Resumo: O presente trabalho tem como vertente principal conceituar atividades criminosas como condição negativa para redução de pena. No Brasil, o instituto é desconhecido. Com sua dilucidação, facilita-se o trabalho dos operadores do direito, especialmente dos aplicadores. Outrossim, detalhamos cada circunstância subjetiva presente na causa diminutiva, a fim de se fincar parâmetros quando do cálculo da pena.
Palavras-chave: causa – circunstância – atividades criminosas – cabimento
Abstract: The present work has as flowing main appraise criminal activities as negative condition for penalty reduction. In Brazil, this is an unknown institute. With this elucidation, the work of the law operators is facilitated, specially the applicators. However, we detail each present subjective circumstance in the diminutive cause, in order to establish parameters about the penalty calculation.
Word-key: cause – circumstance – criminal activities – applicability
Sumário: 1 – Introdução e lei anterior mais benéfica. 2 – As hipóteses de cabimento. 2.1) Reincidência; 2.2) Maus antecedentes; 2.3) Atividades criminosas; 2.4) Integrar organização criminosa. 3 – Critérios judiciais para vedação ao instituto. Se patentes uma ou mais das circunstâncias subjetivas do § 4º do art. 33, deve o magistrado vedar ou conceder o benefício, ainda que parcialmente? 4 – Conclusão.
1 – Introdução e lei anterior mais benéfica. Preconiza o art. 33, § 4º que “Nos delitos definidos no caput e no parágrafo primeiro deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”.
Na labuta diária, os magistrados criminais devem sopesar a consideração ou não da benesse legal, no cálculo da pena em sentenças condenatórias por tráfico de drogas.
Alertamos o operador de direito que, como já assentamos em artigo anterior[1], por viger entre nós o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, o favor legal sub examine gera efeitos pretéritos, retroagindo para atingir processos em curso, sentenciados definitivamente ou não (CF, art. 5º, XL), em que se imputou crime de tráfico sob a égide da Lei 6.368/76.
Caberá ao magistrado, no caso concreto, aferir se é caso de aplicação da causa redutora. E se, ao perscrutar, constatar positivamente, então se valerá da pena prevista ao crime de tráfico pela nova Lei 11.343/06 e desprezará as disposições da Lei 6.368/76, por serem mais prejudiciais. Do contrário, aplicará a Lei 6.368/76.
No quadro, a seguir, estão as hipóteses de redução trazidas pela lex mitior, considerados os percentuais padronizados pela jurisprudência nacional (1/6; 1/5; ¼; 1/3; ½; 2/3) e sua repercussão na punição do agente, desconsiderando-se a pena pecuniária[2].
Diploma Legal | Crimes de Tráfico a considerar | Penas abstratamente previstas | Quantum de redução (art. 33, § 4º) | Pena definitiva pela Lei 11.343/06 (desprezada a 6.368/76) |
Lei 6.368/76 | Artigo 12 e §§ 1º e 2º | Pena: 3 a 15 anos de reclusão | Redução mínima de 1/2 a 2/3 | De 2 anos e 6 meses a 1 ano e 8 meses |
Lei 11.343/06 | Artigo 33 e § 1º | Pena: 5 a 15 anos de reclusão | Redução de 1/6 a 2/3 | De 4 anos e 2 meses a 1 ano e 8 meses |
2 – As hipóteses de cabimento. O presente trabalho tem por fim oferecer sugestões ao debate sobre cada uma dessas circunstâncias e suas conseqüências no cálculo da pena, consoante diretrizes trilhadas da Lei Antidrogas (art. 42).
Para que seja premiado com a causa obrigatória de redução, o agente precisa ter um passado imaculado, ou quase, vale dizer, deve atender cumulativamente às quatro diretivas legais, a saber: não ser reincidente, não ostentar maus antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas e não integrar organização criminosa. O desatendimento a qualquer das diretivas conduzirá, em regra, à denegação do instituto despenalizador. Deve o operador do direito fazer analogia ao instituto do sursis processual, no qual, o passado limpo, desprovido de nódoas permite ao agente fazer jus.
Passemos ao estudo de cada uma das circunstâncias que inviabilizam ou dificultam a concessão do benefício legal.
2.1) Reincidência. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitada em julgado a sentença, que no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior (CP, art. 63). Como a referência legal condiciona ao cometimento de crime anterior, não haverá reincidência no caso de crime praticado após a sentença irrecorrível que condenou o agente por contravenção penal. Neste caso, poderá caracterizar maus antecedentes.
2.2) Maus antecedentes. Antecedentes são os fatos, positivos ou negativos, que permearam a vida do agente no campo criminal. Este conceito, antes da Reforma de 84, englobava o de conduta social – seu meio de sustento, comportamento social, relacionamento familiar etc. – que, nos termos da redação do art. 59, do Código Penal, passou a ser circunstância judicial autônoma, esvaziando, como diz a doutrina, o seu alcance. Atualmente, os maus antecedentes circunscrevem-se à Folha de Antecedentes provados mediante certidão cartorária. Numa análise fria, qualquer envolvimento pretérito contaminaria sua vida anteacta, tais como inquéritos arquivados, ações penais em curso, absolvições por insuficiência de provas (CPP, art. 386, VI). Após a CF/88, com a adoção do princípio da não-culpabilidade (art. 5º, LVII), expressiva parte da doutrina tem interpretado que somente configura maus antecedentes a sentença definitiva, i.e., a que não gera reincidência. Contudo, a nosso ver, cada caso deve ser analisado individualmente. Assim, se o agente contar com um número expressivo de inquéritos policiais arquivados (STF – HC 77.049/4 – RS) e/ou com ações penais em curso, deve ter tratamento diverso daquele que conta com inexpressivo (quantidade) ou insignificante (qualidade) número de inquéritos ou de ações penais. Diga-se o mesmo se o agente foi absolvido em diversos processos, sempre por falta de provas ou foi condenado por sentença não transitada em julgado[3]. Como já disse o eminente Prof. Dirceu de Mello “Homem de bem, realmente, não marcaria com tal freqüência presença no campo das investigações da polícia e da justiça penal” (TJSP, HC 149.906/3-SP). Com a inserção da expressão atividades criminosas, em nosso entender, ficam solvidas as divergências da doutrina e da jurisprudência, porquanto se a situação pretérita que macula ou empana a vida pregressa do agente não configurar maus antecedentes, poderá indicar sua dedicação a atividades criminosas;
2.3) Atividades criminosas. Não existe conceituação legal ou doutrinária. Tentaremos cooperar neste sentido, levando em conta o caráter teleológico do instituto objetivado pelo legislador, qual seja, somente o marinheiro de primeira viagem no tráfico merece ser agraciado. Em outras palavras, aquele jovem que, usuário ou dependente, não resiste a um comando do traficante para vender, e com isso obter o necessário em droga para o sustento de seu vício. Ainda, nesta condição, a pessoa miserável ou em desespero de causa que, por uns tostões, cede ao convite do traficante profissional que tem o domínio do fato[4] para mercadejar drogas.
2.3.1) Conceito. Lexicamente, segundo Houaiss, atividade significa ação, movimento, empreendimento de maneira livre, independente ou incondicionada; e criminosa é a conduta contrária às leis morais ou às do convívio social. No campo jurídico, em nosso entender, atividade criminosa representa o complexo de episódios pretéritos na vida do agente, afora a reincidência e os maus antecedentes, aptos a ofenderem o ordenamento jurídico e a macularem sua personalidade.
2.3.2) Âmbito de incidência. Habitualidade. Por ter natureza residual, congrega tudo que escape ao que sejam maus antecedentes. Exige habitualidade, uma vez que a lei emprega a ação nuclear se dedique; e dedicação caracteriza o exercício de atividade ilícita pautado na reiteração de condutas, distinguindo o traficante profissional do traficante pequeno ou eventual. O dedicar-se a atividades criminosas (tal como o dolo pode se evidenciar pela sede das lesões) pode se inferir pelas circunstâncias objetivas que permeiam o crime (v. exemplos concretos no subitem 2.3.3) e subjetivas quanto à pessoa do agente (idem, 2.3.3), elucidando a incursão do traficante no seio da criminalidade. Este trânsito pelo crime é relativo na dedicação a atividades criminosas, mas teoricamente absoluto nos casos de reincidência, maus antecedentes e participação em organização criminosa.
Requisitos: a) caráter residual; b) habitualidade; c) liame objetivo e subjetivo entre o agente-traficante e as atividades criminosas, em sentido amplo.
Nos subitens abaixo mencionamos algumas situações que cunhamos de caráter residual, certamente sem a pretensão de esgotá-las, que se enquadram no espectro de atividades criminosas e que devem ser sopesadas como excludentes da causa. Ressalvamos que haverá situações em que o juiz preferirá, dentro de seu livre convencimento, conceder a causa diminutiva e não recusá-la.
2.3.3) Situações caracterizadoras de atividades criminosas:
a) Conduta Social. Segundo Cezar Roberto Bittencourt, “deve-se analisar o conjunto do comportamento do agente em seu meio social, na família, na sociedade, na empresa, na associação de bairro etc. Embora sem antecedentes criminais um indivíduo pode ter sua vida recheada de deslizes, infâmias, imoralidades, reveladores de desajuste social”[5].
Nesta senda de raciocínio, pode-se dizer que o agente que tem como meio de vida o tráfico de drogas tem boa conduta social? Certamente não. Assim, poderá a má conduta social derivar comprovadamente de denúncias anônimas regularmente catalogadas pelas Polícias Federal, Civil ou Militar – por exemplo, vias 147, 181 ou 190 –, bem como por depoimento de policiais ou particulares (raríssimos, salvo nos casos de pais que denunciam o traficante visando afastar o filho das drogas) no sentido de que o agente, diuturnamente, encontra-se nos pontos de tráfico.
b) Concurso eventual de pessoas. A revogada causa de aumento de pena (Lei 6.368/76, art. 18, III) pode servir como fator de concessão de percentual inferior ao máximo ou até sua exclusão, vez que o congresso de vontades com terceiro(s) revela maior periculosidade do agente em detrimento da saúde pública. Tudo porque a cooperação mútua desencadeada para a mercancia exige concerto prévio, ainda que momentâneo. Malgrado não chegue a caracterizar a associação pela ausência de prova de estabilidade ou permanência, pode revelar dedicação a atividades criminosas. É o caso de a prova retratar que, nas cercanias ou no local de prisão do réu, ele sempre foi visto em companhia do comparsa preso ou apreendido (adolescente) ou perambulando em companhias reconhecidamente envolvidas com o tráfico etc.;
c) Receptação. É comum o traficante ser receptador. Em seu ponto de venda, além da droga, comumente são apreendidos bens móveis diversos, sem origem, de regra transacionados com usuários, dependentes ou autores de crimes patrimoniais, tais como armas, brinquedos, aparelhos eletrodomésticos ou eletroeletrônicos, de informática, veículos, dentre outros, sem falar em documentos pessoais de terceiros (RG, CNH, CTPS) ali deixados como garantia. Ainda que não responsabilizado por este crime, esta condição pessoal serve de excludente;
d) Petrechos relacionados ao tráfico. Armas. Geralmente nos flagrantes ou em mandados de busca e apreensão, são encontrados e apreendidos papel celofane, plásticos, papel alumínio, ampolas ou assemelhados, recortados ou não, utilizados para embalagem de porções individualizadas. A traficância como meio de vida serve de excludente. Idêntica interpretação deve ser adotada se o agente portar ou de qualquer forma se encontrar na posse de arma(s) para garantia de seu comércio;
e) Quantidade de droga. Sabido que a quantidade não é critério determinante para a mercancia, no dizer de Luiz Flávio Gomes[6]. Ao lado de situações inequívocas, impõe-se aferir o modus vivendi do agente, sua fonte de receita, sua profissão etc. Em suma, se a quantidade de droga apreendida foi suficiente para convencer o magistrado a condenar o agente, será considerada para majorar a pena-base (Lei 11.343/06, art. 42), e, conseqüentemente, para afastar a causa de diminuição;
f) Maus antecedentes (situações residuais). Vimos que o traficante eventual, de primeira viagem, para fazer jus ao benefício, deve ostentar um passado imaculado, ou quase. Tendo maus antecedentes representados por outras situações, afora a sentença transitada em julgado (respeitando os setores mais radicais da doutrina e jurisprudência quanto ao alcance do conceito), como sentenças condenatórias não definitivas, processos e inquéritos em andamento em quantidade expressiva ou qualitativamente relevantes (por exemplo: outro processo por tráfico, por associação para o tráfico, por homicídio etc.), induvidoso que lhe deve ser negado o benefício, uma vez que ostenta requisito subjetivo incompatível.
2.4) Integrar organização criminosa. Sem nos adentrarmos ao cerne do conceito de organização criminosa que, segundo boa parte da doutrina, não integra o ordenamento jurídico nacional, por certo basta o agente integrar uma quadrilha ou uma associação, para que fique alijado da regalia legal.
Para Capez, a discussão conceitual está superada, diante da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, realizada em Palermo, na Itália, em 15 de dezembro de 2000, ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo 231, de 30/05/03[7]. No art. 2º, define-se organização criminosa como “todo grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o fim de cometer infrações graves, com a intenção de obter benefício econômico ou moral”.
Nada obstante, veicula-se na imprensa que na edição do PAC da Segurança Pública, prevista para o 2º semestre de 2007, será incluído o conceito de organizações criminosas, muito reclamado pela doutrina nacional.
3 – Critérios judiciais para vedação ao instituto. Se patentes uma ou mais das circunstâncias subjetivas do § 4º do art. 33, deve o magistrado vedar ou conceder o benefício, ainda que parcialmente? As dificuldades para negação surgem quando o magistrado se encontra diante de situações limítrofes. Estudemo-las. Antes, contudo, fixemo-nos nas situações inequívocas que, objetivamente consideradas, resultam na negação da causa em apreço.
3.1 – Denegação. Concorrendo mais de um dos institutos previstos no § 4º, a vedação é a regra. Por exemplo, o agente tem maus antecedentes e se dedica a atividades criminosas. Diga-se o mesmo se o agente integra organização criminosa. Aliás, o participante de associação, quadrilha ou organização criminosa jamais deverá se aproximar de algum beneplácito da lei.
3.2 – Concessão. Incorrendo o agente em um só dos institutos é de se ter cautela, pois o réu pode fazer jus a benesse. Situações específicas:
a) Réu reincidente. Não resta dúvida que se o agente ostentar reincidência em crime doloso, a vedação é de rigor. Ainda que a reincidência se dê por condenação a simples pena pecuniária, pela prática de crime doloso, defendemos que a vedação é necessária, porquanto o ânimo foi suficiente para certificar que o agente caminha por sendas tortuosas, inclusive resvalando pela dedicação a atividades criminosas. Contudo, se recair sobre crime culposo, o magistrado, dentro de seu livre convencimento, deve ponderar sobre a causa diminutiva dentro de um percentual inferior a dois terços. De regra, as condenações definitivas em crimes culposos exigem certa condescendência judicial, salvo raras exceções, como desclassificação em plenário de júri, homicídio culposo de trânsito com diversas vítimas etc.
b) Maus antecedentes. A mesma diretriz acima pontuada, julgamos ser suficiente para nortear o magistrado.
c) Dedicação a atividades criminosas. Concorrendo mais de uma das situações acima referidas (item 2.3.3) deve ser denegado o benefício.
d) Integrar organização criminosa. A mera incursão do agente nos grupos organizados ou não, com estabilidade, é suficiente para excluí-lo da premiação legal.
A seguir, quadro concernente a critérios judiciais de denegação e concessão do benefício legal, com redução integral e parcial.
CRITÉRIOS JUDICIAIS | Denegação | Concessão com redutor inferior ao máximo | Concessão com redução máxima |
Reincidente ou maus antecedentes em crime doloso | Reincidente ou portador de maus antecedentes em crime culposo. Percentual: de 1/6 a ½ | Ausência das circunstâncias subjetivas | |
Dedicação a atividades criminosas: má conduta social, concurso eventual; receptador; petrechos; quantidade de droga e antecedentes negativos residuais | Dedicação a atividades criminosas: má conduta social, concurso eventual e os maus antecedentes (residuais) | ||
Integrar organização criminosa |
4 – Conclusão.
a) Sempre respeitando o livre convencimento judicial e os entendimentos divergentes, elaboramos este estudo detalhado da causa de diminuição em tela buscando dar-lhe uniformidade. Como salientado, partilhamos do entendimento que não se podem combinar as disposições da Lei 6.368/76 com as da Lei 11.343/06.
b) As atividades criminosas consistem em circunstâncias subjetivas residuais, habituais e externas ao conceito de maus antecedentes que provocam nódoas na vida pretérita do agente. Se presentes, de regra, funcionarão como excludentes da causa; na concessão da causa, haverá abatimento no patamar máximo de dois terços.
c) Se o agente for reincidente em crime doloso e/ou ostentar maus antecedentes e/ou integrar organização criminosa veda-se o prêmio legal, ressalvadas situações excepcionais.
Notas:
juiz criminal, mestre em Processo Penal pela PUC/SP. Professor de Leis Especiais, Penal Especial e Processo Penal. Autor de artigos jurídicos e dos livros Prisão Temporária e OAB – 2ª Fase – Área Penal, ambos pela Editora Saraiva. Coordenador da Coleção OAB – 2ª Fase, pela mesma Editora. Foi coordenador pedagógico do Curso Triumphus – preparatório para Carreiras Jurídicas e Exame de Ordem, por 14 anos. Professor de Leis Especiais na Rede LFG
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