A edificação urbana à margem de rios e de outros reservatórios de água em face do código florestal

Sumário: 1 Introdução. 2 A Área Non Edificandi à Margem de Rios e de Outros Reservatórios de Água Segundo o Código Florestal. 2.1 Conceito de Área de Preservação Permanente. 3 Análise Teleológica das Alíneas a, b e c do Art. 2º do Código Florestal. 3.1 A Mata Ciliar e sua Importância Ecológica. 4 O Conflito de Competência Entre o Código Florestal e as Legislações Ambientais Municipais. 4.1 Competência Constitucional em Relação ao Meio Ambiente. 4.2 A Competência da União Para Estabelecer Normas Gerais. 4.2.1 O Interesse Local dos Municípios. 4.3 O Plano Diretor e as Alíneas a, b e c do Art. 2º do Código Florestal. 5. O Parágrafo Único do Art. 2º do Código Florestal. 6 O Desenvolvimento Econômico e a Proteção das Áreas Elencadas Pelas Alíneas a, b e c do Art. 2º do Código Florestal. 7 A Hermenêutica Jurídico-Ambiental. 8 Considerações Finais. 9 Referências.

Resumo: O objetivo deste estudo é analisar a aplicabilidade das alíneas do art. 2º Código Florestal, que trata da impossibilidade de edificar à margem de rios e de outros reservatórios de água até certo limite, em face de legislações municipais menos restritivas no que diz respeito ao estabelecimento das áreas de preservação permanente em zona urbana. Essa discussão ganha importância na medida que a cada dia um número maior de Municípios têm ignorado ou aplicado legislações divergentes em relação a esse assunto. O impasse entre esses dois tipos de legislação tem acontecido em todo o país, colocando mais uma vez em lados opostos empresários da construção civil e ambientalistas. Em cidades como o Recife, por exemplo, há muito tempo perdura essa dúvida sem que a Administração Pública tenha tomado uma posição definitiva. O tema será estudado de acordo com o critério de repartição de competências legislativas da Constituição Federal e com os princípios e diretrizes do Direito Ambiental.

Palavras-chave: Código Florestal; Área de Preservação Permanente; Zona Urbana.

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1 Introdução

Quando da edição do Código Florestal, ou Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, a percepção da matéria era muito mais patrimonialista do que ecológica. A proteção das florestas e demais formas de vegetação, que era o objetivo do Código Florestal, aparecia de uma maneira isolada, como se não tivesse relação com os outros elementos da natureza. Apesar disso, era uma legislação bastante avançada para a época.

Ao final da década de setenta e início da de oitenta é que uma legislação ambiental propriamente dita começou a surgir esparsamente tanto no Brasil quanto em outros países, em face do agravamento dos problemas ambientais no mundo inteiro. A legislação em cima do princípio da conservação dos recursos naturais em benefício das gerações futuras partiu da Declaração Universal do Meio Ambiente, que foi promulgada pela Organização das Nações Unidas em 1972. O esgotamento da água potável, o aquecimento do planeta, o buraco na camada de ozônio, os vazamentos de petróleo e a contaminação por resíduos industriais, além da explosão demográfica e do aceleramento do processo de industrialização, motivaram tal preocupação. A Constituição Federal de 1988 consagrou o meio ambiente como um direito essencial à vida e à qualidade de vida da coletividade e ampliou deveras o objeto do Código Florestal, fazendo com que a fauna, o ar e, especialmente, a água se tornassem foco direto de sua preocupação, o que por vezes impôs a necessidade de adaptar seu texto a essa nova realidade.

O Código Florestal não tem sido posto devidamente em prática, o que pode ser explicado pela tradição brasileira de aplicar determinadas leis e outras não e pela falta de consciência ambiental que à época predominava e que existe até hoje. Todavia, uma outra razão para tal fato é os conflitos entre o Código Florestal e as leis municipais, acentuados após a Constituição Federal de 1988 e a redistribuição da competência para proteger e para legislar sobre o meio ambiente.

O objetivo deste estudo é analisar a aplicabilidade do Código Florestal em face de legislações municipais no que diz respeito à edificação urbana à margem de rios e outros reservatórios de água, a exemplo de lagos, lagoas e nascentes, com o intuito de saber quais as normas aplicáveis. O impasse entre esses dois tipos de legislação tem acontecido em todo o país, colocando mais uma vez em lados opostos empresários da construção civil e ecologistas. Em vista da importância do meio ambiente, especialmente nas grandes cidades onde a qualidade de vida a cada dia piora, urge que o Poder Judiciário adote em definitivo a posição mais justa e melhor para a sociedade, pondo fim à discussão. Em cidades como o Recife, por exemplo, há muito tempo perdura essa dúvida sem que a Administração Pública tenha tomado uma posição definitiva.

No plano deste estudo será discutido a aplicabilidade o art. 2º do Código Florestal, especificamente nas alíneas a, b, e c, que tratam da impossibilidade de edificar à margem de rios e de outros reservatórios de água até certo limite, nos perímetros urbanos, entendendo-se por outros reservatórios de água os lagos, lagoas, nascentes e o que mais puder ser enquadrado no dispositivo em questão. Para isso será importante primeiramente destacar o conceito e a importância de área de preservação permanente e de mata ciliar, para em seguida ser feita a análise em face da competência delegada pela Constituição Federal e dos princípios de Direito Ambiental, destacando ainda o desenvolvimento econômico e a hermenêutica jurídico-ambiental. O plano diretor e o interesse local dos Municípios também serão objeto de estudo, a fim de que não reste dúvida quanto à legislação cabível, devendo-se destacar ainda o papel da doutrina, da jurisprudência e da legislação constitucional e ambiental. Cabe esclarecer que por motivos práticos ao longo deste trabalho a Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 será tratada apenas por Código Florestal.

2 A Area Non Edificandi à Margem de Rios e de Outros Reservatórios de Água Segundo o Código Florestal

Quando o Código Florestal estabeleceu em seu art. 1º que “As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem”, ele antecipou a um só tempo a noção de interesse difuso, que são os interesses que afetam a toda a sociedade indiscriminadamente, e o conceito constitucional de meio ambiente como bem de uso comum do povo[1]. O meio ambiente é emblemático como um interesse difuso e de bem comum de interesse do povo, já que é sabido que a Terra forma um único ecossistema, onde todos os elementos são relacionados e interdependentes, e que uma degradação aparentemente isolada abala significantemente a toda a cadeia natural.

Tal entendimento se faz presente na Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a obrigatoriedade da função social da propriedade (art. 5º, XXIII), implicando na obrigação de respeito à natureza quando de seu uso e exploração. Na verdade, é isso uma ampliação do capítulo do Código Civil anterior que tratava do direito de vizinhança, já que na modernidade esse conceito perdeu a significação restrita de contigüidade passando a abarcar toda a comunidade local, regional, nacional e, por vezes, internacional[2].

O Código Florestal proibiu a supressão de florestas e as demais formas de vegetação e a limitou a exploração econômica nos lugares referidos pelo art. 2º como área de preservação permanente. De acordo com Paulo Affonso Leme Machado[3], o dispositivo em comento pode ser dividido em dois grupos: o primeiro tem por objetivo proteger os recursos hídricos, estando contido nas alíneas a, b e c, e o objetivo do segundo é proteger o solo, conforme as alíneas d, e, f, g e h:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

1 – de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;

2 – de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura;

3 – de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

4 – de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

5 – de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais;

c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d’água”, qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura;

(…)

Ao objeto deste estudo interessa o primeiro grupo, que diz respeito à area non edificandi à margem de rios e de outros reservatórios de água, devendo esta conceituação abarcar as lagoas, lagos, nascentes e reservatórios de água de maneira geral. Antes de adentrar esse mérito é necessário deslindar o conceito, a razão e a finalidade da área de preservação permanente, posto que é sobre isso que versa o dispositivo em questão.

2.1 Conceito de Área de Preservação Permanente

Consiste a área de preservação permanente em localizações definidas pelo Código Florestal onde são proibidas as alterações antrópicas, ou seja, as interferências do homem sobre o meio ambiente, a exemplo de um desmatamento ou de uma construção. Qualquer modificação causada pelo homem nessas áreas, alterando ou suprimindo a cobertura vegetal, configura crime, já que os crimes contra as florestas e demais formas de vegetação estão tipificados nos arts. 38 à 53 da Lei de Crimes Ambientais (Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998). O direito de propriedade encontra limitação na obrigatoriedade de atender a função social, visto que o interesse da coletividade se sobrepõe ao de seus membros[4]. Obviamente, o interesse da coletividade tem sempre o objetivo de proteger o meio ambiente e de manter ou melhorar a qualidade de vida. O direito de gozo e usufruto é afetado em parte, pois nessas áreas é possível somente praticar atividades de laser e comer os frutos de árvores.

São dois os tipos de área de preservação permanente: as legais, que são as áreas taxativamente previstas pelo art. 2º do Código Florestal, e as administrativas, que são as áreas criadas por ato do Poder Público municipal, estadual ou federal quando houver necessidade, e que encontram guarida para a sua criação no art. 3º dessa[5]. Estas são criadas a critério da Administração Pública e podem por ser suprimidas total ou parcialmente em caso de “utilidade pública ou relevante interesse social” (art. 4º do Código Florestal), ao passo que aquelas existem ex vi legis e têm existência imperativa, devendo sua supressão ou alteração ocorrer por força de lei[6]. Tendo em vista o objeto deste estudo, que são as áreas automaticamente de preservação permanente, somente terá relevância o art. 2º, especificamente em suas alíneas a, b e c.

Ao criar o conceito de área de preservação permanente o legislador quis resguardar diretamente a flora, a fauna, os recursos hídricos e os valores estéticos, de maneira a garantir o equilíbrio do meio ambiente e a conseqüente manutenção da vida humana e da qualidade de vida do homem em sociedade, deixando determinadas áreas a salvo do desenvolvimento econômico e da degradação, posto que as florestas e demais formas de vegetação guardam íntima relação com os elementos naturais citados. Tais valores justificam à exaustão o ônus social que recai sobre o direito de propriedade, já que a soma de um certo número de degradações ambientais pode colocar em cheque o futuro do ser humano e do planeta inteiro pelo fato de as ações contra a natureza terem os seus efeitos multiplicados ao invés de somados de maneira que o dano ambiental é sumamente perigoso[7].

3 Análise Teleológica das Alíneas a, b e c do Art. 2º do Código Florestal

A expressão “as florestas e demais formas de vegetação natural” utilizada pelo legislador no dispositivo em questão, além da própria denominação de Código Florestal, abriu margem a uma longa discussão doutrinária. A interpretação literal do adjetivo ‘florestal’ serve de argumento aos que defendem a aplicabilidade do Código Florestal somente para as áreas cobertas por florestas e demais tipos de vegetação independentemente de ser zona rural ou urbana[8]. De todo modo, deve-se entender floresta como uma área de cobertura florestal com espécies predominantemente nativas cujo objetivo é o uso múltiplo e sustentável dos recursos florestais e da pesquisa científica[9].

Contudo, existe um entendimento diferente, que destaca os recursos hídricos como o principal bem resguardado no dispositivo em questão, implicando na proteção desse tipo de área de preservação permanente ainda que não haja qualquer tipo de vegetação, inclusive porque a Administração Pública tem a obrigação de reflorestar ou de arborizar as áreas de preservação permanente elencadas pelo art. 2° do Código Florestal[10]. Sendo enorme a possibilidade assoreamento, enchente, desabamento, poluição e outros tipos de degradação ambiental caso as plantações, construções e outras alterações antrópicas sejam feitas à margem de rios e de outros reservatórios de água, não se pode admitir que uma interpretação restritiva coloque em risco a vida e a qualidade de vida da população[11].

É sabido que a supressão de uma floresta ou de um outro tipo de vegetação refletirá de imediato em outros elementos da cadeia natural, e exemplo da fauna, do solo e da água, além de afetar os indissociáveis aspectos lúdicos, históricos, estéticos, científicos e culturais. Sendo o meio ambiente a matéria onde as ciências naturais, exatas e humanas e sociais se encontram, interpretações restritivas não podem ser acolhidas sem investigação mais aprofundada, já que até ramos da ciência, como a física moderna[12], comprovam que o universo é uma teia de relações onde todas as partes estão interligadas. De qualquer forma, com a publicação da Medida Provisória de nº 2.166-67, de 25 de agosto de 2001, a qual ainda não foi transformada em Lei e que acrescentou o inciso II do § 2º ao art. 1º do Código Florestal, consagrou-se o entendimento de que a área de preservação permanente independe da existência de vegetação, passando o Código Florestal a prever expressamente a proteção legal no caso dos arts. 2° e 3° a despeito de a área ser coberta ou não por vegetação.

Portanto, a finalidade das alíneas a, b e c do art. 2° do Código Florestal é proteger a mata ciliar através da classificação das margens dos rios e de outros reservatórios de água como área de preservação permanente, de maneira que os recursos hídricos são por conseqüência protegidos. Em vista disso, é importante saber o conceito e o porquê de a mata ciliar ter recebido tamanha atenção do legislador.

3.1 A Mata Ciliar e sua Importância Ecológica

A mata ciliar é uma vegetação formada por um conjunto de árvores, arbustos, cipós, raízes e flores que é encontrada às margens dos cursos de água dos rios, lagos, lagoas e nascentes, perenes ou não, se localizando exatamente nos limites delimitados pelas alíneas a, b e c do art. 2º do Código Florestal. A mata ciliar é a vegetação arbórea que se desenvolve ao longo das margens dos rios e ao redor de nascentes, lagos, lagoas e reservatórios, beneficiando-se da umidade ali existente, sendo também conhecida como mata aluvial, de galeria, ripária ou marginal[13].

A importância da mata ciliar para o equilíbrio ambiental é imensa, já que ela contribui para a manutenção e qualidade dos recursos hídricos e funciona como um corredor úmido entre as áreas agrícolas, auxiliando a vida silvestre[14]. A expressão mata ciliar surgiu por causa da semelhança entre a função dessa vegetação e a dos cílios humanos, pois da mesma maneira que os cílios protegem os olhos das impurezas do ar, a mata ciliar serve para depurar a água por meio da eliminação de agrotóxicos, pesticidas, resíduos químicos e outros tipos de sujeira despejadas nos rios e em outros reservatórios de água[15].

A outra função da mata ciliar é auxiliar na fixação do solo por meio de suas inúmeras raízes, diminuindo o impacto das chuvas e fazendo com que rios, lagos, lagoas e nascentes fiquem protegidos das inundações. Ou seja, essa vegetação direciona a água diretamente para o solo e não para o curso ou o leito da água, evitando os desmoronamentos em época de chuva que anualmente acontecem. Além do mais, a mata ciliar também contribui para a sobrevivência e manutenção do fluxo gênico entre espécies animais e vegetais que habitam as faixas ciliares, ou mesmo fragmentos florestais maiores por elas conectados.

Nos bairros centrais de grandes cidades é onde mais acontece a supressão da mata ciliar, visto serem essas as áreas mais cobiçadas pela especulação imobiliária e pelas atividades econômicas de uma maneira geral. Quanto aos efeitos da supressão da mata ciliar, eles se fazem sentir na qualidade da água consumida pelos moradores dos subúrbios, já que a não existência da mata ciliar provoca um aumento significativo do percentual de impureza da água consumida, devendo-se lembrar que tais moradores dispõem apenas dessa água para o consumo, para o banho, para a cozinha e para o asseio pessoal. No subúrbio também ocorre maior número de enchentes e desabamentos, em vista da falta de infra-estrutura.

Assim, a conservação da mata ciliar é indispensável à vida e à qualidade de vida da população de uma maneira geral, especialmente no que diz respeito à população mais pobre. Nesse ponto cabe destacar a atuação do Ministério Público e das organizações não governamentais de cunho ambientalista no intuito de tentar garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado conforme assegurado pelo art. 225 da Constituição Federal.

4 O Conflito de Competência Entre o Código Florestal e as Legislações Ambientais Municipais

É sabido que as alíneas a, b e c do art. 2º do Código Florestal, delimitaram uma area non edificandi à margem de rios e de outros reservatórios de água no intuito de proteger a mata ciliar e os recursos naturais a esta relacionados, não podendo essas áreas de proteção permanente sofrer nenhum tipo de alteração antrópica. Apesar disso, determinados Municípios têm editado legislações ambientais estabelecendo uma area non edificandi menos restritiva que a do Código Florestal, o que gera inúmeras controvérsias. Na prática não há consenso sobre se a competência para legislar sobre área de preservação permanente em perímetro urbano pertence aos Municípios ou a União.

Com a Constituição Federal de 1988 os Municípios passaram a ter competência expressa para legislar sobre o meio ambiente, e também passaram a compartilhar com a União, os Estados e o Distrito Federal da competência para proteger o meio ambiente. Essa evolução fez com que determinados Municípios, a exemplo de Joinville/SC e Vitória/ES, editassem de logo seus Códigos Municipais do Meio Ambiente. Essas e outras inovações constitucionais, como a da política de desenvolvimento urbano, que passou a ser também de competência dos Municípios, certamente reforçaram o impasse que já havia sobre a aplicabilidade ou não dos limites estabelecidos para as áreas de preservação permanente estabelecidos pelo Código Florestal.

Um exemplo emblemático desse conflito de legislações é o caso do Recife, em Pernambuco, onde o Município editou a Lei nº 16.176/96, ou Lei Municipal de Uso e Ocupação do Solo do Município do Recife, e a Lei nº 16.286/97, ou Lei de Parcelamento do Solo do Município do Recife, que estabeleceram respectivamente uma dimensão menor para a área de preservação permanente do que aquela prescrita pelo art. 2° do Código Florestal no caso das alíneas a, b e c:

Art. 98. São considerados, ainda, non edificandi todas as margens de rios e canais existentes no Município, compreendidas entre os perímetros molhados em maré alta, em ambos os lados de rios e canais, e a linha paralela a estes perímetros distante 20m (vinte metros) dos mesmos, bem como a faixa de 50m (cinqüenta metros) distante dos perímetros molhados nos entornos das margens de lagos e açudes, conforme vier a ser disciplinadas pelos órgãos competentes na forma prevista em lei.

Art. 49. São faixas non edificandi para os fins desta Lei:

II – os terrenos localizados nas margens de rios e canais numa faixa de 20,00m (vinte metros) de largura, compreendidos entre o perímetro molhado em maré alta e a paralela a este.

No Recife, o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal fizeram uma recomendação em conjunto para que o Poder Público municipal aplicasse para a margem de rios e de outros reservatórios de água os limites estabelecidos pelo Código Florestal. Em agosto de 2002 a Prefeitura do Recife suspendeu as licenças de construção de edifícios que invadissem a citada margem e criou um grupo interdisciplinar com o objetivo estudar o assunto para posteriormente tomar uma posição definitiva, mas até hoje não se chegou a nenhuma decisão.

Em Municípios como Curitiba, no Paraná, e outros dúvida semelhante tem ocorrido e as divergências continuam sendo suscitadas. Entretanto, uma leitura acurada do Texto Constitucional certamente permite o esclarecimento do impasse, visto que atribui ao ente federativo correta a competência para estabelecer a area non edificandi à margem de rios e outros reservatórios de água dentro da municipalidade.

4.1 Competência Constitucional em Relação ao Meio Ambiente

A Constituição Federal de 1988 estabelece dois tipos diferentes de competência com relação à atuação de cada ente estatal em matéria ambiental: a competência para proteger o meio ambiente e a competência para legislar sobre o meio ambiente. A competência para proteger o meio ambiente é comum a todos os entes federativos, que juntos devem promover as ações administrativas adequadas aos problemas ambientais[16]. Realmente, nenhuma esfera de poder pode se eximir de sua atribuição de zelar pela natureza como dispõe o art. 23, VI e VII do Texto Constitucional.

Já a competência para legislar sobre o meio ambiente, que é o que interessa ao presente estudo de conflito entre legislações, é concorrente, o que implica que as normas editadas pela União devem ser complementadas pelos Estados e pelo Distrito Federal, restando aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse exclusivamente local de maneira a respeitar as legislações federal e estadual. Os Estados e o Distrito Federal podem editar normas gerais em matéria ambiental se a lei federal for omissa, podendo ocorrer o mesmo com os Municípios se inexistir norma geral federal ou estadual sobre o mesmo tema, assim como prevê o art. 24, I, VI e VII e o art. 30, I e II.

Com relação à aplicabilidade das alíneas a, b e c do art. 2° do Código Florestal, vale dizer que a competência para legislar sobre meio ambiente é concorrente, o que implica que “o Município, na sua legislação, terá que observar as normas gerais válidas da União e dos Estados; estes terão de observar, não podendo contrariar, as normas gerais dirigidas aos particulares, da União” [17]. Por esse raciocínio, em matéria ambiental a legislação municipal e a estadual não podem ir de encontro à lei federal, que no caso em questão é o Código Florestal. Esse foi o entendimento do Desembargador Lineu Peinado, do Tribunal de Justiça de São Paulo, quando Relator da Apelação Cível de nº 078.471.5/2-00, que foi julgada em 8 de junho de 1999:

Mandado de Segurança – Legislação Ambiental – Tratando-se de legislação de proteção ao meio ambiente, não pode a lei municipal abrandar as exigências da lei federal. Interpretação do art. 2º, da lei nº 4.771/65 – Recurso improvido.

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça na oportunidade que teve de se pronunciar sobre o tema no Recurso Especial nº 29.299-6-RS, no dia 28 de setembro de 1994, sob a relatoria do Ministro Demócrito Ramos Reinaldo, também demonstrou entendimento semelhante:

I – Atribuindo a Constituição Federal, a competência comum à União, aos Estados e aos Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer uma de suas formas, cabe, aos Municípios, legislar supletivamente sobre a proteção ambiental, na esfera do interesse estritamente local.

II – A legislação municipal, contudo, deve se constringir a atender às características próprias do território em que as questões ambientais, por suas particularidades, não contém com o disciplinamento consignado na lei federal ou estadual. A legislação supletiva, como é cediço, não pode ineficacizar os efeitos da lei que pretende suplementar.

(…)

V – Recurso conhecido e improvido. Decisão indiscrepante.

Sendo assim, não merecem acolhida os dispositivos da Lei nº 16.176/96, ou Lei Municipal de Uso e Ocupação do Solo do Município do Recife, e da Lei nº 16.286/97, ou Lei de Parcelamento do Solo do Município do Recife, posto que ambas desrespeitam a hierarquia normativa ao não obedecerem os limites estabelecidos na lei federal competente.

4.2 A Competência da União Para Estabelecer Normas Gerais

As Leis que colidirem com os limites de area non edificandi estabelecidos pelo art. 2º do Código Florestal, a exemplo das editadas no Recife e em outros Municípios, são questionáveis do ponto de vista constitucional, visto que o art. 2º do Código Florestal disciplina o assunto de uma maneira bastante específica. A dúvida sobre a capacidade da União de estabelecer apenas normas gerais, o que está disciplinado pelo art. 24, § 1º da Constituição Federal, torna-se imprescindível uma interpretação adequada da expressão “normas gerais”.

Primeiramente é importante recordar que a legislação ambiental nasceu para ser o instrumento jurídico de a preservação e defesa do meio ambiente[18]. Dessa maneira, é permitido à União em matéria ambiental legislar pormenorizadamente sobre determinado assunto como se estivesse tratando de uma norma geral, porque essa é uma prerrogativa do Direito Ambiental. Trata-se de um modo direto de evitar que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios facilitem a devastação ao legislarem sobre o meio ambiente de uma maneira branda, o que encontra fundamentação no princípio da precaução, segundo o qual qualquer empreendimento ou atividade não deve ser permitido se houver dúvida sobre o seu potencial degradador[19]. Adota-se em matéria ambiental o princípio da precaução porque o dano ao meio ambiente possui difícil ou lenta recuperação, ou por vezes nem pode ser recuperado, devendo-se primar antes de tudo pela sua prevenção. Esse princípio está elencado no art. 2º da Lei nº 6.938/81 e no art. 225, I da Constituição Federal.

A expressão ‘normas gerais’ adquire um sentido diferenciado com relação à matérias de interesse coletivo, dentre as quais emblematicamente se encontra o meio ambiente. Considera-se normas gerais aquelas que dizem respeito a interesses gerais não importando a minuciosidade a que possam chegar, tendo-se como norma geral inclusive a própria Constituição Federal quando no art. 225, § 4º dispõe diretamente sobre Floresta Amazônica Brasileira, a Serra do Mar, a Mata Atlântica, o Pantanal e a Zona Costeira. Na verdade, a proteção ao meio ambiente recomenda a elaboração de normas específicas e detalhadas, destinadas a regulamentar o assunto em âmbito nacional[20].

Ao ressaltar o interesse coletivo independentemente do grau de especificidade de uma norma ambiental, o legislador federal diferencia norma geral de norma genérica no intuito de impedir que uma legislação ambiental possa legitimar uma degradação, o que seria um completo contra-senso. Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça do Paraná quando se pronunciou sobre a matéria no Acórdão nº 15.278 – 3 proferido pela 3 ª Câmara Cível, que julgou o Agravo de Instrumento de nº 65.302-7 com relação à aplicabilidade das alíneas a, b e c do Código Florestal nos perímetros urbanos:

Assim, estão dirimidas quaisquer dúvidas sobre a aplicação do Código Florestal nas áreas urbanas, posto que a União, nos limites da sua competência, estabeleceu como norma geral a ser indistintamente aplicada por todos os Estados da Federação e seus Municípios, independentemente de estarem localizados em áreas rurais ou urbanas, as metragens especificadas nas alíneas do artigo 2º da Lei 4.771/65.

Não pode o município de Curitiba editar lei que estabeleça normas menos rígidas que aquela estabelecidas por leis federais ou estaduais, sob a alegação de que estariam legislando sobre assuntos de interesse local – artigo 30, I, da Constituição Federal.

4.2.1 O Interesse Local dos Municípios

É preciso saber se as alíneas a, b e c do art. 2º do Código Florestal invadiram a competência dos Municípios de legislarem sobre assuntos de interesse local em se tratando de matéria ambiental, nos moldes do que reza o art. 30, I da Constituição Federal, pois se a supressão da mata ciliar for um assunto de interesse estritamente local deve por isso ser regida apenas pela legislação municipal. Contudo, inexiste consenso com relação ao conceito e abrangência da expressão ‘assuntos de interesse local’, de maneira que essa indefinição pode gerar a perplexidade ao promover situações ambíguas nas quais se misturam interesses locais e interesses regionais[21].

Se já é difícil definir o que é um interesse meramente local, em se tratando de matéria ambiental essa delimitação se torna praticamente impossível, visto que uma das principais características do dano ambiental é a sua não restrição a um determinado espaço ou território. No caso da supressão da mata ciliar é provável que seu efeito seja sentido em outras localidades, especialmente se vários Municípios de uma mesma região fizerem isso. Um exemplo emblemático disso é o Rio São Francisco que se encontra assoreado e poluído por causa da supressão da mata ciliar para fins de agricultura ou de pecuária, necessitando por causa disso de um tratamento urgente de recuperação.

Além do mais, seria um contra-senso que o interesse local de um Município se confrontasse com o interesse de toda uma coletividade, revelado na manutenção da vida e da qualidade de vida decorrentes do equilíbrio dos ecossistemas. Logo, é descabido dizer que as alíneas a, b e c do art. 2º do Código Florestal intervieram em um interesse local de determinado Município. Mas, independentemente disso, a Constituição Federal já reconhece que dentro da hierarquia normativa essa competência pertence indiscutivelmente à lei federal, que no caso é o Código Florestal.

4.3 O Plano Diretor e as Alíneas a, b e c do Art. 2º do Código Florestal

É sabido que o plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, e que a propriedade urbana cumpre a sua função social quando atende as exigências previstas nele, conforme o art. 182 da Constituição Federal. É necessário saber se o plano diretor pode ir de encontro ao que dispõe o Código Florestal e estabelecer uma margem menor para as áreas de preservação permanente, de maneira a se sobrepor perante uma lei federal.

A finalidade do plano diretor municipal é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade sobre o bem-estar dos habitantes, o que leva a conclusão de que esse instrumento não pode legitimar eventuais degradações, já que o próprio direito urbanístico tem como objetivo a proteção ao meio ambiente, o desenvolvimento local e a justiça social[22]. Além do mais, pela leitura do art. 23 da Carta Magna, a preservação do meio ambiente deve necessariamente constar em cada plano diretor. Em essência, a autonomia municipal não pode prevalecer sobre comandos e princípios que a própria Constituição Federal consagra nos arts. 225 e 170, VI. Seria um contra-senso que o plano diretor, que deveria promover o bem da coletividade, legitimasse uma degradação, ainda mais quando existe uma norma que lhe é hierarquicamente superior.

5 O Parágrafo Único do Art. 2º do Código Florestal

A discussão acerca da aplicabilidade ou não das alíneas a, b e c do art. 2º do Código Florestal, ou Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, encontra resposta no parágrafo único do mesmo dispositivo, que não deixa dúvida quanto ao fato de que os planos diretores e legislações municipais de uso do solo de uma maneira geral devem obedecer aos limites da legislação federal, a despeito das críticas de que o legislador teria usado um critério de pouca eficiência na determinação de áreas de preservação permanente relativas à largura do corpo de água[23].

Por meio da Lei nº 7.803, de 20 de julho de 1989, o legislador federal acrescentou ao art. 2º do Código Florestal um parágrafo único dispondo expressamente sobre a aplicabilidade desse dispositivo em perímetros urbanos. Embora esse já fosse o sentido da legislação anterior, o parágrafo único determinou expressamente que nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas aglomerações urbanas e regiões metropolitanas em todo território abrangido devem ser observados os dispostos nos Planos Diretores e leis de uso de solo, respeitados os limites a que se refere o artigo em questão.

6 O Desenvolvimento Econômico e a Proteção das Áreas Elencadas Pelas Alíneas a, b e c do Art. 2º do Código Florestal

Quando se fala em proteção ao meio ambiente a questão do desenvolvimento econômico é sempre levantada, visto que muitas vezes a proteção à natureza é vista como um entrave à abertura e desenvolvimento de negócios. No caso da aplicabilidade das alíneas a, b e c do art. 2º do Código Florestal em perímetros urbanos, estima-se que isso acarretaria desempregos nos setores de serviço e da construção civil, posto que o pensamento de que não faz sentido preservar a natureza enquanto houver pessoas passando fome ou desempregadas ainda encontra muitos defensores[24].

Entretanto, essa visão não se coaduna como o conceito de desenvolvimento sustentável adotado pelo art. 225 da Constituição Federal, segundo o qual o interesse das gerações futuras deve ser protegido em face das atividades significativamente degradadoras desenvolvidas no presente. O objetivo disso é fazer com que ”as gerações futuras possam encontrar recursos naturais utilizáveis, que não tenham sido esgotados, corrompidos ou poluídos pelas gerações presentes”[25]. Tal política de desenvolvimento procura aliar a proteção ambiental, o desenvolvimento social e a eficiência econômica, e pode ser traduzida como a promoção da harmonia dos seres humanos entre si e dos seres humanos em relação à natureza, ou como a melhora da qualidade de vida humana dentro dos limites de capacidade dos ecossistemas[26].

A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, foi a primeira no Brasil a tipificar o conceito de desenvolvimento sustentável ao dispor em seu art. 4º que a Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. Mais tarde, a Constituição Federal de 1988 consagrou em definitivo a defesa do meio ambiente, tornando-a inclusive uma limitação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, transformando o Brasil em uma democracia econômica e social ao reconhecer no art. 170 a defesa do meio ambiente como um princípio da ordem econômica[27].

O desenvolvimento econômico a qualquer custo não é mais importante que a vida e a qualidade de vida das pessoas, pois o planeta tem suas limitações ecológicas[28]. Não é possível suprimir a mata ciliar, protegida pelas alíneas a, b e c do art. 2º do Código Florestal, por causa do crescimento do setores como o da construção civil ou o de serviços.  Além do mais, a evolução das tecnologias e do consumo de produtos verdes em todo o mundo demonstra que o desenvolvimento sustentável não é somente uma necessidade, mas também uma possibilidade bastante palpável para a realização de bons negócios e para a harmonização da política de meio ambiente com a política de emprego[29]. Rodrigo Andreotti Musetti finaliza com propriedade sobre o tema que de nada “adiantaria ao empregador chegar em casa com seu salário no bolso e seu emprego garantido e ver seu filho com anomalias, não ter água potável para tomar ou assistir o sofrimento de sua mulher com câncer de pulmão, etc., devido à poluição da fábrica onde ele trabalha”[30].

7 A Hermenêutica Jurídico-Ambiental

Caso duas normas em matéria ambiental estejam em conflito prevalecerá a que for mais benéfica em relação à natureza, posto que no Direito Ambiental vigora o princípio in dubio pro nature[31]. Trata-se de uma outra manifestação do princípio da prevenção que, por defender que o mais importante é impedir que o dano ambiental aconteça, entende que a legislação ambiental mais preservacionista deve ser a acolhida porque essa é uma maneira de evitar possíveis degradações. A finalidade do Direito, que é a de promover a dignidade da pessoa humana e a paz social, no Direito Ambiental é traduzida como a proteção ao meio ambiente e, por conseqüência, à vida e à qualidade de vida. Isso justifica a adoção do princípio in dubio pro nature[32].

Dentro desse raciocínio, no caso da edificação urbana à margem de rios e de outros reservatórios de água, a legislação a ser aplicada são as alíneas a, b e c do art. 2º do Código Florestal, que melhor revelam o caráter protetivo do Direto Ambiental. De qualquer forma, nessa matéria têm os Municípios a liberdade para editar normas mais severas, aumentando os limites das áreas de preservação permanentes previstos pelo art. 2º do Código Florestal. A simples aplicação desse princípio solucionaria de uma vez por todas o conflito de normas discutido neste estudo.

8 Considerações Finais

A discussão acerca da edificação urbana e do conflito de leis entre legislações municipais e o Código Florestal, que em suas alíneas a, b e c do art. 2º dispõem sobre a proteção à margens dos rios e de outros reservatórios de água, in casu lagoas, lagos e nascentes, é importante porque pode afetar a qualidade de vida da população de uma maneira geral e, de uma maneira mais direta, da população pobre. O Código Florestal considera como de preservação permanente áreas que certos Municípios ignoram por acreditarem que tal lei não seria aplicada nos perímetros urbanos, embora a vegetação encontrada nessas localizações seja a mata ciliar cuja relevância é imensa para a conservação dos recursos hídricos e dos outros bens ambientais.

Todavia, um exame mais acurado da Constituição Federal revela que o Código Florestal é a lei que deve ser aplicada, pois a competência para legislar sobre o meio ambiente é concorrente e pressupõe uma hierarquia normativa a partir da esfera federal, que tem de ser seguida pelos Municípios, que só poderiam legislar livremente se não houvesse lei federal (ou estadual) sobre o assunto. Os Municípios tem de legislar em inteira conformidade com a lei federal porque, assim como o plano diretor, o interesse local dos Municípios não pode se sobrepor ao interesse da coletividade nem aos comandos e princípios consagrados pela Constituição Federal. Uma leitura atenta do parágrafo único do art. 2º do Código Florestal deslindaria a questão, já que nele está expressamente prescrita a aplicação do dispositivo às áreas urbanas. De acordo com o art. 170 da Carta Magna o desenvolvimento econômico deve respeitar o meio ambiente, não podendo a geração de empregos e a circulação de renda justificar a não aplicação das alíneas a, b e c do art. 2º do Código Florestal.

De qualquer maneira, o princípio in dubio pro nature, que é derivado do princípio da prevenção, encerra a questão ao dispor que em caso de conflito de legislações será acolhida a mais eficaz na proteção ao meio ambiente. Sendo assim, a lei a ser aplicada com relação à delimitação das áreas de proteção permanente à margem de rios e de outros reservatórios de águas, como lagoas, lagos e nascentes, é o Código Florestal, ou Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, em suas alíneas a, b e c. Os dispositivos das leis municipais que diminuírem as áreas de proteção estabelecidas são inconstitucionais porque não observaram a competência fixada na Constituição Federal de 1988 e não devem ser observados. Esse é o norteamento que se coaduna com a doutrina, os princípios e, principalmente, com a finalidade do direito ambiental: a conservação e o uso racional do meio ambiente.

Por fim, é preciso destacar que mais do que leis e princípios jurídicos, o que está sendo discutido neste trabalho é a vida, já que o meio ambiente equilibrado é um pressuposto à continuidade da vida. Em um planeta onde a degradação atingiu tamanha proporção, urge resguardar cada vez mais a espaçonave terrestre e, por conseqüência, todos os seus passageiros.

 

Referências
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Notas:
[1] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 9ª ed. São Paulo: a Malheiros, 2001, p. 676.
[2] TAVARES, José de Farias. O Código Civil e a nova Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 110/112.
[3] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 9ª ed. São Paulo: a Malheiros, 2001, p. 701.
[4] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 218.
[5] ARAUJO, Suely Vaz Guimarães de. Câmara Federal dos Deputados. As áreas de preservação permanente e a questão urbana. Disponível em: http://www.camara.gov.br. Acesso em: 15.fev.2003.
[6] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 9ª ed. São Paulo: a Malheiros, 2001, p. 701.
[7] BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Dano ambiental: natureza e caracterização. Disponível em: http://orbita.starmedia.com/~jurifran. Acesso em: 17.jun.2002.
[8] MUKAI, Toshio. Estudos e Pareceres de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 1997, p. 14/16.
[9] GLOSSÁRIO Ecológico. Companhia Pernambucana de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Disponível em: http://www.cprh.pe.gov.br. Acesso em: 2.jan.2003.
[10] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 9ª ed. São Paulo: a Malheiros, 2001, p. 702.
[11] SILVA, Vicente Gomes da. Legislação ambiental comentada. Belo Horizonte: Fórum, 2002, p. 71/72.
[12] CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Círculo do Livro, 1988, p. 88.
[13] GLOSSÁRIO Ecológico. Companhia Pernambucana de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Disponível em: http://www.cprh.pe.gov.br. Acesso em: 2.jan.2003.
[14] ABREU, Alexandre Herculano; OLIVEIRA, Rodrigo de. Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Regime Jurídico das Matas Ciliares. Disponível em: http://www.mp.sc.gov.br. Acesso em: 9.jan.2003.
[15] FALCÃO, Roberta Borges de Medeiros. Tribuna do Norte, Natal/RN, 6 de setembro de 2002, pag. 2.
[16] MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 21.
[17] MUKAI, Toshio. Direito Ambiental sistematizado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 21.
[18] MUSSETTI, Rodrigo Andreotti. Direito. Da hermenêutica jurídico-ambiental. Disponível em: http://www.direito.adv.br. Acesso em: 8.nov.2002.
[19] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 9ª ed. São Paulo: a Malheiros, 2001, p. 701, p. 49/62.
[20] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental: aspectos da legislação brasileira. 2ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 61/62.
[21] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 319/320.
[22] FERREIRA, Luiz Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 6, p. 432.
[23] SILVA, Vicente Gomes da. Legislação ambiental comentada. Belo Horizonte: Fórum, 2002, p. 73/76.
[24] GALVÃO, Ângelo. O Código Florestal e o desenvolvimento da cidade, O Judiciário, Recife/PE, ano 8, nº 32, p.6, agosto/setembro de 2002.
[25] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 701, p. 280.
[26] FERREIRA, Luiz Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 7, p. 270.
[27] MUKAI, Toshio. Direito Ambiental sistematizado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 31.
[28] GIANETTI, Eduardo. Entrevista: economia do prazer. Istoé, nº 1732, p. 7-11, 11 de dezembro de 2002.
[29] MEIO ambiente: o capital verde. Istoé, nº 1711, p. 90-96, 17 de julho de 2002.
[30] MUSSETTI, Rodrigo Andreotti. Direito. Da hermenêutica jurídico-ambiental. Disponível em: http://www.direito.adv.br. Acesso em: 8.nov.2002.
[31] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental: aspectos da legislação brasileira. 2ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 73.
[32] MUSSETTI, Rodrigo Andreotti. Direito. Da hermenêutica jurídico-ambiental. Disponível em: http://www.direito.adv.br. Acesso em: 8.nov.2002.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Talden Queiroz Farias

 

Advogado militante, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco e em Gestão e Controle Ambiental pela Universidade Estadual de Pernambuco e mestrando em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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