Resumo: O presente estudo tem como objeto a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Para aprofundarmos no tema, primeiro abordaremos os direitos fundamentais, em suas dimensões, para então buscar-se a referida eficácia horizontal, ou seja, a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Tradicionalmente os direitos fundamentais são de aplicação na relação entre Estado e particular – eficácia vertical, porém aqui trataremos de sua aplicação na relação particular/particular. Abordaremos as teorias explicativas da eficácia horizontal, buscando em renomados juristas fundamentos à aplicação da teoria no caso específico da realidade brasileira, buscando, por fim, demonstrar que cabe ao Estado não só respeitar, mas, ainda, assegurar a observância do regular cumprimento das normas de direitos fundamentais, sejam eles violados pelo Estado, ou por outros particulares.
Palavras chave: dimensões, eficácia horizontal, eficácia vertical, direitos fundamentais, relações privadas
Abstract: The present study has as object the horizontal effectiveness of fundamental rights. To delve into the theme, first we will cover the fundamental rights in its dimensions, then check if the said horizontal effect, i.e. the application of fundamental rights in relations between individuals. Traditionally the fundamental rights shall apply in the relationship between State and private – effectively, however here we'll discuss vertical application in private/private relationship. We will cover the explanatory theories, seeking effectiveness in renowned jurists horizontal fundamentals to application of theory in the specific case of Brazilian reality, seeking to demonstrate that it is incumbent upon the State not only to respect, but also ensure compliance with regulating compliance with fundamental rights, whether they are violated by State, or by other individuals.
Keywords: dimensions, horizontal effectiveness, vertical effectiveness, fundamental rights, private relations
Sumario: 1. Introdução. 2. Dos Direitos Fundamentais. 2.1. Classificação dos Direitos Fundamentais. 2.2. Dimensões dos Direitos Fundamentais. 3. Da eficácia horizontal dos direitos fundamentais – Teorias explicativas. 4. Considerações Finais. Referências bibliográficas.
1 – INTRODUÇÃO
O estudo da eficácia horizontal dos direitos fundamentais tornou-se objeto de pesquisa dentre doutrinadores e juristas em termos relativamente recentes, e isso se deu face à tendência de constitucionalização do processo, ou pós positivismo, tendência revelada no século XX.
Porém, antes de adentrar no objetivo principal do presente estudo, faz-se necessário um panorama geral sobre a teoria dos direitos fundamentais e sua influência no ordenamento jurídico brasileiro. A doutrina tradicional entende os direitos fundamentais como normas destinadas a proteger o indivíduo contra eventuais violações causadas pelo Estado, quando abusa de seu poder, não possuindo maior relevância no que se refere às relações particulares.
Quando os direitos fundamentais surgiram, eram tidos como aqueles ligados à liberdade, os chamados direitos de defesa, ou seja, direitos que exigem uma abstenção do Estado. Os únicos destinatários dos direitos fundamentais eram os Poderes Públicos. Os direitos individuais eram direitos atribuídos ao indivíduo para que este pudesse se proteger contra os Poderes Públicos. Como a relação entre os particulares e os Poderes Públicos é de subordinação e não de coordenação, esta eficácia dos direitos fundamentais ficou conhecida como eficácia vertical, em razão dessa relação estado-particular ser de subordinação. Esta é a eficácia clássica dos direitos fundamentais. Quando surgiram, tinham apenas eficácia vertical, eram aplicados apenas a essa espécie de relação.
Com o passar do tempo, foi se constatando que a opressão e a violência vinham não só do Estado, mas de outros particulares. Então, houve uma mudança na eficácia dos direitos fundamentais. Há instituições no mundo que tem um poder econômico muito maior do que muitos Estados. Então, a idéia de que não só o Estado é órgão opressor dos indivíduos, mas também outros particulares, o que fez com que surgisse a eficácia horizontal, aplicada nas relações privadas, onde os interesses antagônicos são entre particulares.
Enquanto a eficácia vertical é a aplicação dos direitos fundamentais nas relações particular-Estado, a eficácia horizontal é a aplicação dos direitos fundamentais às relações entre particulares. Como a relação entre particulares é, ao menos teoricamente, de coordenação, de igualdade jurídica, quando os direitos fundamentais são aplicados a essas relações, se fala que os direitos fundamentais têm uma eficácia horizontal ou privada.
Esse um breve intróito sobre o assunto, objeto do presente artigo, na qual, a partir de agora, buscaremos tratar apenas da aplicação, eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.
Para organizarmos nosso estudo, iniciaremos com uma breve explanação sobre direitos fundamentais em suas diferentes dimensões, para então, adentrarmos propriamente no tema da eficácia horizontal de referidos direitos.
2 – DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
O estudo se inicia com a definição de Direitos Fundamentais.
Na concepção de Canotilho[1]:
“(…) os direitos fundamentais em sentido próprio são, essencialmente direitos ao homem individual, livre e, por certo, direito que ele tem frente ao Estado, decorrendo o caráter absoluto da pretensão, cujo o exercício não depende de previsão em legislação infraconstitucional, cercando-se o direito de diversas garantias com força constitucional, objetivando-se sua imutabilidade jurídica e política. (…) direitos do particular perante o Estado, essencialmente direito de autonomia e direitos de defesa".
Os direitos fundamentais seriam aqueles direitos ligados à liberdade e à igualdade, positivados em nosso ordenamento jurídico, ou seja, são aqueles que nascem da própria condição humana e que são ou estão previstos no ordenamento constitucional. Não se pode desconsiderar que os direitos fundamentais se solidificaram a partir do princípio da dignidade da pessoa humana.
Oscar Vilhena Vieira[2] conceitua "Direitos Fundamentais" como sendo:
"a denominação comumente empregada por constitucionalistas para designar o conjunto de direitos da pessoa humana expressa ou implicitamente reconhecidos por uma determinada ordem constitucional."
Já na antiguidade, através da religião e da filosofia, foram passadas algumas ideias acerca do que são direitos fundamentais. Tal contexto deixa vislumbrar que o homem, pelo simples fato de ser homem, é titular de certos direitos naturais.
Importante ao estudo dos direitos fundamentais se faz a sua classificação, onde alocam-se referidos direitos dentro da Constituição Federal.
2.1 – CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A classificação que iremos adotar é baseada na própria Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil, para a qual os Direitos Fundamentais estão classificados e divididos em: Direitos Individuais (art. 5º); Direitos Coletivos (art. 5º); Direitos Sociais (arts. 6º e 193); Direitos à Nacionalidade (art. 12) e Direitos Políticos (arts. 14 a 17). A Constituição não inclui os Direitos fundados nas relações econômicas, entre os Direitos Fundamentais, mas eles existem e estão estabelecidos nos arts. 170 a 192.
Essa é uma classificação legislativa. Há outras classificações dos direitos fundamentais, sendo a mais usual a de Jellinek, apud José Carlos Vieira de Andrade[3], a qual faz uma classificação importante dos direitos fundamentais, dividindo-os em três espécies: direitos de defesa, direitos prestacionais e direitos de participação. Vejamos cada uma das espécies:
Direitos de defesa são aqueles cuja finalidade é defender o individuo do arbítrio do Estado. Os direitos de defesa do indivíduo em face do Estado são os direitos individuais clássicos, aqueles primeiros que surgiram ligados às liberdades, são os chamados direitos individuais. Os direitos de defesa/liberdade têm um status negativo, posto que exigem do Estado uma abstenção e não uma atuação positiva, impondo-lhe (Estado) o dever de não intervir, não reprimir, não censurar…
Já os direitos prestacionais, exigem do Estado, não uma simples abstenção, mas uma atuação positiva. São direitos que exigem do Estado prestações jurídicas, como segurança, assistência judiciária gratuita, ou materiais, como saúde, educação. Basicamente são os direitos sociais, aqueles que vão exigir do Estado prestações materiais/jurídicas.
Com relação aos direitos de participação, são aqueles que vão permitir a participação do indivíduo na vida política do Estado. Referidos direitos estão ligados à cidadania, sua função é garantir a participação individual na formação da vontade política da comunidade. Traduzem-se nos direitos de nacionalidade e políticos.
2.2 – DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
De acordo com o momento histórico de seu surgimento, optou-se por destacarem-se os direitos fundamentais em dimensões.
DIREITOS DE PRIMEIRA DIMENSÃO
Foram as chamadas revoluções liberais, ocorridas no final do Século XVIII que deram origem a referidos direitos de primeira geração, isso porque o principal valor que se buscava era liberdade, o seu núcleo era a busca pela liberdade.
Os direitos de primeira dimensão seriam, na classificação de Jellinek, os direitos de defesa do indivíduo em face do Estado. Direitos que têm um caráter negativo. Que vão exigir uma abstenção por parte do Estado. São os chamados direitos de liberdade, essencialmente individuais.
Fundamentalmente, os direitos de primeira dimensão são os direitos civis e políticos.
DIREITOS DE SEGUNDA DIMENSÃO
A segunda dimensão de direitos é ligada aos valores de igualdade, porém, não a igualdade formal, ‘tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual’, a igualdade que se trata nos direitos de segunda dimensão é a igualdade material, que refere-se à atuação do Estado para reduzir desigualdades existentes.
O surgimento dos direitos de segunda dimensão está relacionado à Revolução Industrial.
Na classificação de Jellinek, se enquadrariam como direitos prestacionais.
São direitos que tem um caráter positivo, que exigem uma atuação por parte do Estado. Direitos sociais, econômicos e culturais
DIREITOS DE TERCEIRA DIMENSÃO
A partir da terceira dimensão, a divergência doutrinária quanto à classificação dos direitos fundamentais é muito grande, alguns autores chegam até mesmo em citar direitos de quinta dimensão. Em nosso estudo, adotaremos a classificação do Prof. Paulo Bonavides[4] como referência.
A terceira dimensão diz respeito aos direitos ligados à fraternidade ou à solidariedade.
Segundo Paulo Bonavides, o que fez surgirem esses direitos de terceira geração, foi a distância abismal entre países de primeiro mundo e os chamado terceiro mundo, desenvolvidos e subdesenvolvidos. Começou-se a falar numa necessidade de colaboração, de ajuda dos países mais desenvolvidos aos menos privilegiados.
Os direitos de terceira dimensão então seriam, num rol exemplificativo, os seguintes: Direito ao desenvolvimento ou progresso; Direito ao meio ambiente; Direito à autodeterminação dos povos (um dos princípios que rege o Brasil nas suas relações internacionais, art. 4º); Direito de comunicação; Direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e Direito à paz.
Esses direitos são ainda taxados de direitos transindividuais, difusos ou coletivos.
DIREITOS DE QUARTA DIMENSÃO
Seriam os direitos ligados à pluralidade.
Segundo Paulo Bonavides, o fator histórico que teria dado origem aos direitos de quarta geração seria a globalização política, sendo a responsável pela introdução destes direitos no plano jurídico, ocasionando também uma globalização jurídica.
Podemos citar três direitos como de quarta dimensão: Direito à democracia; Direito à informação; Direito ao pluralismo.
DIREITOS DE QUINTA DIMENSÃO
Apenas para fins ilustrativos, trazemos a quinta dimensão de direitos fundamentais, a qual Augusto Zimmermann[5], aponta como os direitos inerentes à realidade virtual, compreendendo o grande desenvolvimento da internet. Porém, Paulo Bonavides[6] entende serem os direitos de quinta geração aqueles referentes à paz, porém, como a matéria é extensa e demanda maior aprofundamento do tema, essa discussão será objeto de um próximo estudo.
3- DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – TEORIAS EXPLICATIVAS
Uma vez identificados, classificados e dimensionados os direitos fundamentais, adentraremos no tema da eficácia horizontal dos referidos direitos. Além da eficácia vertical dos direitos fundamentais, entendida como a vinculação dos Poderes estatais aos direitos fundamentais, podendo os particulares exigi-los diretamente do Estado, surgiu na Alemanha, com expansão na Europa e, atualmente, no Brasil, a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
A eficácia horizontal dos direitos fundamentais, também chamada de eficácia dos direitos fundamentais entre terceiros ou de eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, decorre do reconhecimento de que as desigualdades não se situam apenas na relação Estado/particular, como também entre os próprios particulares, nas relações privadas.
DANIEL SARMENTO[7], em monografia sobre o tema diz que:
“O Estado e o Direito assuem novas funções promocionais e se consolida o entendimento de que os direitos fundamentais não devem limitar o seu raio de ação às relações políticas, entre governantes e governados, incidindo também em outros campos, como o mercado, as relações de trabalho e a família.”
Trazemos a lume algumas teorias explicativas sobre a relação entre particulares e os direitos fundamentais, com destaque as Teoria da INEFICÁCIA HORIZONTAL dos direitos fundamentais, Teoria da EFICÁCIA HORIZONTAL INDIRETA dos direitos fundamentais, a por fim, mas não menos importante, a Teoria da EFICÁCIA HORIZONTAL DIRETA dos direitos fundamentais.
Teoria da INEFICÁCIA HORIZONTAL dos direitos fundamentais
Segundo essa teoria, se há uma ineficácia horizontal, significa que os direitos fundamentais não podem ser aplicados às relações entre particulares. É a teoria adotada nos Estados Unidos, onde se entende (doutrina e jurisprudência) que os direitos fundamentais têm apenas a eficácia clássica, vertical. Aplicam-se às relações entre Estado e particular, mas não seria aplicado às relações entre particulares.
Essa teoria só vigora nos EUA devido ao fato de a Constituição norte americana, que é de 1787 (vigente até os dias atuais) e à época de sua promulgação só haviam direitos de defesa do indivíduo em face do Estado. Seu texto traz vários dispositivos que consagram direitos fundamentais, fazendo referência ao Estado, ao Poder Público como destinatário desses deveres. Só que mesmo nos EUA, criou-se uma teoria para contornar essa situação.
Há muita divergência doutrinária sobre essa teoria da ineficácia horizontal dos Direitos Fundamentais, ou Doutrina da State Action (Doutrina da Ação Estatal).
Para Daniel Sarmento[8], referida teoria simplesmente nega aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, os direitos fundamentais não se aplicariam nas relações entre particulares.
Já para Virgilio Afonso da Silva[9], a teoria da State Action não nega aplicação dos direitos fundamentais entre particulares, mas tenta, de alguma forma, contornar a falta de regulamentação, sendo a finalidade da doutrina definir em que casos se poderia fazer a aplicação, mesmo que os direitos fundamentais, em regra, não se apliquem às relações entre particulares. O detalhe, segundo o doutrinador, é que não estamos nos referindo a uma doutrina que estabelece de forma sistemática as situações.
Nas palavras do constitucionalista Virgilio Afonso da Silva[10]: “Tentar afastar a impossibilidade de aplicação definindo, ainda que de forma casuística e assistemática em que situações essa aplicação poderia ocorrer.”, essa a finalidade da Teoria da State Action.
Ainda nas palavras do autor: “A equiparação de determinados atos privados a atos estatais.”, é o artifício utilizado para aplicação da eficácia horizontal em determinados atos privados.
Temos ainda duas teorias que buscam explicar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais: a teoria da eficácia indireta ou mediata e a teoria da eficácia direta ou imediata.
Teoria da EFICÁCIA HORIZONTAL INDIRETA dos direitos fundamentais
Para a teoria da eficácia indireta ou mediata, os direitos fundamentais são analisados do ponto de vista de duas dimensões: a) dimensão negativa ou proibitiva, que veda ao legislador editar lei que viole direitos fundamentais; b) dimensão positiva, impondo um dever para o legislador implementar direitos fundamentais, ponderando, porém, quais deles devam se aplicar às relações privadas. Essa a teoria prevalente na Alemanha.
Para essa teoria, não há que se falar em imposição de direitos fundamentais numa relação entre particulares que estão em nível de igualdade. Não negam – os seguidores de referida teoria – que os direitos fundamentais possam ser aplicados a essas relações, mas dizem que para isso acontecer, é necessário uma intermediação através da lei. A lei, o direito privado, teria que regulamentar, que incorporar aqueles direitos fundamentais ao direito privado, para que a aplicação fosse relativizada, ou, tecnicamente falando, os direitos fundamentais irradiam os seus efeitos nas relações entre particulares por meio de mediação legislativa. Então, segundo a doutrina alemã, essa porta de entrada dos direitos fundamentais nas relações entre particulares seriam as cláusulas gerais do direito privado, os pontos de infiltração.
Portanto, para a teoria da eficácia indireta dos direitos fundamentais, ao se interpretar uma cláusula geral, deve-se fazê-lo com base nos direitos fundamentais que a Constituição consagra.
Teoria da EFICÁCIA HORIZONTAL DIRETA dos direitos fundamentais
Esta teoria curiosamente surgiu na Alemanha, na década de 50, por meio de um magistrado do Tribunal Federal do Trabalho, chamado Hans Carl Nipperdey. A curiosidade reside no fato de que, apesar de ter surgido na Alemanha, não prevalece naquele país.
Nos termos da proposta da teoria da eficácia direta ou imediata, como o próprio nome sugere, alguns direitos fundamentais podem ser aplicados diretamente às relações privadas, ou seja, sem a necessidade da intervenção legislativa.
PEDRO LENZA[11] traz o seguinte sustentáculo à aplicação da teoria:
“(…) sem dúvida, cresce a teoria da aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas (‘eficácia horizontal’), especialmente diante de atividades privadas que tenham um certo ‘caráter público’, por exemplo, em escolas (matrículas), clubes associativos, relações de trabalho etc.”
Porém, Ingo Wolfgand Sarlet[12] lembra que há duas considerações a respeito da aplicação da teoria da eficácia dos direitos fundamentais às relações privadas:
Primeiro, quando há relativa igualdade das partes figurantes da relação jurídica, caso em que deve prevalecer o princípio da liberdade para ambas, somente se admitindo eficácia direta dos direitos fundamentais na hipótese de lesão ou ameaça ao princípio da dignidade da pessoa humana ou aos direito aos direitos da personalidade.
Segundo: quando a relação privada ocorre entre um indivíduo (ou grupo de indivíduos) e os detentores de poder econômico ou social, caso em que, de acordo com o referido autor, há consenso para se admitir a aplicação da eficácia horizontal, pois tal relação privada assemelha-se àquela que se estabelece entre os particulares e o poder público (eficácia vertical).
E ainda Armando Cruz Vasconcellos[13] nos adverte que as:
“(…) violações aos direitos fundamentais podem partir tanto do Estado soberano como, também, dos agentes privados. Essa tendência atual de aplicação horizontal dos direitos fundamentais não visa se sobrepor à relação anterior, uma vez que o primordial nessa questão é nos atentarmos para que a aplicação dos direitos fundamentais, no caso concreto, esteja sempre ponderada com os demais princípios. Diversas questões precisam ser melhores desenvolvidas, como qual a forma dessa vinculação e seu alcance”.
Alguns autores como Alexy[14], por exemplo, defendem ser uma teoria integradora, onde, em face de uma demanda entre particulares, que tenha por objeto direito fundamentais, que se faça uma ponderação entre os valores discutidos.
No caso do Brasil, onde a desigualdade social é latente, não permitir a aplicação dos direitos fundamentais às relações entre particulares é inconcebível. Se fossemos um povo dotado de uma relação social ideal, poderia ser adotada a eficácia horizontal indireta, porem, essa não é a realidade do nosso país. Quanto maior a desigualdade na relação, maior a necessidade de proteção. Por isso, a teoria da eficácia horizontal direta, no caso da realidade brasileira, é a mais adequada.
Há de se destacar a acertada observação de PEDRO LENZA[15], para quem, na aplicação da teoria da eficácia horizontal,
“(…) poderá o magistrado deparar-se com inevitável colisão de direitos fundamentais, quais sejam, o princípio da autonomia da vontade privada e da livre iniciativa de um lado (CF, arts. 1º, IV, e 170, caput) e o da dignidade da pessoa humana e da máxima efetividade dos direitos fundamentais (art. 1º, III) de outro. Diante dessa ‘colisão’, indispensável será a ‘ponderação de interesses’ à luz da razoabilidade e da concordância prática ou harmonização. Não sendo possível a harmonização, o Judiciário terá que avaliar qual dos interesses deverá prevalecer”
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal tem adotado, de forma sistemática, a teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais. Trago a lume um exemplo onde o Supremo Tribunal Federal[16] entendeu por bem aplicar a Teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais:
“SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois aautonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCR ATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores – UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO”
Assim, o que hoje tem prevalecido em nossa Corte Máxima é a aplicação da Teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, ou seja, a ponderação de valores nas disputas geradas entre particulares, que tenham por objeto, direitos fundamentais.
4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aplicação imediata dos direitos fundamentais individuais nas relações privadas é tema extremamente atual e instigante, que não se encontra pacificado na doutrina e na jurisprudência brasileiras, ensejando inúmeras controvérsias.
Vivemos um momento histórico no qual a constitucionalização de todo o Direito é um fenômeno que torna imprescindível que as relações jurídicas privadas mostrem-se coerentes com os valores constitucionais, essencial se demonstra a adequada compreensão e o domínio da técnica da ponderação de interesses, como mecanismo de solução dos cada vez mais numerosos casos de conflito entre princípios constitucionais, que decorrem exatamente da aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais às relações privadas.
Assim, tendo sido sucintamente exposta a definição da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, classificação e caracterização e, em especial, da vinculação dos particulares a essas normas, pode-se trazer à tona, a título de conclusão que, apesar de toda polêmica doutrinária, o Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo a incidência das normas jusfundamentais nas relações privadas.
A teoria da eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais deve ser aplicada de forma tanto mais intensa quanto maior for a situação de desigualdade entre o indivíduo que tem seu direito fundamental violado e o ente privado agente desta violação.
Portanto, cabe ao Estado não só respeitar, mas, ainda, assegurar a observância do regular cumprimento das normas de direitos fundamentais por todos aqueles potencialmente capazes de violar tais direitos, uma vez que, nos dias atuais, não só o Estado, mas também tais entidades podem igualmente, como detentores do poder social, violar a esfera de liberdade dos indivíduos
Referências
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Notas:
[1] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5º ed. Editora Livraria Almedina, 2002.
[2] VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais – uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo, Malheiros: 1999,p. 36
[3] ANDRADE, J. C. Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2ª Ed.. Editora Livraria Almedina, 2001
[4] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26ª edição. São Paulo: Malheiros. 2011.
[5] ZIMMERMANN, Augusto. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. rev.ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
[6] BONAVIDES, Paulo. Palestra proferida no II Congresso Latino-Americano de Estudos Constitucionais, realizado em Fortaleza-Ce, de 03 a 05 de abril de 2008.
[7] SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 323.
[8] Idem nota 8
[9] SILVA, Virgílio Afonso da.A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 06
[10] Idem nota 10
[11] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª edição. São Paulo: Saraiva. 2011.
[12] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 392-400
[13] VASCONCELLOS, Armando Cruz. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas de subordinação. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2107, 8 abr. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12595>. Acesso em: 28 de fevereiro de2012
[14] ALEXY, Robert, Teoria dos Direitos Fundamentais, Tradução de Virgilio Affonso da Silva, 1ª Ed., Malheiros Editores, 2008
[15] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 677.
[16] (STF-RE 201819/RJ, rel. Min. ELLEN GRACIE, rel. p/ acórdão Min. GILMAR MENDES, j. 11/10/2005, 2ª T., DJ 27/10/2006, p. 64).
Advogada, Mestranda pelo Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM – Estado de São Paulo – Bolsista CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Integrante do Grupo de Pesquisa sobre a “Constitucionalização do Direito Processual” e “A intervenção do Poder Público na vida do indivíduo”, ambos da instituição mencionada
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