A desaposentação e o seu tratamento jurisprudencial

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Resumo: O artigo aborda o conceito de desaposentação, as diversas teses doutrinárias sobre a matéria, bem como busca demonstrar a grande divergência jurisprudencial acerca do tema, cuja palavra final caberá ao Supremo Tribunal Federal no iminente julgamento do RE 381.367.


Palavras-chave: Desaposentação. Conceito. Jurisprudência. RE 381.367.


Sumário: 1. Introdução; 2. A desaposentação; 3. A jurisprudência sobre a matéria; 4. Conclusão;


1. Introdução:


O instituto da desaposentação é tema de freqüente discussão no âmbito acadêmico, doutrinário e jurisprudencial, por aqueles que atuam na área do direito previdenciário.


A questão é debatida já há algum tempo, mas apenas recentemente tornou-se de conhecimento público mais amplo, tendo em vista o início do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do recurso extraordinário 381.367.


No aludido recurso, o seu relator, Ministro Marco Aurélio Mello, votou no sentido de se dar provimento à irresignação, acolhendo, portanto, a tese favorável aos segurados.


O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do Ministro Dias Toffoli, e já está liberado para inclusão na pauta do plenário da Corte.


Entretanto, a questão, em instâncias inferiores, não encontra qualquer uniformização, havendo divergências entre os diversos Tribunais Federais que decidem ações e recursos previdenciários.


Mas antes de se tratar da forma como a jurisprudência está decidindo a matéria, é importante destacar-se qual a questão de fundo que está sendo debatida.


2. A desaposentação


A Lei 8213/91 estabelece que o segurado aposentado que volte a trabalhar, mesmo contribuindo para a Previdência Social, não terá direito a gozar quaisquer benefícios da Previdência Social, com exceção do salário-família e da reabilitação profissional, consoante artigo 18, parágrafo segundo do referido diploma normativo.


Essa circunstância fez com que os segurados passassem a postular, perante a Previdência Social, que as suas contribuições recolhidas após a aposentadoria fossem consideradas para fins de concessão de uma nova aposentadoria, alegando que, do contrário, haveria enriquecimento sem causa por parte da Previdência Social.


Segundo essa tese, as contribuições previdenciárias são espécies de tributos vinculados a uma contra prestação específica, o que geraria o direito de consideração dos valores pagos a título de contribuição, após a aposentadoria, na concessão de futura aposentação, mais vantajosa ao segurado.


Já o Instituto Nacional do Seguro Social, sustenta que a concessão de uma aposentadoria é um ato jurídico perfeito, e que não pode ser cancelado pelo segurado para a obtenção de um benefício posterior, mesmo que mais vantajoso.


A Autarquia Federal alega que o artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal torna o ato jurídico perfeito uma garantia fundamental e que nem a lei poderia afastá-lo.


Existe ainda o argumento de que haveria violação ao princípio constitucional da isonomia, pois se estaria conferindo tratamento mais benéfico ao aposentado que antecipou o recebimento de sua aposentadoria, em relação àquele que continuou trabalhando até possuir um período contributivo maior para se aposentar.


O Instituto também defende que o sistema previdenciário é regido pelo princípio da solidariedade, segundo o qual aqueles que estão trabalhando devem contribuir não para o seu próprio benefício, mas para a proteção das gerações futuras. Essa forma de contribuição é denominada de sistema de repartição simples e teria sido albergada pela Constituição Federal, consoante artigo 195 da Carta Política


Um outro argumento lançado pelo INSS reside no fato de que, caso o segurado utilizasse aquele período em que esteve aposentado como tempo de contribuição para a uma nova aposentadoria, deveria devolver os valores recebidos, já que, do contrário, estar-se-ia diante de enriquecimento sem causa do beneficiário, bem como haveria violação ao princípio da manutenção do equilíbrio econômico e atuarial do sistema previdenciário, determinado no artigo 201, “caput” da Carta Magna.


3. A jurisprudência sobre a matéria


Em sede jurisprudencial, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais possui entendimento firme e sedimentado no sentido de que a desaposentação é possível, ou seja, de que o segurado teria o direito público subjetivo a desistir de seu benefício atual e postular a concessão de um novo benefício, considerando as contribuições que verteu para o Regime Geral de Previdência Social após a sua aposentadoria.


Tal tese encontra guarida em posição já cediça do Superior Tribunal de Justiça, o qual sustenta que o benefício previdenciário é ato jurídico disponível por parte do segurado, conforme se verifica, por exemplo, no RESP 1235375.


Entretanto, malgrado permita, em tese, o instituto da desaposentação, a Turma Nacional de Uniformização tem exigido que o segurado devolva os valores recebidos na primeira aposentadoria, para fazer jus à nova aposentação.


Tal entendimento restou assentado, inclusive, no Pedido de Uniformização de Lei Federal nº 200782005021332, cuja ementa é a seguinte:


“EMENTA PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. DESAPOSENTAÇÃO. EFEITOS EX TUNC. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES JÁ RECEBIDOS. DECISÃO RECORRIDA ALINHADA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA TNU. IMPROVIMENTO. 1. Cabe Pedido de Uniformização quando demonstrado que o acórdão recorrido contraria jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça. 2. A Turma Nacional de Uniformização já firmou o entendimento de que é possível a renúncia à aposentadoria, bem como o cômputo do período laborado após a sua implementação para a concessão de novo benefício, desde que haja a devolução dos proventos já recebidos. Precedentes: PU 2007.83.00.50.5010-3, Rel. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 29.09.2009 e PU 2007.72.55.00.0054-0, Rel. Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz, DJ 15.09.2009; TNU, PU 2006.72.55.006406-8, Rel. Juíza Federal Rosana Noya Alves Weibel Kaufmann, j. 02.12.2010. 3. Pedido de Uniformização conhecido e não provido.”


Contudo, quando se analisa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, já há um posicionamento favorável à tese defendida pelos segurados, quanto à desnecessidade de devolução do benefício recebido.


Em julgamentos recentes, nos AgRg-Resp 1228090 e AgRg-Resp 1217131, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o segurado que requer a sua desaposentação não tem obrigação de devolver os valores recebidos durante a aposentadoria anterior, porque esses valores teriam sido pagos em virtude de contribuições que teriam sido vertidas anteriormente ao Regime Geral de Previdência Social.


O STJ ainda assentou, nos referidos recursos, que o fato de o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido repercussão Geral sobre a matéria, não impede que a Corte Especial Federal decida os recursos especiais que lhe sejam submetidos sobre o tema.


As ementas dos referidos julgados ficaram assim redigidas:


“PREVIDENCIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. RECONHECIMENTO DE REPERCUSSÃO GERAL PELO STF. SOBRESTAMENTO DO FEITO. IMPOSSIBILIDADE. EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO.


1. O reconhecimento da repercussão geral pela Suprema Corte não enseja o sobrestamento do julgamento dos recursos especiais que tramitam neste Superior Tribunal de Justiça. Precedentes.


2. Inviável o exame, na via do recurso especial, de suposta violação a dispositivos da Constituição Federal, porquanto o prequestionamento de matéria essencialmente constitucional, por este Tribunal, importaria usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.


3. Descabe falar em adoção do procedimento previsto no art. 97 da Constituição Federal nos casos em que esta Corte decide aplicar entendimento jurisprudencial consolidado sobre o tema, sem declarar inconstitucionalidade do texto legal invocado.


4. Agravo regimental improvido.


(AgRg no REsp 1228090/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 31/05/2011, DJe 10/06/2011).


PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. RENÚNCIA À APOSENTADORIA. DESAPOSENTAÇÃO.  NOVA APOSENTADORIA NO PRÓPRIO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS.


DESCABIMENTO. O JULGAMENTO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO PELO STF NÃO VINCULA ESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PREQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. REGIMENTAL IMPROVIDO.


1. As decisões proferidas em sede de recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal não têm efeito vinculante.


2. Consoante disposto no art. 105 da Carta Magna, o Superior Tribunal de Justiça não é competente para se manifestar sobre suposta violação de dispositivo constitucional, sequer a título de prequestionamento.


3. O agravante não trouxe qualquer argumento capaz de infirmar a decisão que pretende ver reformada, razão pela qual ela há de ser mantida.


4. Agravo regimental a que se nega provimento.”


(AgRg no REsp 1217131/SC, Rel. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 04/04/2011)


Já no campo dos Tribunais Regionais Federais, constata-se que o TRF-1 possui decisão de 26 de janeiro de 2011 negando a desaposentação em virtude do ato jurídico perfeito (AC 0033226-67.2006.4.01.3800/MG).


No Tribunal Regional Federal da segunda região, a Primeira Turma Especializada autoriza a desaposentação, sem a necessidade de devolução dos valores percebidos a título de aposentadoria, conforme julgamento proferido na AC – APELAÇÃO CIVEL – 505057 e cuja ementa é a seguinte:


“PREVIDENCIÁRIO.DESAPOSENTAÇÃO. POSSIBILIDADE DE RENÚNCIA AO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL. DIREITO DE NATUREZA PATRIMONIAL E, PORTANTO, DISPONÍVEL. INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE DEVOLUÇÃO DOS PROVENTOS RECEBIDOS. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO DO INSS DESPROVIDO. I – A inexistência de dispositivo legal que proíba a renúncia ao benefício previdenciário legalmente concedido deve ser considerada como possibilidade para a revogação do benefício a pedido do segurado. II – A desaposentação atende de maneira adequada aos interesses do cidadão. A interpretação da legislação previdenciária impõe seja adotado o entendimento mais favorável ao beneficiário, desde que isso não implique contrariedade à lei ou despesa atuarialmente imprevista, situações não provocadas pelo instituto em questão. III – Da mesma forma, o fenômeno não viola o ato jurídico perfeito ou o direito adquirido, preceitos constitucionais que visam à proteção individual e não devem ser utilizados de forma a representar desvantagem para o indivíduo ou para a sociedade. A desaposentação, portanto, não pode ser negada com fundamento no bem-estar do segurado, pois não se está buscando o desfazimento puro e simples de um benefício previdenciário, mas a obtenção de uma nova prestação, mais vantajosa porque superior. IV – Quanto à natureza do direito em tela, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que a aposentadoria é direito personalíssimo, o que não significa que seja direito indisponível do segurado. A par de ser direito personalíssimo, tem natureza eminentemente de direito disponível, subjetivo e patrimonial, decorrente da relação jurídica mantida entre segurado e Previdência Social, logo, passível de renúncia, independentemente de aceitação da outra parte envolvida, revelando-se possível, também, a contagem de tempo para a obtenção de nova aposentadoria, no mesmo regime ou em outro regime previdenciário. Precedentes. V – O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o ato de renunciar ao benefício não envolve a obrigação de devolução de parcelas, pois, enquanto perdurou a aposentadoria, o segurado fez jus aos proventos, sendo a verba alimentar indiscutivelmente devida. Precedentes. VI – Apelação cível desprovida.”


O TRF-3 possui precedentes autorizando a desaposentação mediante a devolução dos valores recebidos pelo segurado, mas também possui julgados impedindo a concessão de desaposentação, mesmo com a mencionada devolução:


“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO DO ARTIGO 557, § 1º, DO CPC. RENÚNCIA A BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA A FIM DE UTILIZAR O TEMPO DE SERVIÇO POSTERIOR NA OBTENÇÃO DE JUBILAÇÃO MAIS VANTAJOSA.


I – É pacífico o entendimento esposado por nossos Tribunais no sentido de que o direito ao benefício de aposentadoria possui nítida natureza patrimonial e, por conseguinte, pode ser objeto de renúncia.


II – Possível a desaposentação  se os proventos de aposentadoria já percebidos forem ser restituídos à Previdência Social de forma imediata, para se  igualar à situação do segurado que decidiu continuar a trabalhar sem se aposentar, com vista a obter um melhor coeficiente de aposentadoria e coibir a obtenção de vantagem financeira sem respaldo na lei.


III – Agravo interposto pelo INSS na forma do artigo 557, § 1º, do


Código de Processo Civil, improvido. (AC – APELAÇÃO CÍVEL – 1636956).


PREVIDENCIÁRIO – DESAPOSENTAÇÃO  – DECADÊNCIA – DEVOLUÇÃO DOS VALORES – IMPOSSIBILIDADE – CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 18, § 2º, DA LEI N. 8.213/91 – RENÚNCIA NÃO CONFIGURADA. RESTITUIÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES. ILEGITIMIDADE DO INSS.I – O pedido inicial é de renúncia a benefício previdenciário e nãode revisão de sua renda mensal inicial, não havendo que se falar em decadência. Preliminar rejeitada.II – Os arts. 194 e 195 da Constituição, desde sua redação original, comprovam a opção constitucional por um regime de previdência baseado na solidariedade, onde as contribuições sãodestinadas à composição de fundo de custeio geral do sistema, e não a compor fundo privado com contas individuais.III – O art. 18 da Lei 8213/91, mesmo nas redações anteriores, sempre proibiu a concessão de qualquer outro benefício que nãoaqueles que expressamente relaciona. O § 2º proíbe a concessão de benefício ao aposentado que permanecer em atividade sujeita ao RGPS ou a ele retornar, exceto salário-família e reabilitação profissional, quando empregado. Impossibilidade de utilização doperíodo contributivo posterior à aposentadoria para a concessão de outro benefício no mesmo regime previdenciário. Alegação deinconstitucionalidade rejeitada.IV – As contribuições pagas após a aposentação não se destinam a compor um fundo próprio e exclusivo do segurado, mas todo o sistema, sendo impróprio falar em desaposentação  e aproveitamento de tais contribuições para obter benefício mais vantajoso.V – Não se trata de renúncia, uma vez que o apelante não pretende deixar de receber benefício previdenciário. Pelo contrário, pretende trocar o que recebe por outro mais vantajoso, o que fere o disposto no art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/91.VI – A desaposentação  não se legitima com a devolução dos valores recebidos porque não há critério para a apuração do quantum a ser devolvido, impedindo a preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema.VII – O aposentado que volta a trabalhar é segurado obrigatório,justificada a contribuição previdenciária na solidariedade que norteia o sistema.VIII – Ilegitimidade ativa do INSS para a devolução dos valores recolhidos após a aposentação, tendo em vista a criação da Receita Federal do Brasil, pela Lei 11.457/2007.IX – De ofício, extinto o  processo, sem resolução do mérito, relativamente ao pedido alternativo, tendo em vista a ilegitimidade ativa do INSS, nos termos do art. 267, VI, do CPC. Apelação improvida”. (AC – APELAÇÃO CÍVEL – 1391991).4. ConclusãoPortanto, de todo o quanto exposto, é possível verificar-se que a questão é extremamente controversa sob o ponto de vista jurídico, razão pela qual a jurisprudência nacional não encontra unidade sobre a matéria, havendo posicionamentos divergentes entre as diversas cortes federais encarregadas de julgar questões previdenciárias, cabendo aguardar-se a palavra final da Suprema Corte sobre o tema.

Informações Sobre o Autor

Rubens José Kirk de Sanctis Junior

Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Professor universitário e de curso preparatório para concursos públicos.


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Equipe Âmbito Jurídico

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