Resumo: O presente artigo leva emconsideração a crescente capacidade em projetar e trabalhar o perfil biológico do corpo humano, que assume sempre cada vez mais a conotação de objeto de múltiplos interesses como matéria prima e em uma grande fonte de recursos biológicos, eportanto, perdendo o valor em si mesmo e adquirindo um valor de uso e de substituição. Neste sentido, reduzido a material biológico, que todavia, o expõe à certas práticas que visam a sua exploração comercial. Acredita-se que esta temática é de extrema importância não somente porque as biociências são potencialmente capazes de transformar as formas da política, do direito e da sociedade mas, principalmente o de orientar e modificar o destino da natureza humana.Neste contexto, procura-seconsiderar as diversas funções do direito-biodireito, tratando das questões jurídicas-legais que afetam a natureza humana considerada até o presente momento inviolável e absoluta, mas, que com os enormes avanços da genética entram em discussão ao uso legítimo do corpo ou parte deste.Desse modo, procura-se abordaralguns aspectos do progresso científico e biotecnológico na sociedade democrática, que não incide unicamente na relação médico paciente, mas que diz respeito principalmente no grande problema entre normas morais, jurídicas, políticas e econômicas.
Palavras-chave:Mercado – Biodireito –Desterritorialização – Biopolítica– Biotecnologia
Riassunto: Questoarticolo prende in considerazionela crescente capacitàdiproiettare i lavoriedilprofilo biológico del corpo umanocheacquisisce sempre piùlaconnotazionedioggettodimoltepliciinteressi come materia prima, ed una grande fonte dirisorsebiologiche, diconseguenza, abandonando cosìil valore in sé edacquistandoun valore diutilizzo e sostituzione. In questo senso, ridotto a materiale biológico, ilquale, tuttavia, loespone ad alcunepratichefinalizzateallosfruttamentocommerciale. Cosí, si ritienechela questione èestremamente importante, non solo perchèlebioscienze sono potenzialmente in grado ditrasformare i profilidellapolitica, diritto e società, masoprattutonellguidare e cambiareil destino della natura umana. In questo senso si proponediprendere in considerazionele varie funzionidelbiodirittoche si occupanodiquestionigiuridichecheinteressanoalla natura umanafinoraconsiderateinviolabile e assoluta, macongli enorme progressinel campo dellageneticacheavvia una discussionesull’usolegittimodel corpo o parte diquesti. In questo modo, sarannodiscussi in questo contesto, alcuniaspetti dei progressiscientificinel campo biotecnologiconellasocietà democrática, che non si concentra solo sul rapporto medico paziente, mariguardasoprattuttonel grande problema tralenormemorali, giuridiche, politicheedeconomiche.
Parole-chiave: Mercato–Biodiritto – Deterritorializzazione – Biopolitica – Biotecnologia
Sumário: 1.Apresentação2. Escravidão e biomercado 3. A fisiologia do Direito e o mercado 4. Considerações Finais 5. Bibliografia.
Apresentação
É antiga a atenção do Direito voltada ao corpo. Afirma-se até mesmo que é longínqua, pois, em vários momentos e lugares qualquer conjunto de normas concebido à regular uma organização social ocupa-se variavelmente do corpo[1].Assim, o corpo entra na dimensão jurídica de certo modo dramático, a sua juridificação ilustra histórias de punição; subordinação e discriminação.
Um primeiro conjunto de considerações nos levam a evidenciar algumas atitudes, avaliações e reflexões ao entorno do corpo humano nestes últimos anos[2].Pode-se até mesmo afirmar que jamais na história o corpo humano tenha sido de certa forma amplamente ou ainda, universalmente secularizado, respeitado, melhorado e avaliado como na atualidade[3].
Estamos diante de uma arena considerada plena de progressos e limites, que possui distorções e iniquidades. Mas, ainda mais surpreendente é o crescimento paralelo de um outro fenômeno: jamais na história (com exceção negativa da escravidão) o corpo humano foi tão amplamente transformado em mercadoria. As suas doenças transformam-se em fontes de lucro e a sua imagem (em particular aquela feminina) é utilizada como veículo para vender qualquer tipo de mercadoria. Ainda não menos importante é o fenômeno das “peças de reposição” do corpo humano que são oferecidas diretamente no mercado, que podemos chamar neste caso um mercado “biotecnológico”.
A este dito “progresso”, está diretamente ligado a possibilidade de usar partes separadas do corpo humano para tratar de algumas doenças, para remediar a esterilidade, para substituir órgãos deteriorados etc. Neste sentido, como uma política altruística à destinação destes “materiais”, coexiste um paralelo aumento no seu uso como mercadoria e uma enorme presença “bioética justificada” deste processo de mercantilização. Neste campo, como em outros, considera-se o ser humano amplificando o princípio Hegeliano segundo o qual, isto que é real é racional e acrescentando que isto que é real, deve ser considerado também moral. Deste modo, encontra-se uma legitimação ética na aquisição, venda, aluguel e o empréstimo do corpo humano, que corre sérios riscos de tornarem-se “mercadorias finais[4], com o consentimento da profissão médica[5], com a permissão da lei e com a aprovação da filosofia.
Na análise sobre o mercado do corpo, procuramos analisar a situação que emerge em nível internacional em torno ao comércio do corpo e partes deste. Este mercado ilícito é alimentado pela demanda por parte dos sujeitos com grande disponibilidade econômica e pela oferta de “mercadoria” corpórea em vários modos e em diversos níveis de cumplicidade extorquida. Este mercado, é alimentado por “falsas promessas” e pela ilusão de curas prodigiosas, que ofuscam a maneira pela qual os “produtos” são encontrados.
A exemplo das prodigioas promessas, não podemos deixar de citar particularmente os pareceres dos comitês internacionais e nacionais de bioética, que consideram por exemplo a conservação Cordão Umbilical Placentário para uso Autólogo,inútil a luz do atual conhecimento científico, contrariando o sistema de doação pública que consente tratamentos “salva-vidas” para pessoas afetadas por graves doenças hematológicas. Em referência ao exposto, citamos os comitês da Austria[6], Belgica[7], Itália[8] e Brasil[9].
1. Escravidão e biomercado
Os argumentos de determinadassimilitudes com a escravidão, evidenciam certasdistorções de uma visão centrada nos mercados[10].Assim, procurando dar validade moral e legal da escravidão David Brion[11], assevera que a escravidão constituiu um problema estonteante no pensamento aristotélico[12] e lockeniano[13] sobretudo no Séc. XVIII, quando o pensamento ocidental voltou-separa a história para encontrar uma orientação moral e um modo de entendê-la.
As controvérsias sobre a escravidão na América e sobre o comércio organizado pelas nações européias, teve um espaço importantíssimo nos clássicos históricos da jurisprudência, economia política e da filosofia moral. O princípio de que todos os seres humanos tivessem direitos iguais e que o corpo humano fosse considerado res non commerciabilis, constituiu a base moral mais coerente dos movimentos abolicionistas.
A própria discussão moral sobre o comércio das partes do corpo humano, foi antecipada pela visão Kantiana em suas lições sobre a ética: “o corpo constitui a condição absoluta para a vida […] podemos usar a nossa liberdade somente através do nosso corpo[…]. O homem não é proprietário de si mesmo, porque isso seria contraditório. Na medida de fato em que ele é uma pessoa ele é também um sujeito. Se talvez fosse uma propriedade de si mesmo, ele seria uma coisa […], é impossível ser uma pessoa e uma coisa. Em base a isso, não lhe é permitido vender um dente ou uma outra parte de si mesmo[14].
Os problemas históricos e morais que se apresentam, e que dizem respeito tanto ao passado como na atualidade, nos levam a formular alguns questionamentos: até que ponto o mercado do corpo humano pode ser considerado não uma causa do crescimento, mas de estagnação e de declínio isto é, pode ele tornar-se um obstáculo ao desenvolvimento técnico-científico e social se comparado às vantagens oferecidas por outras soluções? Ou ainda, é justo por um impulso causado pelas exigências do momento, renunciar aos valores históricos-morais que perfazem os componentes fundamentais da nossa civilização?.
Em resposta a estes questionamentospor algumas versantes utilizando-se da analogia com a escravidão; verifica-se que esta desenvolveu-se em um contexto primitivo, diferentementeao nosso processo civilizatório democrático, que inicia-se com o “habeas corpus”. O direito à autonomia do corpo deve valer-se então não somente contra o poder político[15], mas também contra o poder totalizante do mercado[16].Não sendo aceitável colocar as liberdades fundamentais em conflito com uma idéia distorcida de bem comum; de qualquer modo, se acolhêssemos liberdade e bem comum,ambas seriam sacrificadas, acarretando graves consequências morais e práticas agregando um pesadíssimo fardo sobre o nosso futuro.
Podemosacrescentar, que se aceitássemos os principais argumentos em favor do mercado biotecnológico isto é, do desequilíbrio entre a oferta e a procura e os benefícios presumíveis dos vendedores[17], efetivamente uma variável do argumento profícuo pode ser feito em referência à possibilidade nos séculos passados de regular e “humanizar”o mercado humano, visando garantir melhores condições aos escravos; como poderia ser feito hoje para o mercado biotecnológico, através da busca pelo preço justo, ou de outras vantagens para aqueles que vendem partes de seus próprios corpos[18]. Em ambos os casos, se pode observar uma intenção humanitária, mas em sua essência, isto significa aceitar as transformações do corpo humano em uma mercadoria, ou em uma reserva de “peças de reposição”.
Certamente, comparar a escravidão (que caracterizou-se como um comércio incontrolado do corpo humano em sua totalidade), ao mercado biotécnológico “das partes separadas do corpo” por muitas vezes consideradas como “peças de substituição”,invariavelmente têm aumentado, em vez de reduzir a repulsa que isso alvitra quase que expontaneamente.
Todavia, a escravidão também teve os seus defensores, e foi justificada por motivações práticas e éticas. Interessante também, é que ao se examinar as argumentações morais utilizadas a seu favor nos séculos passados, com o desígnio de se obervar a possibilidade de um confronto sob o prisma análogo, nos deparamos com a atual discussão pró e contra o mercado biotecnológico.
Quando os discursos sobre a escravidão voltavam-se para humanizá-la, era acolhida quase em sua totalidade. Regulamentá-la, minimizá-la, eliminar os aspectos mais cruéis e desumanos poderia ser em certos casos, o primeiro passo em direção à sua abolição. Já o mercado biotecnológico, ao contrário, é felizmente limitado e a sua aceitação é amplamente rejeitada. A sua legalização, que se de qualquer modo advenha, poderá favorecer a sua generalização[19]. A principal preocupação moral no entanto, não é em direção a esta obscura perspectiva que é amplamente evitável, mas parao fato de que o problema do mercado humano, seja na forma escravista, seja como mercado biotecnológico, está distante de distanciar-se da nossa realidade.
2.A fisiologia do Direitoe o mercado
Os ordenamentos jurídicos normalmente consideram o corpo vivo ou morto e as suas partes como coisas não comerciáveis, res extra commercium, salvo para as partes ou produtos do corpo renováveis. Observando ainda, que a não comerciabilidade é algo distinto da indisponibilidade[20].
Em nenhum ordenamento democrático atual é possível individualizar uma total falta de fontes e normas aplicáveis à tutela da vida à integridade físicaao princípio de igualdade e da não discriminação, ou uma proteção mínima da autodeterminação pessoal nos setores nos quais não afetem interesses coletivos e de terceiros; estes são componentes presentes frequentemente em nível constitucional em todo ordenamento contemporâneo.
Atualmente em termos gerais, pode-se notar que o direito que pretende ocupar-se das ciências da vida,encontra-se em uma posição de compreensível e natural dificuldade diante da propagação de um inédito mercado de direitos, onde os direitos econômicos tradicionais atribuídos à liberdade das transações, mesclam-se com os direitos fundamentais, que estranhos à lógica da troca, também procuram uma infinita possibilidade de expansão.
Deste modo, compartilhamos com o entendimento de Rodotà ao discorrer sobre o“shoppingplanetário” dos direitos, que é largamente praticado por sujeitos econômicos à procura de lugares para desenvolverem suas atividades com o máximo proveito e o mínimo controle. E a este antigo e conhecido fenômeno, acompanha-se agora, um crescente turismo dos direitos no qual recorre-se para conquistar direitos negados nos países de origem[21].
Sempre mais evidente de fato, desponta a diferente velocidade com a qual derivam as inovações científicas e tecnológicas de um lado, e o aprofundamento cultural político e jurídico do outro; tendo como o resultado, quase que inevitavelmente os tempos e os ritmos da ciência superando aqueles da reflexão ética e da elaboração político-normativa[22].
As ofertas do direito estão se modificando, e a sua extensão global questiona Rodotà: “poderia colocar qualquer um na condição de escolher modalidade e lugares, para satisfazer os seus próprios interesses? Como se pode conciliar estas necessidades de individualizar os direitos, com uma universalidade proclamada? […].
Deste modo, deve o legislador estar ciente do peso da deslegitimação que o investe, quando o seu produto não é socialmente reconhecido. O legislador nacional, deve tomar ciência que existe um contexto global que consente à um número crescente de pessoas de gozarem de direitos que são negados nos seus próprios países de origem[23].
Não é raro,nos depararmos com aparatos normativos superados pelo estado das coisas, ou ainda, por algumas disciplinas legislativas que correm o sério risco de já nascerem ultrapassadas. Assim, se assiste a uma intensa produção normativa na qual a bioética faz parte conjuntamente com a coordenação e o desenvolvimento de um pólo de aparatos tendencialmente autônomos, em razão da grande quantidade de transferência financeira tanto pública quanto privada, voltada especificamente ao novo mercado sobre a vida.
Segundo Stefano Rodotà, ao questionar sobre as funções e os limites do direito, adverte se: “pode o direito – a regra jurídica – invadir os mundos vitais apoderando-se da vida nua. Os usos do direito estão sempre mais multiplicados e multifacetados […]. Vivemos de certa forma, em uma sociedade saturada de direitos de regras jurídicas de diversas proveniências, impostas pelos poderes públicos ou por potências privadas com um implacável desvio de finalidade. A consciência social, nem sempre adequa-se a complexidade deste fenômeno, que revela assimetrias e descompassos fortíssimos, com um direito assente em vários setores, onde mais se advertem as necessidades. Apoiadas por ações diversas e mesmo contraditórias, o direito se constrói em um mundo próprio. E nesta autonomia jurídica, como em outros aspectos, a autonomia da política, ciência e tecnologia, oculta o perigo de um desejo incontrolável de poder[24].
É manifesto que na reflexão sobre os limites da intervenção do direito, a questão decisiva permeia aquela de quem define os limites entre o direito e o não direito, e dos critérios segundo os quais vem a se realizar. Questão que depende obviamente muito da escolha política; da relação que é estabelecida entre o sistema jurídico e os outros sistemas de regulamentação social.
Neste sentido,Rodotà expõe sua tese:[…] O imperialismo jurídico que emergiu das páginas de Jhering, eram quase sempre uma atitude históricamente temperada pelo fato e no momento em que eram escritas, preponderava uma convenção social que excluía do império o direito de muitas províncias, confiadas a toda sorte ao governo da religião, da ética, dos costumes e da natureza […]. A religião dominava a alma, a ética apoderava-se dos comportamentos, o costume social, obrigava a natureza demarcar limites intransitáveis. Ditas regras, eram impostas para além de qualquer influência individual, não era possível modificá-la, e a sua transgressão tinha efeitos pesadíssimos de sanções jurídicas”[25].
Para o ilustre autor, a conquista dos territórios reservados à religião ou ao imperativo ético, representa uma forma de liberalização das regras construtivas não modificáveis pela vontade humana enquanto expressão de divindade. Deste modo, é o próprio direito que deve ser colocado em discussão, que conforme Rodotá, “não se pode sobrestar o confronto entre um modelo de direito fundado na religião, e em um poder laicizado, expressa num poder terreno. Mas também, o direito modernamente compreendido deve voltar-se mais intensamente à disciplinar os momentos da vida”[26].
O raciocínio profundo e objetivo que determina uma nova reflexão na razão de ser, e sobre a função do direito que nos parece de certa forma determinada não tão somente voltada às novas sensibilidades sociais, como quanto à sub-posição do direito aos novos dados da realidade, construídos pela ciência e pela tecnologia, são os indicadores que alteram o sentido de apelo ao direito, e as forma da regulação jurídica[27].
Todavia, é carecterística própria do avanço e do desenvolvimento da ciência e em particular da biociência, que altera a gama jurídica e torna gravosa a escritura da ordem social por parte do Direito. Sendo a antropologia do gênero humano, que abruptamente no giro de poucos anos coloca-se em discussão. Perdida a regra da natureza, a sociedade reflete-se no Direito e a este evoca garantias.
Portanto, nesta inquietude de simplificação ao direito, se requer uma reação da reconstrução de uma ordem – quiçá turbada – e não somente uma regulamentação. As fronteiras do direito, encontram-se sempre cada vez mais instáveis, não há uma certeza “entre direito e não direito” entre a exigência por uma norma ou a sua recusa, entre a necessidade de segurança social, e a instintiva reivindicação de identidade cultural e individual[28].
Por outro lado, deve ser considerada a função historicamente assegurada do direito que se exprime “quando a lei moral é incorporada direta ou indiretamente na dimensão jurídica, a norma jurídica torna-se o escudo, no sentido de que se oferece como o instrumento para sancionar uma violação. E, portanto, colocando-se entre a moral e a política”[29].
De certo modo, Weber[30] definiu o direito como uma técnica de governo, (um poder governamental como qualificou Foucault), que tende a ser institucionalizado, isto é, permanecer ao longo dos tempos por aqueles que exercem o poder em afirmá-lo. A norma jurídica é portanto, uma norma formal, enquanto consente tornar racionais e compor tendências e valores diferentes, atribuindo o sentido de legitimidade.
Na concepçãoWebereriana, encontramos que o direito constitui-se em um sistema formal, onde as instituições que dão vida às normas, são antes de mais nada autônomas de outras instituições (como por exemplo as econômicas), enquanto que, as normas para serem como tais, devem constituírem-se como impessoais. A natureza das normas é portanto, àquela de generalidade, abstração e da sua coerência com o sistema jurídico abarcante. A racionalidade da norma, se funda em um escopo racional para além de todas as considerações de ordem éticas-valorativas[31].
Ainda segundo a concepção Weberiana, o direito parece não reconhecer a sua própria racionalidade, a exemplo disso, são aquelas que derivam da força de mercado, nas quais as consequências da norma jurídica não são capazes de determinar ou de prever.
A forma abstrata da norma, pode ser conceitualmente considerada como prática governamental sobre os comportamentos e as interações entre sujeitos reconhecidos pelo direito. A relação entre, norma jurídica e formas de interação, torna-se instável quando submetidos a tensões, que por natureza, intensidade e velocidade com as quais se manifestam, modificam a forma de interação jurídica na qual por não poucos aspectos, se vê incapacitada em regulamentar com eficácia o progresso científico[32].
A este respeito, discorre Pizzoferato “o controle sobre o desenvolvimento das biotecnologias avançadas e de suas aplicações constituem um proeminente problema concernente à segurança da saúde pública, ao ambiente e a dignidade do ser humano”[33].
Obeserva-se, que as biotecnologias inovadoras estão determinando um desenvolvimento acelerado da cultura científica, que envolve o interresse industrial na aplicação em vários campos produtivos. E ainda, a celeridade da adequação das normas não são proporcionais a velocidade do desenvolvimento da ciência e da engenharia genética, e por isso, não consegue resolver o conflito significativo entre a proteção dos livres mercados e a tutela da saúde pública e do ambiente[34].
De acordo com Pizzoferrato, “criam-se assim, vazios normativos que devem ser superados através da utilização de regras bioéticas geralmente aceitos no sentimento social e moral coletivo”[35].
Neste sentido, as normas jurídicas devem ser construídas em torno a preceitos gerais que se referem à percepção social daquilo que é justo, e daquilo que é considerado censurável em um dado contexto histórico e ambiental de referência. A verificação da legalidade de determinadas práticas ou a utilização de certos produtos, permanece assim ancorados, há um juízo histórico de valores, que renova-se e atualiza-se, em relação ao progresso científico e à impressão que desta, se forma a opinião pública.
Se assiste com efeito, como bem demonstrado nas teses de Ferrarese e Rodotà, novas estratégias, práticas e modalidades de desterritorialização e desnacionalização, onde, alteram-se as antigas hirarquias sociais e econômicas, e as novas tipologias do direito estão portanto, variavelmente conectadas com dois aspectos típicos da globalização, ambos conexos com a evolução da técnica. Em primeiro lugar, a globalização impulsionada por uma capacidade técnica de compressão espacial e temporaral do mundo, que coloca em jogo as antigas linhas de divisão política; em segundo lugar, o fato de que a mesma técnica, também potencializou enormemente os sujeitos privados, principalmente as grandes empresas multinacionais, atentando ao protagonismo absoluto dos Estados, que era típico do velho cenário[36].
O direito, é portanto, obrigado a ir além dos limites tradicionais, dando lugar à novas relações com novos limites, qualificando assim o Direito Supranacional que mantém uma relação com as fronteiras, mas que vai além daquelas tradicionais configurando um direito para além dos limites, como uma espécie de Direito Universal, que responda às necessidades, motivações, aspirações ou interesses que pertencem a cada ser humano.
Considerações finais
Muitas considerações poderiam ser feitas partindo desta sintética reconstrução, onde procurou-se percorrer o fio condutor que conecta a vida biológica a Economia ao Direito e a Política. Uma estrada repleta de tragédias e de progressos nos quais hoje, se agrega uma enorme capacidade tecnológica de “transformação” e com uma grandiosa perspectiva de “produção” das partes do corpo. Tudo isso, alterando consideravelmente o tradicional cenário cultural acenado, tornando-se praticamente inutilizável a dicotomia clássica entre natureza e cultura.
Sem sombras de dúvidas, abre-se uma nova fase de relação entre ciência e sociedade, que coloca em causa não somente a Ética mas, a Política o Direito e o Mercado. Tal desafio, nos força a repensar e remodelar o conjunto de aparatos conceituais que dominaram os séculos passados.
Muito embora, o Biodireito não seja o único terreno em que se confrontam instâncias de liberdade e de participação, certamente deve ser considerado como um dos ramos mais profícuos pois, envolve ao mesmo tempo a esfera individual e a coletiva em uma mesma arena,em buscados comandos de regulação, na qual o desenvolvimento dos conhecimentos científicos e técnicos sempre apresentam novos questionamentos.
A forma do direito, entendida como um comando que exprime um forte controle governamental para compreender-se em sua estrutura jurídica, traduz-se em uma solicitação existencial, que vem problematizada enfim nos fundamentos da linguagem das biociências, que se movem nos limites do direito em direção à instâncias que agem e são eficazes sob um terreno distinto, um plano que se qualifica propriamente como não jurídico.
Neste esforço para ir além de si mesmo, o direito se apresenta de certa forma aprisionado ou excessivamente dilatado, enquanto é ainda compelido a seguir os desenvolvimentos das linguagens e gramáticas inteiramente novas e ditadas pelos progressos das biociências.
Os temas do Biodireito e suas conexões com o mercado, bem mais apresentado que outros ramos, demonstra a necessidade de uma participação nas escolhas públicas mais amplas daquelas que conhecemos até momento. Pois como assevera-se, a possibilidade de usar partes de nós mesmos como mercadoria, leva-nos a considerar um uso, que por muitas vezes não esteja mais representado por um ato altruístico, mas, em uma nova forma de exploração humana.
Se por muitos elementos fundamentais,é verdade também que a vida não pode ser traduzida pela norma, por outro lado, a representação da vida na norma, permitiu construir a civilização das formas e proporções, dos modelos e limites dos juízos e das coisas, que ainda perseveram nas sombras. Em muitos aspectos, a norma possibilitou estender a vida. A vida, pode também ser considerada mutuamente o prolongamento das normas.
O poder governamental tornou imprescindível a relação entre norma e vida, pois a vida sem os limites da norma assumiria significados grotescos. A vida necessita de normas para desenvolver-se. Masa grande problemática, diz respeito à adequação destas normas.
Doutor em Ciencia Politica pela Università di Pisa, Itália; Pós-doutor em Direito no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC
Professor Adjunto IV – Universidade Federal de Santa Catarina
Professora Associada – Universidade Federal de Santa Catarina
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