Resumo: A “Cracolândia” não surgiu hoje, é fruto da precariedade nas políticas públicas para o centro ao longo de anos, décadas de abandono. Governos acostumados a tratar a pobreza com repressão policial não têm acolhido pessoas jogadas á própria sorte. Também falta um debate profícuo pela sociedade civil organizada acerca da dependência química, o consumo e a criminalização como caminho sem volta para o desespero de inúmeras famílias ricas e pobres. A região da luz, tradicional bairro do centro de São Paulo tem sido objeto de intervenções urbanas noticiadas pela grande mídia tendo como ponto culminante se deu com “Operação Centro Legal” em janeiro de 2012. Sob o prisma constitucional indaga-se, portanto, acerca dos limites de atuação do poder público em face dos Direitos Fundamentais na área denominada “Cracolândia”. Bem como possíveis mudanças na postura do tratamento da dependência química pelas recentes parcerias firmadas entre as instituições paulistanas no tratamento da problemática complexa e cruel do uso de drogas.[1]
Palavras- Chave: Dependência Química; Direitos Fundamentais; Cracolândia.
Abstract: “Cracolândia” not emerged today, is the result of insecurity in public policy for the center over the years, decades of neglect. Governments used to dealing with poverty police repression have not played welcomed people to their fate. Also lack a meaningful discussion by civil society organizations about addiction, consumption and criminalization as a way trip to the dismay of many rich and poor families. The region of light, traditional neighborhood of downtown St. Paul has been the subject of urban interventions reported in the mainstream media as having climax occurred with "Operation Law Center" in January 2012. Inquires Under the constitutional prism is therefore about limits of performance of the government in the face of Fundamental rights in the area called "Cracolândia". As well as possible changes in the posture of the addiction by recent partnerships between institutions in São Paulo and cruel treatment of the complex issues of drug use.
Keywords: Chemical Dependency; Fundamental Rights; Cracolândia.
Sumário: 1. Operações policialescas na “Cracolândia” em face aos Direitos Fundamentais. 2. A Cracolândia como panóptico numa Cidade segregada. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A “Cracolândia” fica na região central da Cidade de São Paulo conhecida como Luz, objeto de operação urbana denominada Nova Luz[2] (incluído tradicional centro de compras como Santa Ifigênia) parceria entre governos locais e a iniciativa privada que trabalha no sentido de retirada dos dependentes químicos da área pela ideia de revitalização incluída a desocupação de área equivalente a um quadrilátero para realização do chamado Projeto Nova Luz. Essa área conhecida como Nova Luz tem sido objeto de especulação imobiliária por ser o centro de São Paulo um local privilegiado no acesso a bens e serviços, e que tem atraído os olhares da nova classe média por grandes projetos imobiliários para área. Diversamente da previsão da função social da cidade previsto no art. 182 da Constituição Federal e da função social da propriedade urbana previsto no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).
1. AS OPERAÇÕES POLICIALESCAS NA “CRACOLÂNDIA” EM FACE AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Em janeiro de 2012 teve início a operação centro legal uma parceria entre governo municipal, estadual e polícia militar para coibir o consumo de drogas por parte dos dependentes químicos em nome da defesa do direito à vida e à saúde, com forte repressão policial inclusive com uso de balas de borracha, sirenes 24 horas correndo atrás da multidão de usuários na chamada operação dor e sofrimento em que sempre que ocorre a aglomeração de viciados ocorre a dispersão policial. No entanto, um olhar mais atento no tempo aponta para um processo disciplinar desde 2006.
Observa-se, nos jornais de grande circulação Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, e demais fontes impressas oficiais na contemporaneidade, período 2006-2012 na gestão municipal e estadual, um discurso com acentuado tom saneador[3]da pobreza, especialmente quanto às políticas públicas voltadas ao disciplinamento dos espaços da região central da cidade via “revitalização”, em especial a partir do projeto Nova Luz. Recentemente teve início operações policiais contra os dependentes químicos da denominada “Cracolândia” com imagens na mídia de policiais utilizando balas de borracha, gás de pimenta e cassetetes contra sujeitos desarmados na conhecida operação de “dor e sofrimento”. Também o pânico gerado a partir dessas ações nos moradores e comerciantes das imediações mediante a migração dos dependentes para outras áreas. Bem como reações violentas de seguranças armados com “tacos de beisebol” para espantá-los. O que tem causado dúvidas acerca da legalidade da Operação Integrada Centro Legal desencadeadas pelos governos locais na “Cracolândia com o discurso de cuidar da vida e saúde desses usuários de droga. Ações policiais de “dor e sofrimento” aos dependentes químicos situados nas imediações do “Projeto Nova Luz”. Todo esse processo em curso de internação compulsória pela administração estadual visa “limpar o centro” dos pobres, e promover a especulação imobiliária visando atrair novos segmentos sociais com maior poder aquisitivo para o centro, por ser área privilegiada na oferta de bens e serviços.
No entanto, se discute a possível violação aos Direitos e Garantias Fundamentais nessas ações. Conforme prevê o artigo 5º, seus incisos e art. 6º da Constituição Federal de 1988. Bem como os princípios fundamentais do Estado de Direito.
“Art. 1º A República federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
[…] II. A cidadania
III. A dignidade da pessoa humana […]”.
“[…] Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…] III – Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
[…] XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
[…] XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
[…] XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades individuais;
[…] XLIII- a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, os omitirem; […”].
“Art. 6º São direitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. (BRASIL, Constituição Federal de 1988, p. 17-25)
As ações policiais desastrosas, em janeiro de 2012, na “Cracolândia” resultaram em ações por danos morais coletivos pela responsabilização do Estado de São Paulo por meio de ações próprias.
“Cracolândia resiste após 1 ano de operação
[…] A Operação Centro Legal completa nesta quinta-feira, 3, um ano e, segundo o governo estadual, foram realizadas 1.363 internações de dependentes químicos na cracolândia, após 152.995 abordagens durante o período. As ruas da região central de São Paulo permanecem, porém, repletas de usuários, sem nenhum indicativo de que o controverso método de impor ‘dor e sofrimento’ implementado no início de 2012 para afastar as pessoas do crack tenha surtido efeito.
[…] A operação terminou também em ação na Justiça, com o Ministério Público Estadual pedindo ao governo paulista R$ 40 milhões de indenização por danos morais coletivos. Segundo a ação, os usuários foram alvo de bombas, pancadas, cachorros e das caminhadas forçadas”. (CARDOSO. O Estado de S. Paulo. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,cracolandia-resiste-apos-1-ano-de-operacao,980136,0.htm>. Acesso em 04/01/2013).
Há que se questionar se as medidas policialescas estariam associadas a práticas de tortura, cerceamento do direito de ir e vir, entre outras violações de direitos e garantias fundamentais adotadas pelas administrações locais contra pessoas desarmadas. Além de não ter havido tempo hábil para a construção de locais adequados acolhe-las e abrigá-las, além de nem mesmo ter sido prestado à assistência social a esses dependentes químicos. Na verdade ainda estariam sendo construídos centros em caráter precário apenas para retirá-los das ruas, pois não há política pública efetiva que garanta o tratamento digno e muito menos projeto de reinserção social desses sujeitos na sociedade, como trabalho, renda, moradia, educação, entre outros direitos sociais. O que poderia gerar possível responsabilidade objetiva dos agentes públicos em função do previsto no artigo 5º, inciso III, XV, que expressa taxativamente:
“[…] III – Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante […] XV – É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer […]”. (BRASIL, Constituição Federal de 05/10/1988, p.19-20).
Numa perspectiva saneadora da pobreza a cidade seria como um organismo doente – numa alusão à saúde e higiene, especialmente os informais dependentes químicos, em sua maioria, moradores de rua que precisariam de cuidados permanentes. Portanto, sanear como técnica administrativa em princípio está no campo das ideologias difundidas na cidade (criação de leis, discursos, propaganda, projetos urbanísticos) e visa atender a uma utopia da elite.
O disciplinamento dos dependentes químicos, por sua vez, ocorre pelas práticas da administração local impondo a ordem acima da lei mediante padrões de comportamento, costumes, hábitos, atuação policial, repressão, interferindo na liberdade de ir e vir fazendo-os migrar para outras áreas do centro como Bom Retiro, Santa Ifigênia, Campos Elíseos, Santa Cecília. Tais ações repercutem inclusive na população em situação de rua que mora no centro da Cidade.
Pesquisa realizada após as operações policialescas na área permite dar uma ideia dos impactos na vida dos entrevistados (moradores em situação de rua), quanto às ações pelo poder público local, em parceria com a polícia por meio da operação centro legal, na região da “Cracolândia”.
“Impacto da recente ‘Operação Cracolândia’
Em janeiro deste ano foi iniciada a ‘operação cracolândia’ no centro da cidade de São Paulo (principalmente na Rua Helvetia), onde até o mês de março de 2012 (momento em que este relatório é composto) a polícia está restringindo a circulação de usuários e traficantes de drogas naquela região. Dos indivíduos em situação de rua entrevistados, 83,2% ficaram sabendo ou assistiram a operação, 16,0% não e 0,8% não lembravam. Para os 83,2% que responderam afirmativamente, 40,9% circulavam ou pernoitavam próximo a Região da Cracolândia. (57,4% não e 1,7% se recusaram a responder). Para estes a vida dos indivíduos em situação de rua foi afetada por essa operação de forma positiva (para 10,5%), de forma negativa para 17,2% e os restantes 72,3% acham que não interferiu na sua vida, foi, portanto, indiferente […]”. (FESPSP; PMSP, 2012, p.10)
Embora haja conforme a pesquisa a sensação de que pouco mudou na vida dos moradores em situação de rua com as operações policialescas. O histórico de exclusão social na cidade é de tratar a pobreza como caso de polícia.
2. A CRACOLÂNDIA COMO PANÓPTICO NUMA CIDADE SEGREGADA
Acerca da ideia de vigilância permanente, pela disciplina, Foucault, (2008), identifica a figura do Panóptico[4].
Entre as técnicas de disciplina, podemos situar a revitalização, regulação, modificação, fiscalização, repressão, “tortura física e psicológica” e controle dos espaços sejam públicos ou privados. A segregação, o isolamento e a violência também são formas de disciplina do corpo social. Entre as técnicas disciplinares, a mais utilizada é a lei, mas como instrumento coercitivo a serviço das elites para promover a especulação imobiliária da área do projeto Nova Luz e afastar sujeitos indesejados. Porém, o preconceito, a discriminação e os estereótipos são formas mais sutis de disciplina.
A questão do saneamento envolve um plano ideológico nas medidas da municipalidade, o grande instrumento é a propaganda oficial, em especial nos meios de comunicação de massa quanto à necessidade de tratar as “doenças sociais” de determinadas áreas da cidade. Cria-se uma ética e uma estética como padrão de embelezamento da cidade no projeto hegemônico[5] promovido pela municipalidade.
A disciplina entra como forma concreta de realizar a limpeza, um valor moral, estabelecendo padrões de aceitação ou não dentro de determinada área de convívio, ou seja, regras de condutas e comportamentos nos territórios. Vai além dos fatos sociais gerados, estabelece-se um critério de valoração e passa-se à criação a aplicação de leis por meio dos governos locais.
Porém, observa-se que há que se considerar aspectos ideologizantes nesse processo legislativo, como fatos sociais advindos de interesses criados a partir da pressão social e que a mídia contribui grandemente a partir da repercussão que lhes dá, o que acaba por realizar os desejos e ações de setores dominantes com a aparência do benefício a todos. Inclusive ganha ares de legitimidade perante a maioria da população. Refiro-me às ideologias presentes nas leis como instrumento de realização de vontades.
A disciplina se realiza nas ações de apropriação dos territórios das áreas central, pelo uso da técnica (leis, polícia 24 horas, câmeras, armas, balas de borracha, helicópteros) como instrumento de poder e controle sobre o corpo e a mente das pessoas e suas ações. A sanidade e a loucura passam pela disciplina, pela expulsão de sujeitos considerados “estranhos” a determinados territórios, utilização dos meios repressivos pelos rigores da aplicação da lei, da ação policial, e mesmo, em extensão, pela população que legitima esse processo por meio da hostilidade aos dependentes químicos que migram para seu bairro.
Em última análise, é pelo controle dos acessos, a identificação, a separação e o isolamento dos considerados “doentes dos sadios” que se realiza o projeto disciplinar permanente. Como exemplo, temos a internação compulsória em discussão entre judiciário, executivo e sociedade civil. A vigilância é o grande instrumento disciplinar que permite todo o controle social. Entre as ações disciplinares, identificamos: a criação de leis, operações urbanas, fiscalização e repressão policial, instalação de câmeras em áreas centrais e seu entorno, e privatização dos espaços. Com destaque para a “comunidade” enquanto parceira da polícia e do poder público na realização de uma utopia de cidade.
As novas mutações do presente, em especial pela segregação entre ricos e pobres por “muros invisíveis”. Pela disciplina como espaço ordeiro que nos une (pela exploração pelo trabalho) e nos separa pela negação aos direitos sociais dos pobres.
Porém algo fugiu ao controle no centro e era preciso fazer algo para conter massas de “viciados” que vivem em áreas outrora degradadas e agora objeto da especulação imobiliária dos novos endinheirados. Uma intervenção cirúrgica que acabou ganhando a repercussão não esperada. Trata-se das operações de intervenção policial pelas administrações locais que começa com os moradores em situação de rua, passa pelos vendedores ambulantes (operação delegada) até chegar a tradicional região da Luz, denominada “Cracolândia”. Esse artigo discute à questão do saneamento da pobreza por meio da intervenção urbana na área do Projeto “Nova Luz” como dimensão sócio-jurídica.
Na perspectiva sócio-jurídica o projeto Nova Luz não estaria em consonância com o previsto no Plano Diretor Estratégico da cidade por não trazer a melhorar na qualidade de vida para toda a população da cidade, mas principalmente para os endinheirados. Sob o prisma constitucional indaga-se, portanto, acerca dos limites de atuação do poder público em face dos princípios fundamentais do Estado Democrático Direito na área denominada “Cracolândia”. Discute-se a possível violação de Direitos e Garantias fundamentais do cidadão entre os quais o poder de promover a internação compulsória dos dependentes químicos em nome do direito à vida e a saúde de maneira precária sem garantia dos direitos sociais mínimos previstos na carta magna, embora aja sob um suposto manto de legalidade.
A administração municipal em parceria com o Governo do Estado com o discurso de cuidar da saúde dos cidadãos e para garantir o Direito à vida de dependentes químicos da “Cracolândia” passa ao policiamento ostensivo da área num primeiro momento para forçar a retirada dos “viciados” e “traficantes” da área do projeto “Nova Luz” e imediações; sob o pretexto de que num segundo momento haveria a entrada do serviço de assistência social, apoio psicológico. Mas quais os critérios utilizados para definir a internação compulsória? Haja vista a internação voluntária, involuntária ou compulsória dos viciados está prevista na lei 10.216/2001 que trata da proteção e dos direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial da saúde mental, aplicável aos dependentes químicos de drogas. Por sua vez a lei 11.343/2006 que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre drogas prevê em seu artigo 4º, inciso I, o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana quanto à autonomia e à liberdade.
No entanto, a partir das matérias veiculadas pela mídia se verifica que a forma como é conduzido o processo denominado “Operação Integrada do Centro Legal” pelo poder público via polícia, e a realidade social há sérios questionamentos quanto à violação aos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal de 1988. E a questão vem sendo tratada como caso de polícia pela própria mídia, pelo governo do Estado e municipalidade que defendem a repressão policial como uma necessidade no tratamento com a questão da dependência química e o tráfico de drogas, o que seria uma medida eleitoreira. Ou seja, esses sujeitos dependentes vêm sendo tratados como “subcidadãos” (em que não se respeita a dignidade humana e o direito à vida digna): “criminosos”, “drogados”; uma espécie de “câncer social” que ameaça a própria convivência pacífica na cidade. Portanto, o que seria a princípio políticas públicas para dar dignidade e salvar vidas se transforma em instrumento de repressão sobre a vida e o corpo desses sujeitos jogados à própria sorte. Inclusive passa-se a população o sentimento de pânico a partir da migração dos dependentes químicos para outras regiões da cidade, num processo de limpeza social. Se a dignidade era negada antes da ocupação policial na denominada “Cracolândia”, no período posterior passam a ser vigiados 24 horas, tratados como uma “ameaça” ao corpo social e são objeto de “tortura psicológica” mediante uso de aparato policial que ora os segregam em praças, ora os dispersam, estando em constante frenesi, circulando sem poder se fixar. A lógica dessas ações seria segundo relatos policiais na mídia uma estratégia de dispersão e causar “dor e sofrimento” para que possam pedir socorro e serem encaminhados à internação. Porém se questiona do ponto de vista dos direitos humanos. Ou seja, o poder público cometeria violações expressas aos direitos e garantias individuais expressos na Constituição Federal de 1988 como o direito à vida, a liberdade de ir e vir, entre outros preceitos constitucionais básicos do Estado Democrático de Direito como a cidadania e a dignidade da pessoa humana? Incorreria na prática de tortura e o tratamento desumano ou degradante? Em caso positivo, em nome de qual direito?
As ideologias das ações governamentais revelam uma ordem elitista no trato com a questão social que nos remete a noção de higiene e limpeza social. Ou seja, em nome da “revitalização” do centro e utopia de cidade limpa, passa-se ao uso de instrumentos de repressão (leis, policiamento, vigilância) aos “viciados da cracolândia” que resulta em segregação. O foco da ação supostamente é o combate ao tráfico de drogas e a garantia da vida e saúde dos dependentes químicos. Curiosamente o local, objeto das medidas saneadoras fica na área do projeto “Nova Luz”. Passa-se a repressão pura e simples e/ou internação oportunista de indivíduos dependentes de drogas, nesta tradicional região.
Não há políticas públicas de médio e longo prazo que trate a questão da dependência para além do imediatismo midiático e governamental.
Em 2013 o Governo de São Paulo criou a chamada “bolsa anticrack” mas para a surpresa geral não incluiu os dependentes da “cracolândia” sob a justificativa de que já há um serviço para esse tratamento na área.
“Fora dessa primeira fase do programa, o secretario […] destacou que a capital paulista já possui seu próprio sistema de atendimento e tratamento ao dependente químico. […].
— A região é a que tem mais possibilidade de assistência, mais de 240 vagas. O problema é como retirar essas pessoas da rua. Se todo mundo quisesse sair a gente conseguiria [tratar]. Vamos precisar de outras estratégias para acabar com a Cracolândia, infelizmente”. (Disponível em:<http://noticias.r7.com/sao-paulo/bolsa-anticrack-em-sp-custara-r-4-milhoes-por-mesnbsp-09052013>. Acesso em 10/06/2013).
Verifica-se que tais ações são paliativas diante da gravidade que é a dependência química e a complexidade do tratamento, e todo investimento seria justificado como política pública de Estado. Principalmente numa área denominada de “Cracolândia” pela mídia e governo. E onde pessoas perambulam dia e noite sem destino.
Os ricos quando têm dependência química internam seus entes queridos para tratamento em clínicas sofisticadas até que se recuperem e vislumbrem uma vida com dignidade. O pobre na proposta de internação compulsória é retirado de circulação e resta a opção de voltar às ruas, pois é seu território de vida. A imensa maioria perdeu os vínculos familiares e não tem como recuperá-los sozinhos. Nesses casos a proposta saneadora governamental parece surtir efeito de imediato. Haja vista o sujeito sabendo que foi retirado de determinada área vai preferir ir para outra e empurra-se a questão social mais uma vez para as periferias e áreas limítrofes da mancha urbana, onde enfim poderá ter sua “liberdade recuperada”.
No ano de 2013 em São Paulo foi estabelecido uma série de medidas institucionais para agilização do processo de internação compulsória previstas na lei 10.216/2001. Há um discurso de respeito aos Direitos Humanos nessas ações o que já é um indício de mudança de postura das instituições no trato dessa questão urbana tão grave e complexa.
“O Governo do Estado deu início à parceria com o Ministério Público, o Tribunal de Justiça e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para plantão especial no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas) para atendimento diferenciado aos dependentes químicos. Em casos extremos, a Justiça pode decidir pela internação compulsória do dependente”. (BRASIL, Governo do Estado de São Paulo. Disponível em: <http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=225660>. Acesso em 09/06/2013)
CONCLUSÃO
O saneamento dos espaços pela disciplina da área denominada “Cracolândia” parece uma solução imediatista visando atrair os endinheirados. Porém como fica a função social da propriedade e principalmente a dignidade e cidadania dessas pessoas em vulnerabilidade social ante o direito à vida digna?
Entende-se, portanto, haver clara violação à dignidade humana pela falta de políticas públicas[6] que assegure o mínimo existencial do cidadão que inclui: saúde, educação, liberdade, moradia, renda. As implicações legais das ações dos governos locais não se coadunam com princípio fundamental da dignidade humana (at.1º, III da CF/88), os direitos fundamentais e sociais respectivamente do artigo 5º e 6º e seus incisos da Constituição Federal (explicitados ao longo do artigo) diante das ideologias presentes nas mesmas.
Pari passu ao processo de limpeza social e disciplina dos sujeitos objeto da intervenção urbana na região da Luz, objeto do Projeto Nova Luz, há uma apropriação dos territórios pelo setor privado via intervenções urbanas que autorizam o uso de áreas centrais da cidade e seu entorno para a especulação imobiliária e interesses corporativos. Nessa perspectiva a propriedade não atende a sua função social, pela precariedade nas políticas de habitação em especial da moradia popular no centro. Também há precariedade nas políticas públicas, em especial no trato com uma educação que permita a formação social, cultural e profissional. E muito menos geração de emprego e renda para a população que em situação de rua. Legitima-se a segregação social, espacial, e a violência contra aqueles que vivem em maior vulnerabilidade social em nome da Segurança Pública pela negação da cidadania e com o discurso do Direito à vida e a saúde. Porém quais políticas sociais o governo propõe para quem vive na rua, senão a internação como mecanismo de retirada de circulação.
Doutor em Direito – FADISP. Mestre em Políticas Sociais – UNICSUL. Advogado
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