INTRODUÇÃO
Hodiernamente, vivenciam-se estampadas “crises do Estado”. Pode-se afirmar, diante disso, com cristalina serenidade, que um dos seus fatores é a expansão, sem precedentes, dos chamados “Poderes do Estado”, mormente nos seus aspectos legislativo e administrativo.
Em decorrência dessa conjuntura, tornou-se mais aguda e urgente a exigência do controle judiciário ante a atividade do Estado. Os embates judiciais deixaram de envolver apenas sujeitos privados e passaram a abarcar, também, os próprios órgãos estatais, em que pese a ínsita finalidade de promoção da pacificação social que, em conjugação de esforços e estreita junção de vontades, compete-lhes levar a efeito precipuamente.
Efetivamente, pouco resolveria atribuir-se tamanho acervo de relevância aos direitos da pessoa, por meio de uma sempre crescente expansão das chamadas “ramificações estatais”, e, ao mesmo tempo, não se assegurar a real proteção da pessoa humana, ante o embate vivenciado entre as próprias “ramificações”. Com propriedade, NORBERTO BOBBIO já afirmara que o grave problema de nosso tempo, com relação aos direitos da pessoa humana, não mais é o de fundamentá-los, mas sim o de protegê-los. [1]
No que diz respeito à problemática abarcada neste estudo, meritório é tornar inteligível o que se deve conceber, in casu, acerca do vocábulo “excentricidade”. Com efeito, quer-se denotar o aspecto de “desvio ou afastamento de um centro comum“,[2] ou seja, quer-se ressaltar a carência de uma urgente e mais acertada harmonia, ou união operacional, entre os órgãos do Ministério Público, Polícia Judiciária e Polícia Militar.
Se o Estado é uma “Couraça Coercitiva da Sociedade Civil” (GRAMSCI apud CARNOY, 1994:98), essa armadura, no aspecto de proteção, deve ser impermeável a conflitos de ordem interna ou, ao menos, que eventuais oposições não degradem a imagem estatal perante a sociedade. Aliás, segundo Alba Zaluar (1999, p. 26-27):
[…] as imagens ou representações sociais do crime e da violência e o medo da população, muitas vezes apresentados como irracionais, são envenenadas pela mídia que manipula seu sentimento por meio do exagero ou excessiva exposição da natureza violenta da sociedade brasileira e sua falta de concepção de cidadania.
O ASPECTO RELACIONAL ENTRE MINISTÉRIO PÚBLICO E POLÍCIA JUDICIÁRIA
Compete à Polícia Judiciária à apuração da autoria e da materialidade dos ilícitos penais, exceto os militares.[3] Ao Ministério Público, compete a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.[4]
Pois, pela expansão moderna cada vez mais crescente do Estado como regulador de uma convivência social concebida como salutar, estabeleceram-se incontáveis normas cogentes, bem como se estabeleceram inúmeras formas de fiscaliza-las e de impor sanções às suas infrações.
Muito se tem discutido, e anda ainda em aguda voga, a legalidade da investigação criminal levada a efeito pelo Ministério Público. Pela singela análise das competências constitucionais acima aludidas, fonte por demais confiável, quaisquer divergências que venham a surgir, certamente, por mais acirradas que se apresentem, consubstanciar-se-ão em debates inócuos, posto que manifesto está a intenção do constituinte em não assoberbar um órgão e esvaziar o outro, como estão querendo alguns.
Com efeito, se não é crível um juiz receber uma denúncia formulada por um Delegado de Polícia, também não nos é sensato conceber que, dentre as atribuições legais comissionadas ao Ministério Público, esteja a presidência do inquérito policial.
O legislador, ao elaborar seus atos, em consonância com a vontade popular que lhe concedeu referido mandato, estabeleceu uma relação de órgãos a quem foram atribuídas específicas funções. Se exercidas elas dentro dos seus perfeitos lindes, ver-se-ão exsurgidos como resultados apenas as mais perfeitas aspirações sociais, porquanto os postulados cogentes são constituídos e emanados de rigoroso e mui artificioso processo legislativo.
Todavia, conforme já fora escrito antes, a vaidade é ínsita do ser humano e o que disso advém é pura aflição.[5] Conjugado a isso, ainda há o entendimento de Lord Acton, qual seja, o de que o poder tende a corromper; e o de que o poder absoluto corrompe absolutamente.[6]
Esse verdadeiro conflito de atribuições observado entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária, no que tange à investigação criminal, onde as inserções de um na seara de atribuições específicas do outro não vê precedentes à altura em nossa história jurídica, acaba por deixar o estudioso um tanto perplexo, sendo que o número alarmante de escritos a respeito denotam essa perplexidez acadêmica.
Não obstante, por que as melhores idéias da vida são sempre as mais simples, bem como as melhores explicações também sempre são as mais singelas, imaginemos as seguintes situações hipotéticas: um Promotor de Justiça lavrando uma sentença; e, por fim, um Delegado de Polícia elaborando uma denúncia. Indubitavelmente, e isso é relativo à lógica, a resposta sobre a razoabilidade dessas conjeturas levanta-se veementemente das suas próprias conjecturas. Se, dessarte, não é dado ao Delegado de Polícia elaborar denúncia, porquanto ato contra legem, a contrario sensu, no que diz respeito à sua competência prevista constitucionalmente para apurar as infrações penais, exceto as militares, tem-se que a recíproca deve, forçosamente, ser verdadeira.
Entretanto, o que se procura ressaltar aqui, não mais é o debate acerca da legalidade ou ilegalidade investigatória do órgão ministerial. Brilhantes pareceres e julgados existem para ambas partes. Debater-se na defesa de pareceres de um lado, em prejuízo de pareceres de outro, é de pouca produtividade no momento. Quer-se, isto sim, prender a atenção ao aspecto contraproducente do dissenso observado no aspecto relacional dos referidos órgãos os quais, antes de mais nada, devem sempre agir com a mais profunda e profícua união, no encalço da tão almejada pacificação social.
Efetivamente, a carência de uma maior diálogo a nível de cúpulas constitui-se em irrefutável da contraproducente excentricidade relacional observa entre essas duas ramificações estatais. E não deveria ser conferido à doutrina debater sobre os embates ideológicos ou de interpretação legal ocorridos entre os órgãos do Estado. Estes, exclusivamente, devem desenvolver um melhor costume dialógico, pretérito à inserções abruptas de um na seara funcional do outro.
A verdade inexorável é que conflitos interpretativos sempre ocorrerão entre as tão vastas ramificações estatais, mas não cabe aos particulares, nem mesmo ao Judiciário, precipuamente, conferirem a eles as soluções almejadas. Com efeito, no dizer de Carlos Maximiliano, não há princípio isolado, em ciência alguma. Há sempre conexão de uma norma com as demais. O Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos, mas se constitui em um conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio.[7] Por isso, tencionar-se fundamentar opinião jurídica em torno de temas palpitantes como o em voga é prática que encontra infinita possibilidade de fundamentação jurídica, pouco importando a facção doutrinária a que se pretenda fazer parte com seu novel parecer. Pode-se opinar pró ou contra, qualquer hipótese encontra larga margem de fundamentação.
No momento em que os próprios órgãos do Estado entram em embate, à revelia completa da ínsita união incorruptível e harmônica que lhes deveria ser característica principiológica, o Estado entra em crise. Tratar-se-ia de uma problemática similar ao câncer, nome concedido a um conjunto de inúmeras doenças que têm em comum o crescimento desordenado, ou seja, maligno, de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se , por meio da metástase, para outras regiões do corpo. Assim, tem-se que o Estado não pode transformar-se em um monstro teratológico que carrega em seus genes as nefastas características da natureza humana, tal qual é a discórdia observada dos dias de hoje em relação ao tema da titularidade, exclusiva ou não, da investigação criminal. Juristas, os mais renomados, já trouxeram a público seus pareceres os quais vertem para todos os lados, mas ninguém se ateve à premissa maior da necessidade em não se olvidar da elegância imprescindível de um diálogo mais próximo, amigável, isento de interesses pessoais, “pretérito” às decisões relevantes e “constante” durante o trâmite das decisões tomadas, tudo entre as celebradas cúpulas respectivas.
A elegância do diálogo pretérito entre os Órgãos incumbidos de promover a pacificação social é sempre de bom tom, pois, conforme o dizer de Dallari, o ser “apolítico” ou é um animal ou um Deus.[8]
A temática toda aqui proposta, e que tanto se discute na doutrina presentemente, vê a sua gênese no entremeio ministerial na seara da competência constitucional atribuída à Polícia Judiciária. Talvez, se fosse da intenção do legislador brasileiro conferir poder investigatório ao Ministério Público, redigiria tal qual o fez o legislador italiano no seu Codice di Procedura Penale, in verbis, “o Ministério Público e a Polícia Judiciária realizarão, no âmbito de suas respectivas atribuições, a investigação necessária para o termo inerente ao exercício da ação penal”.[9]
Na França, aliás, nem um pouco diferente, o legislador também deixou hialina a sua intenção, sem margem para interpretações equivocadas como os respeitáveis defensores do poder investigatório do Ministério Público estão hoje fazendo, senão vejamos: “o Procurador da República procede ou faz proceder a todos os atos necessários à investigação e ao processamento das infrações da lei penal. Para esse fim, ele dirige as atividades dos oficiais e agentes da Polícia Judiciária dentro das atribuições do seu tribunal.”[10]
É de contumaz relevância, ainda, não olvidarmos que o Delegado de Polícia, após um concurso público de relevância no cenário jurídico pátrio, passa por um processo de treinamento específico nas chamadas academias de polícia, processo este pelo qual não se submete o parquet. Assim, a Autoridade Policial submete-se, por força legal, a um treinamento que procura torná-la imune às chamadas “intoxicações” do processo investigatório. Nesse aspecto, já observara ALTAVILLA no seu trabalho sobre os perigos das hipóteses provisórias, as quais tem o condão de “seduzir o investigador” e torná-lo daltônico na apreciação das conclusões de indagações ulteriores. Assim, internalizada no policial a procedência da hipótese provisória, cria-se em seu espírito a necessidade de demonstrar o que considera verdade. O policial tornar-se-ia “intoxicado”, a bem da verdade. E, intoxicado por sua verdade, acabaria por sobrevalorizar os elementos probatórios que lhe fossem favoráveis e diminuiria o valor dos contrários, até o ponto de não serem mais tomados em consideração em determinado caso concreto.[11]
À luz desse entendimento, aliás, e porque corre nas veias do parquet o mesmo sangue mortal de todos os humanos, assim já foi decidido:
“Ministério Público. Impedimento de seus órgãos. Nulidade da denúncia. 1. O membro do Ministério Público que atua na fase inquisitorial, apurando pessoalmente os fatos, torna-se impedido para oficiar como promotor da ação penal (inteligência dos arts. 252, I e 258, CPP). Nula, portanto, é a denúncia ofertada, se inobservado esse aspecto.” (EJTJAP, v. 1, nº 1, p. 91)
Sempre é de bom alvitre também não olvidarmos do respeitável posicionamento do Supremo Tribunal Federal, exarado por meio do eminente Ministro Nélson Jobim:
“O Ministério Público não tem poderes para realizar diretamente investigações, ma sim requisitá-las à autoridade policial competente, não lhe cabendo, portanto, inquirir diretamente pessoas suspeitas da autoria de crime, dado que a condução do inquérito policial e a realização das diligências investigatórias são funções de atribuição exclusiva da polícia judiciária”.[12]
Por outro lado, e porque o discurso aqui deve ser imparcial, é surpreendente o poder conferido ao Ministério Público nos Estados Unidos. Com efeito, o Ministério Público (“District Attorney”), naquele país, reveste-se de verdadeira supremacia sobre a Polícia e, também, sobre o Poder Judiciário. Cabe-lhe, por exemplo, proceder a negociações com os acusados, celebrar acordos e manter em sigilo o nome de testemunhas. Tais atribuições, cuja origem se associa à necessidade de combate à alta criminalidade, tornam-no verdadeiro “Senhor” da conveniência e oportunidade da propositura e exercício da ação penal. Daí, revela-se sua ampla competência investigatória.
A par desse verdadeiro “poder” conferido aos Promotores de Justiça nos Estados Unidos, tem-se muito falado ultimamente na “tendência mundial” em se deferir ao Ministério Público competência investigatória. Contudo, mais uma vez, quer-se ressaltar que a intenção deste escrito não está em se pôr em jogo contenda atinente a revelar a quem restará o “poder”. Acima de tudo, o Estado é um conjunto de órgãos, seus longa manus, cuja única finalidade é a de, em conjugação de esforços, promover o bem-estar social. Qualquer contenda envolvendo os próprios órgãos do Estado denota crise interna, um dissenso, uma inoportunidade a ser dissolvida incontinenti, entre as próprias cúpulas, amigavelmente e à luz do bom senso, sem se permitir o prévio despejo do assunto controvertido à apreciação dos órgãos judiciais e da doutrina em geral, esta sedenta que é por assuntos o mais palpitantes possíveis.
Não se pode olvidar que não se confere conteúdo à Constituição a partir das leis. A fórmula a adotar-se deve operar ‘de cima para baixo’.[13] Procede-se à interpretação da lei sempre a partir da Constituição, já que esta constitui fundamento de validade daquela. E embora o texto de nossa Carta Magna, expressamente, confira a investigação criminal ao Delegado de Polícia,[14], como nos é cediço, o direito é por demais lato, passível de incontáveis interpretações atinentes aos seus mais variados temas. As considerações díspares são salutares em uma sociedade em plena evolução, mas não se pode colocar em xeque, tão frontal e deselegante, encarregados tão meritórios e essenciais à promoção da paz social como o Delegado de Polícia, juiz de primeiríssima e última instância no dizer de Rubem Braga, e o Promotor de Justiça. A sociedade os paga, a fim de vê-los unidos e harmônicos no combate ao crime.
POLÍCIA JUDICIÁRIA E POLÍCIA MILITAR, A HISTÓRICA DICOTOMIA IMPOSTA PELO ESTADO AO COMBATE À CRIMINALIDADE
Outro aspecto que evidencia mais uma “crise de estado” no ramo da segurança pública, setor tão sensível e delicado que é, assenta-se na contenda traçada entre Polícia Militar e Polícia Judiciária em torno da lavratura dos termos circunstanciados.[15]
A lex pátria reza, sem revolutear, serenamente, que compete à “autoridade policial” lavrar o termo circunstanciado, e aí está a gênese de toda a polêmica.[16]
A discussão repousa, lamentavelmente, em se saber se a expressão “autoridade policial” deve ser compreendida em seu aspecto estrito, à luz do nosso Códex adjetivo processual, ou se deve abarcar ela exegese lata.
De acordo com o Código de Processo Penal, [17] no seu Título II, art. 4º, quando se passa a tratar especificamente do Inquérito Policial, expresso está que a sua presidência compete à Polícia Judiciária, exercida pelas “autoridades policiais”.[18]
Mais uma vez, portanto, o legislador deixou expresso, de forma hialina, com a mesma força com que o dono da fazenda marca, indelevelmente, o seu gado em brasa, que o inquérito policial, peça destinada a levar ao Poder Judiciário ciência formal acerca da materialidade e da autoria dos ilícitos penais praticados, compete ao Delegado de Polícia, sendo ele, em princípio, seu único presidente legalmente previsto. Com efeito, o art. 4º do referido codex traz à baila a expressão “Polícia Judiciária”, exercida pelas “autoridades policiais”, cujo fim é a apuração das infrações penais e da sua autoria (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995). Assim, tem-se que a expressão “autoridade policial” é sinônima de Delegado de Polícia, pois, consoante o disposto no art. 144, §4º, da Constituição Federal, às polícias civis, dirigidas por “delegados de polícia” de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. A exegese não avoca esforço, é singela, pois cristalina foi a vontade do legislador em se estabelecer, sem equívocos, as atribuições de cada um dos órgãos essenciais à edificante e sensível administração estatal em torno da segurança pública.
O inquérito policial é, pois, o instrumento de maior relevância na atualidade no combate à criminalidade, com expressa previsão em nossa legislação processual, tendente a apurar a autoria e a materialidade das infrações penais. A sua presidência, em princípio, é exclusiva da Autoridade Policial. Quando se quer dizer “em princípio”, está-se ressaltando que a lei poderá vir a conferir sua presidência à autoridade administrativa diversa da figura do Delegado de Polícia, consoante o parágrafo único do art. 4º do CPP.[19] Não obstante, referidas exceções deverão decorrer de lei, entendida como tal o ato emanado exclusivamente do Legislativo, de acordo com o previsto processo constitucional atinente a sua elaboração.
Pois veio ao cenário pátrio a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais,[20]. Ela promoveu modificações nas disposições penais e processuais penais até então vigentes, estabelecendo um novo sistema inclinado para as infrações de menor potencial ofensivo.
Todavia, não estabeleceu, em nenhum momento, o declínio da competência conferida constitucional e processualmente ao Delegado de Polícia para a elaboração dos cadernos tendentes a levar ao conhecimento do Poder Judiciário as infrações penais e a elucidação das sua autoria.
De facto, a expressão “autoridade policial“ constante na Lei nº9.099/95 é perfeitamente consonante e não entra em conflito, em momento algum, com os textos da Constituição Federal e do Código de Processo Penal. Há uma harmonia patente, só atingida pelo pálpito debate em torno da competência do Policial Militar em se levar a efeito a lavratura de um termo circunstanciado, compromissando as partes a comparecerem à audiência judicial.
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da lavra do eminente relator Ministro Vicente Leal, já decidiu no sentido da legalidade da lavratura de Termos Circunstanciados pela Polícia Militar:
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. LEI N.º 9099/95. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. TERMO CIRCUNSTANCIADO E NOTIFICAÇÃO PARA AUDIÊNCIA. ATUAÇÃO DE POLICIAL MILITAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA”.[21]
Vale mencionar que, segundo o entendimento do celebrado Relator, “nos casos de prática de infração penal de menor potencial ofensivo, a providência prevista no art. 69, da Lei n.º 9099/95, é da competência da autoridade policial, não consubstanciando, todavia, ilegalidade a circunstância de utilizar o Estado o contingente da Polícia Militar”.
Vê-se, pois, que o Poder Judiciário, por meio da celebrada Corte supra, entende que a competência para a lavratura de termos circunstanciados é, indubitavelmente, pertencente ao Delegado de Polícia, mas, por força de questões funcionais do Estado, não há ilegalidade em este utilizar-se, para tanto, da força Policial Militar.
Novamente, vêem-se entendimentos de todos os lados. Brilhantes pareceres doutrinários e acirradas e empolgantes discussões sobre o tema. Todavia, o que deve ser notado, mais uma vez, é que, in casu, novamente, faltou uma prévia e mais acertada discussão entre as Polícias Civil e Militar sobre o assunto, antes da inserção abrupta de um órgão nas atribuições relativas à seara do outro.
Lamentavelmente, quando não previamente pactuadas e lapidadas, entre os próprios órgãos envolvidos, inovações procedimentais como a em pauta, resplandece à população a hipótese de que há uma, absolutamente impensada e deselegante, “briga por poder” entre as ramificações estatais.
CONCLUSÃO
Pelo que se depreende do estudo em evidência, há, hodiernamente, uma crise moderna enfrentada pelo Estado no âmbito da segurança pública. As suas ramificações postas em vida para a promoção da pacificação social estão, de forma obtusa e perplexa, em patente e nada proveitoso conflito.
Os discursos políticos tendentes a dissimular a atual conjuntura acabam por verem-se inseridos em querela violenta com as próprias manchetes estampadas na tão vasta e disseminada tipografia jurídica, e até mesmo não jurídica, que versejam sobre o tema. A conjugação sobre proposições relevantes envolvendo a segurança pública deve ser abarcada, sempre, interna corporis, em caráter preventivo, antes de a temática ser lançada ao longus oculus do Big Brother.
A excentricidade relacional entre os gestores da segurança pública torna-se tão instigante ao criminoso que, por mais duras que sejam as leis sobre a criminalidade, não possuirão elas, jamais, o condão de aplacar o encorajamento do infrator. Por sinal, convenientemente, vale citar o aposentado Ministro do STF, Dr. EVANDRO LINS E SILVA: “Muitos acham que a severidade do sistema intimida e acovarda os criminosos, mas eu não tenho conhecimento de nenhum que tenha feito uma consulta ao Código Penal antes de infringi-lo.”[22]
Delegado de Polícia Civil no RS. Doutorando em Direito (UMSA). Mestre em Integração Latino-Americana (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado (UNIFRA). Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos (FADISMA)
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