 63: Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito de reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.”
Art. 64: Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para o ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil”.
Vê-se, portanto, que não se faz necessária um sentença penal condenatória transitada em julgado para se pretender, no cível, a reparação do dano.
……………………………….
O certo, porém, é que a ação penal e a ação civil são autônomas, ainda que a sentença penal seja determinante no cível em relação a determinados aspectos. A autonomia, portanto, não é absoluta, como queria Toullier.
Prevaleceu na doutrina a teoria de Merlin, adotada, inclusive, pelo nosso Código Civil, ao dispor no seu artigo 1.525 que:
“A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime”.
………………………
Por sua vez, complementando esta relativa independência entre as duas instâncias, o Código de Processo Penal proclama:
Art. 65 – Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito”.
Este artigo guarda estreita relação com o disposto no art. 160, I e II do Código Civil, in verbis:
“Art. 160 – Não constituem atos ilícitos:
I- Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.
II- A deterioração ou destruição da coisa alheia, a fim de remover perigo iminente (arts. 1.519 e 1.520).
Vê-se, portanto, que o sistema adotado pelo Brasil reconhece a independência entre o Juízo cível e o penal, ressalvando, no entanto, que quanto à autoria e a existência do delito prevalece o decidido no crime (art. 1525 do Código Civil), bem como no que se refere às causas excludentes de ilicitude (art. 23 do Código Penal); exatamente por isso, o parágrafo único do art. 64 “faculta” ao Juiz da ação civil suspender o curso do respectivo processo, até que se decida definitivamente a ação penal. [24]
Outro fator que demonstra ainda mais a importância do processo criminal para o sujeito passivo direto, diz respeito ao prazo prescricional para a obtenção de indenização, com base na sentença penal condenatória, que inicia-se apenas após o seu trânsito em julgado.
Analisando esta questão, destaca Yussef Said Cahali que:
O prazo que flui desde a prática delituosa é da prescrição da ação (“a”) e o que principia do trânsito em julgado da eventual sentença penal condenatória é da prescrição da actio iudicati autônoma (“b”). E, como se trata de pretensões autônomas, exercitáveis mediante ações processuais distintas e alternativas (“a” e “b”), guarda não menor aceito notar que, embora prescrita a ação de ressarcimento (“a”), pode a vítima, ou seus sucessores, valer-se com o mesmo objetivo prático, da execução não prescrita de eventual sentença condenatória (“b”), cujo termo inicial do prazo prescritivo é, a toda evidência, sempre muito posterior ao do mesmo prazo da ação de ressarcimento.[25]
Assim, não se pode negar que impedir a atuação do ente público nos processos criminais decorrentes de crimes que lesam o seu patrimônio, em face, ainda, da escancarada distinção entre este e o Ministério Público significaria, de pronto, afrontar, também, os princípios constitucionais da isonomia e do livre acesso à justiça.
Acertado, a propósito, o posicionamento do eminente Juiz Federal da 12ª Vara do Distrito Federal, Sidney M. Monteiro Peres, em face do pedido formulado no interesse da fundação pública federal, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, citado por Airton Nóbrega no artigo supracitado:
…………………….
3. Entendo que a assistência requerida pelo CNPq, que é uma fundação pública, objetiva coadjuvar a atuação do Ministério Público Federal, apenas para auxiliá-lo sobre fatos que possam lhe ser desconhecidos, sobre o caso deste processo.
4. Por outro lado, o pretendente à assistência é sujeito passivo do crime que está sendo apurado na ação penal.
5. Sobre a hipótese, a jurisprudência nos dá as orientações, como inter plures, o aresto:
EMENTA
“Tratando-se de ação penal pública promovida pelo Ministério Público do Estado, sendo lesada a Prefeitura Municipal de São Paulo, é admissível o ingresso desta como assistente. É que o interesse do bem público geral do órgão ministerial não coincide com o interesse secundário da ofendida municipalidade.”
(JSTJ 20/224 e RT 667/334)
6. No mesmo sentido: STJ: JSTJ 39/313; RT 688/295; RJTJESP 137/567. Crime de Peculato. Caixa Econômica Federal – STF: Admissibilidade de assistência: RTJ 78/923.
7. Isto posto, defiro o pedido de fls. 1239, e admito o CNPq como assistente do Ministério Público Federal nesta ação penal, com apoio no art. 268 do CPP. (grifei) [26]
Cumpre ressaltar, ainda, que a legitimidade do ente público para figurar como assistente da acusação, encontra respaldo no próprio direito positivo, mais especificamente no Decreto-Lei n. 201/67, que trata da responsabilidade de prefeitos e vereadores.
Elucidativa, a respeito, a lição de Jessé Torres Pereira Júnior:
Este confronto entre o interesse da Administração Pública e o posicionamento independente do Ministério Público não é desconhecido do direito positivo. O Decreto-Lei n. 201, de 27.02.1967, que trata da responsabilidade de prefeitos e vereadores, prevê, no § 1º do art. 2º , a possibilidade de “os órgãos federais, estaduais ou municipais, interessados na apuração da responsabilidade do prefeito” intervirem “em qualquer fase do processo, como assistente da acusação”. Esta equiparação do Estado ao particular, como ofendidos intervenientes adesivos na ação penal, é forma de reconhecimento entre o conflito in fieri existente entre os interesses defendidos pelo Ministério Público e aqueles esposados pela Administração Pública. (grifo nosso) [27]
Têm-se, pois, estreme de dúvidas, a plena legitimidade do Estado-Administração, de intervir como assistente de acusação nos processos criminais de seu interesse, em face, inclusive, da aplicação do disposto no art. 3º do Código de Processo Penal, adiante transcrito, c/c o § 1º do art. 2º do Decreto-Lei supracitado:
“art. 3º do CPP: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”.
Para terminar este tópico, é de se trazer à baila O Projeto Oficial de Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, aliás, prevê, em seu art. 3º, inc. “X”, adiante transcrito, que, a Procuradoria do Estado deverá: “acompanhar inquéritos policiais sobre crimes funcionais, fiscais ou Contra a Administração Pública e atuar como assistente de acusação nas respectivas ações penais, quando for o caso”.
3.3 – O ÂMBITO DE ATUAÇÃO DO ENTE PÚBLICO NOS PROCESSOS EM QUE ATUA COMO ASSISTENTE
Inicialmente, vejamos o que dispõem os artigos 268 e 271, ambos do Código de Processo Penal:
“art. 268. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no art. 31.”
“art. 271. Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar o libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, § 1º., e 598.
No entanto, parte da doutrina e da jurisprudência, ao interpretar esses dispositivos, entende que a atuação do assistente nos processos criminais justifica-se tão somente em face do interesse por uma futura indenização.
Assim, o assistente teria uma participação reduzida no processo penal, limitando-se à prática dos atos tendentes a garantir o seu interesse na reparação de danos.
Ipso facto, não poderia, por exemplo, interpor recurso para agravar a pena imposta ao acusado.
Neste sentido, aliás, é o entendimento de Fernando da Costa Tourinho Filho:
Qual a função do assistente? Entendemos que a razão de se permitir a ingerência do ofendido em todos os termos da ação penal pública, ao lado do Ministério Público, repousa na influência decisiva que a sentença penal exerce na sede civil.
Segundo dispõe o art. 91, I, do CP, é um dos efeitos da sentença penal condenatória tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Por isso mesmo dispõe o art. 63 do CPP que a sentença penal condenatória com trânsito em julgado constitui título certo e ilíquido em favor do direito à indenização.
Assim, ao que tudo indica, o Estado permitiu a ingerência do ofendido nos crimes de ação pública para velar pelo seu direito à indenização. Conclui-se, pois, que a função do assistente não é a de auxiliar a acusação, mas a de procurar defender seu interesse na indenização do dano ex delicto. [28]
Não parece retratar, data vênia, tal posicionamento, a melhor exegese do sistema processual.
Ora, da simples leitura do disposto no artigo 268 do CPP, acima transcrito, constata-se que o termo assistente, ali colocado pelo legislador, por si só, demonstra que o sujeito passivo pode atuar de forma ampla, eis que assistir significa auxiliar, ajudar, etc.
Além do que, se a vítima é detentora de legitimidade para propor ação penal privada subsidiária da pública, por qual razão não poderia ter uma ampla atuação no processo, equiparada àquela que o próprio Ministério Público desenvolve?
Esta questão fora detalhadamente analisada por Fábio Ramazzini Bechara e, pela importância, pedimos vênia para transcrevê-la parcialmente:
Qual o interesse que move a vítima no processo penal? Essa questão tem por base a dúvida suscitada em torno da possibilidade de o assistente recorrer para agravar a pena do réu já condenado. Parte da doutrina e dos tribunais sustenta que a presença da vítima no processo penal se justifica única e tão-somente em razão do interesse por uma futura indenização, o que acaba por limitar suas ações na relação jurídica processual, não podendo, portanto, recorrer para agravar a pena imposta ao acusado.
Todavia, tal raciocínio apresenta-se incompleto e simplista. E por uma razão bem evidente. Na hipótese de a vítima promover a ação penal privada subsidiária da pública, que na essência é uma ação penal pública, a sua atuação é tão ampla quanto se o MP estivesse no pólo ativo da demanda. Ou seja, goza de ampla liberdade para recorrer e para produzir provas. Logo, não se pode afirmar que o interesse da vítima é de natureza meramente econômica, na medida em que faz as vezes do Estado-Administração, que num dado momento mostrou-se omisso dada a ausência de pronunciamento pelo MP no momento em que deveria fazê-lo. E no caso do assistente? Poderia sim apelar, uma vez que o recurso supletivo do assistente, tal qual a ação privada subsidiária, busca coibir e evitar as conseqüências maléficas provocadas pela omissão ou desídia do MP. Com efeito, qual seria a razão a justificar o tratamento diferenciado entre a vítima enquanto parte principal, na ação privada subsidiária, e a vítima enquanto assistente de acusação? Não há justificativa legalmente aceitável. A única restrição que se põe é que a atuação como assistente tem por finalidade complementar a atividade do MP na relação processual, ao passo que, enquanto titular da ação, a atuação mostra-se mais ampla. Tanto é verdade que se o MP atuar eficazmente, o assistente se posicionará na condição de mero coadjuvante”.(grifei) [29]
No mesmo sentido os Professores Júlio Fabrini Mirabete, invocando Marcelo Fortes Barbosa, e Vicente Greco Filho:
Barbosa: “A assistência de acusação, em nosso Direito Processual Penal não é um mero correlativo direito do direito à reparação do dano, eis que o ofendido intervém para reforçar a acusação pública, figurando em posição secundária o interesse mediato na reparação do dano causado pelo delito”. Mirabete: “É o que deixa entrever a escolha do termo “assistente” pela lei nos artigos 268 e ss. Do CPP. Sua função é auxiliar, ajudar, assistir o Ministério Público a acusar e, secundariamente garantir seus interesses reflexos quanto à indenização civil dos danos causados pelo crime [15].
Vicente Graco Filho: O assistente é o ofendido, seu representante legal ou seu sucessor, auxiliar da acusação pública. O fundamento da possibilidade de sua intervenção é o seu interesse na reparação civil, mas o assistente atua, também, em colaboração com a acusação pública no sentido da aplicação da lei penal. [30]
Ademais, não se pode negar que o ofendido, além de pretender um ressarcimento pelo dano sofrido, tem, também, o justo interesse de ver efetivamente punido aquele que lhe causou prejuízo, o que o autoriza, na ação penal, um desempenho colaborativo com a acusação pública, podendo, inclusive, suprir eventuais omissões, a exemplo do que ocorre quando da propositura da ação penal privada subsidiária da pública.
A esse respeito, vale trazer ao proscênio a opinião de Eduardo Espínola Filho:
Ao mesmo tempo que atinge, na sua pessoa ou nos seus bens, um ou mais indivíduos, que se apresentam, assim, como ofendido ou ofendidos, o crime causa um dano social, e, apenas em homenagem à predominância do interesse social sobre o particular, é estabelecida a preferência de iniciativa do órgão público, para instauração da ação penal, somente sendo lícito à parte privada apresentar a sua queixa, se, no prazo legal, o Ministério Público deixou de manifestar-se sobre o inquérito, a representação ou a peça de informações – salvo, naturalmente, os casos em que a ação penal toma corpo, exclusivamente, com a queixa do ofendido, do seu representante legal ou de quem o substitua.
Mas, seja qual for o interesse público e social, que haja, de apurar o delito e punir o ou os autores, persiste sempre o grande e muito ponderável interesse particular na apuração do fato e na punição dos responsáveis.
Eis porque, embora movimentada, normalmente, pelo Ministério Público, a ação penal, com o oferecimento da denúncia, é permitido à parte privada tomar uma posição acusatória auxiliar; que o Código de Processo Penal encara como assistência ao Ministério Público, na ação criminal por este promovida. (grifei) [31]
Também merece transcrição, as opiniões de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes: O assistente também intervem no processo com a finalidade de cooperar com a justiça, figurando como assistente do MP “ad coadjuvantum”. Assim, com relação à condenação, o ofendido tem o mesmo interesse-utilidade da parte principal na justa aplicação da pena. [32]
No mesmo sentido, o entendimento jurisprudencial:
O assistente também é interessado na averiguação da verdade substancial. O interesse não se restringe à aquisição de título executório para reparação de perdas e danos. O direito de recorrer, não o fazendo o Ministério Público, se dá quando a sentença absolveu o réu, ou postulado aumento de pena. A hipótese não se confunde com a justiça privada. A vítima como o réu, tem direito a decisão justa. A pena, por se turno, é a medida jurídica do dano social decorrente do crime. [33]
Além do que, é de se lembrar que a sentença penal poderá, em determinadas hipóteses – conforme se demonstrará de forma mais detalhada no transcorrer deste trabalho -, influir decisivamente nos processos administrativos disciplinares, via de regra instaurados concomitantemente com os processos penais para apuração de responsabilidade do funcionário público, o que legitima ainda mais a intervenção do ente público a desenvolver-se de uma forma mais ampla, e não a de atuar somente quando relevante para a obtenção de futura indenização.
Frise-se, ainda, que a assertiva de que a intervenção deve ser correspondente àquela desenvolvida pelo Ministério Público, decorre, também, da interpretação teleológica ou sociológica que se deve aplicar aos dispositivos legais pertinentes (CPP, artigos 268 e 271), à vista de que aquele que imediatamente sofrera as conseqüências do ato ilícito, visando, não só futura indenização, como também, uma justa aplicação da lei em desfavor do autor do crime, aprimora a ação estatal em benefício do atendimento ao interesse público.
Veja-se os esclarecimentos de Maria Helena Diniz a respeito, citando Ihering e Ferrara:
“…E a sociológica ou teleológica objetiva, como que Ihering, adaptar o sentido ou finalidade da norma às novas exigências sociais, adaptação esta prevista pelo art. 5º da Lei de Introdução do Código Civil, que assim reza: “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Os fins sociais e o bem comum, portanto, sínteses éticas da vida em comunidade, por pressuporem uma unidade de objetivos do comportamento humano social. Os fins sociais são do direito; logo, é preciso encontrar no preceito normativo o seu telos (fim). O bem comum postula uma exigência, que se faz à própria sociabilidade; portanto, não é um fim do direito, mas da vida social. …A interpretação, como nos diz Ferrara, não é pura arte dialética, não se desenvolve como método geométrico num círculo de abstrações, mas perscruta as necessidades práticas da vida e a realidade social.” [34]
Por isso mesmo, e até porque se trata de norma garantidora de direitos do ofendido, impõe-se que também seja aplicada ao artigo 271 do Código de Processo Penal, a interpretação extensiva ou progressiva, para se considerar o rol de medidas à disposição do assistente ali constantes, apenas exemplificativa e não taxativa.
Sobre a aludida interpretação no processo penal, as lições do Professor Mirabete:
“A interpretação extensiva, referida expressamente pelo art. 3º do CPP, ocorre quando é necessário ampliar o sentido ou alcance da lei…Fala-se, ainda, em interpretação progressiva para se abarcarem no processo novas concepções ditadas pelas transformações sociais, científicas, jurídicas ou morais que devem permear a lei processual estabelecida.” [35].
Ao lecionar acerca da interpretação das normas, Maria Helena Diniz adverte:
“A interpretação é uma, não se fraciona; é, tão-somente, exercida por vários processos que conduzem a um resultado final: a descoberta do alcance e sentido da disposição normativa. Há hipóteses em que o jurista ou o juiz devem lançar mão da interpretação extensiva para complementar uma norma, ao admitir que ela abrange certos fatos-tipos implicitamente. Essa interpretação ultrapassa o núcleo do sentido norma, avançando até o sentido literal possível desta, concluindo que o alcance da lei é mais amplo do que indicam seus termos. [36]
A propósito, não é demais lembrar, como afirmam os Professores Sérgio Demoro Hamilton e Christiano Fragoso, respectivamente, que a vítima, no processo penal, funciona, na verdade, como fator de controle externo do Ministério Público:
“salutar a presença do particular no processo penal, quer atuando como legitimado extraordinário para agir, quer como simples assistente de acusação.Vislumbro na presença do particular, naqueles casos, uma eficiente forma de controle externo do Ministério Público.” (grifei) [36-a]
É altamente democrática a participação da vítima no processo criminal, constituindo fator de transparência para a Justiça e de controle da atividade ministerial, devendo ser mantida. A admissão de terceiros no processo constitui um dos mais eficazes modos de garantir o acesso à justiça.” (grifo nosso) (M. Cappelletti/B.Garth). [36-b]
Assim, não seria demais, então, afirmar-se que o ente público, na persecução relacionada aos crimes em que figura como ofendido, atua, em última análise, como fiscal do fiscal da lei.
Essa linha evolutiva permite, pois, inferir, também, que a intervenção da pessoa jurídica de direito público caracteriza-se como aquela que se assemelha à assistência litisconsorcial, tendo em vista o que dispõe o art. 54 do Código de Processo Civil.
Como leciona Athos Gusmão Carneiro:
Já nos casos de assistência litisconsorcial, o assistente é direta e imediatamente vinculado à relação jurídica (rectius, ao conflito de interesse) objeto do processo; como disse Atílio González, “es cotitular de la misma relación sustancial invocada em juicio por lãs partes originarias”. (La intervención voluntária de terceros em el processo, B. Aires, Ed. Ábaco, 1994).
A teor do art. 54 do Código de Processo Civil, considera-se litisconsorte da parte principal o assistente, “toda vez que a sentença houver de influir na relação jurídica entre o assistente e o adversário do assistido” (rectius, houver de influir no “conflito de interesses” entre o assistente e o adversário do assistido).
Todavia, vale ressaltar que o assistente litisconsorcial não é parte: “nada pede e em face dele nada se pede: não é autor nem réu e, conseqüentemente, litisconsorte não é. Na locução assistente litisconsorcial prevalesce o substantivo (assistente) sobre o adjetivo que o qualifica (litisconsorcial)” (Cândido Dinamarco, Intervenção de terceiros, cit., n.13).
…………………….
A distinção entre a assistência meramente adesiva e a litisconsorcial reflete-se no âmbito dos poderes processuais concedidos ao assistente.
…………………………
Nos casos de assistência litisconsorcial, o assistente atua processualmente “como se” fosse um litisconsórcio do assistido, aplicando-se-lhe de regra o disposto no art. 48 do Código de Processo Civil: “salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros”.
………………………………
Assim, o assistente não é parte, mas o direito do assistente litisconsorcial está na causa. Por tal motivo, pode o assistente litisconsorcial agir no processo, e conduzir sua atividade, sem subordinar-se à orientação tomada pelo assistido: pode contraditar a testemunha que o assistido teve por idônea; pode requerer o julgamento antecipado da lide, embora o assitido pretenda a produção de provas em audiência; pode impugnar a sentença, não obstante o assistido haja renunciado à faculdade de recorrer. (grifei) [37]
Finalmente, no que concerne à atuação do assistente no inquérito policial, a jurisprudência tem firmado o entendimento de que as normas processuais ou regimentais não o autorizam (STF – Tribunal Pleno – IP n. 381-DF – Rel. Min. Célio Borja – 18.11.88).
Todavia o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, contrariamente, entendeu admissível a assistência antes do oferecimento da denúncia:
Ministério Público. Assistente. Intervenção nos autos antes do recebimento da denúncia. Admissibilidade, embora rejeitada aquela peça. Voto vencido. Inteligência dos arts. 268, 269 e 29 do CPP. O interesse do ofendido na apuração do fato e punição do responsável nasce desde o momento em que, pela lesão sofrida, surge o direito subjetivo, que mais tarde se transmuda no jus persequendi in juditio, cuja titularidade, em face de razões sociais, pertence ao Estado quando se trata de ação pública. Não pode, portanto, seu ingresso nos autos como assistente ficar condicionado ao recebimento da denúncia, quando se instaura a instância. [38]
4 – OS CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
4.1 – CONSIDERAÇÕES GERAIS
Primeiramente, é de bom alvitre lembrar que o Capítulo I do Título XI do Código Penal (Dos Crimes Praticados por Funcionário Público Contra a Administração em Geral), não esgota, naturalmente, todos os crimes que podem ser praticados por funcionário público no exercício de suas funções (crimes funcionais: próprios ou impróprios).
Aliás, é extenso o número de tipos penais que podem ser por estes praticados, nesta condição, ou seja, na condição de servidor ou funcionário público, tais como aqueles definidos nos artigos 150, § 2º, 296, § 2º, ambos do Código Penal; na Lei 8666/93, etc.
É interessante ressaltar, também, que, para os efeitos penais, funcionário público, nos termos do artigo 327 do Código Penal, é todo aquele que “embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”.
4.2 – SUJEITO PASSIVO – ESTADO ADMINISTRAÇÃO
Não se pode negar que o Estado-Administração (Fazenda Pública ou Ente Público) especificamente, e não o Estado em sentido amplo, figura como sujeito passivo imediato nos crimes que são praticados por funcionários públicos (crimes funcionais), mesmo na hipótese em que não ocorra lesão ao seu patrimônio físico, eis que, a despeito disso, é o ofendido na ação delituosa, pela caracterizada violação do dever de integridade funcional, bem jurídico de que é titular.
Por esse motivo, aliás, o ente público (e não o Ministério Público) instaura imediatamente, processo administrativo disciplinar, quando da prática de crime funcional.
No crime de corrupção passiva (CP, art. 317), por exemplo, malgrado não ser necessária para a sua consumação a ocorrência de dano ao erário, o Estado-Administração é o sujeito passivo imediato ou direto.
Neste sentido é o entendimento doutrinário, ao referir-se acerca da condição de sujeito passivo do ente público no crime supracitado:
“1.02 – Sujeito passivo (Estado – Administração Pública).
Sujeito passivo é o Estado, ou, particularmente, a Administração Pública, pois ele é o titular do bem jurídico ou do interesse penalmente tutelado. É bem de ver que o Estado é sempre o sujeito passivo primário de todos os crimes, pois o direito penal é direito público, que somente tutela interesses particulares, pelo reflexo que sua violação acarreta no corpo social. A lei penal tutela, em primeiro lugar, o interesse da ordem jurídica legal, de que é titular o Estado. Todavia, o que na doutrina se considera sujeito passivo é o titular do interesse imediatamente ofendido pela ação delituosa ou do bem jurídico particularmente protegido pela norma penal, ou seja o sujeito passivo particular ou secundário. Há crimes, porém, como o que ora estudamos, em que o próprio Estado aparece como sujeito passivo particular, pois a ele pertence o bem jurídico diretamente ofendido pela ação incriminada”. [39].
4.3. – A INTERVENÇÃO DO ENTE PÚBLICO, TAMBÉM NAS PERSECUÇÕES RELACIONADAS AOS CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO QUE NÃO CAUSAM LESÃO AO SEU PATRIMÔNIO MATERIAL.
Conforme visto acima, nos crimes praticados por funcionário público, no exercício de suas atribuições (crimes funcionais), o ente público figura como sujeito passivo direto ou imediato, a despeito de não ter ocorrido ofensa ao seu patrimônio material, como ocorre, repita-se, na figura típica descrita no art. 317 do CP (Corrupção Passiva).
Assim, em princípio, não obstante esta condição (sujeito passivo) do Estado-Administração, poderia se pensar que não teria interesse que justificasse sua intervenção na persecução penal, eis que não haveria danos materiais a serem reparados.
É evidente que referida assertiva seria totalmente equivocada, tendo em vista a plena e categórica legitimidade tanto para a propositura da ação penal subsidiária como para a atuação como assistente, à luz da Carta Magna; do Código Penal e do Código de Processo Penal (CF, art. 5º, inc. LIX; CP, art. 100, § 3º e CPP, arts. 29; 31 e 268), em face da condição do ente público em tais crimes, de ofendido; vítima ou sujeito passivo imediato, conforme já mencionado nos tópicos anteriores.
Além disso, é evidente o interesse jurídico da Fazenda em atuar como assistente da acusação, pois os crimes praticados por servidor ou funcionário público, que geram prejuízos materiais ou morais à terceiros (não para a administração), via de regra provocam a propositura de ação de reparação de danos em desfavor da Fazenda Pública, à vista da responsabilidade objetiva do Estado, prevista no § 6º do art. 37 da Carta Política: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
A respeito da mencionada responsabilidade objetiva, as lições de Hely Lopes Meirelles, ao comentar sobre o citado dispositivo constitucional:
“O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa do cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados.” [40]
Não se pode negar, então, o interesse do ente público em acompanhar o processo, em face dos efeitos que exsurgem da sentença penal no processo cível de indenização, conforme ressalvado no item 3.2 deste trabalho.
Ademais, quando se afirma que a sentença penal condenatória ou absolutória, em algumas situações, prevalece sobre as decisões proferidas no cível, está se afirmando, também, que esta mesma sentença prevalece sobre o processo administrativo disciplinar instaurado em face do cometimento de crime por funcionário público.
A respeito da influência decisiva da sentença penal absolutória, por exemplo, nos citados processos administrativos, trazemos à baila o esquema muito bem elaborado por João Kleiber Ésper:
ABSOLVIÇÃO JUDICIAL
(Art. 386 e seus incisos, do CPP: hipóteses em que repercute ou não na esfera administraiva
1) Estar provada a inexistência do fato (art. 386, I, CPP)
Ex: Servidor acusado de peculato. O juiz absolve (art. 386, I, do CPP), posto que o bem tido como desviado, estava em outro setor da repartição (J. CRETELLA, Prática do Processo Administrativo, Ed. RT, SP, 1988, pág. 122)
Obs: A decisão judicial, pelos mesmos fatos, repercute na instância administrativa (STF – RDA 94/86 – J. CRETELLA, obra citada, pág. 130; STJ RMS 2.611-5 SP, DJU 23.08.93.
2) Não haver prova da existência do fato (art. 386, II, CPP)
Ex: Bibliotecário acusado de peculato (subtração de livros). Nenhum livro, entretanto, é encontrado com o funcionário. Não há prova contra o servidor. O acusado é absolvido pelo juiz (art. 386, II, CPP).
Obs: A decisão judicial, pelos mesmos fatos, repercute na instância administrativa (STF – RDA 97/113 – J. CRETELLA, obra citada, pág. 131)
…………………………
4) Não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal (art. 386, IV, CPP).
Ex: Servidor é acusado de deixar a porta da repartição aberta, propociando a subtração de bens. Absolvido (art. 386, IV, CPP).
Obs: A decisão judicial, pelos mesmos fatos, repercute na instância administrativa (RF 141/141; RF 94/281; J. CRETELLA, obra citada, pág. 131)
5.a) Exclusão de crime: (de ilicitude ou de antijuridicidade) – art. 23, CP (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, e exercício regular de direito).
Obs: Servidor absolvido nessas hipóteses, no processo penal instaurado em torno dos mesmos fatos. A sentença penal repercute (prevalesce) na esfera administrativa (Cf. J. CRETELLA, obra citada, págs. 128 e 134).
Cumpre destacar, a propósito, que o citado autor adverte: Em outras palavras, as autoridades administrativas que instauram o processo administrativo, não poderão divergir do juiz do crime, afirmando que o fato não se deu em legítima defesa ou em estado de necessidade……..
5.b)……….
6)………….[41]
No que concerne aos efeitos definitivos no processo administrativo disciplinar decorrentes da sentença penal condenatória, as lições do saudoso Hely Lopes Meirelles:
“…essas três responsabilidades são independentes e podem ser apuradas conjunta ou separadamente. A condenação criminal implica, entretanto, reconhecimento automático das duas outras, porque o ilícito penal é mais que o ilícito administrativo e o ilícito civil. Assim sendo, a condenação criminal por um delito funcional importa o reconhecimento, também, de culpa administrativa e civil, mas a absolvição no crime nem sempre isenta o funcionário destas responsabilidades, porque pode não haver ilícito penal e existirem ilícitos administrativo e civil”. (grifei) [42]
Importante discorrer, ainda, sobre os reflexos das sentenças penais no que diz respeito à exoneração de servidores estáveis.
Consoante é sabido, as hipóteses de perda de cargo público estão previstas na Constituição Federal, no bojo do artigo 41, que prevê no inciso I do parágrafo primeiro, que o servidor público estável perderá o cargo “em virtude de sentença judicial transitada em julgado”.
Assim, perderá o cargo o servidor público por meio do efeito da sentença penal condenatória, sempre que caracterizada a hipótese prevista na letra “a” do inciso I do art. 92 do Código Penal, adiante transcrito:
Art. 92: São também efeitos da condenação:
I – a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo:
a- quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
Como se vê, é fora de dúvidas que as sentenças penais geram importantíssimos efeitos junto à Administração Pública, o que, a par da sua condição de vítima ou ofendida, demonstra a presença dos pressupostos necessários à assistência qualificada ou litisconsorcial no processo criminal, conforme visto no tópico anterior, quais sejam:
a- Interesse Jurídico – existência de uma relação jurídica entre o terceiro e uma das partes;
b- Possibilidade da sentença influir na referida relação;
c- A existência de uma ação.
Comentando sobre esses pressupostos, o Professor Athos Gusmão Carneiro afirma que “Defendendo o interesse alheio, o assistente também defende o seu próprio interesse, pois sua situação jurídica é suscetível de ser influenciada, para melhor ou para pior, pelo decisão. [43]
Além do que, é de se lembrar que o Decreto-Lei n. 201/67, que dispõe sobre a responsabilidade dos prefeitos e vereadores, prevê, no § 1º do seu art. 2º que “Os órgãos federais, estaduais ou municipais, interessados na apuração da responsabilidade do prefeito, podem requerer a abertura de inquérito policial ou a instauração da ação penal pelo Ministério Público, bem como intervir, em qualquer fase do processo, como assistente da acusação”.(grifo nosso).
Ora, nem todas as figuras delitivas descritas no citado Decreto-Lei geram danos ao erário ou ao patrimônio das pessoas jurídicas de direito público. Não obstante, o aludido Diploma Legal autoriza a intervenção do ente público como assistente da acusação.
Assim, pode-se afirmar que o disposto no artigo 3º do Código de Processo Penal, combinado com o Decreto-Lei supracitado, também legitima a aludida pessoa jurídica a atuar como assistente de acusação, mesmo nos crimes dos quais não lhe resulta o efetivo dano material.
Têm-se, pois, forçoso admitir que o Estado-Administração poderá propor ação penal subsidiária, bem como atuar como assistente, não só na persecução relacionada aos crimes nos quais é sujeito passivo direto, em face dos decorrentes prejuízos ao seu erário ou patrimônio físico, como também nos tipos penais praticados por funcionário público, no exercício de suas atribuições, a despeito de não lhe causarem os citados prejuízos materiais.
5 – A FORMA DE ATUAÇÃO DO AGENTE PÚBLICO NO DESEMPENHO DE SUAS ATRIBUIÇÕES
5.1 – O PODER-DEVER DE AGIR
O agente público, naturalmente, independentemente da natureza de suas atribuições, sempre as exerce visando, ao final, o atendimento do interesse público.
Desta feita, por não estar zelando por seus bens particulares, mas sim, por bens ou interesses públicos, é inconcebível a omissão, diante de uma situação em que haja necessidade de agir, tendo ele poderes para tanto.
Tal omissão, aliás, poderá ensejar sanções de ordem administrativa e penal, tais como aquelas previstas nos artigos 316 (concussão) e 319 (prevaricação), ambos do Código Penal.
O Professor Diógenes Gasparini, ao comentar acerca do poder-dever de agir, invocando Hely Lopes Meirelles, ensina que:
“As competências do cargo, função ou emprego público devem ser exercidas na sua plenitude e no momento legal. Não se satisfaz o direito com o desempenho incompleto ou a destempo da competência e, puor ainda, com a omissão da autoridade. Não se compreende que o agente público pratique intempestivamente atos de sua competência, desde que ocorra a oportunidade para agir, como não se entende que só se desincumba de parte de sua obrigação ou se abstenha em relação a essa obrigação. A esse respeito ensina Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo, cit., p. 85) que, “se para o particular o poder de agir é uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade.” [44]
5.2 – O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Como o próprio nome está a indicar, nada mais é do que princípio pelo qual se exige do agente público, no exercício de sua atividade, não apenas a observância da legalidade dos atos, mas, além disso, um resultado que efetivamente possa atender aos interesses da administração pública ou da coletividade.
A esse respeito, ensina o Professor Hely Lopes Meirelles:
“O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.” [45].
5.3 – O PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE
O princípio da indisponibilidade estabelece, em síntese, que os agentes públicos tem a incumbência de apenas administrar ou zelar pelos bens ou interesse públicos, tendo em vista que não são, obviamente, seus proprietários. Assim, inadmissível qualquer ato tendente à sua disposição, salvo se autorizado pelo próprio Estado, através de lei.
A propósito, assevera o Professor Diógenes Gasparini:
Não se acham, segundo esse princípio, direitos, interesse e serviços públicos à livre disposição dos órgãos públicos, a quem apenas cabe curá-los, ou do agente público, mero gestor da coisa pública. Aqueles e este não são seus senhores ou seus donos, cabendo-lhes por isso tão-só o dever de guardá-los e aprimorá-los para a finalidade a que estão vinculados. O detentor dessa disponibilidade é o Estado. Por essa razão, há necessidade de lei para alienar bens, para outorgar concessão de serviço público, para transigir, para renunciar, para confessar, para relevar a prescrição (RDA, 107:278) e para tantas outras atividades a cargo dos órgãos e agentes da Administração Pública. [46].
5.4 – A OBRIGATORIEDADE DA INTERVENÇÃO DOS ENTES PÚBLICOS NOS PROCESSOS CRIMINAIS
Conforme já exaustivamente colocado acima, tem a vítima legitimidade tanto para propor a ação penal privada subsidiária da pública, como para intervir nos processos criminais como assistente.
Todavia, é de se considerar que tais providências são meras faculdades concedidas pela lei às pessoas físicas e jurídicas de direito privado.
A propósito, Júlio Fabrini Mirabete afirma que: ”…Além disso, o art. 268 lhe concede o direito de, facultativamente, auxiliar o Ministério Público na acusação referente aos crimes que se apuram mediante ação pública, incondicionada ou condicionada, dando-lhe, então, a denominação de assistente.(grifei) [47]
Não se pode, porém, falar o mesmo, especialmente, com relação às pessoas jurídicas de direito público, em face dos princípios que norteiam a Administração.
Assim, o representante legal do Poder Público, que tem o dever de zelar pelo interesse da Administração Pública, representando-a tanto judicial como extrajudicialmente, bem como lhe prestando consultoria jurídica, não tem o livre arbítrio de, frente a um processo criminal instaurado em face de condutas que lesionaram o erário, por exemplo, manter-se inerte, diante de uma legislação que lhe autoriza a agir, quer propondo a ação penal subsidiária, quer intervindo como assistente no citado processo, visando, pelo menos, futura reparação de danos.
É que o representante do ente público, na verdade, encarna o próprio Estado-Administração judicial e extrajudicialmente. Assim, não está obrigado a apenas defendê-lo em situações de conflito. Tem também o dever de agir, tomando a iniciativa de promover ataques judiciais para a defesa do patrimônio público, tendo em vista os princípios constitucionais que norteiam este mesmo Estado-Administração que ele representa, dentre os quais, por exemplo, o da indisponibilidade.
Sobre este tema, trazemos à lume a manifestação da Dra. Fides Angélica Ommati, que ressalta, dentre outras questões, a aplicação do princípio da indisponibilidade no exercício da advocacia pública:
A advocacia tem um compromisso social, e tem uma função que extrapola a sua condição profissional e de defesa de interesses particulares, porque, além de indispensável à administração da Justiça (art. 133, CF), é o advogado “defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade de seu ministério à elevada função pública que exerce (Código de Ética, art 2º ).
Ainda tenha fundamento e compromisso com a comunidade, daí a consideração de “função pública”, a advocacia pública propriamente é denominação que se contrapõe a advocacia privada, sendo parâmetros para sua distinção os interesses aconselhados ou patrocinados e os requisitos exigidos para seu exercício.
Diz-se advocacia pública aquela que aconselha ou patrocina interesses de pessoas jurídicas de direito público, interesses em que prevalece não a vontade do agente, mas a da coletividade consagrada no ordenamento constitucional ou legal. (conf. SESTA, Mário Bernardo – A Advocacia de Estado. Posição Institucional. Revista de Informação Legislativa, n. 117, p. 191). Por tal circunstância, são esses interesses superiores aos dos particulares e indisponíveis pelos respectivos gestores, configurando regime jurídico que extrapola dos limites administrativos para impregnar o regramento processual…”
…………………………………….
O princípio da indisponibilidade dos interesses públicos consiste na impossibilidade de o administrador agir segundo sua vontade, mas, ao contrário, restringir-se ao regulado no ordenamento jurídico, daí decorrendo os princípios da legalidade, da moralidade, da publicidade, da impessoalidade, e tantos outros em que se evidencie o principio democrático de atendimento segundo critérios e normas uniformes e impessoais, não favorecendo nem perseguindo grupos ou pessoas, mas atendendo ao que o legislador, no exercício de sua competência, interpretou como o abstrato interesse da coletividade.
A defesa do Estado consiste exatamente na defesa dos interesses que a pessoa pública encarna e é vocacionada a realizar. E defesa, igualmente Estado, aí tem conotação de amplitude obrigatória, vez que se não pode restringir a patrocínio judicial ou extrajudicial em situações conflitivas. Ao contrário, significa toda a atividade tendente (direcionada) a propiciar as condições jurídicas necessárias à implementação dos interesses ao encargo dos órgãos e entes públicos. (grifei) [48].
Essa postura do Procurador do ente público torna-se ainda mais evidente, ao considerarmos que o seu papel é o de presentar a pessoa jurídica e não de representá-la, conforme razões já esposadas no item 1.2.
Neste sentido é o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça:
…Os Procuradores de Estado não são, em rigor, advogados. Assim como o juiz é o órgão da função jurisdicional os são órgãos estatais, encarregados da defesa e do ataque judiciais. No dizer de Pontes de Miranda, eles presentam, não representam a pessoa jurídica estatal…[49]
Vale repetir, neste momento, as lições de Athos Gusmão Carneiro:
A substituição processual mostra-se inconfundível com a representação.
O substituto processual é parte, age em juízo em nome próprio, defende em nome próprio o interesse do substituído.
Já o representante defende “em nome alheio o interesse alheio”.
Nos casos de representação, parte em juízo é o representado, não o representante. Assim, o pai ou o tutor representa em juízo o filho ou o tutelado, mas parte na ação é o representado…….
Também inconfundíveis substituição processual e presentação. O órgão mediante o qual a pessoa jurídica se faz presente e expressa sua vontade não é substituto processual e nem representante legal: “A pessoa jurídica não é incapaz. O poder de presentação, que ela tem, provém da capacidade mesma da pessoa jurídica…….
…………………………….
A presentação é extrajudicial e judicial (art. 17); processualmente, a pessoa jurídica não é incapaz. Nem o é, materialmente…(…)…O que a vida nos apresenta é exatamente a atividade das pessoas jurídicas através de seus órgãos: os atos são seus, praticados por pessoas físicas”. (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t., 1, § 97, n. 1). (grifo nosso) [50]
Realce-se que além do princípio da indisponibilidade, o da eficiência, atrelado, aliás, ao poder-dever de agir do agente público, também conduz à obrigatoriedade do representante da pessoa jurídica de direito público atuar nos aludidos processos penais.
A Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, citando Hely Lopes Meirelles, comenta que:
A Emenda Constitucional n. 19, de 4-6-98, inseriu o princípio da eficiência entre os princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no art. 37, caput.
Hely Lopes Meirelles (1996:90-91) fala na eficiência como um dos deveres da Administração Pública, definindo-o como “o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”.
…………………….
O princípio da eficiência impõe ao agente público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar (grifei) [51].
Outro princípio previsto na Carta Federal que determina o dever do Procurador do ente público de intervir nos mencionados processos, é o da legalidade, eis que, como já visto acima, é possuidor da relevante atribuição legal de representar o Estado judicial e extrajudicialmente, bem como de prestar-lhe consultoria jurídica.
É evidente que representar não significa, pois, manter-se numa conduta inibida, apenas defendendo o Estado em situações de conflito, e sim, também, agir quando se fizer necessário para se preservar o patrimônio público.
O Professor Hely Lopes Meirelles, ao comentar o citado princípio, deduz afirmativas que se aplicam ao tema em apreço:
“Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.
As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade comjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contém verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação administrativa”. (grifo nosso) [52]
CONCLUSÃO
1- A Constituição Federal, no Título que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, assegura ao Estado-Administração, a legitimidade para a propositura da ação penal privada subsidiária da pública, nos crimes dos quais decorram lesão ao seu patrimônio ou interesse jurídico, em havendo caracterizada a omissão do Parquet;
2- É também detentor de legitimidade para a atuar como assistente nos processos instaurados em face da prática de crime que lhe tenha causado os danos supracitados à luz, inclusive, dos princípios constitucionais da isonomia e do livre acesso à justiça;
3- O ente público deve atuar como assistente nos processos acima, não de uma forma limitada, visando tão-somente futura indenização, mas de forma ampla, na condição de colaborador da acusação pública ou, até mesmo, como controlador externo do Ministério Público;
4- O Estado-Administração, com esteio nos Princípios Constitucionais da Eficiência; Legalidade e da Indisponibilidade tem não só a legitimidade para propor a ação subsidiária e para figurar como assistente da acusação, mas, também o dever de assim fazê-lo;
5- A intervenção do ente público na persecução penal é obrigatória não só com relação aos crimes que lesam o seu patrimônio, como também nos demais em que figura como sujeito passivo direto, especialmente quando praticados por funcionário público (crimes funcionais).
Procurador do Estado de Rondônia, Pós-Graduando em Direito Constitucional pela Avec – Associação Vilhenense de Educação e Cultura
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