Resumo: O presente estudo aborda possibilidades de contratação direta com a Administração Pública e a manutenção do princípio da moralidade nestes casos. Observa inicialmente a obrigatoriedade do processo licitatório e seu conceito. Destaca os dispositivos legais acerca da dispensa e inexigibilidade de licitação para a contratação entre particular e ente público. Aponta a diferença entre dispensa e inexigibilidade. Demonstra o conceito de moralidade administrativa. Verifica o comando legal pertinente à manutenção da moralidade administrativa quando afastada a obrigatoriedade de licitar. O método utilizado para a construção do estudo é o descritivo dedutivo a partir de pesquisa de abordagem qualitativa bibliográfica e documental.
Palavras-Chaves: Contrato Administrativo; Licitação; Moralidade; Dispensa; Inexigibilidade.
Abstract: This paper addresses the possibilities of direct contracting with the Public Administration and maintenance of the principle of morality in these cases. Initially observed the obligation of the bidding process and concept. Highlights the legal provisions on the exemption and waiver of bidding for the contract between private and public entity. Points out the difference between exemption and waiver. Demonstrates the concept of administrative morality. Check the appropriate legal command to the maintenance of administrative morality when away from the mandatory bid. The method used for the construction of the study is the description from the deductive approach of qualitative research literature and documentary.
Keywords: Contract Administration, Procurement, Morality, Waiver, Non-requirement.
Sumário: 1. Introdução; 2. Obrigatoriedade do procedimento licitatório; 3. Contratação sem licitação; 4. Dispensa de licitação; 4.1. Licitação dispensada; 4.2. Licitação dispensável; 4.2.1. Licitação dispensável em razão do valor; 4.2.2. Licitação dispensável em razão de situações excepcionais; 4.2.3. Licitação dispensável em razão do objeto; 4.2.4. Licitação dispensável em razão da pessoa; 4.3. Ponderações sobre a diferença entre a licitação dispensada e dispensável; 5. Inexigibilidade de licitação; 6. Diferença principal entre dispensa e inexigibilidade de licitação; 7. Da manutenção da moralidade administrativa quando afastada a obrigação de licitar; 8. Considerações finais; 9. Referências
1. Introdução
A licitação é obrigação incluída na esfera constitucional, sendo prevista no art. 37, XXI, para execução de obras, serviços, compras e alienações. Essa obrigação carrega em si tamanha importância que boa parte da doutrina eleva à categoria de princípio da administração pública.
Mesmo decorrendo de obrigação constitucional, a própria Carta Magna, deixou a cargo de legislação ordinária prever casos excepcionais onde a licitação não seria uma obrigação. A legislação que prevê os casos onde não são necessárias, bem como os casos em que são aplicáveis as regras licitatórias, é a Lei 8.666/93.
A referida lei deve ser observada nas esferas federal, estaduais e municipais, no Distrito Federal, tanto pelos órgãos da administração direta, nos fundos especiais, nas autarquias, nas fundações públicas, nas empresas públicas, nas sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente por uma das três esferas de poder.
Desse modo é mister, observar o respeito ao princípio da moralidade ainda que a contratação seja realizada diretamente com o prestador de serviço, cumprindo assim com a finalidade última que é o atendimento ao interesse público. Nesse sentido, mesmo que não realizado o procedimento licitatório pelas situações a seguir analisadas, é indispensável abordagem do princípio correlato.
2. Obrigatoriedade do procedimento licitatório
Inicialmente cumpre destacar que a administração pública só pode realizar atos previstos em lei, ao passo que os particulares podem realizar todos os atos que não sejam vedados pela norma. A partir desta noção é válido destacar a liça de Celso Antônio Bandeira de Mello na medida em que afirma que:
“Ao contrário dos particulares, que dispõe de ampla liberdade quando pretendem adquirir, alienar, locar bens, contratar a execução de obras e serviços, o Poder Público, para fazê-lo, necessita adotar um procedimento preliminar rigorosamente determinado e preestabelecido na conformidade da lei. Tal procedimento denomina-se licitação.” (2005, p.490)
Ainda neste sentido Odete Medauar (2010, p. 187) destaca que “A Administração não pode contratar livremente, porque deve ser atendido o princípio da igualdade de todos para contratar com a Administração e a moralidade administrativa, sobretudo.” Deste modo, o procedimento licitatório visa garantir a lisura das contratações entre a Administração Pública e particulares.
Todavia, em que pese a afirmação da ilustre doutrinadora supra, em alguns casos cai por terra a realização de licitação, posto que a própria lei define exceções. Desse modo questiona-se, sobretudo, em relação ao exposto, como se pode avaliar a manutenção do princípio da moralidade em um campo tão movediço.
Da leitura do exposto anteriormente obtém-se também o próprio conceito de licitação, o qual se reforça através da noção apontada pela mesma autora como sendo “processo administrativo em que a sucessão de fases e atos leva à indicação de quem vai celebrar contrato com a administração.” (MEDAUAR, 2010, p.187)
A obrigatoriedade do processo licitatório consta no art. 37, XXI da Constituição Federal e o procedimento das licitações consta regulado pela Lei 8.666/93. Contudo, em que embora exista a necessidade de obter a melhor proposta para a celebração de contratos entre a Administração Pública e particulares com a finalidade de atender ao interesse público[1] e concretização de atividades estatais visando o bem comum, o processo licitatório em alguns casos específicos não será realizado.
As situações em que ocorrerá a contratação direta são previstas na Lei 8.666/93, conforme se verá a seguir, pairando sobre estas, a dúvida no que tange à manutenção do princípio da moralidade. No entanto, estes contratos merecem atenção especial a fim de que não resultem em foco de ilegalidade.
3. Contratação sem licitação
A própria lei de licitações em um primeiro momento pode confundir o intérprete, pois não é claro qual o termo utilizado para definir a contratação sem licitação, vez que em um primeiro momento utiliza-se da expressão “licitação dispensada” no art. 17, já no art. 24 a palavra é “dispensável”, e para finalizar em seu art. 25 o termo mais conhecido é “inexigível”.
Em síntese são estas as consideradas três formas de contratação direta, ou seja, a mencionada contratação sem licitação. Para fins didáticos, reservam-se os próximos tópicos para diferenciar os casos em voga. Observe-se, contudo que é possível dividir a contratação direta em duas modalidades: dispensa de licitação e inexigibilidade de licitação. Sendo, portanto, a licitação dispensada e dispensável, meras sub-modalidades da dispensa licitatória, conforme se aprofundará a seguir.
4. Dispensa de licitação
4.1. Licitação dispensada
Essa modalidade de dispensa, elencada no art. 17, incisos I e II, enumera os casos onde a Administração pública não está obrigada a iniciar processo de licitação, face as próprias peculiaridades do contrato a ser celebrado. A dispensa nessa modalidade tem por objeto as alienações de bens, sejam eles móveis, ou imóveis. Sendo que para os imóveis é necessária a autorização legislativa da esfera competente.
Para os bens imóveis, a licitação é dispensada nos seguintes casos, previstos no art. 17 inciso I:
“a) dação em pagamento; b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i; c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei; d) investidura; e) venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo; f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; g) procedimentos de legitimação de posse de que trata o art. 29 da Lei no 6.383, de 7 de dezembro de 1976, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Administração Pública em cuja competência legal inclua-se tal atribuição; h) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados) e inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; i) alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União na Amazônia Legal onde incidam ocupações até o limite de 15 (quinze) módulos fiscais ou 1.500ha (mil e quinhentos hectares), para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais.”
Já para os bens móveis, a licitação é dispensada nos casos elencados no inciso II do mesmo artigo:
“a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação; b) permuta, permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública; c) venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica; d) venda de títulos, na forma da legislação pertinente; e) venda de bens produzidos ou comercializados por órgãos ou entidades da Administração Pública, em virtude de suas finalidades. f) venda de materiais e equipamentos para outros órgãos ou entidades da Administração Pública, sem utilização previsível por quem deles dispõe.”
Como se pode constatar as hipóteses de dispensa de licitação estão limitadas à letra da lei, pois como se trata de exceção à regra não pode o legislador dar ensejo à interpretações extensivas. A seguir observar-se-á os casos de licitação dispensável, previstos no art. 24 do mesmo diploma legal.
4.2. Licitação dispensável
A segunda modalidade de dispensa está prevista no rol taxativo do art. 24, e por se tratar de norma geral, não existe a possibilidade de serem acrescentadas outras hipóteses nas demais esferas de poder (estadual e municipal). Todavia como o próprio termo nos traduz trata-se de faculdade do administrador, que pode, contudo, realizar o processo licitatório.
A licitação é dispensável nas seguintes hipóteses: “a) em razão do pequeno valor; b) em razão de situações excepcionais; c) em razão do objeto; d) em razão da pessoa.” (DI PIETRO, 2009, p. 367).
4.2.1. Licitação dispensável em razão do valor
Essa hipótese de dispensa é motivada pelo custo que um processo licitatório teria frente à quantia estimada para o futuro contrato. Nesse sentido a lei estabeleceu que são dispensáveis as licitações, se o valor do objeto não for superior a 10% do limite previsto na alínea a, do inciso I, do art. 23, e de 20% quando realizada pela administração pública indireta ou fundacional (DI PIETRO, 2009, p. 368).
O referido montante, não deve jamais ser considerado como parcela de uma única obra ou serviço, ou ainda obra e serviços de mesma natureza, ou realizados em um mesmo local e que possam de outra forma ser realizados conjuntamente ou concomitantemente.
Mesmo a licitação sendo dispensável, é recomendável que o administrador público faça um levantamento prévio de preços, a fim de garantir que os montantes pagos a seu fornecedor ou prestador de serviço estejam compatíveis com os valores praticados nos mercado, e para comprovar, bem como juntar aos autos do processo de dispensa de licitação.
4.2.2. Licitação dispensável em razão de situações excepcionais
A dispensa se opera quando existentes a guerra, grave perturbação da ordem, emergência e a calamidade pública. Todos os casos dependem de reconhecimento, e sua motivação está na proporção dos prejuízos à administração ou a comunidade, que necessita de determinada obra ou serviço devido a uma situação posta. (DI PIETRO, 2009, p. 369)
Obviamente que o processo de licitação com todas suas fases e exigências necessárias, a boa administração pública, é incompatível com a situação supra, devido a urgência na execução do contrato, a fim de atender da melhor forma possível ao fim da administração que é o bem estar do administrado.
Diante da ausência de interessados na licitação a lei prevê mais uma hipótese de dispensa de processo licitatório, ou seja, desde que seja uma licitação deserta ou frustada, ao contrário de que muitos pensam não é sinônimo de licitação fracassada, será dispensável o procedimento.
Na licitação deserta, ocorre por total falta de interesse do mercado, e a contratação direta deve seguir os termos exatos do edital, enquanto na licitação fracassada está presente a manifestação de interessados, porém, todos restam inabilitados ou desclassificados, obrigando a administração abrir um novo processo licitatório, ou que possibilite aos licitantes excluídos chance de apresentar novas propostas e nenhum aceite. Somente assim poderia a administração contratar sem licitação.
Outras hipóteses motivam a contratação direta, essas ocorrem em situações como a intervenção da União no domínio econômico para regular preços ou normalizar abastecimento (art. 24, VI); quando há possibilidade de comprometimento da segurança nacional (art. 24, IX); para aquisição de bens e serviços nos termos de acordos internacionais, referendados pelo Congresso Nacional (art. 24, XIV) e por fim nas compras ou contratações de serviços para abastecimentos de navios, tropas, etc, quando em deslocamento, ou em estada curta diferentes de suas sedes. (art. 24, XVIII).
4.2.3. Licitação dispensável em razão do objeto
A licitação pode ser dispensável quando o objeto por sua natureza autorizar tal dispensa, ou quando a lei houve previsão como é o caso das compras para as Forças Armadas, exceto é claro materiais de uso pessoal e administrativo (art. 24, XIX), e das aquisições de bens destinados exclusivamente à pesquisa científica e tecnológica (art. 24, XXI).
Na prática os objetos, além do já citado, que autorizam essa dispensa são: os hortifrutigranjeiros, pães, dentre outros gêneros perecíveis, desde que observados o preço do dia (art. 24, XII); compra ou locação de imóveis, destinados ao atendimento das finalidades precípuas da Administração (art. 24, X); para a aquisição e restauração de obras de arte e objetos históricos (art. 24, XV); aquisição de peças e componentes nacionais ou estrangeiras, necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia (art. 24, XVII).
4.2.4. Licitação dispensável em razão da pessoa
E, finalmente a dispensa da licitação é permitida em razão da pessoa. Essa hipótese tem abrigo no art. 24, inc. VIII, ao qual permite contratar sem licitação por parte das pessoas jurídicas de direito público interno, bens produzidos ou serviços prestados por órgãos – que seriam meros representantes da entidade que representam – ou entidades que integrem a própria administração pública e, criadas para tal fim anteriormente a lei, que pratiquem preços compatíveis com o mercado.
Devemos atentar para a redação do referido parágrafo que exclui dessa hipótese de dispensa, as empresas públicas e as sociedades de economia mistas, restando como legítimas apenas a administração pública direta e as autarquias e fundações públicas, isto nas três esferas de governo.
Existe ainda a possibilidade de contratar de maneira direta, sem licitação, associações de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade. O contrato pode ser celebrado desde que a prestação do serviço ou o fornecimento da mão-de-obra seja compatível com o preço de mercado (art. 24, XX). A licitação ainda é dispensável em razão da pessoa nas situações previstas nos incisos XIII, XVI, XXII, XXIII do art. 24.
4.3. Ponderações sobre a diferença entre a licitação dispensada e dispensável
Ainda que a redação dos dispositivos gere certa confusão, levando o intérprete à cognição de que existem duas espécies de dispensa, tal entendimento é rechaçado por alguns doutrinadores, sob a afirmação de que não ocorre distinção entre as dispensas contidas nos artigos 17 e 24 da Lei 8.666/93.
Corroborando com esta alegação, expõe-se a análise de Marçal Justen Filho a seguir:
“O artigo 17 dispõe sobre licença de licitação para a alienação de bens. Quanto a isso cabem três advertências. Em primeiro lugar os casos de dispensa de licitação do art. 17 não apresentam natureza jurídica distinta daquela contemplada no art. 24 da mesma lei 8.666. Quanto a isso reputa-se irrelevante a distinção terminológica na redação dos arts. 17 e 24. De fato o art. 17 utiliza a fórmula licitação “dispensada”, enquanto o art. 24 contempla “licitação dispensável”. Ambas as soluções são juridicamente equivalentes, comportando tratamento jurídico similar. Em segundo lugar, o art. 17 não exaure as hipóteses de dispensa de licitação relativamente à alienação de bens. Há casos previstos também no art. 24. Alude-se especificamente ao inc. VI do referido artigo, que trata da intervenção do Estado no domínio econômico para regular preços ou normalizar o abastecimento. Em terceiro lugar, as hipóteses de contratação direta previstas no art. 17 podem configurar caso de inexigibilidade de licitação, antes do que dispensa. Ainda que a distinção mais precisa entre os institutos se encontre nos comentários aos arts. 24 e 25, cabe esclarecer que há casos em que não se produz a licitação para a alienação de bens porque se configura a inviabilidade de competição. Assim se passa, por exemplo, nos casos de legitimação de posse. É evidente que a atribuição do título somente pode ser realizada em favor do sujeito que vem exercitando a posse ao longo do tempo. Aliás, essa interpretação foi adotada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, ao apreciar questão similar” (2010, p. 228).
Verifica-se, portanto, que a redação da lei possui diversos pontos controversos, e que muito há para ser debatido neste campo, pois a mesma enseja várias interpretações diferenciadas, dificultando o seu cumprimento de modo geral e a compreensão exata do que pretendia o legislador na produção da regra. Todavia, após a contemplação das divergências doutrinárias acerca da dispensa de licitação, abarcar-se-á a seguir os casos de inexigibilidade, sobre os quais não recai a mesma obscuridade.
5. Inexigibilidade de licitação
A inexigibilidade é conceituada por fundamentos antagônicos aos que compõem o próprio conceito de licitação, visto que esta pressupõe obter a proposta mais vantajosa à administração. Desse modo, a licitação não pode ser realizada quando não há competição em relação ao objeto licitado. Sendo assim, o conceito de inexigibilidade deve conter no bojo a inviabilidade de competição (art. 25).
A primeira hipótese de inexigibilidade prevista na Lei 8.666/93 trata da existência de fornecedor exclusivo. Essa situação de unicidade inviabiliza a realização de licitação porque os materiais, equipamentos ou gêneros fornecidos por uma única pessoa proíbem qualquer tentativa de busca por mais de uma proposta.
Mesmo o administrador sabendo que apenas uma pessoa ou fornecedor presta tal serviço ou revende determinado produto, esse precisa justificar detalhadamente a necessidade de contratar algo que apenas um fornece, além de provar a exclusividade do fornecedor ou prestador de serviço, seguindo a determinação do art. 25, inc. I parte final.
Cumpre salientar, contudo que a motivação da inexigibilidade licitatória paira sobre o objeto, sendo vedada a escolha pela marca, utilizando apenas essa como parâmetro. Portanto, jamais pode ser adquirido bem pela marca, mesmo que exista apenas um fornecedor, todavia, se a preferência for determinada em processo técnico de padronização, e restar comprovada a ausência de competidores, pode resultar reconhecida à exclusividade, em consonância com o art. 15, inc. I e o princípio da padronização.
A segunda hipótese de inexigibilidade de licitação está relacionada à contratação de serviços técnicos profissionais especializados prestados por profissionais ou empresas de notória especialização (art. 25, II). O art. 13 enumera os serviços assim considerados:
“I- estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos; II- pareceres, perícias e avaliações em geral; III- assessores ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; IV- fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; V- patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativa; VI- treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; VII- restauração de obras de arte e bens de valor histórico.”
É evidente que os serviços enumerados art. 13, apenas por sua natureza técnico-profissional especializada, não justificam a contratação sem licitação. Para seja inexigível a licitação os serviços devem ter especificações tais, que em face disso só possa ser resolvido por determinada empresa ou indivíduo disponha de condições para executar o objeto do contrato (art. 25, § 1º).
A última hipótese e não muito controversa é a de contratação de profissional de qualquer setor artístico, com a ressalva que seja consagrado pela critica especializada ou pela opinião pública. Mesmo não tendo maiores dúvidas o administrador deve pautar a contratação em três pontos: fundamento, observação dos princípios da moralidade e impessoalidade e que a remuneração siga os padrões aceitos no mercado.
Nesse sentido não pode um governante contratar um show de determinado cantor, por ser seu amigo íntimo, ou mesmo porque esse simpatiza com o partido político ao qual pertença, ou ainda contratá-lo por valor superior ao de mercado, embora seja ele tido como uma grande celebridade da música.
As hipóteses apresentadas são as mais freqüentes e solidificadas pela legislação vigente, porém no próprio caput do art. 25, não quis o legislador elencar taxativamente os casos, deixando nas entrelinhas que: “é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição.”
6. Diferença principal entre dispensa e inexigibilidade de licitação
A diferenciação principal entre essas duas modalidades de contratação sem licitação é que na inexigibilidade não reside a possibilidade de licitar, devido apenas existir “apenas um objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação é, portanto, inviável.” (DI PIETRO, 2004, p.311). Enquanto na dispensa, existe a faculdade do administrador, é competência discricionária desse, visto que há possibilidade de competição, que justifique um processo de licitação.
Clarificados os conceitos anteriores, há que se adentrar no âmago da questão, qual seja, a manutenção do Princípio da Moralidade nos casos de contratação direta do Poder Público com o particular, o que será verificado de forma mais detida no tópico a seguir, pois essencial é que cristalizar a noção de que tais situações de forma alguma poderão recair em violação do princípio já mencionado.
7. Da manutenção da moralidade administrativa quando afastada a obrigação de licitar
Inicialmente, antes mesmo de abarcar o cerne do tópico em destaque, faz-se necessária a própria compreensão do significado do Princípio da Moralidade, o qual, a partir da Constituição de 1988, alcançou o status de princípio expressamente declarado nos termos do art. 37 da Lei Maior.
Segundo Odete Medauar (2010, p.130) “o princípio da moralidade administrativa é de difícil expressão verbal.” Desse modo, resta claro que se trata de um conceito jurídico indeterminado, mas que sem dúvida possui uma imensa carga e importância para a atuação da Administração Pública. Na liça de Diogo de Figueiredo Moreira Neto observa-se que:
“A moralidade administrativa, entendida como espécie diferenciada da moral comum, também atua como uma peculiar derivação dos conceitos de legitimidade política e de finalidade pública […], pois é a partir da finalidade, sempre legislada, que ela é prevista em abstrato, e a partir da legitimidade, como resultado da aplicação que ela se define em concreto. A autonomia deste princípio, que como se alertou, não deve ser confundido com a moralidade tout court, nem, tampouco, com o conceito de moralidade média, pois que decorre de seu sentido rigorosamente técnico correlacionado aos conceitos administrativos. Com efeito, enquanto a moral comum é orientada por uma distinção puramente ética, entre o bem e o mal, distintamente a moral administrativa é orientada por uma diferença prática entre a boa e má administração. Para que o administrador pratique uma imoralidade administrativa, basta que empregue seus poderes funcionais com vistas a resultados divorciados do específico interesse público a que deveria atender. Por isso, além da hipótese de desvio de finalidade, poderá ocorrer imoralidade administrativa nas hipóteses de ausência de finalidade e de ineficiência grosseira do administrador público, em referência à finalidade que se propunha atender. […] Para bem compreender o alcance dessa regra moral na Administração Pública, é preciso considerar que o dever cometido a seus agentes não é o da mera gestão dos interesses públicos a eles confiados, mas, além dele, há, como se afirmou, o de bem administrá-los. Assim, enquanto a observância da moral comum é suficiente para qualquer administrador privado, o administrador público se sujeita, por acréscimo a outras regras, estejam elas escritas ou não, que dele exigem fidelidade ao fim institucional de cada ato praticado na gestão da coisa pública – a moral administrativa.” (2009, p. 105-106)
Assim, a moralidade administrativa envolve os conceitos de boa administração e fidelidade ao fim último de atendimento ao interesse público, de modo que qualquer desvio de finalidade na gestão deste interesse incidirá em imoralidade administrativa tendo em vista a relevância das tarefas empreendidas pelo administrador.
No que tange especificamente ao tema das licitações, tendo em vista que sua obrigatoriedade visa a proteção deste princípio, parece contraditório que a lei preveja casos de dispensa e inexigibilidade. Entretanto, importa ressaltar que em muitas situações a obrigatoriedade poderia engessar a tomada de decisões da administração, resultando no efeito contrário ao pretendido.
Todavia, tendo por base a contradição, é fato que a lei prevê reprimenda ao abuso nas contratações diretas, haja vista a vulnerabilidade a que estão expostos os interesses públicos nestes casos específicos. O art. 25, §2º coloca expressamente que em qualquer dos casos de dispensa, se for comprovado o superfaturamento, respondem pelo dano solidariamente à Fazenda Pública o fornecedor ou prestador de serviços e agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.
Outro fator importante no que tange à manutenção da moralidade circunda na exigência da Lei de Licitações no sentido de que se observe atentamente o preenchimento dos requisitos legais para os casos de contratação direta como ocorre com a inexigibilidade. Observe-se o que explana a respeito Justen Filho:
“A Administração tem o dever de escolher um contratante qualificado e a proposta mais vantajosa possível. Uma contratação desvantajosa não pode ser justificada sob alegação de urgência. Se a Administração tinha acesso a diversas propostas e escolheu aquela que não era mais vantajosa, sua atuação foi inválida. Se a Administração poderia ter obtido contratação melhor atuando com maior diligência, houve vício. Em suma, os casos de ausência de licitação não se destinam a selecionar qualquer proposta. Nem autorizam a contratação desastrosa ou desvantajosa.” (2010, p. 389)
Além disso, outras questões devem ser observadas atentamente como preenchimento de requisitos para a habilitação, preço, execução e demais fatores previstos em lei. A fiscalização de tais procedimentos cabe, nos casos de licitações em âmbito federal, ao Tribunal de Contas da União – TCU, o qual já proferiu diversas decisões sobre o tema.
Por todo o exposto, resta claro que ainda que a contratação direta pareça um paradoxo no que tange à proteção do princípio da moralidade, de fato não o é desde que sejam observados rigorosamente os dispositivos da Lei 8.666/93, pois conforme destacou-se anteriormente estas contratações devem preencher os requisitos determinados pela norma, tal qual se realizassem através de licitação.
Assim, o mencionado princípio será protegido de toda a forma, inclusive através da fiscalização do Tribunal de Contas da União, em âmbito federal, dos Tribunais de Contas dos Estados no âmbito estadual e em conjunto com as Câmaras de Vereadores no que se refere aos municípios.
8. Considerações finais
Todas as modalidades revisadas anteriormente devem, contudo respeitar no que lhes couber as formalidades previstas no artigo 26 da Lei 8.666/93. Frente a tudo que fora estudado, verifica-se que a regra é proceder à licitação como um antecedente necessário do contrato administrativo e que a licitação se baliza por diversos princípios constitucionais da administração pública. Todavia, seria inaplicável exigir da administração realizar processos de licitação ante qualquer contrato sob pena de engessamento da máquina pública.
Nesse sentido foi que o legislador ordinário, observando os preceitos constitucionais, estabeleceu as hipóteses ora estudadas, a fim de atender o interesse público, contudo, ainda que pareça contraditório o procedimento, dando idéia ao senso comum de que tal via seria trajeto livre para arbitrariedades, tal entendimento não prospera, pois é mantido o princípio da moralidade, um dos maiores escopos da realização de licitações.
Assim, a contratação direta não deixa margem a que maus administradores desviem o dinheiro público para propósitos diversos, tendo em vista que possui mecanismos voltados a coibir tal prática. Evidentemente que mesmo com todos esses procedimentos e instrumentos de proibição de fraudes, a nossa República está cravejada de irregularidades em licitações e contratos administrativos, como diariamente são noticiados.
Entretanto, segue-se a rotina administrativa no sentido de fiscalizar e moralizar, dissuadindo pretensos corruptores e corruptos. Através dos dispositivos e da fiscalização permanente é possível construir um sistema jurídico e sócio-cultural mais reto e alinhado com as boas práticas administrativas visando o bem comum e as finalidades de atendimento ao interesse público tal qual como exposto no presente trabalho.
Advogado. Graduado em Direito (2006) e Especialista em Gestão Ambiental em Municípios (2008) pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG e, em Didática e Metodologia do Ensino Superior (2010) pela Universidade Anhanguera – UNIDERP. Professor Assistente da Faculdade Anhanguera do Rio Grande. Professor Substituto da Faculdade de Direito – FADIR da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Pesquisador do Grupo Transdisciplinar de Pesquisa Jurídica para Sustentabilidade – GTJUS (CNPq) da Faculdade de Direito da FURG nas linhas Direitos Humanos e Fundamentais e Direito Constitucional Ambiental. Professor-Tutor EaD do Curso de Especialização em Educação em Direitos Humanos do Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB/CAPES/FURG
Advogada. Graduada em Direito e Especialista em Gestão Ambiental em Municípios pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Especialista em Direito Tributário pela Rede Luiz Flávio Gomes – LFG / Universidade Anhanguera – UNIDERP. Professora Universitária nas disciplinas de Direito Administrativo, Direito do Mar e Noções de Direito Administrativo (2009/2010). Professora-Tutora do Curso de Especialização em Educação em Direitos Humanos do Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB/SEAD/FURG (2010). Atualmente exerce a função de Coordenadora de Tutoria no referido curso. Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG
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