Com a elaboração do Código de defesa do Consumidor em 1990, o legislador preocupou-se em não só regular as relações de consumo presentes em nosso dia-a-dia, bem como criar uma nova mentalidade a ser desenvolvida ao longo dos anos até os dias de hoje.
O diploma, de caráter eminentemente protecionista, criou mecanismos de defesa até então muito copiados pelas legislações estrangeiras. Para o efetivo uso dos mesmos, necessário primeiramente a conscientização da sociedade no sentido de buscar resguardar seus direitos e ter ciência do acesso à Justiça quando preciso. Mais do que isto é a divulgação ampla dos meios de defesa que o consumidor tem para resguardar seus direitos.
O consumidor é o ator principal e termômetro das relações de consumo. Os empresários e a indústria produzem bens e fornecem serviços de acordo com a necessidade daqueles. Percebeu-se, portanto, desde a criação do código em comento a preocupação dos fornecedores em adequarem-se às exigências do mesmo, como por exemplo o controle de qualidade dos produtos lançados no mercado, a prática do recall quando necessária, tornando assim a relação de consumo mais transparente, princípio basilar do diploma consumerista.
Condições como: qualidade, quantidade, preço características do produto são fabricadas de acordo com os anseios da massa consumerista. Sem o consumidor não há lucro e tampouco movimentação do sistema capitalista.
O modelo capitalista de sociedade surge com a Revolução Industrial no contexto do consumo massificado, onde as relações se diversificam do simples: consumidor/ fornecedor para relações mais complexas: de um lado o fornecedor e de outro uma massa de consumidores onde é impossível individualizar cada um, portanto considerados coletivamente.
Daí, porque nosso diploma consumerista tratou bem de regular estas situações, não deixando o consumidor à mercê da fúria do mercado.
O estudo dos chamados direitos difusos e coletivos está disposto no Título II do Código em referência e são atinentes à defesa do consumidor em juízo individualmente considerado, bem como quando inserido no contexto da coletividade.
“Importante destacar, contudo, a imperiosa conclusão que aponta para deficiência dos mecanismos processuais tradicionais no que toca à solução dos litígios de natureza coletiva (em sentido amplo). Um Código – como o Código de Processo Civil de 1973- não se reveste de suficiência para embasar processos relacionados à tutela jurisdicional coletiva, uma vez que totalmente elaborado para o alicerce de lides de natureza individual, com sujeitos processuais definidos e eficácia subjetiva das decisões igualmente delimitada.
Trouxeram, os dispositivos do Código que se seguem, concreção e aplicabilidade a diversas normas constitucionais que corroboram no sentido de incluir no ordenamento jurídico brasileiro não apenas a tutela individual, como também a coletiva relativa aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos jurisdicionados.”[1]
O estudo dos interesses difusos e coletivos surgiu na Itália nos idos dos anos 70 quando os estudiosos destacaram suas características, a saber: são aqueles indeterminados pela titularidade, indivisíveis com relação ao objeto, colocados a meio caminho entre os interesses públicos e os privados, próprios de uma sociedade de massa e resultado de conflitos de massa.
Temos de um lado o interesse público se fazendo prevalecer em relação ao Estado, onde todos os cidadãos são partícipes, por isso o interesse à ordem pública, à segurança pública, à educação. Já os interesse privados versam sobre a titularidade individualmente considerada, na dimensão dos direitos subjetivos, através do estabelecimento de uma relação jurídica entre credor e devedor, visivelmente identificados.
“[…] os interesses sociais são comuns a um conjunto de pessoas, e somente estas. Interesses espalhados e informais à tutela de necessidades coletivas, sinteticamente referíveis à qualidade de vida. Interesses de massa, que comportam ofensas de massa e que colocam em contraste grupos, categorias, classes de pessoas. Não mais se trata de um feixe de linhas paralelas, mas de um leque de linhas que convergem para um objeto comum e indivisível. Aqui se inserem os interesses dos consumidores, ao ambiente, dos usuários de serviços públicos, dos investidores, dos beneficiários da previdência social e de todos aqueles que integram uma comunidade compartilhando de suas necessidades e de seus anseios”. [2]
Deste modo estamos diante da constituição da uma nova geração de direitos fundamentais. Aos direitos clássicos de primeira geração, representados pelas liberdades negativas próprias do Estado liberal; aos direitos de segunda geração, de caráter sócio-econômico, representados pela obrigação de dar e fazer ou prestar do Estado ligado a um dever correlato; acrescentou-se o direito de terceira geração, este representado pelo direito de solidariedade, decorrente dos interesses sociais. O que antes aparecia como mero interesse foi amoldando-se como direito, conduzindo à estruturação de conceitos jurídicos para efetivação da tutela desses interesses.
Em 1985 no Brasil, adveio a Lei n.º 7347 que versava sobre a ação civil pública, destinada à tutela do ambiente e do consumidor, na extensão dos bens indivisivelmente considerados e dos interesses difusos propriamente ditos.
A Constituição Federal de 1988 destacou a importância dos direitos difusos e coletivos, colocando o Ministério Público como instituição legitimada a defender tais interesses, mas a lei também ampliou a legitimação do pólo ativo, conforme artigo 129, III e § 1º da Carta Maior[3], a fim de conferir maior acesso às questões coletivas, já que são de interesse gerais.
Assim descritos no artigo 82[4] do diploma consumerista, estão os legitimados para propor ações coletivas na defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Não há preferência de um sobre o outro para a legitimação processual. Pode ser exercido por somente um daqueles ou até mesmo todos os elencados no citado artigo, formando um litisconsórcio facultativo.
Discussão neste ponto refere-se à natureza da legitimação conferida por lei àqueles do artigo 82. Seria o caso de legitimação extraordinária? A maioria da doutrina tende para essa posição, porém outros autores entendem que esse caso não se enquadra na dualidade (legitimação ordinária X legitimação extraordinária) do CDC, pois os legitimados não estão em juízo defendendo em nome próprio interesse alheio.
“Só tem sentido falar-se em substituição processual diante da discussão sobre um direito subjetivo (singular), objeto da substituição: o substituto substitui pessoa determinada, defendendo em seu nome o direito alheio do substituído. Os direitos difusos e coletivos não podem ser regidos pelo mesmo sistema, justamente porque têm como característica a não individualidade. Não se pode substituir coletividade ou pessoas indeterminadas. O fenômeno é outro, próprio do direito processual civil coletivo.”[5]
Na solução dos conflitos gerados pela economia massificada, quando coletivos, o processo opera como instrumento mediador de conflitos sociais e não apenas solucionador de lides. Estas lides coletivas permitem o acesso mais facilitado ao Judiciário, pelo seu custo diminuído e quebra de barreiras culturais, sociais e econômicas, evitando sua banalização ao invés do ingresso de diversas demandas com o mesmo objeto, sobrecarregando o sistema.
“A necessidade de estar o direito subjetivo sempre referido a um titular determinado ou ao menos determinável impediu por muito tempo que os “interesses” pertinentes, a um tempo, a toda uma coletividade, como por exemplo, os “interesses” relacionados ao meio ambiente, à saúde, à educação, à qualidade de vida, etc., pudessem ser havidos por juridicamente protegíveis. Era a estreiteza da concepção tradicional do direito subjetivo, marcada profundamente pelo liberalismo individualista, que obstava a essa tutela jurídica.”[6]
Ainda:
“[…] No caso, é impertinente falar-se em legitimação ordinária, instituto que se presta a explicar o fenômeno no processo civil individual. Mas, se tivéssemos que reduzir esse fenômeno à dicotomia clássica do direito individual (legitimação ordinárias e extraordinária), não hesitaríamos em dizer que a legitimação para a defesa do interesse social seria sempre ordinária, pois não se poderia substituir processualmente a sociedade, titular de direito difuso ou coletivo[…]”[7]
Não menos importante, foram abordadas as demandas individuais também tratadas pelo legislador pátrio com a criação de Juizados Especiais Cíveis, hoje presentes na maior parte do Brasil e cada vez mais abrangente em suas áreas de atuação.
Faremos aqui uma breve análise dos interesses difusos e coletivos, previstos no artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor:
A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único – A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos para efeito deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos para efeito deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. [8]
Quanto aos chamados direitos difusos são aqueles cujos titulares não são determináveis. Os detentores do direito subjetivo que se pretende proteger são indeterminados e indetermináveis. Em que pese tratar-se de uma espécie de direito que apesar de atingir alguém em particular, merece especial atenção porque atinge simultaneamente a uma multidão de pessoas que não se possa precisar a quantidade, onde uma única ofensa pode afetar um número incalculável de pessoas e igualmente a satisfação de um consumidor poderá beneficiar a todos.
Portanto a característica do direito difuso é a não – determinação do sujeito. Não existe uma relação jurídica base e sim as circunstâncias do fato que estabelecem o elo de ligação entre todos os indivíduos difusamente considerados e o obrigado a respeitar esses direitos – aqueles elencados no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, denominados fornecedores.
A tutela desses interesses se faz suficiente através de demanda coletiva, com efeitos erga omnes para a coisa julgada, demonstrando a efetividade e abrangência desse dispositivo.
Conforme Nelson Nery Junior[9]:
“[…] (a) a coisa julgada, nas ações que versam sobre direitos difusos (CDC 81 par. Ún. I) não atinge o legitimado autônomo para a condução do processo porque foi parte na ação, mas porque a eficácia é geral, vinculando partes, terceiros estranhos, sociedade, etc. (eficácia erga omnes da coisa julgada – CDC 103 I); […]”
Quanto aos direitos coletivos, os titulares dos direitos são também indeterminados, porém determináveis. Os obrigados a respeitarem esses direitos são os fornecedores envolvidos na relação jurídica base, as quais podem existir duas modalidades: aquela em que os titulares estão ligados entra si por uma relação jurídica e; aquela em que os titulares estão ligados com o sujeito passivo por uma relação jurídica; ou seja, há duas relações jurídicas concomitantemente. O bem jurídico protegido é indivisível não pertencendo a nenhum consumidor em particular, mas a todo conjunto simultaneamente.
Em relação aos efeitos da coisa julgada:
“[…] (b) a coisa julgada nas ações que versam sobre direitos coletivos (CDC 81 par. Ún. II), não atinge o legitimado autônomo em nenhuma situação porque, embora ultra partes, seus efeitos ficam restritos ao grupo ou categoria titular do mencionado direito coletivo; […]”[10]
Essa relação gerada por interesse que guarda relação mais imediata e próxima com a lesão ou a sua possibilidade já existe antes mesmo da lesão ou ameaça de lesão a direito do grupo ou categoria de pessoas, não se confundindo com a relação jurídica surgida da própria lesão.
Quanto aos direitos individuais homogêneos os sujeitos são sempre coletivos, porém determinados. Os responsáveis – denominados sujeito passivo; são todos aqueles que direta ou indiretamente tenham causado dano ou participado do evento ou ainda que tenham contribuído para tanto.
Há uma situação jurídica que tenha origem comum de fato de ou direito – que poderá ser próxima ou remota – para todos os titulares do direito violado. O elo que une os titulares do direito violado é comum para todos. Mas não se exige que todos os indivíduos sofram o mesmo dano, na mesma proporção; o que será oportunamente apurado em fase de liquidação de sentença, cada um na extensão de seu dano. Aí que se traduz a determinabilidade quando do ingresso na justiça através de demanda individual ou por ocasião de liquidação de sentença na demanda coletiva.
Nesse caso, o objeto é indivisível e a origem é comum a todos titulares do direito individual homogêneo, mas o resultado da violação do direito é diverso para cada um.
“Esses direitos são individuais que podem ser defendidos em juízo à título individual ou coletivo (CDC 81 caput e par. Ún. III). Assim, quando a lei legitima, por exemplo, o MP, abstratamente, pra defender em juízo direitos individuais homogêneos (CF 127 caput e 129; CDC 1º e 82 I), o parquet age como substituto processual, porque substitui pessoas determinadas. Apenas por ficção jurídica os direitos individuais são qualificados de homogêneos, a fim de que possam, também, ser defendidos em juízo por ação coletiva. Na essência eles não perdem a sua natureza de direitos individuais, mas ficam sujeitos ao regime especial de legitimação do processo civil coletivo (CF 127 caput e 129 IX; LACP 5º; CDC 81 caput, par. Ún. III e 82), bem como ao sistema da coisa julgada do processo coletivo (CDC 103 III).”[11]
Quanto aos efeitos da coisa julgada:
“[…] (c) a coisa julgada, nas ações que versam sobre direitos individuais homogêneos (CDC 81 par. Ún. III), atinge o substituto processual, não porque seja ele parte, mas pela eficácia erga omnes prevista expressamente no CDC 103 III.” [12]
Assim, com a produção em massa e o consumo massificado e a conseqüente possibilidade de dano coletivo; o diploma consumerista preocupou-se em proteger o consumidor de todas as formas; conforme restou demonstrado através do estudo do presente artigo sob a instrumentação jurídica utilizada sempre a favor do hipossuficiente.
Acdâmica de Direito em São Paulo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
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