O
objetivo deste artigo é tecer um breve comentário acerca da desconsideração da
pessoa jurídica por ato administrativo nas licitações, buscando entender a
finalidade deste instituto, e confrontando-o em face o princípio maior que rege
os atos da Administração Pública, qual seja o da legalidade.
Partimos
da definição e do histórico do instituto, principalmente no ordenamento
jurídico pátrio, onde a teoria da desconsideração da personalidade jurídica
consolidou-se como mecanismo de extrema utilidade na busca de soluções justas
para as questões comerciais.
Embora
carente de base normativa na legislação civil e comercial, essa teoria acabou
por inserir-se definitivamente no contexto no nosso sistema jurídico, em
especial na seara societária, por meio dos estudos doutrinários e aplicação
jurisprudencial.
No
Brasil, o pioneiro na abordagem do tema foi o ilustre professor Rubens Requião,
defendendo a compatibilização entre a disregard
doctrine como é intitulada e o direito brasileiro, sem que houvesse, em
nossa ordem jurídica, dispositivo legal expresso a respeito.
Foi o
Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90 – o primeiro texto legislativo,
no Brasil, a trazer expressa previsão sobre a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, repetida a novidade pela Lei 8.884/94 e a Lei 9.605/98.
Todavia,
as referidas normas são específicas, sendo que a previsão normativa genérica
acerca do tema surgiu com o Novo Código Civil, especificamente em seu artigo
50.
A
despeito da inexistência de outras previsões legais, mister se faz ressaltar
que o arcabouço de situações em que se faz necessária a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica não se limita a esses ramos do
direito.
É o caso,
por exemplo, do Direito Administrativo, onde a aplicação da teoria da
despersonalização da pessoa jurídica torna-se pertinente, sobretudo no que
tange à aplicação da penalidade de suspensão temporária de licitar e
impedimento de contratar com a Administração Pública, como também, da
declaração de inidoniedade para esses mesmos fins.
Isso
porque se tornou comum no país, empresários constituírem uma nova empresa com
os mesmos sócios e com o mesmo objeto social de uma anterior com o objetivo
maior de frustrar-se ao cumprimento de eventual sansão que tenha sido imposta pela
Administração.
Como
expediente de coibição, deve se estender a penalidade por via da
desconsideração da personalidade jurídica, às outras sociedades que tenham sido
criadas com esse fim. Desconsidera-se a personalidade jurídica da empresa
penalizada para identificar os sócios, imputando-os a penalidade como forma de
predominância da atuação do Estado na apuração de suas responsabilidades,
estendendo a sanção para a empresa constituída com fins espúrios. Ou, de outra
forma, desconsidera-se a autonomia de ambas as sociedades para identificá-las
como uma mesma empresa, penalizando assim o ente ulterior pela inexecução
contratual ou conduta inidônea da primeira empresa.
A
aplicação da teoria da desconsideração em tais casos, após devidamente
comprovada a intenção fraudulenta da empresa criada com o intuito de ludibriar
a Lei de licitações, se impõe, tendo em vista que diante de um abuso de direito
o Estado não pode permanecer na inércia, sob pena de conivência com essa triste
realidade e respectivo sacrifício do interesse público.
Ora,
inúmeras conseqüências surgem para o Estado em face da ação mal-intencionada
dessas pessoas, acarretando não só prejuízos aos cofres públicos, como também
uma prestação ineficiente do serviço público, numa total dissonância com o
princípio da eficiência consagrado em sede constitucional entre os princípios
regentes da Administração Pública.
Como
esperar eficiência na prestação de um serviço e atendimento das necessidades da
comunidade ao se celebrar um contrato com uma empresa maculada pela
inadimplência ou pela inidoneidade para contratar, constituída apenas para
frustar a aplicação da penalidade imposta num devido processo administrativo.
Além
disso, restariam olvidados os princípios da moralidade administrativa e da
razoabilidade caso o Poder Público contratasse com tais empresas criadas em
manifesto abuso de direito ou fraude a lei para a prestação de serviço público,
ou permitisse a continuidade da prestação.
A ofensa
ao princípio da moralidade administrativa consagrado no caput do art. 37 da
Constituição Federal é gritante, pois este princípio constitui pressuposto de
validade de todo ato da Administração, erigindo-se também como fator de
legalidade, sendo, portanto, imoral e ilegal a contratação de uma sociedade
empresária criada visando à utilização abusiva de sua personalidade jurídica.
Assim, ao
desconsiderar a personalidade jurídica conforme já mencionado, estará a
Administração coibindo a ação dessas pessoas, impedindo-as de licitar e
contratar com o ente público, visto que a pessoa jurídica inicialmente por elas
engendrada já estava proibida.
Agindo
desta forma, o Poder Público estar-se-á guiando pelo princípio da
razoabilidade, e em conformidade com a finalidade da lei e os princípios
vetores da Administração, e, portanto, fácil concluir que é possível e legítima
a aplicação da disregard doctrine no
campo das penalizações administrativas. Isso porque, com a previsão genérica da
teoria no art. 50 do novo Código Civil, estabeleceu-se uma regra geral de
conduta para todas as relações jurídicas travadas na sociedade, possibilitando
a correção das simulações e fraudes e outras situações em que o respeito à
forma societária levaria a soluções contrárias à sua função e aos princípios
consagrados pelo ordenamento jurídico.
Advogado em Curitiba/PR – Pós-graduando em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar
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