Sumário: 1. Introdução 2. O atual inciso II do art. 527 do CPC 3. Análise dos requisitos para a conversão do agravo de instrumento em agravo retido. 4. Procedimento 5. Discricionariedade do relator? 6. Recurso contra a decisão do relator que converte o regime de agravo 7. Alguns problemas da conversão do agravo de instrumento em agravo retido 8. Conclusões. Notas Bibliográficas.
1. Introdução
Não se colocam dúvidas de que diversos são os motivos que justificam e fundamentam a existência de um sistema de recursos em todo e qualquer ordenamento jurídico que permita reexame decisões judiciais.
Nada obstante, é digno de registro que não se poupam críticas ao regime dos recursos, atribuindo-lhes a funesta nomenclatura de “causadores” da lentidão e da inefetividade do processo civil.
É intuitivo que, quando se fala em reforma, a alteração de normas que disciplinam recursos é sintomática.
Com efeito, a Lei nº 10.352, de 26 de dezembro de 2001, modificou o procedimento do regime do agravo de instrumento, alterando o disposto no art. 527 do Código de Processo Civil.
A base deste pequeno ensaio constitui, fundamentalmente, a análise do novo art. 527, II, CPC. Agora, recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação, remetendo os respectivos autos ao juízo da causa, onde serão apensados aos principais, cabendo agravo dessa decisão ao órgão colegiado competente.
Levará em conta o leitor a circunstância de que o presente trabalho se trata de estudo preliminar, tendo em vista que a referida norma foi modificada recentemente e, portanto, não foi objeto de apreciação por parte dos tribunais nem abordada com profundidade pelos cultores do processo.
Feitas essas observações, para prevenir mal-entendidos, passemos adiante para refletir sobre a conversibilidade do agravo de instrumento em agravo retido.
2. O atual inciso II do art. 527 do CPC
Desde 1973, quando da edição do nosso Código de Processo Civil, a parte poderia se valer entre um e outro regime de agravo a fim de impugnar decisão judicial (= decisão interlocutória ou despacho com conteúdo decisório, art. 162 CPC), com a ressalva da lei.[1] Quer dizer: o órgão judicial não poderia interferir e impor à parte o procedimento de agravo.
No entanto, a reforma do inciso II do art. 527 rompeu esta regra, de modo que o relator poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação (periculum in mora), remetendo os respectivos autos ao juízo da causa onde serão apensados aos principais.
O eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, processualista ativo e idealizador da Reforma do Código de Processo Civil, destacou que a reforma de 1994 trouxe um novo modelo, reconhecidamente superior, para o agravo de instrumento, mas, no entanto, “encontrou ele uma nova realidade forense, em conseqüência do aumento das decisões interlocutórias, causadas pelo instituto da antecipação da tutela e demais medidas de urgência”, de modo que “não se pode deixar de reconhecer que excessivo tem sido o número de agravos em sua modalidade de instrumento, a abarrotar os tribunais. Entretanto, como não é recomendável suprimir esse tipo de recurso, ou admiti-lo apenas em sua feição retida (o que ensejaria o retorno abusivo e anômalo do mandado de segurança para a obtenção de efeito suspensivo), a solução encontrada foi permitir ao relator converter o agravo de instrumento em agravo retido em inexistindo perigo de dano de difícil ou incerta reparação, encaminhando os autos, então, ao juízo da causa.”[2]
Assim, inegavelmente, o propósito da norma reformada é impedir a interposição desmedida de agravos na forma instrumentada, podendo o relator modificar o regime para aqueles que não carecem de julgamento imediato, minimizando, por assim dizer, a atividade dos tribunais.
O escopo da nova redação do art. 527, II é semelhante ao do art. 1º da Lei 9.756, de 17.12.1998 que incluiu o § 3º no art. 542. Isto porque ambos os dispositivos estabelecem regime de retenção de recurso. A primeira norma institui que, na inexistência da condicionante da provisão de urgência ou do periculum in mora, o relator poderá converter o regime, isto é, transformar agravo de instrumento em agravo retido. O segundo comando citado determina a retenção de recurso extraordinário, ou recurso especial, interposto contra decisão interlocutória proferida nos autos do processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução.[3]
3. Análise dos requisitos para a conversibilidade do agravo de instrumento em agravo retido
A possibilidade de conversão do regime de agravo pelo relator está condicionada a dois requisitos: (i) inexistência de provisão jurisdicional de urgência ou (ii) não haver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação.
A primeira indagação que se impõe diz respeito ao conceito de provisão jurisdicional de urgência.
Foi a primeira vez que o nosso Código de Processo Civil empregou a palavra provisão. Provisão vem do latim provisio, de providere (prover, acautelar-se).[4]
No contexto do artigo 527, II, a palavra provisão deve ser entendida como provimento, isto é, o resultado da atividade jurisdicional.
Assim, se a decisão que modifica o regime de agravo interferir na dinâmica do processo, podemos dizer que se trata de provisão de urgência.
São exemplos de provimentos de urgência: arresto, seqüestro, caução, busca e apreensão, exibição, produção antecipada de provas, alimentos provisionais, arrolamento de bens, atentado, separação litigiosa, interdição, remoção de tutor ou curador, mandado de segurança, etc.
O segundo requisito está relacionado às circunstâncias de perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação (periculum in mora). Vale dizer: presentes os requisitos que autorizam o relator a suspender os efeitos da decisão agravada, ou antecipar os efeitos da pretensão recursal (=efeito ativo), total ou parcialmente, não poderá ele, por meio de decisão monocrática, alterar o regime do agravo, transmutando agravo de instrumento em agravo retido. Ao contrário, se há pedido, é dever do relator atribuir ao agravo de instrumento efeito suspensivo ou ativo, determinando seu imediato processamento.
Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier destacam que “esta conversão inviabiliza a concessão de efeito suspensivo. Esse efeito suspensivo e também o efeito ativo, a que se refere o art. 527, III, são efeitos com vocação para serem efêmeros, sob pena de acabarem por equivaler ao próprio julgamento do recurso, o que parece não ter sido a intenção do legislador, já que a decisão do art. 527, a esse propósito, é tomada com base em fumus boni iuris (=cognição não exauriente). Portanto, não teria sentido uma decisão que alterasse o status quo, concedendo o efeito suspensivo ou a providência positiva pleiteada, durar o tempo que levaria para o agravo retido ser julgado.”[5]
As expressões perigo de lesão grave ou de difícil reparação se situam no campo dos conceitos vagos e indeterminados, deixando ao aplicador da lei a tarefa de verificar, caso por caso, se a conduta apresentada se enquadra na moldura flexível.[6]
Convém afastar uma dúvida que tem precedência lógica. Não basta o agravante formular pedido de efeito suspensivo ou de antecipação da tutela recursal a fim de impedir a conversão do regime de agravo. Faz-se necessária a real existência dos requisitos próprios.
Em determinadas hipóteses, ainda que não estejam presentes os requisitos da conversibilidade (“provisão jurisdicional de urgência” ou “perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação”), não será lícito ao relator aplicar a regra do art. 527, II, do CPC. Assim, por exemplo, no caso de interposição de agravo de instrumento por parte de terceiro prejudicado, tendo em vista que a retenção do agravo seria inócua de sorte que não haveria a possibilidade de reiterá-lo nas razões ou contra-razões de apelação, pois, em verdade, o terceiro não é parte na relação jurídica processual.[7]
Há, ainda, outras decisões que são agraváveis por instrumento e que impedem a conversão de regime: rejeição liminar de reconvenção ou ação declaratória incidental (325 CPC); exclusão ou inclusão de herdeiro no inventário; reconhecimento de conexão entre causas; concessão de prazo em dobro; decisão sobre valor da causa; negativa de homologação de acordo; rejeita ou acolhe exceção de incompetência, impedimento ou suspeição, etc.
No processo de execução, por sua própria natureza, também, não se afigura correto a aplicabilidade do art. 527, II, do CPC. Primeiro porque o processo de execução tem por objetivo a prática de atos de expropriatórios que causam prejuízos imediatos à parte; segundo porque, embora haja decisão a que a lei chama de sentença (795 CPC) – existem muitas dúvidas acerca da natureza jurídica a respeito desta decisão, na qual raramente há apelação.[8]
Em última análise, o relator não poderá, sob hipótese alguma, transmudar o regime de agravo quando, por força dessa decisão, acarretar na perda do interesse recursal para o agravante.
4. Procedimento
Não há necessidade de pedido. O relator, ao receber o agravo de instrumento, e verificando que não se trata de provisão jurisdicional de urgência e que não há perigo de lesão grave e difícil ou incerta reparação, poderá, ex officio, converter o recurso em agravo retido.
Em relação ao momento da conversão, a lei estabelece que recebido o agravo de instrumento e distribuído incontinenti, o relator poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido. Entretanto, não nos parece que a norma deva ser interpretada na sua literalidade.
Não há preclusão temporal para o relator do agravo de instrumento.
O relator somente não poderá transformar o agravo de instrumento em agravo retido quando praticar atos (rectius: pronunciamentos) incompatíveis com o procedimento da conversibilidade. Assim, v.g., não é lícito ao relator converter o regime de agravo quanto colocar o recurso em pauta de julgamento.
Procedida a conversão, o tribunal deverá remeter os autos ao juiz da causa, onde serão apensados aos principais.[9]
Ocioso ressaltar que a decisão do relator que modifica o regime do agravo, determinando a sua retenção, deva ser fundamentada, sob pena de nulidade (art. 93, IX, CF). Vale dizer que o relator não se limitará a pronunciar “converto o agravo de instrumento em agravo retido, eis que não vislumbro dano irreparável ou de difícil reparação”. É intuitivo que a fundamentação de qualquer decisão judicial tem de abranger os aspectos fato e direito.[10]
O agravo convertido deverá seguir o procedimento próprio do agravo retido. Vale dizer: no momento em que o juiz da causa receber o recurso convertido poderá exercer o juízo de retratação. Mantida a decisão, deverá o juiz da causa determinar a intimação do agravado para que responda ao recurso, no prazo de 10 dias (523, § 2º).
Por fim, a conversão do agravo de instrumento em agravo retido não desobriga a reiteração deste nas razões ou contra-razões de apelação, bem como não “dispensa o órgão ad quem de examinar a admissibilidade do agravo em todos os seus aspectos, inclusive o do interesse, nem o impedimento de, eventualmente, negar-lhe conhecimento por falta desse ou de outro requisito.”[11]
5. Poder discricionário do relator?
É incontestável que o processo civil moderno confia ao juiz maior poder para a condução do processo.
Para evitar mal entendidos, se deve destacar que o alargamento do campo da atividade do órgão judicial não significa, em absoluto, transformar o processo em um campo onde não há pressupostos mínimos a serem obedecidos, entregue ao informalismo.
Clito Fornaciari Júnior já ensinou que o juiz não pode criar “embaraços e verdadeiras dificuldades para se recorrer, tudo de modo a justificar uma falsa impressão de que a única regra processual é a da efetividade a todo custo, de onde, então, os magistrados poderiam tomar as medidas que bem entendessem, ainda que não previstas na legislação do processo.”[12]
A lição vale para o art. 527, II, do CPC.
A expressão poderá converter (agravo de instrumento em agravo retido) deverá ser interpretada como faculdade ou autorização ao relator. Caso contrário, estar-se-ia dando existência a novos requisitos de admissibilidade ao agravo de instrumento: provisão jurisdicional de urgência e periculum in mora. Somente nas hipóteses em que houvesse perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação é que seria permitida a interposição do agravo de instrumento.[13] E mais. O relator do agravo de instrumento não poderia se esquivar de atribuir efeito suspensivo ou antecipar os efeitos da pretensão recursal (=efeito ativo) ao recurso.
Isto não quer dizer que o relator possa agir discricionariamente. O texto atual do art. 527, II, utiliza conceitos jurídicos vagos e indeterminados (“provisão jurisdicional de urgência” e “lesão grave e de difícil ou incerta reparação”), cuja determinação in concreto, como não poderia deixar de ser, é tarefa confiada ao relator, na qual certamente atuará boa dose de subjetividade. No entanto, isso de modo algum bastaria para emprestar caráter discricionário, em acepção técnica, à decisão do relator que converte o regime de agravo.
6. Recurso contra a decisão do relator que converte o regime de agravo
Entretanto, o legislador atento a isto, modificou o projeto, introduzindo ao texto do art. 527, II, o cabimento de agravo, para o órgão competente para julgar o recurso, contra a decisão que converte o regime de agravo.[15]
Em nada se difere o agravo do art. 527, II do agravo do art. 120, parágrafo único, 545 e 557, § 1º. Esses dispositivos autorizam a parte impugnar, por meio de agravo “interno”[16], a decisão proferida, singularmente, pelo relator, que deverá ser julgado pelo órgão colegiado competente.
Como ensina Athos Gusmão Carneiro, “este agravo apresenta-se, induvidosamente, como um tertium genus relativamente ao agravo retido e ao agravo por instrumento. Difere substancialmente do agravo retido, pois sua eficácia não é diferida para momento processual posterior. E independe de instrumento, pois não exige autos em separado.”[17]
O agravo “interno” deverá ser fundamentado expondo os motivos da impossibilidade de conversão de regime por não se vislumbrar presentes requisitos exigidos – negativas de provisão jurisdicional de urgência e/ou perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação.
Apesar do silêncio da lei, o agravo “interno” deverá ser interposto no prazo de cinco (5) dias, de acordo com a sistemática adotada pelo art. 557, § 1º, do CPC[18], e recebido no efeito suspensivo. O agravo “interno” independe de preparo.
Por se tratar de um dos tipos de agravo e por analogia ao art. 557, § 1º, do CPC, o juízo de retratação no agravo “interno” poderá ocorrer. A retratação equivalerá ao provimento do agravo “interno”.
Não sobrevindo juízo de retratação, o relator deverá apresentar o processo em mesa, isto é, levá-lo à próxima sessão de julgamento, proferindo voto. Provido o recurso, o agravo de instrumento deverá ser processado. Caso contrário, improvido o agravo “interno”, o agravo de instrumento será convertido em agravo retido, devendo o tribunal remetê-lo ao juiz da causa, onde serão apensados aos principais.
Da leitura do inciso II do art. 527, infere-se que não se abre vista à parte para responder ao agravo interno.[19]
Uma larga experiência histórica, através dos séculos, nos ensina a profunda sabedoria do preceito: “nunca haverá justiça se, havendo duas partes, apenas ouvir a voz de uma”. Não se afigura lícito retirar do jurisdicionado o gozo das garantias de índole constitucional, como é o caso do princípio do contraditório (art. 5º, LV, CF). Daí a conclusão lógica de que a dimensão subjetiva desse princípio justifica a sua aplicabilidade também na hipótese do art. 527, II, do CPC, sendo, portanto, de todo conveniente abrir vista ao agravado para manifestação no agravo “interno”.
A decisão que julga o agravo “interno” tem natureza de acórdão (art. 163 CPC), cabendo, desta decisão, uma vez preenchidos os pressupostos específicos, recursos extraordinário e/ou especial. Indaga-se: admitindo-se o provimento do agravo “interno”, o recorrido também não será intimado para apresentar contra-razões a eventuais recursos especial e/ou extraordinário?
Por fim, cabe assinalar a aplicabilidade dos arts. 188 e 191 do CPC ao agravo “interno”.
7. Alguns problemas da conversão do agravo de instrumento em agravo retido
O primeiro possível inconveniente da reforma se relaciona com o preparo. Sabe-se que o agravo retido não depende de preparo (art. 522, parágrafo único). Inversamente, o agravo de instrumento será acompanhado do comprovante do pagamento das respectivas custas e do porte de retorno, quando devidos, conforme tabela publicada pelos tribunais (art. 525, 1º).
Indaga-se: como ajustar o problema do preparo efetuado pelo agravante quando o relator converter o agravo de instrumento em agravo retido? A reforma silenciou nesse aspecto.
Uma de duas: ou o tribunal deverá devolver o montante despendido pelo agravante, por meio de simples petição dirigida ao prolator da decisão que converteu agravo de instrumento em agravo retido, ou se admite que o agravo de instrumento, quando exigido, seja preparado somente após o deferimento do seu processamento.[20]
Outro problema interessante, do ponto-de-vista doutrinário, e com reflexos na prática forense, é o da circunstância de inadmissibilidade do agravo de instrumento. Ausentes os pressupostos de admissibilidade do agravo de instrumento, poderá o relator convertê-lo em agravo retido?
Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier, ao analisarem o cumprimento do disposto no art. 526, apresentam os seguintes argumentos: “Se se levar em conta a ordem dos incisos do art. 527, ter-se-á a resposta positiva, já que, primeiro, o relator verifica se é caso de conversão de agravo de instrumento em retido (art. 527, II), para, só depois, mandar intimar o agravado (ocasião em que este deverá apontar o vício consistente na ausência de cumprimento do ônus criado pelo novo parágrafo único do art. 526)
A resposta será positiva também se se tomar em consideração a finalidade principal do ônus do art. 526: proporcionar condições para que o juiz se retrate. Sendo convertido o regime do agravo de instrumento para agravo retido, o agravo deverá ser remetido para o juiz da causa, e no primeiro grau de jurisdição será o instrumento apensado aos autos principais. Nessa ocasião, o juiz poderá retratar-se, ouvida a outra partes.
O argumento que levaria à resposta negativa seria o de que só pode ser convertido recurso admitido. Só se sabe se o recurso será admitido depois da resposta do agravado.
Preferimos, todavia, responder positivamente à questão formulada. Mais convincentes os primeiros dois argumentos, principalmente o que diz respeito à finalidade do ato.
Há, ainda, dois argumentos de peso significativo que nos parecem reforçar a conclusão a que chegamos: recurso retidos não prejudicam. Não embaraçam o curso do processo, não obstam o fluxo normal dos atos, nem geram qualquer tipo de empecilho para que o processo atinja logo a sua finalidade.
Ademais, e este é o segundo argumento, parece que, com esta segunda fase da reforma, o sistema se inverteu: a regra é a de que o agravo seja retido e a exceção é o regime do instrumento. Esta conclusão decorre da leitura do art. 527, inc. II. O legislador hoje prefere o agravo retido ao de instrumento, pelo que seria desarrazoado exigir-se a implementação de um requisito de admissibilidade de recurso, exigível exclusivamente no regime da interposição imediata no Tribunal, se o seu destino será o de ser convertido em recurso retido, segundo a regra geral.”[21]
Em nosso entendimento, esses argumentos são válidos para o descumprimento do art. 526 do CPC. Isto porque a comunicação da interposição do agravo de instrumento ao juiz da causa é requisito de admissibilidade condicionado[22], ou seja, depende da argüição e da prova do descumprimento do disposto no art. 526.
No entanto, para os requisitos de admissibilidade próprios do agravo de instrumento, esses argumentos não são válidos. Expliquemos:
De acordo com o novo art. 527, I, recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator negar-lhe-á seguimento, liminarmente, nos casos do art. 557.[23]
Com efeito. Já tivemos oportunidade de dizer que recurso manifestamente inadmissível é aquele que indubitavelmente não preenche os requisitos intrínsecos de admissibilidade (cabimento, legitimidade, interesse, ou inexistência de fato impeditivo ou extintivo do ônus de recorrer), ou requisitos extrínsecos de admissibilidade (tempestividade, regularidade formal ou preparo).[24]
A matéria pertinente ao juízo de admissibilidade é sempre de ordem pública, devendo, portanto, ser conhecida ex officio[25] pelo órgão judicial competente. O juízo de admissibilidade é preliminar e provisório[26], devendo o órgão julgador, independentemente de provocação da parte, apreciar novamente os requisitos de admissibilidade do recurso.
A atividade do relator é de caráter preparatório e controlador, partindo do exame dos pressupostos pertinentes ao cabimento do agravo de instrumento, cuja síntese final é o juízo de admissibilidade positivo ou negativo.
A circunstância de não ocorrer uma das condições de admissibilidade é suficiente para o relator ad quem não admitir o recurso, o que inviabiliza a continuidade de procedimento, para, se for o caso, proceder à conversão.
Assim, verificando o relator que o agravo de instrumento não preenche os pressupostos para a sua admissibilidade, deverá inadmitir o recurso. Em outras palavras, não poderá o relator converter o agravo de instrumento (=recurso inadmissível) em agravo retido, porque, em verdade, não se pode dar vida a recurso morto.
Na hipótese de o relator converter agravo de instrumento inadmissível em agravo retido, o agravado poderá manejar agravo “interno” dirigido ao órgão competente para o julgamento do recurso.
Outra questão que poderá surgir diz respeito ao agravo de instrumento convertido ao mesmo tempo em que houve decisão (=sentença) no processo e não for possível a sua reiteração, quid iuris?
Na verdade, a nossa doutrina já tratou do assunto.[27] Em casos como este, deve o tribunal conhecer do agravo retido, independentemente de ter sido reiterado no corpo das razões ou das contra-razões de apelação. No entanto, é de todo conveniente que o agravante expresse, formalmente, o requerimento de conhecimento de seu agravo retido, que poderá ser feito por meio de simples pedido ao relator da apelação.
Outro ponto interessante é o questionamento acerca da possibilidade de o agravado recorrer da decisão que não converte, a seu pedido, agravo de instrumento em agravo retido.
Convém notar que a lei concebeu uma faculdade ou autorização ao relator que, não sendo o caso de provisão jurisdicional de urgência e/ou inexistindo dano irreparável ou de difícil ou incerta reparação, poderá converter o regime de agravo. Trata-se de uma opção exclusiva do relator, condicionada a duas negativas. Portanto, independe de pedido da parte.
Por fim, questiona-se a possibilidade de o órgão colegiado converter agravo de instrumento em agravo retido.
A resposta deve ser negativa, ou seja, o agravo de instrumento levado a julgamento não poderá ser convertido em agravo retido. Vejamos os motivos que nos impelem a tal afirmação.
Em primeiro lugar, da leitura atenta do disposto no art. 527, II, infere-se que o seu conteúdo é providência dirigida ao relator do agravo de instrumento; não ao órgão competente para o julgamento do recurso.
Basta a formação do convencimento do relator sobre a matéria para o julgamento do agravo de instrumento.
Por outro lado, admitir que o órgão colegiado converta o agravo de instrumento em agravo retido é pôr o espírito da reforma em insanável contradição com a efetividade do processo, uma vez que o relator, condutor do recurso, já se tendo convencido da possibilidade de julgamento do agravo de instrumento, isto é, seguro do seu convencimento sobre a matéria debatida no agravo, preparado seu voto e solicitado dia para julgamento, é surpreendido com a decisão de conversão pelo órgão julgador! Aqui vale invocar o velho princípio da geometria: a linha reta é a distância mais curta entre dois pontos.
Levado o agravo de instrumento à apreciação do órgão colegiado competente, por que não submeter o recurso a julgamento?
8. Conclusão
O tema, pela sua vastidão, obviamente, não comporta tratamento exaustivo, mesmo porque seria inconcebível o esgotamento da matéria em um estudo preliminar sobre o assunto. O que se pretendeu, em verdade, foi trazer apenas uma visão de perspectiva, naturalmente condicionada à imaginação do subscritor, dos futuros problemas que poderão surgir a partir da reforma do art. 527, II, do CPC.
Esperamos, no entanto, que todas as deficiências que o novo inciso II do art. 527 do CPC poderá apresentar – e induvidosamente algumas apresentam – sejam de qualquer modo compensadas e superadas por seus aspectos positivos, que, diga-se de passagem, devem ser preservados pela prática judiciária com determinação, presteza e com uma certa dose de prudência, a fim de que o Brasil encontre, nesta novíssima reforma do seu processo civil, a oportunidade de dar, efetivamente, uma tutela justa.
Mestre em Direito Processual pela PUC/SP. Professor assistente do curso de especialização em Direito Processual Civil na PUC/SP. Professor da Universidade Paulista e da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP. Advogado.
São Paulo/SP
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