1.
Introdução
As decisões trabalhistas
passadas em julgado, ou das quais não tenha havido recurso com efeito
suspensivo, os acordos descumpridos, os termos de conciliação firmados perante
o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as
Comissões de Conciliação Prévia serão executados nos termos dos artigos
876/892, todos da Consolidação das Leis do Trabalho.
O próprio Magistrado
poderá dar início ao processo da execução, e também, o impulso, até final, nos
termos do artigo 878 da CLT, sem, contudo, ocorrer ofensa ao princípio do juiz
imparcial. Ademais, o artigo 765 consolidado confere ampla liberdade ao
Magistrado na condução do processo, até mesmo por impulso ex officio.
A
discussão ou polêmica surge na seguinte hipótese: esgotada a possibilidade de
localização de bem em nome da pessoa jurídica, devedora no processo de
execução, visto que, expedido o mandado de citação, não houve o pagamento do
crédito do exeqüente e tampouco foi encontrado bem para penhora, pergunta-se: –
É possível recaia a penhora sobre bem do sócio?
A
primeira corrente bate-se pela afirmativa, principalmente com base no princípio
da proteção ao trabalhador hipossuficiente, que não permite que o risco da
atividade econômica seja transferido para o empregado. Referidos defensores
argumentam, ainda, que se trata de execução de crédito de natureza alimentar e
há fundamentação legal que permite a desconsideração da personalidade jurídica.
Convém esclarecer,
inicialmente, que não se trata de “desconstituição da pessoa jurídica ou a
despersonificação. Aliás, a despersonificação tem a finalidade de anular a
personalidade da pessoa jurídica”[23].
A medida visa à desconsideração, ou seja, “o Judiciário deverá ignorar a
pessoa jurídica”, partindo logo para a penhora dos bens dos sócios (pessoa
física ou jurídica), conforme conclui o estudo.
Esclarece o autor,
outrossim, que há diferença entre desconsideração da personalidade jurídica e
responsabilidade pessoal, em que os sócios, administradores e diretores
respondem “pelas dívidas da sociedade quando agem com excesso de poder ou
contrariam dispositivos legais, estatutários ou contratuais, pois de alguma
forma agiram de maneira ilícita e por isso são responsabilizados pessoalmente”.
Diante disso, o instituto (teoria da desconsideração) somente será aplicado “às
sociedades anônimas e às de responsabilidade limitada”.
No caso de firma
individual não há distinção patrimonial entre a sociedade e o indivíduo, “tendo
em vista ser o mesmo componente o próprio comerciante”[24].
A segunda corrente debate no sentido de que a
desconsideração da personalidade jurídica deve ser sempre a exceção, não a
regra geral. Os bens dos sócios somente podem ser objeto de execução nas
hipóteses de retiradas abusivas ou em prejuízo do capital social. Neste
sentido, a jurisprudência acrescentou as hipóteses de abuso de direito, excesso
de poder, fraude à execução, violação legal e insuficiência de capital social
para o desenvolvimento da atividade empresarial.
A terceira e última
corrente entende que é inadmissível aplicar a teoria da desconsideração da
pessoa jurídica, visto que os sócios não figuraram como parte na reclamação
trabalhista originária (fase de conhecimento) e, portanto, não foram condenados
naquele processo.
Nos tópicos seguintes
vamos analisar sucintamente as três posições, proporcionando um debate sobre o
assunto, ou seja, a aplicação da teoria da desconsideração e, principalmente,
buscando uma solução satisfatória para o impasse.
2. Da possibilidade da
penhora dos bens dos sócios
2.1 Fundamentação legal
na execução trabalhista
Em acórdão exarado em agravo de petição de que foi relatora[25], afirma a Juíza Olga
Aída Joaquim Gomieri que, “uma vez esgotados os bens da empresa, o
patrimônio dos sócios responde pelas dívidas da sociedade, conforme arts. 592 e
596 do CPC”.
O artigo 592, inciso II,
do Código de Processo Civil estabelece que os bens do sócio, nos termos da lei,
ficam sujeitos à execução. Ademais, o artigo 596 do mencionado dispositivo
legal afirma que referidos bens não respondem pelos débitos da sociedade, senão
nos casos previstos em lei.
Os dispositivos
mencionados fundamentam a responsabilidade legal substitutiva, em que o sócio “responde
subsidiariamente pelo débito trabalhista da empresa, na condição de executado”[26].
A responsabilidade legal
substitutiva é complementada pelos artigos 4º, § 3º, e 29 da Lei nº 6.830/80,
que possibilita a desconsideração da pessoa jurídica e a penhora dos bens
particulares dos sócios, sendo aplicada ao direito do trabalho, nos termos do
artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho. Referido dispositivo
trabalhista estabelece: “Aos trâmites e incidentes do processo da execução
são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os
preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial
da dívida ativa da Fazenda Pública Federal”.
A teoria da
desconsideração da personalidade jurídica foi introduzida no atual Código Civil
através de seu artigo 50. O direito comum é fonte subsidiária do direito do
trabalho, conforme previsão do artigo 8º, parágrafo único, da Consolidação das
Leis do Trabalho.
Entretanto, não há na
legislação trabalhista dispositivo que admita expressamente a teoria em apreço.
Assim, alguns operadores do direito afirmam que os dispositivos citados
anteriormente amparam tal aplicação, enquanto outros entendem que não, ou seja,
trata-se de construção jurisprudencial.
Sobre o assunto
esclarece Fábio Ulhoa Coelho[27]:
“De qualquer forma, é pacífico na doutrina e jurisprudência que a
desconsideração da personalidade jurídica não depende de qualquer alteração
legislativa para ser aplicada, na medida em que se trata de instrumento de
repressão a atos fraudulentos. Quer dizer, deixar de aplicá-la, a pretexto de
inexistência de dispositivo legal expresso, significaria o mesmo que amparar a
fraude”.
O dispositivo legal está
sendo elaborado pelo Congresso Nacional, conforme projeto de lei nº 4.696/98.
Por essa razão, o Tribunal Superior do Trabalho publicou recente provimento,
sob nº 01/06, estabelecendo os procedimentos a serem adotados quando o Juiz da
Execução entender pela aplicação da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica do executado, chamando os sócios a responder pela execução.
Referido provimento
adverte que alguns Magistrados, mesmo desconsiderando a pessoa jurídica,
chamando os sócios a responder pela execução, estão fornecendo a estes
certidões negativas na Justiça do Trabalho, prejudicando terceiros de boa-fé.
Os sócios executados, ao
se sentirem ameaçados em seu patrimônio pessoal, buscam desfazer-se de seus
bens, utilizando certidões negativas expedidas pela Justiça do Trabalho.
O Ministro Corregedor,
por ocasião do provimento, determina, em suma, caso ocorra desconsideração da
pessoa jurídica, a inclusão do nome do sócio da empregadora na execução
trabalhista (autuação) e nos demais registros, objetivando que se abstenha de
fornecer às referidas pessoas certidões negativas.
O Tribunal Regional do
Trabalho, 2º Região, já havia editado provimento GP/CR nº 10/2004, também com
intuito de resguardar direitos de terceiros, conforme reportagem sob o título
“Inclusão do nome do sócio da empregadora na execução trabalhista”, em seu
boletim periódico nº 20 (2005), do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães
e Terra.
2.2 Dos casos concretos
O Tribunal Regional do
Trabalho da 15º Região, localizado em Campinas, através de recentes decisões,
vem aplicando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
possibilitando a penhora sobre bens de sócio, esgotadas as possibilidades de
localização de bens em nome da pessoa jurídica (executada). Julgados desse
Tribunal determinam:
“PENHORA SOBRE BENS DE SÓCIO – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. Esgotadas as possibilidades de localização de bens em nome da pessoa
jurídica, a penhora recai sobre os bens dos sócios, porquanto o direito do
trabalho, regido pela filosofia de proteção ao hipossuficiente, não permite que
os riscos da atividade econômica sejam transferidos para o empregado.
Justifica-se esse procedimento pelo fenômeno da desconsideração da pessoa
jurídica, nos casos em que a empresa não oferece condições de solvabilidade de
seus compromissos, permitindo que o sócio seja responsabilizado pela satisfação
dos débitos, tendo em vista as obrigações pessoalmente assumidas em nome da
sociedade, posto ter sido este quem auferiu real proveito”[28].
“DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA – POSSIBILIDADE –
INSUFICIÊNCIA DE BENS – NATUREZA ALIMENTAR DO CRÉDITO – LEI 6.830/80.
Perfeitamente aplicável no Direito do Trabalho a Teoria da Desconsideração da
Pessoa Jurídica na fase da execução, quando amplamente provada nos autos a
inexistência de bens da executada suficientes para saldar o crédito do
exeqüente, de natureza eminentemente alimentar, e a qual encontra seu
embasamento legal na Lei nº 6.830/80”[29].
“DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA – POSSIBILIDADE –
INSUFICIÊNCIA DE BENS – NATUREZA ALIMENTAR DO CRÉDITO – LEI Nº 6.830/80.
Perfeitamente aplicável no Direito do Trabalho a Teoria da Desconsideração da
Pessoa Jurídica na fase de execução, quando amplamente provada nos autos a
inexistência de bens da executada suficientes para saldar o crédito do
exeqüente, de natureza eminentemente alimentar, e a qual encontra seu
embasamento legal na Lei n. 6.830/80”[30].
O Tribunal Superior do
Trabalho também vem admitindo a teoria em pauta, independentemente da
responsabilidade limitada do sócio prevista no Direito Comercial, pelos
seguintes fundamentos:
“RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – SÓCIO COTISTA – TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO
DA PESSOA JURÍDICA – ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES DA SOCIEDADE SEM QUITAÇÃO DO
PASSIVO LABORAL. Em sede de Direito do Trabalho, em que créditos trabalhistas
não podem ficar a descoberto, vem-se abrindo uma exceção ao princípio da
responsabilidade limitada do sócio, ao se aplicar a teoria da desconsideração
da personalidade jurídica (“disregard of legal entity”) para que o empregado
possa, verificando a insuficiência do patrimônio societário, sujeitar à
execução os bens dos sócios individualmente considerados, porém solidária e
ilimitadamente, até o pagamento integral dos créditos dos empregados, visando
impedir a consumação de fraudes e abusos de direito cometidos pela sociedade”[31].
“Não viola os incisos II, XXXV, XXXVI, LIV e LVII do art. 5º da
Constituição Federal a decisão que desconsidera a personalidade jurídica de
sociedade por cotas de responsabilidade limitada, ao constatar a insuficiência
do patrimônio societário e, concomitantemente, a dissolução irregular da
sociedade, decorrente de o sócio afastar-se apenas formalmente do quadro
societário, no afã de eximir-se do pagamento de débitos. A responsabilidade
patrimonial da sociedade pelas dívidas trabalhistas que contrair não exclui,
excepcionalmente, a responsabilidade patrimonial pessoal do sócio, solidária e
ilimitadamente, por dívida da sociedade, em caso de violação à lei, fraude,
falência, estado de insolvência ou, ainda, encerramento ou inatividade da
pessoa jurídica provocados por má administração. Incidência do art. 592, II, do
CPC, conjugado com o art. 10 do Decreto nº 3.7008, de 1919, bem assim o art. 28
da Lei nº 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor)”[32].
2.3 efetividade do
crédito trabalhista
Os
defensores da primeira corrente entendem que a teoria da desconsideração é
sempre aplicável ao direito do trabalho, diante da proteção ao trabalhador
hipossuficiente, da natureza alimentar da verba e do fato segundo o qual o
risco da atividade econômica é exclusivo do empregador.
Portanto, buscam obter o
recebimento rápido e eficaz da verba trabalhista objeto da sentença ou acordo,
ou seja, a prestação jurisdicional somente será efetiva e concreta com o
recebimento, pelo empregado, do que lhe é devido (crédito trabalhista).
Aplica-se o princípio básico da proteção
tutelar, que ampara o trabalhador (hipossuficiente),
diferentemente do direito civil, que pressupõe igualdade das partes. Assim: “in dubio pro operario”.
Diz Nelson Mannrich11: “A
intenção dos juízes é das melhores” e que a decisão que permite o uso de
patrimônio de sócio para pagar dívida de empresa encontra “suporte jurídico
para este comportamento na Justiça do Trabalho e é o pressuposto de que o
empregado contribuiu com o seu esforço para construir patrimônio da empresa e
automaticamente dos sócios”.
Aplica-se, portanto, a responsabilidade objetiva para determinar a
desconsideração da personalidade jurídica, independentemente de haver fraude ou
uso indevido da pessoa jurídica.
Basta, assim, a inexistência de bens em nome da empregadora (pessoa
jurídica), diante da proteção superprivilegiada do crédito alimentar.
3. A penhora dos bens
dos sócios como exceção
A segunda posição
defende que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser sempre a
exceção, não a regra.
Nas
sociedades anônimas e nas de responsabilidade limitada os bens dos sócios somente
podem ser objeto de execução nos casos de retiradas abusivas, ou em prejuízo do
capital social, ou pela parte do capital não integralizado, nos termos do
artigo 2º do Decreto nº 3.708/19. A jurisprudência, nesse sentido, acrescentou
as hipóteses de abuso de direito, excesso de poder, fraude à execução, violação
legal e insuficiência de capital social para o desenvolvimento da atividade
empresarial12.
Para a aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica é necessária a comprovação do mau uso
da pessoa jurídica, ausência de dissolução legal ou fraude no gerenciamento da
empresa; não basta a insolvência da sociedade. Não restando demonstrada a
má-fé, prevalece a limitação da responsabilidade dos sócios.
O doutrinador Amador
Paes de Almeida13 esclarece que a Justiça
admite a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade “quando os
administradores utilizam a pessoa jurídica, aparentemente na forma da lei, com
desvio de sua exata função: 1) uso abusivo da sociedade; 2) fraude, como
artifício para prejudicar terceiros, levados a efeito `dentro de presumida
legalidade’; 3) confusão patrimonial; 4) insuficiência do capital social `para
o exercício de sua atividade empresarial’.
Mesmo no caso de
sociedade anônima, somente é admitida a desconsideração da personalidade
jurídica quando presente prova de atuação dolosa ou culposa por parte dos
acionistas administradores, não servindo para caracterizar violação à lei,
capaz de autorizar a responsabilidade em questão, o descumprimento da
legislação trabalhista ou encerramento das atividades. No caso citado14, a sentença de primeiro grau foi
mantida, visto que o E. Tribunal entendeu incabível o redirecionamento da
execução.
O envolvimento e a
confusão patrimonial podem ser exemplificados por uma decisão recente,
proferida no âmbito civil, transitada em julgado, envolvendo a empresa falida
“Fazenda Reunidas Boi Gordo”, em que o Julgador reconheceu o “vínculo
econômico entre a Boi Gordo, outras três empresas e o proprietário”.
Segundo o advogado responsável pela ação declaratória, “o foco agora será ir
atrás de todas as coligadas”15.
A caracterização do dolo
ou culpa deverá ser feita pela demonstração de existência do abuso ou da
fraude. Aplica-se, portanto, a teoria da responsabilidade subjetiva, visto que o
“pressuposto fundamental da
desconsideração da personalidade, é o desvio da função da pessoa jurídica que
se constata na fraude e no abuso de direito relativo à autonomia patrimonial”.16
Alguns operadores do
direito entendem que o encerramento da atividade, a ausência de bem e a falta
de comunicação aos credores e à Junta Comercial configuram atos fraudulentos
contra credores, em que os fins sociais da lei são desrespeitados e, não sendo
admitida a desconsideração da personalidade jurídica, “premia-se a impunidade
daqueles que escamoteiam o controle e direção de sociedades empresariais para
auferir vantagem ilícita em detrimento da coletividade”17.
A jurisprudência
complementa: “Em casos de abuso de direito, excesso de poder, infração da
lei, fato ou ato ilícito e violação dos estatutos sociais ou contrato social, o
art. 28 da Lei nº 8.078/90 faculta ao Juiz responsabilizar ilimitadamente
qualquer dos sócios pelo cumprimento da dívida, ante a insuficiência do
patrimônio societário”18.
Evidente, ainda, que
ocorrerá a aplicação da teoria nos casos de simulação de transferência e
encerramento de atividade sem quitação do passivo laboral, quando já havia
inúmeras reclamações trabalhistas (fraude contra credores)19.
O encerramento da
atividade empresarial na tentativa de não efetuar o pagamento da obrigação
trabalhista ou, então, transferir os bens necessários da jurídica, sempre
buscando o inadimplemento contratual, são, para tal corrente, exemplos típicos
da possibilidade de desconsideração.
Sobre o assunto o
Tribunal de Alçada de São Paulo, em acórdão do Juiz Relator Maurício Ferreira
Leite, esclarece que o expediente só se admite como medida excepcional: “Necessidade de prova cabal e completa de que
a sociedade tenha sido constituída com finalidade manifestamente ilícita”20.
Segundo o Espaço
Jurídico Bovespa21, “o dano econômico
pode ser desastroso”, motivo pelo qual “é preciso analisar o que afeta a
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica de maneira ampla”.Entrevistando
Fábio Ulhoa Coelho, a reportagem esclarece que “o Juiz pode tomar a decisão que parece ser mais justa naquela situação,
mas pode ser extremamente injusta e ineficiente no contexto da economia de toda
a sociedade”.
Cabível aqui o provérbio
jurídico: “SUMMUM JUS, SUMMA INJURIA” (direito extremo, extrema injúria).
Em editorial sob o
título “Justiça Cega”, o jornal Folha de São Paulo22
comenta uma decisão criminal (progressão de regime nos crimes
hediondos), afirmando que “existem milhares de maneiras de cometer injustiça
sem quebrar uma única lei. Se o elemento humanitário não devesse ser sempre
observado, nem precisaríamos de juízes. Bastariam computadores aplicando
mecanicamente as normais legais”.
Por outro lado, segundo
o Desembargador José Renato Nalini, “a história não perdoará o juiz omisso
no cumprimento ético de seu dever. E a observância ética dos deveres do
julgador inclui preservar o Judiciário como alternativa eficaz de solucionar as
controvérsias humanas”23.
A jurisprudência
complementa: ‘Em sede de Direto do trabalho, em que os créditos trabalhistas
não podem ficar a descoberto, também vem-se abrindo uma exceção ao se aplicar a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard of legal entity)
para que o empregado possa, verificando a insuficiência do patrimônio
societário integralizado, sujeitar-se à execução os bens dos sócios
individualmente considerados, porém solidária e ilimitadamente, até o pagamento
integral do créditos dos empregados, evitando-se , dessa forma, que os sócios e
a pessoa jurídica se locupletem às custas do empregado, pois foram os sócios os
beneficiários diretos do resultado do trabalho do obreiro em sociedade”24.
Portanto,
excepcionalmente, o Juiz poderá aplicar o princípio da desconsideração da
personalidade jurídica. Deverá fazê-lo, todavia, de maneira prudente,
criteriosa e analítica, sempre com base nos princípios da legalidade,
proporcionalidade e razoabilidade. Comprovado o dolo ou a má fé, através do
desvio, fraude ou abuso, nada mais justo que ocorra tal desconsideração, beneficiando-se
assim o empregado lesado.
O então presidente do
Tribunal Superior do Trabalho, Vantuil Abdala, afirmou recentemente que “a
orientação hoje é para um uso cauteloso do instituto. O juiz não deve se deixar
levar pelo pedido do empregado que não encontrou bens da empresa. É preciso que
exista fundamento para responsabilizar os sócios”.
4. Impossibilidade da
penhora de bens dos sócios
A última posição bate-se
pela impossibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da pessoa
jurídica, argumentando principalmente que, por não haverem figurado como partes
na reclamação trabalhista originária (fase de conhecimento), os sócios não
sofreram qualquer condenação naquele processo. Cabível, então, o provérbio
jurídico “uma coisa feita entre uns não prejudica, nem beneficia, outros”,
retratado no artigo 472 do Código de Processo Civil, ou seja, “a sentença
faz coisa julgada às partes entre as quais é dada”.
A 2ª Câmara do extinto
1º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo concedeu a ordem de segurança,
estabelecendo a inaplicabilidade da teoria da desconsideração, por ofensa ao
artigo 20 do antigo Código Civil, que exige o devido processo legal25, nos seguintes termos: “A doutrina
da superação ou desconsideração da personalidade jurídica traz questão de alta
indagação exigente do devido processo legal para a expedição de um provimento
extravagante, que justifique invadir a barreira do art. 20 do CC. Não é
resultado que se alcance em simples despacho ordinatório da execução, do
arresto ou do mandado de segurança, todos de cognição superficial”.
O artigo 20 do antigo
Código Civil estabelecia o seguinte: “As pessoas jurídicas têm existência
distinta da dos seus membros”.
O Superior Tribunal de
Justiça admitiu, outrossim, o mandado de segurança “para cassar ato judicial
de arrecadação de bens em poder de terceiro, praticado em procedimento do qual
não foi parte”, visto que “não pode ser efetuada sem a declaração
judicial de ineficácia do ato, em ação revocatória ou noutra ação”26 .
Os demais defensores da
mencionada corrente argumentam, ainda, que o artigo 596 do Código de Processo
Civil proíbe penhora dos bens particulares dos sócios e que não há previsão
legal exigida por referido dispositivo. Aplica-se, portanto, ao caso vertente o
dispositivo legal do artigo 5º, II, da Constituição Federal.
O citado artigo da Lei
Processual estabelece: “Os bens particulares dos sócios não respondem pelas
dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo
pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens
da sociedade”.
A reportagem
anteriormente mencionada no Espaço Jurídico Bovespa (nº 21) noticiou que “números
de decisões judiciais que determinam uso de acionistas, cotistas e
administradores para quitar débitos corporativos aumenta e base jurídica que
deu origem a este tipo de procedimento é cada vez mais desprezada. Para obter
alguma proteção , empresas optam até por seguro”.
Aliás, não por outra
razão consultorias empresariais oferecem até mesmo serviços de “proteção patrimonial”.
A diferenciação do
patrimônio da pessoa jurídica e dos sócios é indispensável para a segurança e o
bom andamento da política comercial, pois, segundo os especialistas, “nenhum empresário vai dar início a um
negócio, se existir a ameaça de que, se incorrer em insucesso, poderá perder
todo o patrimônio de sua vida”27.
Complementa o autor da
frase acima, afirmando que, persistindo tal insegurança, surgem duas
possibilidades: a) o empresário não irá montar a empresa, o que é péssimo para
a economia; b) vai querer o retorno dos riscos, encarecendo os serviços e os
produtos.
Interessante destacar,
ainda, o seguinte julgado: “O direito tem
por escopo a estabilidade social e a Justiça; por função, a solução dos
conflitos. O primeiro não se cumpre quando ferido o princípio da razoabilidade
e a segunda falha quando, para resolver uma execução trabalhista, deixa de
tutelar a boa-fé”.28
Por fim, convém destacar
a súmula nº 205 do TST (cancelada pela resolução nº 121/03, DJ 21.11.03),
no sentido de que “o responsável solidário, integrante do grupo econômico,
que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não
consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo
na execução”.
5. Conclusão
A Justiça
do Trabalho foi uma das pioneiras no assunto, adotando a desconsideração da
pessoa jurídica em vários julgados. No Brasil, “a teoria foi introduzida por
Rubens Requião, numa conferência proferida na Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Paraná”29.
Segundo a revista que aborda o fato, a teoria surgiu pela primeira vez na
jurisprudência da Inglaterra, porém concretizou-se nos Estados Unidos.
Evidentemente que a
matéria não se encontra pacificada no âmbito da Justiça do Trabalho30, tratando-se de medida excepcional e
extrema, que depende de prova da má-fé, abuso, ilicitude, inidoneidade etc..
Trivial, outrossim, que,
para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
buscando uma decisão justa para o pagamento do crédito trabalhista de natureza
alimentar e superprivilegiado, será necessária a dilação probatória e a
obediência aos princípios do contraditório e da ampla defesa, nos termos do
artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal.
Após o transcurso dos
procedimentos legais (citação, indicação de bens, penhora etc.), poderá ser
adotada a medida por decisão fundamentada, sem esquecer que a execução será
feita pelo modo menos gravoso ao devedor (art. 620 do C.P.C.).
Cediço que o princípio do devido processo legal garante às partes
litigantes o direito de ação e de defesa, igualdade entre as partes,
publicidade dos atos processuais, contraditório e ampla defesa, fundamentação
das decisões judiciais etc.. O princípio é comentado com exatidão por José
Celso de Mello Filho.31
Trivial, ainda, que o
Juiz deverá analisar as provas e os objetivos de forma proporcional,
confrontando, portanto, os interesses dos litigantes, no caso em pauta,
principalmente os princípios da proteção tutelar (natureza alimentar) e o
devido processo legal.
Ademais, salvante melhor
juízo, não há que se falar em ofensa ao princípio do devido processo legal,
visto que o suposto prejudicado pela desconsideração da pessoa jurídica terá
oportunidade de produção de provas, por ocasião dos eventuais embargos e
eventual recurso (agravo de petição) para a defesa da suposta ilegalidade.
Convém lembrar ainda que, caso ocorra ofensa ao patrimônio ou direito líquido e
certo de terceiros, poderão os interessados utilizar outros meios de defesa,
como, por exemplo, os embargos de terceiro, cautelar, declaratória, correição
parcial ou o respectivo mandado de segurança.
Não há que se falar,
ainda, na falta de amparo legal para a aplicação da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica, levando-se em conta que há aplicação subsidiária do
direito comum existente na falta de dispositivo específico na Consolidação das
Leis do Trabalho, nos termos do artigo 8º, parágrafo único, c.c. o artigo 769,
ambos da C.L.T..
Trata-se de excelente
avanço jurisprudencial e doutrinário, consolidado pelo atual Código Civil (art.
50) e Código do Consumidor (art. 28), sempre na busca da efetividade
processual, celeridade, moralização do processo de execução e recebimento do
crédito alimentar. Segundo Rubens Requião32:
“a personalidade jurídica não constitui
um direito absoluto, mas está sujeita e contida pela teoria da fraude contra
credores e pela teoria do abuso de direito”, motivo pelo qual baseia-se,
para a aplicação da teoria da desconsideração, na fraude e no abuso
(responsabilidade subjetiva).[33]
Sobre o assunto
(ausência de legislação) convém destacar: “Não bastam apenas os dispositivos
legais, pois existem milhares de maneiras de cometer injustiça sem quebrar uma
única lei.” Reitere-se: “Se o elemento humanitário não devesse ser
sempre observado, nem precisaríamos de juízes. Bastariam computadores aplicando
mecanicamente as normais legais”, conforme reportagem da Folha de São
Paulo, citada anteriormente (nº 22).
A posição intermediária,
analisando todos os fundamentos e decisões anteriores, é a melhor solução para
o caso vertente, no sentido de permitir a desconsideração da personalidade
jurídica como exceção à regra, após a produção de todas as provas necessárias,
desde que demonstrados todos os artifícios, abusos e injustiças praticados pelo
devedor.
A primeira corrente, que
não permite a desconsideração, é retrógrada, pois não permite o avanço do
direito para acompanhar a modernidade. A terceira corrente, por outro lado, no
sentido de que é sempre possível desconsiderar a personalidade jurídica,
independentemente da comprovação de má-fé, é também radical e proporciona a
instabilidade jurídica, pois extrapola os princípios legais.
Em homenagem ao
princípio da razoabilidade, diante do trabalho realizado pelo empregado e não
recebimento do crédito alimentar, o correto é aplicar a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica como exceção à regra, buscando todas
as provas concretas dos abusos e injustiças, como, por exemplo, má-fé, dolo,
abuso ou confusão do patrimônio, proporcionando assim a mutação do direito e a
efetividade da Justiça.
O posicionamento adotado é prudente, cauteloso e
homenageia a finalidade processual da pacificação social, proporcionando
credibilidade ainda maior ao já festejado órgão especializado da Justiça do
Trabalho.
Notas:
[23] A
desconsideração da personalidade jurídica: limites para sua aplicação,
Alexandre Couto Silva, RT. 780/47.
[24] 2º TACivSP, 10ª Câm. Ap. 60069-0/3, rel.
Juiz Marcos Martins, v.u., 29.08.2001.
[25] Acórdão
1332-2003-111-15-00-2, TRT 15º região, agravo de petição, 6ª turma, 12ª câmara,
Juíza Relatora Olga Aida Joaquim Gomieri, sessão de 01/03/2005.
[26] Acórdão
00385-2002-032-15-00-8, TRT 15º região, agravo de petição em embargos de
terceiro, Juíza Relatora Fany Fajerstein, publicado em 04/06/2004.
[27] Curso de
Direito Comercial, volume 2, 8º edição, São Paulo, Saraiva, 2005, pág. 31.
[28] Acórdão
0044087-2004, TRT 15º região, agravo de petição, Juiz Relator Nildemar da Silva
Ramos, publicado em 19/11/2004.
[29] Acórdão
011594-2004, TRT 15º região, agravo de petição, Juíza Relatora Elency Pereira
Neves, publicado em 16/04/2004.
[30] Acórdão
036321-2003, TRT 15º região, agravo de petição, publicado em 21/11/2003, voto
não disponível diante do segredo de justiça.
[31] Decisão
545348-1999, TST, publicada em 27/03/2001, Relator Ministro Ronaldo José Lopes
Leal.
[32] Decisão
727179-2001, TST, publicada em 13/11/2001, Relator Ministro João Oreste
Dalazen.
11 Nelson
Mannrich, Professor de Direito do Trabalho da USP e Mackenzie, sócio do
Escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich & Aidar Advogados e Consultores
Legais.
12 Valentin
Carrion, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 30ª edição, Editora
Saraiva, pág. 736.
13 Os
direitos trabalhistas na falência e concordata do empregado, LTr 1996, pág.
105, citado na obra anterior.
14 Agravo de
petição nº 00192-2005-383-04-00-7, rel. Hugo Carlos Scheuermann, TRT 4º Região.
15 Fernando
Tardioli, Escritório Correia a Silva & Mendonça do Amaral Advogados, Folha
de São Paulo, caderno Dinheiro, página B 1, 08 de janeiro de 2006.
16 Apelação
cível nº 34710/05, Rel. Des. Jorge Luiz Habib, Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro.
17 Juan
Daniel Pereira Sobreiro, Juiz de Direito, processo nº 319/04, Comarca de
Ibaiti, Estado do Paraná.
18 Mandado de
segurança nº 478099/98, TST, relator Ministro João Oreste Dalazen.
19 Ação
rescisória nº 531319/99, TST, relator Ministro Ives Gandra Martins Filho.
20 1º
TACIVIL – 8ª Câm.- AI nº 869.588-4, v.u.).
21 www.bovespa.com.br, reportagem “Justiça
amplia uso de patrimônio de sócio para pagar dívidas de empresa”.
22 Folha de
São Paulo, 29 de novembro de 2005.
23 RT.
708/257, “A consciência moral do Juiz”, Desembargador José Renato Nalini.
24 Ação
rescisória nº 545348/99, TST, rel. Ministro Ronaldo Leal.
25 RT.
657/120, rel. Juiz Sena Rebouças.
26 RT. 725/147, rel. Min. Cláudio
Santos.
27 Fábio
Ulhoa Coelho, item 21.
28 AASP
2476, TRT 2º região, 7º turma, rel. Juíza Catia Lungov.
29 RT.
768/350 e 410/12.
30
Provimento 1/2006, Ministro Rider Nogueira de Brito, Corregedor-Geral da
Justiça do Trabalho, boletim AASP 2464.
31 A tutela judicial da liberdade, José Celso de Mello
Filho, RT. 526/291.
32 Curso de
Direito Comercial, 1º volume, Editora Saraiva, 1998, págs. 349 e 351.
[33] RT. 780/53.
Especialista em Direito Processual Civil, Professor de Direito do Trabalho das Faculdades Integradas de Ourinhos
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