Resumo: O constitucionalismo que nasceu século XX, em resposta às transformações sociais geradas pela explosão demográfica, pelo aumento das desigualdades geradas pela acumulação de capital da classe social que ganhou força com a Revolução francesa, pelo desenvolvimento das forças produtivas e por duas Grandes Guerras, implantou o modelo de Estado que já tinha se apresentado em diretrizes básicas na Constituição de Weimar, texto havido como precursor do modelo de Estado do bem estar social. A reforma jurídica então produzida reduziu sensivelmente a célebre dicotomia entre o direito público e o privado, propondo programas determinadores do estabelecimento de políticas públicas e da intervenção do Estado na economia e nas relações privadas, sempre na perspectiva da garantia e proteção da dignidade da pessoa humana. O modelo foi ampliadamente adotado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que, no paradigma do desenvolvimento nacional e proteção da dignidade da pessoa humana como objetivos da Nação, instala uma nova ordem econômica que supera a autonomia da vontade e o individualismo para implantar um modelo baseado na solidariedade social. Nesse prisma, o direito de propriedade é relativizado na determinação constitucional de cumprimento de sua função social.
Palavras-chave: dicotomia entre direito público e privado; Estado Social; dignidade da pessoa humana; solidariedade social; ordem econômica; direito de propriedade; função social da propriedade.
Abstract: Constitutionalism was born in the twentieth century, in response to social changes generated by the population explosion, the growing inequalities generated by capital accumulation and social class that gained strength with the French Revolution, the development of productive forces and two world wars, it deployed state model that had been performing at the basic guidelines in the Weimar Constitution, the text characterized as the precursor state model of social welfare. The legal reform then produced significantly reduced the famous dichotomy between public and private, offering programs which must be the establishment of public policies and intervention in the economy and private relations, bearing in mind the security and protection of human dignity. The model was extendedly adopted in the Constitution of the Federative Republic of Brazil in 1988, that in the paradigm of the national development and protection of human dignity and goals of the nation, installs a new economic order that goes beyond freedom of choice and individualism to deploy a model based on social solidarity. In this light, the right to property is relativized in the constitutional provision to fulfill its social function.
Keywords: dichotomy between public and private welfare state, human dignity, social solidarity, economic order, right to property, social function of property.
Sumário: 1. Introdução; 2. Constituição e Direito Privado; 3. Perfil da Constituição da República de 1988 e o Direito de Propriedade; 4. A Funcionalização do Direito de Propriedade no Brasil; 5. Conclusão
1. Introdução
A proposta deste trabalho é de analisar o perfil da Constituição da República de 1988, identificando algumas das diretrizes e linhas básicas que revelaram à sociedade e aos poderes públicos a inauguração de um modelo de Estado voltado à proteção da dignidade da pessoa humana como vetor de produção legislativa, de atuações estatais e regulação das relações econômicas e sociais privadas.
Faz-se um cotejo do texto constitucional brasileiro com o modelo de constituição que lhe serviu de inspiração para, num segundo momento, identificar o fenômeno denominado por segmentos doutrinários como a “constitucionalização do direito privado”, fenômeno que serviu para acabar com a célebre dicotomia entre o direito público e o privado na regulamentação de determinação de intervenção estatal na esfera privada sempre que a autonomia da vontade se revelar contrária aos objetivos, metas e fundamentos consagrados na Lei Básica.
Conclui-se que a Constituição de 1988 é um documento dirigente e aberto ao futuro, mas que se fecha diante da qualquer intenção de alteração legislativa apta a promover mudanças no paradigma espelhado em cláusulas pétreas definidoras de direitos fundamentais individuais e sociais, sustentando a doutrina que a despeito de a ordem econômica ter regulamentação em título próprio da Constituição, suas bases devem ser extraídas das normas garantidoras dos direitos sociais e individuais, uma vez que a ordem constitucional é uma só: a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho humano e a noção de solidariedade aparecem como bases do desenvolvimento e do crescimento econômico.
Nesse prisma, num sistema capitalista, o direito de propriedade material e imaterial é relativizado na determinação de sua utilização conforme a função social destinada ao seu objeto, possibilitando a intervenção do Estado para a aplicação da expropriação, independente do pagamento de indenizações, como sanção ao comportamento anti-social que revela ausência de respeito aos postulados por meio dos quais se projeta uma desenvolvimento adequado a reduzir as desigualdades sociais, que sevem de suporte para o aumento da pobreza, da marginalização, do acesso à cultura e a outros recursos garantidores de acesso a bens fundamentais da vida.
2. Constituição e direito privado
Ainda que de modo sucinto – e para melhor compreender o fenômeno e os efeitos da constitucionalização do direito privado – importa fazer uma breve digressão, com o auxilio da doutrina, sobre a diferenciação entre este e o direito público. A despeito da existência de controvérsia na identificação dos critérios de diferenciação[1], o cientista político Norberto Bobbio esclarece a matéria indicando dois principais critérios, ensinando que:
“Com base na forma da relação jurídica, distinguem-se relações de subordinação entre sujeitos de nível diferente, dos quais um é superior e outro inferior: as relações de direito privado seriam caracterizadas pela igualdade dos sujeitos, e seriam, portanto relações de coordenação; as relações de direito público seriam caracterizadas pela desigualdade dos sujeitos, e seriam portanto relações de subordinação. Com base na matéria, porém, que constitui o objeto da relação, distinguem-se os interesses individuais, que se referem a uma única pessoa, dos interesses coletivos, que se referem à totalidade das pessoas, à coletividade. Levando em conta esta distinção, o direito privado seria caracterizado pela proteção que oferece aos interesses privados e o direito público pela proteção oferecida aos interesses coletivos”.[2]
Prossegue o pensador afirmando que a dicotomia entre estes ramos do direito teve ingresso no pensamento político e social do ocidente em duas passagens do Corpus Juris Civilis [institutiones, I, I, 4; Digesto, I, 1, 2], quando se conferia a supremacia do direito público sobre o direito privado[3]. E apesar de não ter essa supremacia preponderado ao longo da história[4], por volta do século XVIII, quando se sobrelevou a distinção entre as relações econômicas e as relações políticas, entre sociedade civil e Estado, entre o direito e a moral, a visão dicotômica entre o direito público e o direito privado assumiu relevo, tratando-se aquele como ramo de disciplina do Estado, e este como ramo de disciplina da sociedade civil, das relações intersubjetivas e do mundo econômico.
Com a conquista de poder socioeconômico pela classe burguesa a partir da Revolução Francesa (1789 – movimento de reação às desigualdades herdadas do período feudal), e com o fenômeno da codificação da legislação privada no século XIX[5], a garantia da liberdade foi elevada a meio para a conquista do mundo material pela iniciativa individual – ou seja, do modo de produção capitalista -, ganhando a proteção do Estado contra sua própria interferência nas relações econômicas. Nesse prisma, buscou-se criar normas jurídicas com preceitos primários e conseqüências jurídicas expressas de modo claro e completo, tornando o juiz um mero operador jurídico, sem responsabilidade política.
“É nesse contexto que o individualismo é visto como valor a ser prestigiado, como reação ao período estamental que caracterizou a era medieval, em que o valor do individuo estava ligado não às suas características e méritos pessoais, mas ao estamento social no qual se encontrava integrado. Assim contextualizado, entende-se a enfática defesa que A. Tocqueville faz desse novo valor: “Individualismo é uma nova expressão, para a qual nasceu uma idéia nova. Nossos pais conheciam apenas o egoísmo é um apaixonado e exagerado amor de si próprio. (…) O individualismo um sentimento calmo e maduro, que leva cada membro da comunidade a distinguir-se da massa de seus pares e se manter à parte com sua família e seus amigos”.[6]
Os poderes públicos, no regime liberal, são vistos como potenciais inimigos das liberdades recentemente conquistadas.
“El Código Civil se erige entonces em la verdadera carta constitucional de esa sociedade autosuficiente, sancionando los principios de la autonomia de la vonluntad y la libertad contractual como ejes de la regulación de las relaciones jurídicas inter privatos. Carece de sentido extender a este tipo de relaciones la eficacia de los derechos indiviuales si éstas se estabelecen, por principio, entre iguales, porque entre iguales las relaciones no puedem ser sino libres. Por definición. La libertad (formal o jurídica).”[7]
O Estado limitou-se, desse modo, à criação de um ordenamento jurídico básico para o curso da economia, mantendo o primado da segurança, zelando pela liberdade civil e pela liberdade pessoal, mas consagrando, no sistema capitalista, a liberdade de contratos. As constituições dos Estados liberais são classificadas como defensivas e rígidas, disciplinando apenas a organização do Estado, a estrutura dos poderes, a competência dos seus órgãos e algumas relações com os particulares.
Os direitos fundamentais previstos nestes modelos de constituições são regulados conforme o modelo sóciopolítico definido, eis que essa classe de direitos “tienen um contenido variable, condicionado por la defesa de la personalidad humana frente a los poderes o método que em cada situación la amenacem”.[8] Relembre-se, nesse passo, que os direitos humanos liberais corporificam direitos puros de defesa em face do Estado, proclamando uma igualdade formal de todos, e que os direitos humanos sociais (a rigor, previstos nos modelos de Constituição Social) destinam-se à “criação dos pressupostos fáticos da liberdade e democracia, produzir a igualdade material e a paz jurídica, bem como servir abrangentemente a dignidade da pessoa”, que tem base em consenso internacional.[9]
Contudo, diante de um novo quadro político, econômico e social, o Estado liberal mínimo do século XIX cede, no século XX, para o Estado Social intervencionista, regulando de modo mais amplo o poder estatal, a sociedade e o indivíduo. A separação entre o Estado e a sociedade chegou a termo com a politização de toda a sociedade, apontando-se a Constituição de Weimar como o texto precursor e definidor das diretrizes básicas para o moderno constitucionalismo e para a implantação do modelo de Estado do bem estar social.
“As rápidas transformações, o desenvolvimento das forças produtivas, as profundas contradições e desigualdades geradas na sociedade capitalista, além das duas Grandes Guerras, da explosão demográfica, da concentração de capitais na politização das massas exploradas, fazem surgir uma nova problemática, que coloca em evidência a insuficiência dos esquemas privados ante a nova realidade de fins do século XIX e início do século XX, ensejando a intervenção do Estado”.[10]
A Constituição Social – denominada por Canotilho como Constituição dirigente – deixa de ser um instrumento de governo para se tornar um “plano normativo-material global”[11], prescrevendo normas constitucionais programáticas[12] e enunciando ao Estado e à sociedade programas, finalidades e diretrizes para a implantação novos paradigmas de políticas de governo e de relações entre o público e o privado, relativizando, daí, a célebre distinção entre o direito público e o direito privado e desafiando uma nova hermenêutica jurídica.
“Enfim, a Constituição Dirigente acaba por alargar as tarefas do Estado, incorporando fins econômico-sociais positivamente vinculantes das instâncias de regulação jurídica. A política não mais é concebida como um domínio juridicamente livre e constitucionalmente desvinculado. Os domínios da política passam a sofrer limites, mas também imposições, por meio de um projeto material vinculativo, cuja concretização é confiada aos órgãos constitucionalmente previstos. Surge verdadeira configuração normativa da atividade política.”[13]
No caminho de tais mudanças, o legislador tem seu poder limitado pelo controle de constitucionalidade, o Executivo tem seu espaço limitado à legalidade e o Judiciário passa a ter o dever de controle da validade da lei infraconstitucional, cotejando os valores albergados nas normas ordinárias com aquelas expressas na Carta Política, na qual se institui programas e estabelece a funcionalização de direitos fundamentais tanto para os poderes públicos quanto para os particulares, limitando neste último a autonomia da vontade e o individualismo, de modo a definir um novo paradigma para o direito privado.
“Diferentemente do período anterior, em que os Códigos representavam o eixo central de todo ordenamento jurídico privado, pretendendo disciplinar a totalidade das relações jurídicas do sujeito abstrato sob a égide da autonomia da vontade, esse novo período vê o direito privado deixar os códigos totalizantes em direção à legislação dita “extravagante”.
(…) essa nova legislação possui um caráter promocional, utiliza-se freqüentemente uma linguagem setorial, fixa objetivos a alcançar e, numa só lei (exemplificadamente, a Lei de locações, o ECA, o CDC), disciplinam-se aspectos de direito material privado, de direito penal, de direito processual, de direito administrativo. Trata-se do deslocamento do monossistema simbolizado pelos códigos totalizantes, em direção ao polissistema legislativo, adotando-se microssistemas que gravitam ao lado do Código Civil. É o advento da chamada era dos estatutos”. [14]
A par disso, surgem os segmentos doutrinários, ditos mais arrogantes por Canotilho, que afirmam a “civilização do direito constitucional”[15], ou, ainda, defendem a convergência entre o direito público e o privado, constatada porque “cada vez mais o Estado se utiliza institutos jurídicos do direito privado, estabelecendo relações negociais com os particulares, e conseqüentemente abrindo mão de instrumentos mais autoritários e impositivos”, e porque
“também o direito privado se desloca em direção ao público, como se percebe na elaboração da categoria dos interesses e direitos coletivos e difusos (metaindividuais ou supraindividuais), mas igualmente na funcionalização de inúmeros institutos típicos do direito privados, como é o caso do reconhecimento da função social da propriedade (…). Isso decorre do fato de que no Estado Social as autoridades públicas não se preocupam apenas com a defesa das fronteiras, segurança externa e ordem interna, mas passam a intervir de forma penetrante o processo econômico, quer de forma direta, assumindo a gestão de determinados serviços sociais (transportes, serviços médicos, assistência social, educação, etc.), quer de forma indireta, através da disciplina de relações privadas relacionadas ao comércio (v.g., disciplina de preços, do crédito, do setor de seguros, das atividades bancárias, etc.), além de outras relações intersubjetivas que uma vez eram deixadas à autonomia privada (como a disciplina dos aluguéis, seus reajustes, renovação dos contratos, relações de consumo, etc.).”[16]
Mas na afirmação da supremacia da Constituição em relação às normas ordinárias, a consagração constitucional da dignidade da pessoa humana e a positivação de amplos direitos individuais e sociais como fundamentais passam a exercer influências sobre o direito privado, autorizando formalmente uma ampla intervenção[17] do Estado nas vontades dos particulares, conferindo a supremacia do direito público sobre o privado e promovendo o fenômeno denominado de “a constitucionalização do direito privado”.[18]
Isso não significa o fim do direito privado, mas, antes, que os princípios clássicos devem ceder aos novos princípios projetados pela idéia da responsabilidade social, que passam a se projetar na interpretação de normas de direito privado. E onde os princípios clássicos “não bastem para produzir a ordem social e econômica desejada, o Direito Público deve intervir, tanto para completar e embasar, quanto para delimitar e corrigir.”[19]
3. Perfil da Constituição da República de 1988 e o direito de propriedade
O constitucionalismo inaugurado no Brasil em 1988 revela o esgotamento do modelo liberal[20], desafiando a implementação de uma ordem jurídica própria de Estados intervencionistas. Ultrapassando as imagens constitucionais dos textos de 1934 a 1946[21], apresenta-se com um conteúdo menos prescritivo e mais programático, porquanto formado por muitas normas ordenatórias ao legislador infraconstitucional para a regulamentação das metas traçadas na derradeira Carta Política.
“Da Constituição de 1988 emerge uma ordem jurídica própria dos Estados intervencionistas, cuja dinâmica está condicionada à eficiência e competência na obtenção de resultados, que se subordinam à concretização de políticas públicas. Concebe-se a Constituição de 1988 a serviço da democratização do Estado e da sociedade, com uma ordem fundamental e um programa de ação através do qual a sociedade se constitui em unidade socioeconômica e política”.[22]
Nessa esteira, afirma-se que a Lei Fundamental de 1988 é “texto aberto ao futuro e promissor, que, na sua dimensão de instrumento de direção social, está em consonância com a crescente complexidade de uma sociedade antagônica, aberta e plural”.[23] E assim o é porque o texto ideológico expresso no preâmbulo da Constituição[24] é positivado desde os seus primeiros dispositivos, assinalando a dignidade da pessoa humana como vetor de produção legislativa, atuações políticas e hermenêutica constitucional.
“Considerando que toda Constituição há de ser compreendida como uma unidade e como um sistema que privilegia determinados valores sociais, pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como um valor essencial que lhe dá unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular”.[25]
E porque a dignidade da pessoa humana foi elevada à categoria de princípio constitucional no Brasil[26], devendo servir como alicerce de uma ordem jurídica formalmente democrática, surge necessário definir, ainda que sucintamente, o conteúdo dessa expressão legal.[27] Nessa perspectiva, a doutrina sugere a retomada de postulados filosóficos[28] para a identificação da dignidade como um valor intrínseco da pessoa humana, entendendo, assim, que o seu substrato material pode ser desdobrado em quatro postulados, a saber:
“i) o sujeito moral (ético) reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele, ii) merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica de que é titular; iii) é dotado de vontade livre, de autodeterminação; iv) é parte do grupo social, em relação ao qual tem a garantia de não vir a ser marginalizado”.[29]
Despontam como corolários do princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, “os princípios da igualdade, da integridade física e moral – psicofísica -, da liberdade e da solidariedade”[30], que surgem na topografia constitucional como direitos e garantias individuais consagrados em cláusulas pétreas e de aplicabilidade imediata[31], sendo incorporados como vetores na implantação de uma nova ordem jurídica, social e econômica, no alargamento dos direitos sociais, e na criação de mecanismos processuais inéditos para sua postulação perante o Poder Público[32].
O artigo 3º da Constituição define como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, entre outros, a garantia do desenvolvimento nacional, que deve ser visto como parte integrante do respeito a todos os outros direitos humanos formalmente garantidos. Nessa esteira, assinala a doutrina que se torna fundamental para a “compreensão dos direitos econômicos, sociais e culturais, que se proponha um Direito ao desenvolvimento, pois tal intento contempla não só o direito à inclusão de novos atores sociais internacionais, mas expressa o empenho do Terceiro Mundo em elaborar uma identidade cultural coletiva.”[33]
“O desenvolvimento supõe não apenas o crescimento econômico, mas sobretudo elevação do nível cultural-intelectual comunitário e um processo, ativo, de mudança social. Daí porque a noção de crescimento pode ser tomada apenas e tão-somente como uma parcela da noção de desenvolvimento. O desenvolvimento, como já apontava Schumpeter (Teoría del Desenvolvimiento Econômico. Trad. de Jesús Prados Ararte, Fondo de Cultura Económica, México, 1967, p. 74), se realiza no surgimento de fenômenos econômicos qualitativamente novos – isto é, de inovação – conseqüentes à adoção de novas fontes de matéria prima, de novas formas de tecnologia, de novas formas de administração da produção, etc. (…)
Garantir o desenvolvimento nacional é, tal qual, construir uma sociedade livre, justa e solidária, realizar políticas públicas cuja reivindicação, pela sociedade, encontra fundamentação neste art. 3º, II. O papel que o Estado tem a desempenhar na perseguição da realização do desenvolvimento, na aliança que sela como setor privado, é, de resto, primordial”.[34]
Na perspectiva do desenvolvimento, a Constituição, na regulamentação da ordem política, prima pela democracia representativa, instituindo formas de controle, pela sociedade, da atuação dos poderes públicos, e permitindo que os cidadãos possam ser agentes na construção dos conceitos de suas necessidades.[35] No que toca à ordem social, o bem-estar e a justiça social têm base na valorização do trabalho e direitos a ele inerentes, seguindo a normativa na determinação ao Estado, com o auxílio da sociedade, o papel de responsável pelo cumprimento das garantias de educação, saúde, previdência, assistência social, meio ambiente sadio, entre outras.[36]
Na regulamentação da ordem econômica – e, portanto, na definição do modelo econômico instalado no Brasil -, a Constituição contempla inúmeras disposições que não estão englobadas no Título da Ordem Econômica e Financeira, mas que dela fazem parte[37], razão pela qual a doutrina sustenta ser “injustificada a alusão, do texto constitucional, a uma ordem econômica e a uma ordem social.”[38] Os princípios que se conformam com a interpretação da matéria estão enunciados tanto no art. 170 da Constituição, mas também nos seus artigos 1º, III e IV; 3º, I e III; 8º, e 219.
E ainda que não se deva interpretar a Constituição “em tiras, aos pedaços”[39], ao presente trabalho interessa, especificamente, o tratamento dado ao direito à propriedade, o que faz a partir do capítulo que segue.
4. A funcionalização do direito de propriedade no brasil
O modelo de ordem econômica está umbilicalmente ligado à regulamentação do direito de propriedade, certo é que, se a economia dispuser de normas bem definidas quanto ao direito privado, puder contar com um governo efetivo no exercício de suas atividades básicas e dispor de um sistema judicial eficiente, a produção do trabalho sofre impulsos e o desenvolvimento almejado como objetivo da Nação pode ser alcançado.
Quanto à noção de propriedade, elementar, mas interessante, é a afirmação no sentido de que:
“O conhecimento do que é próprio, do meu, do teu, atinente ao direito de propriedade privada influenciou o conceito de Justiça de Justiniano: “Justitia est Constant et perpetue voluntas jus sum cuique tribuend”, variando conforme o sistema político adotado, no estabelecer o que deve ser atribuído a cada um, como propriedade, conforme se examine na visão capitalista ou na visão socialista”.[40]
A noção de propriedade inspirada na Revolução francesa e nos códigos editados no século XIX não se manteve incólume aos fenômenos de aumento da população, aumento das necessidades sociais e do acúmulo capitalista dos bens de produção, uma vez que os princípios consagrados na revolução-matriz foram quebrados com o aumento das desigualdades sociais. O Estado, mesmo mantendo o regime capitalista, deixou então sua atitude de indiferença à participação direta nos diversos setores da vida social, mantendo a definição do direito de propriedade, mas diversificando o seu conteúdo conforme o bem da vida em debate, visando agora lhe propor uma função social[41] como instrumento de Justiça social. Observou-se, enfim, que o
“sujeito econômico é um sujeito social cuja racionalidade e cujo sistema de valores é determinado a partir de variáveis extra-econômicas. Essas análises propõem-se a estudar esses processos de socialização e a mostrar como esses processos cumprem um papel fundamental nas diferentes modalidades de regulação econômica”.[42]
Sobre a função social da propriedade, anota a doutrina que, a despeito de se identificar nas Constituições Mexicana e de Weimar a sua positivação, a base filosófica remonta já à noção de propriedade desenvolvida em Roma, sendo visualizada nas pregações bíblicas e nos escritos dos religiosos da Idade Média.[43] Evidentemente a tese de funcionalização encontrou seus opositores – a rigor, os que se beneficiavam com a noção de propriedade absoluta -, levantando-se a questão sobre a noção de função social versus a noção de direito subjetivo.
Qualquer tentativa de compatibilização parece impossível a partir da definição de direito subjetivo apresentada por Santoro-Passarelli, que, na esteira de outros doutrinadores de relevo[44], concentra-se na procedência individualista da civilização – que concebe o direito em função do indivíduo -, para afirmar que o
“conteúdo do direito subjetivo pode ser constituído, antes de mais, por uma supremacia da vontade do titular, graças à qual ele próprio pode, por si só, realizar o seu interesse. A esta supremacia, que pode chamar-se ‘potestas’, corresponde, de outro lado da relação, não uma obrigação, mas uma simples sujeição, pois o sujeito é realmente passivo, sofre as conseqüências da ‘potestas’.”[45]
No entanto, segmentos doutrinários respeitados também acordam no sentido de que todo direito subjetivo está limitando em regras por meio das quais são estruturados em conteúdo e formas de exercício[46], revelando uma nova concepção sobre o direito de propriedade: mantém-se sua natureza de direito subjetivo, mas determinando que somente deve ser “exercida de modo tal que o seu titular utiliza a coisa sem impor sacrifício ao maior número”.[47] E na afirmação de que todo direito deve ser respeitado e efetivado, a dogmática do direito brasileiro coloca a latere qualquer recalcitrância na aceitação da função social da propriedade, porquanto positivada em norma constitucional, disciplinada em leis especiais[48] e no Código Civil de 2002.[49]
Anote-se que a propriedade garantida na Constituição, reiteradamente no art. 5º, XXII[50], e no art. 170, III[51], não constitui um instituto jurídico, mas um conjunto de institutos jurídicos relacionados a distintos tipos de bens[52], ressaltando-se, com Ruy Sodré, que
“no direito de propriedade, há um elemento de direito individual e um elemento de direito social e que a combinação de ambos resulta na distinção entre o suficiente e o superabundante dos bens apropriados. Só a propriedade do suficiente é um direito absoluto, porque corresponde à quantidade de bens necessários ao preenchimento dos deveres inerentes à sua condição social.”[53]
Esclareça-se, assim, que a propriedade dotada de função individual tem assento no art. 5º, XXIII[54], do texto constitucional, referindo-se à garantia do indivíduo para prover a sua subsistência e de sua família, assegurada a origem no direito de herança. A função social da propriedade, aludida no inciso XXIII, é justificada pelos fins e funções[55] que lhe é destinada. Para Eros Roberto Grau, a função social da propriedade importa diretamente à ordem econômica[56], porquanto é aquela que excede o padrão qualificador da propriedade como dotada de função individual. [57] Arremata o autor sustentando que a função social somente atinge a propriedade tangida por função individual quando se constata um excesso “detido para fins de especulação ou acumulada sem destinação ao uso a que se volta”[58], em conformidade com a idéia de que, sendo a propriedade um direito humano, deve ser entendida como “um direito-meio e não um direito-fim. Ela é garantia em si mesma, mas como instrumento de proteção de valores fundamentais.”[59]
Considere-se, ainda, que não há, na doutrina, quem defenda que a relativização do direito de propriedade – que antes era absoluto – ofende ao regime capitalista ou à liberdade de aquisição ou de contrato. A funcionalização da propriedade apresenta laços com a noção de socialismo – como se apercebe na generalidade das Constituições-, mas não atenta contra o capitalismo ou contra a liberdade de aquisição ou formação de patrimônio (de qualquer ordem). Nesse prisma, Karl Renner afirma que a propriedade “é neutra, sem cor, não é feudal, não é capitalista ou socialista e, como instituição constituída pelas leis, pode compreender situações econômicas diversas, na concepção e nas realizações práticas, sem que sofram alterações os seus princípios fundamentais.”[60]
“necessidade, para se manter a boa e adequada relação entre liberdade e propriedade, de se proceder à releitura do direito de propriedade com a roupagem da função social, para que um maior número tenha acesso à propriedade, assegurando-lhe os bens primários mínimos para a sobrevivência. Estes bens primários, conforme leciona Rodotà, constituirão o novo ‘núcleo duro Del derecho de propriedad y, a través de su directo ligamen com la persona, proporcionarán uma nueva legitimación al nexo propriedad-libertad’. Deve se ter em mente ainda a advertência de Konrad Hesse: Para os desempregados, a liberdade de profissão é inútil. Liberdade de aprender e livre escolha dos centros de formação ajudam somente àquele que está financeiramente em condição de terminar a formação desejada e ao qual tais centros de formação estão à disposição. A garantia da propriedade somente tem significado real para proprietários, a liberdade de habitação somente para aqueles que possuem uma habitação”[61]
Feitas estas considerações, conclui-se que o cumprimento da função social não está em imposições de limites ao direito de propriedade – que apresentam conteúdo negativo. A função social tem um conceito normativo[62], porque exige que o juiz, na análise de uma demanda, considere os valores eleitos por uma determinada sociedade para somente então adequar a sua utilização à realidade social na qual se insere. A expressão, pois, remete à inserção de um requisito de dinâmica à utilização da propriedade, de imposição, ao titular – proprietário ou legítimo possuidor-, do exercício de uma atividade de modo compatível com bem que é o objeto do seu direito, significando isso, “em linha de princípio, que a inatividade do titular passa a ter uma coloração e valoração diversas.”[63]
Sobre as conseqüências da opção pelo exercício de uma conduta anti-social na utilização da propriedade, a doutrina, em consonância com a lei infraconstitucional, não apresenta contradições na afirmação da aplicação da sanção de perda de sua legitimidade jurídica, não podendo mais o seu titular arguir em seu favor o seu direito individual – podendo ser despojado até do direito de qualquer indenização -, eis que posicionada a função social, na esteira da ordem constitucional, como um princípio que sustenta e confere estabilidade à propriedade na realidade jurídica, política e social brasileira.[64]
No que toca à propriedade intelectual – de bens imateriais, portanto -, ainda que não se possa aduzir que esteja livre da funcionalização prevista na Constituição, a seara de sua regulamentação é bastante internacionalizada, compreendendo o campo da propriedade industrial e dos direitos autorais. É modalidade específica da propriedade privada, e sua inclusão no âmbito das regulamentações da propriedade em geral decorre da relevância que o domínio e a divulgação do conhecimento técnico-científico têm para o desenvolvimento socioeconômico, objetivo consagrado na Carta Política brasileira, como antes mencionado.
A importância da funcionalização do direito de propriedade intelectual pode ser constatada nas teorias propostas pelo filósofo Vilém Flusser[65], que na análise da criatividade e capacidade humanas, defende que o processo de criação se desenvolve no homem como uma forma de se afastar do mundo, de superar seu destino de mortal e vencer os obstáculos impostos por suas limitações físicas e biológicas. Para o autor, o desenvolvimento da escrita, já nas primeiras civilizações, fez substituir os desenhos que serviam para o registro de informações pela escrita, iniciando, com o discurso e o diálogo, um processo de acúmulo de informações que permitem o desenvolvimento de novas tecnologias, e com ela, meios de manipulação e simulação adequadas para a superação das limitações ditadas pelo sistema nervoso humano. Ou seja, a inventividade e os diálogos que sobre ela se pode estabelecer podem fazer o homem superar a si próprio.
Mas ainda que a produção intelectual possa ser desenvolvida sem incentivos econômicos, “a história real das economias de mercado inclinou-se por um modelo específico: aquele que dá ao criador ou investidor um direito de uso exclusivo sobre a solução tecnológica, ou sobre a obra do espírito produzida.”[66]
Nessa quadra, a legislação brasileira, que tem seus fundamentos em leis de direito internacional público[67], assegura os direitos de autor, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil, no art. 5º, XXVII, XXVIII e XXIX[68], da Constituição da República de 1988, a inviolabilidade do direito à propriedade intelectual, não afastando, todavia, a possibilidade de que esse direito possa sofrer a intervenção estatal quando sua utilização não estiver adequada à nova ordem econômica e social instalada do Brasil. E lembrando a natureza econômica do direito de propriedade, registre que
“apenas a titulo de ilustração, cumpre salientar que a vedação ao abuso do poder econômico é princípio fixado não nível constitucional que remete à lei reprimir tal modalidade abusiva, que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (§ 4º, do art. 170 da Constituição Federal). No nível infraconstitucional a vedação ao abuso do poder econômico é regulamentada pela Lei 4.137, de 10 de setembro de 1962, que disciplina a repressão ao abuso do poder econômico, e Lei 8.137/90, que fixa os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo.”[69]
No sentido da imposição de cumprimento da função social da propriedade intelectual, a Lei de Propriedade Industrial regulamenta a licença compulsória, definida como
“procedimento legal que consiste, basicamente, em outorgar autorização, pela autoridade do Estado (INPI), a particular, para que este explore o produto patenteado, independentemente da vontade do titular da patente, quando esse último deixou de exercer suas prerrogativas e seus deveres de produzi-lo e não se dispôs a licenciá-lo, voluntariamente, para um interessado. É nesse sentido que se define a compulsoriedade da medida. Nesse caso, para assegurar que o mercado seja abastecido e com vistas a garantir a exploração do produto no território nacional, a autoridade administrativa ou judiciária pode e deve conceder a licença compulsória”.[70]
No caso de não se mostrar a licença compulsória meio suficiente para coibir o abuso do direito da propriedade sobre o seu objeto, pode ser aplicada a caducidade da patente, extinguindo-a para expor em domínio público a possibilidade de exploração da tecnologia desenvolvida. Tais sanções se apresentam como mecanismo de expropriação do conhecimento técnico e científico em prol da sociedade.
Com isso, ainda que de modo breve, identifica-se que uma das formas traçadas pelo legislador para alcançar os objetivos consagrados na Carta Política de 1988 foi a funcionalização o direito à propriedade privada, revelando-se como uma forma de concretização da proteção imediata do ser, em detrimento do poder econômico.
5. Conclusão
A célebre dicotomia entre o direito público e o direito privado servia, com base nos critérios sugeridos por Norberto Bobbio, para demonstrar que o direito público se ocupava, numa relação de subordinação entre sujeitos de níveis diferentes, da proteção dos direitos coletivos, e o direito privado, numa relação de coordenação entre sujeitos num mesmo nível, de proteção de direitos privados. A supremacia do direito público sobre o privado, constatada quando a distinção teve ingresso no pensamento político e social do ocidente em duas passagens do Corpus Juris CIvilis, não preponderou ao longo da História, e por volta do século XVIII, quando a dicotomia assume relevo, ao Estado reservou-se a disciplina do direito público, regulamentando o direito privado as relações intersubjetivas e as relações travadas na sociedade civil e no mundo econômico.
A Revolução francesa, como movimento de reação às desigualdades herdadas do período feudal, marca a proteção da liberdade contra as interferências do Estado como forma de garantir a conquista do poder econômico e social pela burguesia. O individualismo é marcante na codificação da legislação privada, ficando o Estado incumbido da tarefa de criação de um ordenamento jurídico para a estruturação dos poderes, definição de competência dos órgãos estatais e normatização básica para o curso da economia, para a preservação da segurança e do pleno exercício das liberdades civil e pessoal. As Constituições criadas sob essa ideologia são classificadas como liberais, defensivas e rígidas, nas quais os direitos humanos aparecem adaptados ao modelo sóciopolítico que integra.
A nova problemática social, política e econômica geradas na sociedade capitalista, as transformações e o desenvolvimento das forças produtivas, a explosão demográfica, além das duas Grandes Guerras fazem o Estado liberal ceder, no século XX, para o Estado Social, modelo no qual a sociedade civil e o Estado se harmonizam no ideal de um Estado do bem estar social, e que teve suas diretrizes básicas assinalados na Constituição de Weimar.
Implanta-se um constitucionalismo dirigente que traça planos em regras programáticas e enuncia ao Estado e à sociedade um novo paradigma de atuação estatal e de relações entre o público e o privado, de modo a relativizar a distinção entre o direito público e o privado.
A legalidade dos atos dos poderes públicos e dos cidadãos ficam vinculadas ao texto constitucional, no qual os novos focos de direitos humanos são funcionalizados, limitando o individualismo e a autonomia da vontade para impor a solidariedade e a prevalência da dignidade da pessoa humana. Os códigos, assim, perdem o status de relevo na regulamentação das relações privadas, aumentando a legislação extravagante e os estatutos para o alcance dos objetivos expressos na Lei Fundamental, impondo-se uma nova hermenêutica para a aplicação dos princípios constitucionais sempre que os princípios clássicos do direitos civil não forem adequados ao novo modelo de Estado. Denomina-se o fenômeno como “constitucionalização do direito privado”, defendendo-se, ainda, a ocorrência de convergência entre o direito público e o privado.
O constitucionalismo inaugurado no Brasil em 1988 ultrapassa as imagens constitucionais anteriores, revelando o esgotamento do modelo liberal e apresentando conteúdo programático num texto aberto ao futuro, no qual, em clausulas pétreas, se assinala a dignidade da pessoa humana, princípio do qual todos os outros direitos fundamentais decorrem, como vetor de produção legislativa, atuações políticas e hermenêutica constitucional.
A garantia do desenvolvimento nacional é definido como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, no qual se compreende a formulação de regras e atuação estatal na esfera do direito econômico, dos direitos individuais e sociais, contemplando ainda o direito à inclusão de novos atores sociais internacionais, possibilitando a elaboração de uma identidade cultural coletiva. E nessa perspectiva de desenvolvimento, a ordem política e social são regulamentadas de modo a permitir a participação popular na atuação dos poderes públicos, valorização do trabalho, bem como na criação de mecanismo inéditos para a postulação de atuação estatal positiva para a concretização dos novos direitos conquistas (tais como direito à saúde, à educação, previdência, assistência social etc).
A ordem econômica, além de receber tratamento capítulo próprio da Constituição, tem regulamentação em dispositivos variados, razão pela qual se sustenta ser injustificada a separação, no texto constitucional, de uma ordem econômica e uma ordem social, conforme se visualiza, v.g., na consagração do direito de propriedade, e na determinação da funcionalização social da propriedade adquirida.
A nova ordem constitucional, mesmo mantendo o sistema capitalista, segue na esteira das constituições sociais para diversificar o conteúdo do direito de propriedade, propondo-lhe agora, uma função social como instrumento de Justiça social. Nessa esteira, mesmo mantendo a natureza do direito de propriedade, define limites legais ao exercício desse direito.
O direito de propriedade não constitui um instituto jurídico, mas um conjunto de institutos jurídicos relacionados a distintos tipos de bens, possuindo um elemento de direito individual e um elemento de direito social, cuja combinação serve para a distinção entre o suficiente e o superabundante, de modo a impedir no seu uso o sacrifício de direitos e garantias de outros.
A propriedade dotada de função individual tem assento no texto constitucional, referindo-se à garantia do indivíduo para prover a sua subsistência e de sua família, assegurada a origem no direito de herança. Para um segmento da doutrina, a propriedade individual não tem função social, mas pode sofrer a atuação do Estado por meio do poder de polícia quando é utilizada em desatendimento de sua destinação. Para outros, há, sim, função social na propriedade individual, visualizada quando a utilização transcende o atendimento da subsistência própria ou da família do seu titular para servir, v.g., para atividades ilícitas ou especulação.
O cumprimento da função social da propriedade (material ou imaterial) não está definido em limites ao direito de sua utilização, mas na sua conformação ao texto fundamental, seja pelo legislador, seja pelos operadores do direito. A função social é requisito que impõe uma dinâmica ao uso da propriedade, apresentando um conceito normativo porque exige que o juiz, na análise de uma demanda, considere os valores eleitos por uma determinada sociedade, para somente então adequar a sua utilização à realidade social na qual se insere. A utilização anti-social da propriedade importa da perda, pelo seu titular, do seu direito, que pode inclusive ser despojado do direito de qualquer indenização.
Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Mestre em Direito Empresarial e Cidadania, com pesquisa na área de direito penal e direito processual em crimes contra a ordem econômica. Advogada. Professora das disciplinas de direito processual penal e direito penal do Centro Universitário Curitiba.Professora da pós-graduação lato sensu do Centro Universitário Curitiba. Professora do Centro de Estudos Jurídicos do Paraná, nos cursos preparatório para concursos públicos e no curso de pós-graduação em Direito Criminal
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