Resumo: O presente trabalho aborda o decreto lei 3.68841, conhecido como a lei das contravenções penais, em face de alguns princípios implícitos na nova constituição de 1988, com vista a demonstrar que a citada lei não coaduna com o atual ordenamento jurídico. Por intermédio de pesquisas doutrinárias e das normas vigentes, procurou-se mostrar a não recepção do decreto lei pela Constituição Federal de 1988, alem de provar que outras áreas do direito estão mais aptas a realizar essa função.
Palavras-chave: contravenção penal – intervenção mínima – não recepção – fragmentariedade – subsidiariedade
Abstract: This present work talks about the decree 3.68841 most acknowledged like the Law of misdemeanor in face of the tacits principles in the new order of 1988, all that to demonstrate that the reported Law dont join the new order. Through research and doctrinal standards prevailing, sought to show the non-receipt of the decree law by Federal Constitution of 1988, acitly, besides demonstrating that other areas of law are more likely to perform this function.
Keyword: misdemeanor – minimal intervention – not reception – fragmentary – subsidiary
Sumario: Introdução; I.Intervenção mínima do direito penal; II.Da fragmentariedade; III.Subsidiariedade; IV.Ofensividade/Lesividade;Conclusão;Referencias Bibliográficas
Introdução
A finalidade desse artigo é mostrar que o decreto lei 368841, lei das contravenções penais, foi revogado de forma tácita pela Constituição Federal de 1988. Para tanto, demostrar-se-á nas próximas linhas que essa lei não compactua com os princípios estabelecidos na constituição federal que regem o direito penal.
Diversamente do que ocorre na Espanha, onde o juiz pode deixar de aplicar norma anterior a Constituição de 1978, cujo conteúdo considere incompatível com a nova ordem constitucional, no Brasil, pode o juiz decidir conforme legislação anterior a Constituição Federal de 1988, desde que essa norma seja compatível, principalmente, materialmente com a nova Constituição.
È chegado o momento de colocarmos em prática toda aquela teoria estudada na academia referente à ciência do direito, em específico o direito penal. Cuja função precípua é tutelar bens jurídicos que não podem ser tutelados pelos outros ramos do direito.
Sendo assim, princípios como o da intervenção mínima e seus derivados: a subsidiariedade e a fragmentariedade e a ofensividade devem incidir na prática do caso concreto. Não podem ser apenas citados em manuais de direito penal sem ao menos serem verdadeiramente utilizados tanto pelo legislador quanto pelos aplicadores do direito.
Visto isso, propõe-se uma não recepção da lei de contravenções penais, com vistas inclusive a desafogar o poder judiciário de casos que não tem a mínima ofensividade e podem ser tutelados por outros ramos da ciência jurídica.
Alem disso, alguns artigos, infelizmente, passaram a ser tratados como crime, por exemplo estatuto do desarmamento que revogou de forma implícita o artigo 19 da lei das contravenções, bem como o artigo 32 que foi revogado pela súmula 720 do STF de forma explícita e assim por diante.
Vê-se que esse instituto já se tornou uma “colcha de retalhos”. Aos poucos novas leis, costumes e entendimentos vêm ganhando força e essa lei ultrapassada vai ficando para trás.
O direito penal não deve interferir em demasia na vida do individuo. Dá-se primazia para outros ramos do direito solucionarem os casos de bem jurídico lesado. Ad exemplum, algumas infrações administrativas de trânsito tem punições mais temidas pelos motoristas do que propriamente a punição na esfera penal, diante das elevadas multas e do ganho de pontos na carteira que podem levar a perda da habilitação.
Sustenta Luisi:
“que o estado deve evitar a criação de infrações penais insignificantes, impondo penas ofensivas à dignidade humana. Esse postulado encontra respaldo na própria constituição federal, que assegura direitos invioláveis, tais como a vida, liberdade, igualdade, alem do supra principio da dignidade da pessoa humana, que deve orientar toda a atuação do direito penal. Daí ser natural que a restrição ou privação desses direitos invioláveis somente se torne possível, caso seja estritamente necessária a imposição da sanção penal, para garantir bens essenciais ao homem.” (Luisi,2003:26)
Como assinala Mercedes Garcia Aran:
“o direito penal deve conseguir a tutela da paz social obtendo o respeito a lei e aos direitos dos demais, mas sem prejudicar a dignidade, o livre desenvolvimento da personalidade ou a igualdade e restringindo ao mínimo a liberdade.” (Garcia Aran,1995:36)
I. A intervenção mínima do direito penal
O princípio da intervenção mínima ou da necessidade, surge com a declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789 em seu artigo oitavo que afirma ser legitima a intervenção penal apenas quando a criminalização de um fato se constitui meio indispensável para a proteção de determinado bem ou interesse, não podendo ser tutelado por outros ramos do direito.
Por vivermos em um estado democrático de direito, o direito penal deve se adequar aos ditames trazidos pela constituição federal. Por essa perspectiva, o direito penal assume a proteção dos cidadãos, garantindo o direito à vida, a liberdade, a segurança, a privacidade, entre outros.
Nesse contexto, surge a preocupação de se debater um direito penal mínimo, cujos alicerces para a sua construção são os princípios que regem a ciência do direito, entre eles o alicerce, o principio da dignidade da pessoa humana, seguido dos princípios da legalidade, anterioridade, retroatividade da lei penal benéfica, humanidade, individualização da pena e alguns princípios implícitos na carta magna como a taxatividade, proporcionalidade e a intervenção mínima e seus dois princípios basilares: fragmentariedade e subsidiariedade.
Pelo principio da intervenção mínima, também conhecido como o principio da ultima ratio, o direito penal deve se preocupar apenas com a proteção a bens jurídicos mais importantes e necessários a vida em sociedade, ou seja, atuará apenas quando as outras áreas do direito não forem capaz de repreender a conduta ou se revelarem insuficientes para a tutela desses bens.
O direito penal, nesses casos, atuaria de forma subsidiaria e só seria chamado para dar resposta ao caso concreto se as demais áreas do direito, entre eles o direito civil e o direito administrativo, não conseguirem atuar de forma eficaz.
Pelo exposto, nota-se que o estado atuaria apenas em casos gravíssimos. Interferindo na vida dos indivíduos de forma mínima possível, ainda mais porque dentro de um estado democrático de direito a titularidade da soberania é do povo que de uma forma indireta delega a sua representação aos mandatários.
Dessa monta, segundo o professor Guilherme Nucci, no principio da intervenção mínima o direito deve ser a ultima opção do legislador para resolver conflitos emergentes na sociedade, preocupando-se em proteger bens jurídicos efetivamente relevantes. (Nucci,2012:08)
O professor Luiz Luisi, em sua obra “Os Princípios Constitucionais Penais”, ensina que:
“por meio do princípio da intervenção mínima, a criminalização de um fato somente se justifica quando constitui meio necessário para a proteção de um determinado bem jurídico. Portanto, quando outras formas de sanção se mostram suficientes para a tutela desse bem, a criminalização torna-se inválida, injustificável. Somente se a sanção penal for instrumento indispensável de proteção jurídica é que a mesma se legitima. Do princípio em análise decorre o caráter fragmentário do direito penal, bem como sua natureza subsidiária”. (Luisi,2003:26)
Conforme leciona Muñoz Conde:
"O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção mínima. Com isto, quero dizer que o Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico são objeto de outros ramos do direito". (Conde,2001:60)
A atualidade nos mostra que o principio da intervenção mínima é posto de lado pelos legisladores, na hora de criar o tipo pena,l e pelos operadores do direito na hora de aplicar o direito penal. Pois ambos são seus destinatários principais.
Ao legislador cabe eleger as condutas dignas de proteção penal, refutando incriminar qualquer comportamento. Como traz Claus Roxin (Roxin, 2004:29), é evidente que nada favorece tanto a criminalidade como a penalização de qualquer bagatela.
Já o operador do direito não deve enquadrar o tipo penal no caso concreto em analise se houver outro ramo do ordenamento jurídico que possa resolver a questão de forma satisfatória, mesmo que haja tipo penal incriminador.
No caso da aplicação das contravenções penais não há incidência do principio da intervenção mínima, pelo contrario, há uma tipificação de contravenções que não afetam, de fato, o bem jurídico tutelado.
A sociedade de 1941, época da edição do decreto lei que estipula as contravenções penais, era diferente da atualidade. Ali, nos deparávamos com situações que hoje em dia são tratadas de forma supérflua e que na realidade nem chegam a atingir o direito penal posto.
Dentre essas condutas podemos citar o artigo 59 da lei das contravenções penais que trata sobre a vadiagem. Vejamos:
“Art. 59 Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita: Pena – prisão simples, de 15 dias a 3 meses”.
Como se nota, essa conduta diz respeito apenas a uma atitude do individuo para consigo mesmo. O tipo do artigo 59 não chega ao menos a lesar qualquer bem jurídico ou interesse e se realmente há uma necessidade de se tutelar essa ação, então, o legislador deve começar a se preocupar com a questão do suicídio, isto é, a partir desse momento o suicida deve ser responsável pela sua conduta de se autolesionar.
No artigo mencionado e em vários outros tipificados na lei das contravenções penais se nota um estado intervencionista, em que a função precípua é tratar como contravenção situações que não chegam nem ao menos a interferir na esfera alheia de um individuo.
Interessante notar que a lei das contravenções penais não pune a tentativa, como demonstra o seu artigo 4ª. Cuida-se de política criminal do Estado e são tratadas como delitos menores, por isso deixam de ter relevância para o direito penal.
Isso só demonstra, que os bens jurídicos tutelados pela lei das contravenções penais são considerados pelo próprio estado delitos de pequena monta, suas incidências não fazem a menor diferença na esfera social e nem no plano concreto, não causam lesividade alguma que caiba a interferência do direito penal.
Ao não punir a tentativa, o estado corrobora a visão do direito penal moderno tratado como garantista e ao mesmo tempo, demonstra que a própria lei das contravenções penais vai de encontro com a atualidade, pois não há relevância nem ao menos na tentativa.
Do principio da intervenção mínima decorrem outros três princípios: fragmentariedade subsidiariedade e ofensividadelesividade.
II. Da fragmentariedade
Segundo Nucci:
“fragmentariedade significa que nem todas as lesões a bens jurídicos protegidos devem ser tuteladas e punidas pelo direito penal que, por sua vez, constitui somente parcela do ordenamento jurídico. Fragmento é apenas parte de um todo, razão pela qual o direito penal deve ser visto, no campo dos atos ilícitos, como fragmentário, ou seja, deve ocupar-se das condutas mais graves, verdadeiramente lesivas à vida em sociedade, passiveis de causar distúrbios de monta à segurança publica e à liberdade individual.” (Nucci, 2012:90)
Tem-se que pelo caráter fragmentário, o direito penal é a ultima etapa de proteção dos bens jurídicos. Conforme Superior Tribunal de Justiça: A missão do direito penal moderno consiste em tutelar os bens jurídicos mais relevantes. Em decorrência disso, a intervenção penal deve ter o caráter fragmentário, protegendo apenas os bens jurídicos mais importantes e em casos de lesões de maior gravidade.[1]
Contudo, como se tem demonstrado nesse trabalho, a lei das contravenções penais mais uma vez demonstra estar obsoleta e desassociada dos princípios que regem a ciência jurídica, interpretação que se retira do artigo 65 da mencionada lei:
“Art. 65 – Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável: pena – prisão simples, de 15 dias a 2 meses, ou multa”.
Por qual razão o direito penal tutela essa conduta? Esse artigo, assim como todos os outros dispostos na lei das contravenções, vai de encontro com a parcela mínima tutelada pelo direito penal.
A questão da perturbação da tranquilidade pode ser muito bem resolvida pelo ramo do direito civil. Se uma pessoa decide escutar uma musica razoavelmente alta, as 22h de uma noite de sexta feira, caso a musica perturbe os vizinhos esse problema pode ser resolvido com uma advertência pelo próprio condomínio ao condômino ou, em outros casos, multa em uma quantia irrisória apenas para lembrar ao agente que viver em sociedade tem suas limitações. O espaço de um começa onde termina o do outro.
No plano abstrato, para se criar os tipos penais deve-se ter em mente que o direito penal só atuará onde os outros ramos do direito tiverem falhado na tarefa de proteger o bem jurídico.
Por fim, o professor Marques da Silva aponta que
“a constituição de 1988 coloca-se claramente no rumo de um direito penal fragmentário, quando se atenta para o tratamento constitucional da pena, buscando outras alternativas para a privação da liberdade, num abandono claro da teoria da prevenção geral de fins retributivos, legitimando um objetivo que já havia sido apontado desde a nova parte geral do código penal. Quando se deixa a pena privativa de liberdade como ultima ratio acredita-se em outros modos de controle exercidos pela sociedade como suficientes e motivadores do respeito aos bens jurídicos. Portanto, o campo de atuação do direito penal é reduzido ao mínimo necessário para a manutenção da paz social.” (Silva, 2001:9)
III. Da subsidiariedade
Segundo Masson:
“o direito penal funciona como um executor de reserva, entrando em cena somente quando outros meios estatais de proteção mais brandos, e, portanto, menos invasivos da liberdade individual não forem suficientes para a proteção do bem jurídico tutelado. Caso não seja necessário dele lançar mão, ficará de prontidão, aguardando ser chamado pelo operador do direito para, ai sim, enfrentar uma conduta que coloca em risco a estrutura da sociedade.” (Masson, 2011:41)
O principio da subsidiariedade incide no aspecto prático do direito penal, nos casos onde os outros ramos do ordenamento jurídico já tiverem sido empregados, sem sucesso, para a proteção do bem jurídico.
Assim define Santiago Mir Puig:
“o direito penal deixa de ser necessário para proteger a sociedade quando isto se pode conseguir por outros meios, que serão preferíveis enquanto sejam menos lesivos para os direitos individuais. Trata-se de uma exigência de economia social coerente com a lógica do estado social, que deve buscar o maior bem social com o menor custo social. O principio da “máxima utilidade possível” para as possíveis vitimas deve combinar-se com o de “mínimo sofrimento necessário” para os delinquentes. Ele conduz a uma fundamentação utilitarista de prevenção imprescindível. Entra em jogo assim o “principio da subsidiariedade”, segundo o qual o direito penal há de ser a ultima ratio, o ultimo recurso a utilizar a falta de outros menos lesivos.” (Mir Puig, 1998:89)
O artigo 48 da lei das contravenções penais trata do exercício legal do comercio de coisas antigas e obras de arte. Assim disposto: Exercer, sem observância das prescrições legais, comercio de antiguidades, de obras de arte, ou de manuscritos e livros antigos ou raros: pena – prisão simples, de 1 a 6 meses, ou multa.
Depreende-se do artigo que o direito penal não foi utilizado pelo legislador de forma subsidiaria, ao contrario, deu-se preferência a tutelar uma conduta que mais uma vez pode ser solucionada pelo direito civil.
A multa incidiria de forma que o proprietário regularizasse o estabelecimento e sem duvida seria um meio muita mais eficaz porque envolve a questão da pecúnia. As vezes, parece que quando se mexe no aspecto financeiro a pessoa sente muito mais e em determinados casos não comete a mesma conduta.
Outro caso que também merece análise é o artigo 42 da lei das contravenções, trata-se da perturbação do trabalho ou do sossego alheio. Vejamos:
“Art.42 – perturbar alguém, o trabalho e o sossego alheios: I- com gritaria ou algazarra; II- exercendo profissão incomoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; III- abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; IV- provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda: pena- prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa”.
Essa última situação (IV) tece comentários, visto que a atitude de um ser irracional gerará uma possível prisão de seu dono caso não consiga impedir que o dito animal lata ou faça qualquer barulho.
Nota-se que muitos vizinhos não conhecem essa contravenção, porque não hesitariam em procurar uma autoridade policial para iniciar uma ação penal com a lavratura do termo circunstanciado. Não é o caso, apenas, da incidência de uma multa pelo condomínio, ou até mesmo, uma multa do próprio estado quando houver demandas referentes ao assunto?
Mais uma vez se proclama, há a necessidade de prescrever uma atitude tão drástica definida pelo ordenamento jurídico penal em casos que configuram simples questões de convívio social?
Por fim, não podemos nos esquecer do inciso XXXV do artigo 5 da Constituição Federal que traz em seu bojo que a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito.
Esse inciso mostra que o direito será chamado em todos os casos de lesão ou ameaça a um direito, mesmo que primeiramente, atue um ramo do ordenamento jurídico diverso do direito penal, que caso haja necessidade e se não houver solução atuará em seguida.
IV. Ofensividade Lesividade
O principio da ofensividade é de suma importância no direito penal moderno, pois traz discussões importantes acerca da tipicidade penal. Esse principio, também conhecido como o principio da lesividade, traz que deve ter uma mínima ofensividade ao bem jurídico para que esse seja tipificado pelo ordenamento penal, sendo assim, se não houve o mínimo de ofensa ao bem jurídico não se deve dizer que o direito penal tutela.
Segundo Nucci,
“o principio da ofensividade (ou lesividade), outro consectário da intervenção mínima, demonstra ser indispensável a criação de tipos penais incriminadores, cujo objetivo seja eficiente e realístico, visando à punição de condutas autenticamente lesivas aos bens jurídicos tutelados.” (Nucci, 2012:90)
Ferrajoli diz que:
“o princípio de lesividade tem o valor de critério polivalente de minimização das proibições penais. E equivale a um princípio de tolerância tendencial da desviação, idôneo para reduzir a intervenção penal ao mínimo necessário e, com isso, para reforçar sua legitimidade e credibilidade. Se o direito penal é um remédio extremo, devem ficar privados de toda relevância jurídica os delitos de mera desobediência, degradados a categoria de dano civil os prejuízos reparáveis e a de ilícito administrativo todas as violações de normas administrativas, os fatos que lesionam bens não essenciais ou os que são, só em abstrato, presumidamente perigosos, evitando, assim, a “fraude de etiquetas”, consistente em qualificar como “administrativas” sanções restritivas da liberdade pessoal.” (Ferrajoli, 2012:283 e 283)
Novamente se demonstra, como nos casos citados acima, que a lei das contravenções penais frontalmente se choca também com o principio da lesividade. Por ora, seguindo a mesma metodologia propagada por todo esse artigo, se incorre no artigo 21 da referida lei, assim disposto: “para praticar vias de fato contra alguem: pena – prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa, se o fato não constitui crime.
Conceituar vias de fato não é algo simples, não chega a ser tipificado como lesão corporal, não há ainda a incidência nessa esfera, pelo contrário, nota-se uma linha tênue entre a vias de fato e a lesão corporal. A doutrina diz que vias de fato são todos os atos de provocação exercitados materialmente sobre a pessoa ou contra a pessoa. Como exemplo temos: empurrar pessoas, puxar cabelo, rasgar roupas e outras condutas afins.
Todavia, esses exemplos mencionados já configuram a lesão corporal, provavelmente de forma leve, ou, já ensejam um inicio de execução de determinado tipo penal. Não há porque se taxar como contravenção penal algo que já vem sendo utilizado pela jurisprudência como lesão corporal leve. O próprio artigo dispõe que a atitude será taxada como contravenção penal se não constituir crime.
A incidência dessa contravenção é mínima na esfera da pessoa lesada. A sociedade de hoje em dia, egocêntrica e individualista, toda hora se depara com a incursão nesse artigo 21 da LCP. Não é raro nos depararmos com puxões, empurrões e cotoveladas quando frequentamos shows, vamos ao supermercado ou apenas saímos à rua.
Em um convívio social estamos expostos a qualquer tipo de risco e fazemos parte de uma sociedade de risco. A partir do momento que começarmos a tipificar todos os riscos existentes nos depararemos com uma intervenção penal estatal opressora e repressora, com vistas a controlar a sociedade e ditar padrões generalizados de comportamento.
Sem contudo esquecermos que, nitidamente, ocorreria um choque com os atuais princípios que regem o estado e a carga magna de 1988 sendo tratada como uma folha de papel sem a menor importância.
Conclusão
Esse trabalho procurou demonstrar, por intermédio do principio da intervenção mínima e de seus derivados, que a lei das contravenções penais há muito deveria ter sua não recepção pela constituição federal declarada pelo Supremo.
Assim também vislumbra Rogério Greco:
“Desta forma, a orientação constante do trabalho será dirigida, primeiramente, a retirar do nosso ordenamento jurídico-penal todas as contravenções penais, que fogem à lógica do Direito Penal do Equilíbrio, uma vez que se a finalidade deste é a proteção dos bens mais relevantes e necessários ao convívio em sociedade, incapazes de serem protegidos tão-somente pelos demais ramos do ordenamento jurídico; e se as contravenções penais são destinadas à proteção dos bens que não gozam do status de indispensáveis, no sentido que lhe empresta o Direito Penal, a única solução seria sua retirada da esfera de proteção por este último.” (Greco, 2011:3).
È claro que não podemos esquecer que o complexo jurídico penal dispõe de alternativas para se evitar a prisão, ainda mais nesses casos de pequena monta. Contudo, também não podemos olvidar que caso alguém cometa uma contravenção não se faz mister uma punição na esfera penal, já que o dano penal acarreta um maior grau de violação da ordem jurídica e maior reprovação social.
Assim, resta evidente que os outros ramos do ordenamento jurídico tem qualidade e capacidade de dirimir conflitos ab initio, contudo nos casos cuja proteção do bem jurídico exija uma maior incursão de forma drástica do estado, o direito penal se fará presente.
Por fim, ficou demonstrado pelo presente trabalho que o decreto lei 3.68841 não foi recepcionado pelo ordenamento jurídico atual, e por tal razão, deve-se questionar a sua aplicabilidade na atualidade justamente para se evitar qualquer situação que desponte injustiça para aquele que foi tipificado na contravenção penal ou desrespeite um dos alicerces do ordenamento jurídico penal, o principio da dignidade da pessoa humana.
Mestraem direito constitucional pelo Instituto Toledo de Ensino ITE pós graduada em direito penal e processo penal pela Faculdade Damásio de Ensino cursando pós graduação em criminologia e políticas publicas, Advogada
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