Resumo: O artigo aborda a problemática envolvendo a concessão ou o indeferimento do benefício de prestação continuada assistencial ao idoso or portador de deficiência que seja estrangeiro, bem como o entendimento da jurisprudência e o reconhecimento da repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: benefício de amparo assistencial ao idoso e ao portador de deficiência. Estrangeiro. Jurisprudência.
Sumário: 1. Introdução; 2. As repercussões de ordem econômica e social; 3. Os argumentos jurídicos para a concessão do benefício de prestação continuada ao estrangeiro; 4. Os argumentos jurídicos contrário à concessão do benefício de prestação continuada ao estrangeiro; 5, A jurisprudência sobre a matéria; 6. A repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal; 7. Conclusão.
1. Introdução:
Com a consolidação econômica do Brasil no âmbito dos países da America do Sul, tem-se verificado o constante crescimento no número de emigrantes que aqui chegam tentando obter uma vida melhor e com maiores oportunidades de emprego.
Entretanto, o sonho inicial acaba se tornando pesadelo, quando, muitas vezes, o estrangeiro acaba não conseguindo a sua inserção no mercado de trabalho e, muitas vezes, não possui condições de retornar ao eu País de origem.
Essa situação gera um agravamento na crise da marginalização social, já que esses estrangeiros somam-se aos milhares de brasileiros que vivem nas ruas, sem emprego, e em situações de miserabilidade, o que acaba por ter repercussões na economia, segurança pública, saúde pública etc.
Como conseqüência concreta dessa cada vez mais crescente marginalização social desses indivíduos estrangeiros, tem-se constatado um aumento considerável nos pedidos envolvendo a concessão de benefício de prestação continuada assistencial ao idoso e ao portador de deficiência, também chamado de benefício de amparo assistencial, previsto no artigo 203, inciso V da Constituição Federal.
2. As repercussões de ordem econômica e social:
Tendo em vista as conseqüências de ordem social e econômica que isso pode acabar por gerar, a interpretação conferida pela Administração Pública Federal à possibilidade de conceder-se tal benefício ao estrangeiro acabou sendo no sentido de não lhe conferir tal direito.
Não obstante os fundamentos jurídicos lançados pelo Instituto Nacional do Seguro Social, quanto à impossibilidade de conceder-se benefício assistencial ao estrangeiro, existem algumas razões de índole econômica e social que não podem ser desprezadas, mesmo que, eventualmente, não sejam expressamente defendidas pelas partes envolvidas na questão.
Isso porque é inequívoco que existe a possibilidade de haver um aumento no número de estrangeiros que emigram para o Brasil, com o intuito de eventualmente conseguir obter o benefício de prestação continuada no valor de um salário-mínimo, propiciando uma melhor qualidade de vida à sua família, em especial quando viva em situações de penúria ou de dificuldades financeiras no seu país de origem.
Essa situação acabaria por trazer um gravame financeiro ao orçamento da União Federal, que é o ente responsável pelo pagamento do aludido benefício, podendo gerar a necessidade de se diminuir a proteção assistencial que é dada aos próprios brasileiros.
Além do aumento de despesas com o pagamento do benefício assistencial em si, também haveria conseqüências de ordem social, como o aumento populacional, o aumento da procura por saúde pública, por escolas públicas, a necessidade de maiores investimentos em saneamento básico etc, medidas que muitas vezes não são possíveis de ser feitas a contento sequer para os próprios brasileiros.
Esse dilema econômico e social de proteção assistencial a estrangeiros não é novidade em países desenvolvidos que assistem a êxodos emigratórios há muitas décadas, como é o caso dos Estados Unidos e países Europeu, onde a discussão sobre quais serviços públicos devem ser destinados a estrangeiros também gera divergências acaloradas.
Portanto, a despeito de, por vezes, os argumentos de ordem econômica não serem expressamente lançados pelos Países, até para se evitar que a discussão se desloque do campo jurídico para a seara política, não se pode esquecer que eles existem, e que devem também ser sopesados na decisão tomada pelos Estados acerca do rol de serviços ou benefícios a serem concedidos a estrangeiros.
3. Os argumentos jurídicos para a concessão do benefício de prestação continuada ao estrangeiro:
Para os defensores da possibilidade de se conceder benefício de amparo assistencial ao idoso e ao portador de deficiência, o argumento jurídico gravita em torno da garantia constitucional fundamental da proteção à dignidade da pessoa humana.
O artigo 1º da Constituição Federal elenca como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, ou seja, não basta que o Estado observe o seu direito à vida, mas é preciso que também lhe garanta uma vida digna e com o mínimo necessário para tanto (o chamado mínimo social).
Já no artigo 3º da Carta Maior, está estabelecido como objetivo do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização e diminuir as desigualdades sociais e regionais.
Já no artigo 5º da Constituição da República, tem-se e pedra angular de todo direito individual fundamental no Brasil.
Referido dispositivo constitucional é expresso no sentido de preconizar que todos são iguais perante a Lei, sem distinções de qualquer natureza, sendo garantido aos brasileiros e aos estrangeiros residente no País todo o rol de direitos elencados nos seus incisos, inclusive o direito à vida.
Registre-se que além de estabelecer uma equiparação, no tocante aos direitos fundamentais, entre os brasileiros e os estrangeiros residentes no País, a jurisprudência nacional é firme no sentido de que alguns dos direitos ali elencados seriam destinados, inclusive, aos estrangeiros sem residência permanente no Brasil, como ocorre com a possibilidade de utilização de habeas corpus, a observância ao devido processo legal e ao contraditório etc.
Contudo, no campo dos chamados direitos sociais, no que se insere à assistência social, mesmo os defensores da concessão de benefício de amparo assistencial ao estrangeiro tem exigido que haja a presença da residência permanente no País.
A própria doutrina constitucional tem caminhado para esse entendimento, conforme se extrai do seguinte texto de Paulo Gustavo Gonet Branco, em obra conjunta com Gilmar Ferreira Mendes e Inocêncio Martires Coelho:
“Direitos sociais, como o direito ao trabalho, tendem a ser também compreendidos como não inclusivos dos estrangeiros sem residência no País”. (Curso de Direito Constitucional, editora Saraiva, 4ª edição, Pg. 307).
Os defensores de tal direito aos estrangeiros residentes no Brasil também se valem do argumento de que o Brasil é signatário de diversos tratados e acordos internacionais em que se obriga a promover a igualdade entre os povos e defender a dignidade da pessoa humana, como ocorre, por exemplo, com o Mercosul e com o Pacto de San José da Costa Rica.
É pertinente a colocação do Professor Hermes Arrais de Alencar, quando defende que:
“Porém, em termos constitucionais, não encontra respaldo a discriminação pretendida pela Administração Pública Federal. Temos para nós que o termo “cidadão” utilizado no dispositivo não foi empregado no intuito de restrição, corrobora essa afirmativa o inciso IV do artigo 4º da própria lei que editada os princípios da assistência social” (Benefícios Previdenciários, 3ª Edição, São Paulo, Leud, 2007, pg. 539-540)
Portanto, são esses os argumentos mais consistentes daqueles que advogam pela possibilidade de os estrangeiros residentes no Brasil serem beneficiários do benefício de prestação continuada assistencial estabelecido no artigo 203, inciso V da Constituição Federal.
4. Os argumentos jurídicos contrário à concessão do benefício de prestação continuada ao estrangeiro:
Para aqueles que defendem a impossibilidade de conceder-se o benefício de amparo assistencial do idoso e ao portador de deficiência que seja estrangeiro, dentre os quais está incluído o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), os principais argumentos são estão vinculados a questão da ausência de regulamentação infraconstitucional sobre a matéria.
Sustentam que os requisitos para a concessão do benefício previsto no artigo 203, inciso V da Constituição Federal devem ser estabelecidos por lei, conforme preconiza o próprio dispositivo constitucional.
Outro argumento correntemente utilizado é o de que a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993) se vale, no seu artigo 1º, do termo “cidadão”, o que pressupõe, portanto, vínculo jurídico-político com a República Federativa do Brasil.
Também se defende a impossibilidade de tal direito aos estrangeiros ante a ausência de tratados internacionais especificamente quanto à concessão de benefícios assistenciais a estrangeiros, dos quais o Brasil seja signatário.
5. A jurisprudência sobre a matéria:
No campo jurisprudencial, tem-se verificado que o entendimento dos Tribunais Federais tem se sedimentado no sentido da possibilidade de concessão do benefício de amparo assistencial ao idoso e ao portador de deficiência.
Referidas decisões têm colocado em primazia os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana e da erradicação da pobreza e da marginalização social, quando em confronto com a alegação de ausência de lei específica sobre o tema ou de contrariedade a supostos requisitos infraconstitucionais.
No campo do Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região, colaciona-se o seguintes precedente:
“CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA A ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO. AGRAVO (ART. 557, §1º, CPC). I – Ao manter a sentença de primeiro grau que julgou procedente o pedido do autor, a r. decisão agravada filiou-se ao entendimento já manifestado anteriormente por esta C. Turma, no sentido de que a concessão do benefício assistencial é garantida aos estrangeiros residentes nos país, desde que presentes os requisitos legais autorizadores. (Precedentes do E. TRF da Terceira Região). II – O autor reside no país desde a década de 1950, podendo-se concluir que já poderia ter requerido sua naturalização voluntariamente, não sendo válido, no entanto, que esta seja exigida para que ele faça jus ao exercício de um direito fundamental. III – Agravo (art. 557, §1º, CPC) interposto pelo réu improvido”.
6. A repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal:
Em virtude da grande divergência instalada sobre a matéria, e tendo em conta que a questão transcende aos interesses meramente individuais das partes, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral sobre o tema e admitiu julgar recurso extraordinário que trata sobre a possibilidade de concessão do benefício de prestação continuada assistencial ao idoso e ao portador de deficiência.
Isso ocorreu no Recurso Extraordinário 587.970, cuja ementa segue transcrita:
“ASSISTÊNCIA SOCIAL – GARANTIA DE SALÁRIO MÍNIMO A MENOS AFORTUNADO – ESTRANGEIRO RESIDENTE NO PAÍS – DIREITO RECONHECIDO NA ORIGEM – Possui repercussão geral a controvérsia sobre a possibilidade de conceder a estrangeiros residentes no país o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Carta da República.” (RE 587970 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 25/06/2009, DJe-186 DIVULG 01-10-2009 PUBLIC 02-10-2009 EMENT VOL-02376-04 PP-00742 )
Espera-se que com o julgamento da questão em sede de repercussão geral, o tema encontre pacificação no campo jurisprudencial e, consequentemente, na seara administrativa, evitando-se, inclusive, milhares de ações judiciais sobre a matéria.
7. Conclusão:
Portanto, resta evidente que o tema é controverso e ganha especial relevância no momento em que o Brasil experimenta um aumento no número de emigrantes, ante o crescimento econômico ocorrido nos últimos anos.
A Administração Pública Federal possui preocupações legítimas no que concerne às conseqüências de, eventualmente, se estender a concessão do benefício de amparo assistencial aos estrangeiros, ocasionando impactos de ordem econômica e social que podem acabar por prejudicar a possibilidade de financiamento de melhorias
Entretanto, tais argumentos, embora legítimos, não podem resultar no afastamento de direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, como ocorre, por exemplo, com a dignidade da pessoa humana, tampouco pode se esquecer de objetivos firmados constitucional pela República Federativa do Brasil, como a erradicação da pobreza e da marginalização social, notadamente quando se está a falar de estrangeiros que escolheram residir no Brasil e aqui construir as suas vidas.
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Professor universitário e de curso preparatório para concursos públicos.
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