Resumo: O artigo aborda a possibilidade de execução das contribuições previdenciárias incidentes sobre os salários pagos durante o período de vínculo empregatício reconhecido na Justiça do Trabalho, mesmo após a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 569.056, notadamente em virtude da edição da Lei 11.457 de 2007.
Palavras-chave: Execução fiscal trabalhista. Artigo 114, VIII da Constituição Federal. Execução das contribuições previdenciárias do período de vínculo. Recurso extraordinário 569.056. Lei 11.457/2007.
Sumário: 1. Introdução; 2. O julgamento do RE 569.056 pelo STF; 3. A Lei 11.457/2007; 4. Outros argumentos que autorizam a execução das contribuições previdenciárias do período de vínculo na Justiça do Trabalho; 5. Conclusão.
1. Introdução:
É cediço que a Constituição Federal, na redação conferida pela emenda constitucional nº 45, em seu artigo 114, inciso VIII, atribui à Justiça do Trabalho a competência para executar as contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças que proferir.
Preconiza o referido dispositivo legal que:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004):
VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).”
A Justiça do Trabalho possuía, até o julgamento do recurso extraordinário 569.056, uma jurisprudência consistente no sentido da possibilidade da execução, de ofício, das contribuições sociais derivadas do reconhecimento de vínculo empregatício reconhecido nos autos.
Contudo, a matéria ganhou contornos mais polêmicos após o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do RE 569.056.
2. O julgamento do Recurso Extraordinário 569.056 pelo Supremo Tribunal Federal:
No referido recurso extraordinário, a Colenda Suprema Corte assentou que não compete à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais decorrentes de sentenças declaratórias que reconhecem a existência de vínculo empregatício entre as partes.
Eis a ementa do aludido recurso extraordinário:
“EMENTA Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Competência da Justiça do Trabalho. Alcance do art. 114, VIII, da Constituição Federal. 1. A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança apenas a execução das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir. 2. Recurso extraordinário conhecido e desprovido.” (RE 569056, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 11/09/2008, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-236 DIVULG 11-12-2008 PUBLIC 12-12-2008 EMENT VOL-02345-05 PP-00848 RTJ VOL-00208-02 PP-00859 RDECTRAB v. 16, n. 178, 2009, p. 132-148 RET v. 12, n. 72, 2010, p. 73-85).
Portanto, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o ordenamento jurídico não atribui à Justiça do Trabalho a competência para executar as contribuições sociais derivadas de sentenças meramente declaratórias, ou seja, de decisões que não possuam um conteúdo condenatório.
Segundo o raciocínio da Suprema Corte, haveria dificuldades, inclusive, de se estabelecer o quantum debeatur, tendo em vista a ausência de uma sentença de cunho condenatório.
A Suprema Corte diferenciou, portanto, as verbas que são deferidas pela Justiça do Trabalho, e que possuem conteúdo condenatório apto a ensejar a execução ex officio, daquelas sentenças meramente declaratórias e que reconhecem vínculo de emprego entre o reclamante e a reclamada, as quais não estariam albergadas pela competência material da Justiça laboral.
Entretanto, existem argumentos jurídicos consistentes para embasar a tese de que, mesmo após a decisão do Supremo Tribunal Federal no mencionado recurso extraordinário, haveria a possibilidade de execução das contribuições sociais incidentes sobre o período de vínculo empregatício perante a Justiça do Trabalho, conforme será a seguir exposto.
3. A Lei 11.457 de 2007:
Cumpre registrar que o recurso extraordinário acima mencionado diz respeito a uma execução que se iniciou antes das alterações promovidas pela Lei 11.457 de 2007, salientando-se que o próprio recurso extraordinário ingressou no Supremo Tribunal Federal em 29/10/2007, conforme andamento processual no sítio da Suprema Corte na internet.
A referida Lei conferiu nova redação ao artigo 876, parágrafo único da CLT, possibilitando a execução das contribuições sociais decorrentes de sentenças declaratórias que reconheçam vínculo empregatício entre as partes.
O referido dispositivo legal preconiza que:
“Art. 876 – […]
Parágrafo único. Serão executadas ex-officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido. (Redação dada pela Lei nº 11.457, de 2007) (Vigência)”
Portanto, atualmente, existe Lei infraconstitucional regulamentadora do alcance do artigo 114, VIII da Constituição Federal, autorizando expressamente a aludida execução.
Impõe-se salientar que a aludida norma legal não foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, seja de forma incidental, seja de forma difusa, razão pela qual goza de sua natural presunção de constitucionalidade.
Convém ressaltar que a mencionada norma apenas positivou o entendimento jurisprudencial que já vinha sendo externado no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, no sentido da possibilidade da execução das contribuições sociais decorrentes de sentenças declaratórias que reconheçam vínculo de emprego.
Vejam-se as seguintes ementas:
“CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DECORRENTES DO RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. Diante da competência da Justiça do Trabalho estabelecida no inc. VIII do art. 114 da Constituição da República e no art. 876 da CLT, com a redação dada pela Lei nº 11.457/07, para executar as contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças que proferir – inclusive no que tange às meramente declaratórias, impõe-se acolher a pretensão da Autarquia Previdenciária para inclusão nos cálculos das contribuições incidentes sobre salários e parcelas salariais pagas no período de vínculo de emprego reconhecido pela decisão judicial. P. 01242-2005-046-12-00-5, Juíza Gisele P. Alexandrino – Publicado no TRTSC/DOE em 17-09-2008. – TRT-12.
“VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO EM JUÍZO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS INCIDENTES SOBRE OS SALÁRIOS PAGOS NO TRANSCURSO DO PACTO LABORAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Apesar da oscilação do c. TST (alteração da Súmula n. º 368), entende-se, assim como o primeiro texto do verbete, que competência da justiça do trabalho para execução das contribuições previdenciárias alcança as parcelas integrantes do salário de contribuição, pagas em virtude de contrato, ou de emprego reconhecido em juízo, ou decorrentes de anotação de carteira de trabalho e previdência social – CTPS, objeto de acordo homologado em juízo. É inafastável a clareza da CF, art. 114, VIII quanto à competência para a cobrança de contribuições sociais decorrentes das sentenças que proferir. Não tem sentido, sendo o reconhecimento de vínculo o fato gerador das contribuições, bifurcar – Se a competência para que aqui seja limitada apenas aos valores pecuniários reconhecidos na sentença, excluindo-se o período de vínculo reconhecido nesta especializada. Tal interpretação refoge à sistemática do instituto da competência (imbricar lides principais com acessórias) que, em boa hora, foi sanada pela EC 45. O dogma de que a sentença de reconhecimento de vínculo seria declaratória e por isso inexeqüível não resiste à nova sistemática processual com menor apego ao formalismo e maior efetividade e eficácia da prestação jurisdicional.”(TRT 17ª R.; RO 00588.2006.101.17.00.7; Ac. 9446/2008; Relª Desª Wanda Lúcia Costa Leite França Decuzzi; DOES 02/10/2008; Pág. 6)”
Na doutrina, também existem posicionamentos consistentes no sentido de chancelar a competência da Justiça do Trabalho para esse tipo de execução.
Nesse norte, é o pensamento, frequentemente suscitado, do Professor Sérgio Pinto Martins, o qual defende que:
“A sentença de natureza declaratória é uma das sentenças proferidas no dissídio individual. Assim, se a Justiça do Trabalho proferir uma sentença meramente declaratória, em que se reconhece apenas o vínculo de emprego entre as partes, sem a condenação do empregador em pagamento de verbas ao empregado, serão devidas pelo fato de que o vínculo de emprego foi reconhecido e deveria a empresa ter recolhido as contribuições previdenciárias de todo o período trabalhado pelo empregado. Logo, elas serão executadas na Justiça do Trabalho, pois decorrem da sentença proferida por essa Justiça Especializada.” (Execução da Contribuição Previdenciária na Justiça do Trabalho, 2ª Edição, Editora Atlas, 2004, p. 33/34).
Dessa forma, verifica-se que a decisão do Supremo Tribunal Federal limitou-se a tratar da questão envolvendo a natureza declaratória da sentença que reconhece vínculo de emprego, bem como a possibilidade de se conferir eficácia executiva a essas decisões, mas não abordou a reforma ocorrida no âmbito da Consolidação das Leis do Trabalho, pela Lei 11.457 de 2007, conforme acima visto.
4. Outros argumentos que autorizam a execução das contribuições previdenciárias do período de vínculo na Justiça do Trabalho:
Além da modificação legislativa operada no artigo 876, parágrafo único da CLT, existem outros fundamentos aptos a embasar a tese da competência da Justiça do Trabalho para tais execuções, mesmo após a decisão proferida no mencionado Recurso extraordinário.
A primeira delas diz respeito ao fato de que ainda não houve trânsito em julgado do referido recurso extraordinário, tendo em vista que o INSS interpôs embargos de declaração contra o acórdão.
Referidos embargos de declaração estão aptos para julgamento pelo plenário, conforme informação constante da pesquisa processual no sítio do STF na internet.
Também não se cogite da impossibilidade de liquidação do quantum debeatur na fase de execução, já que ao tratar da questão envolvendo vínculo de emprego, as partes ou o Juiz terão de indicar a remuneração a ser anotada na carteira, sendo esse o valor utilizado para fins de base-de-cálculo da contribuição previdenciária.
É o que se conclui da interpretação do artigo 29 da CLT, cujo teor e o seguinte:
“Art. 29 – A Carteira de Trabalho e Previdência Social será obrigatoriamente apresentada, contra recibo, pelo trabalhador ao empregador que o admitir, o qual terá o prazo de quarenta e oito horas para nela anotar, especificamente, a data de admissão, a remuneração e as condições especiais, se houver, sendo facultada a adoção de sistema manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho.
§ 1º. As anotações concernentes à remuneração devem especificar o salário, qualquer que seja sua forma de pagamento, seja em dinheiro ou em utilidades, bem como a estimativa da gorjeta.”
Registre-se ainda que a Justiça do Trabalho promove a execução dos valores devidos a título de FGTS, quando ocorre o reconhecimento de vínculo empregatício.
Essa execução também deriva de uma sentença declaratória da Justiça laboral, salientando-se que também se trata de tributo cuja base de cálculo também será as verbas salariais que compõem a remuneração.
5. Conclusão:
Portanto, de todo o quanto exposto, é possível concluir-se que, mesmo após a decisão proferida pelo Supremo Tribunal no recurso extraordinário 569.056, haveria argumentos jurídicos sólidos para embasar a tese da possibilidade da execução das contribuições previdenciárias decorrente se acordos ou sentenças que reconheçam vínculo empregatício entre as partes, perante a Justiça do Trabalho.
Entre os referidos argumentos, destacam-se os seguintes:
i. a redação conferida ao artigo 876, parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei 11.457 de 2007, que não teve a sua inconstitucionalidade declarada pela Suprema Corte;
ii. a ausência de trânsito em julgado do acórdão proferido no mencionado recurso extraordinário, tendo em vista os embargos de declaração opostos pelo Instituto Nacional do Seguro Social;
iii. a possibilidade de se liquidar o quantum debeatur dessas sentenças declaratórias;
iv. a circunstância de o atual ordenamento jurídico-constitucional atribuir à Justiça do Trabalho a execução do FGTS decorrente de suas sentenças, mesmo daquelas que reconhecem vínculo de emprego entre as partes, situação praticamente idêntica àquela envolvendo as contribuições sociais derivadas de tais decisões.
Quanto ao entendimento final do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, cabe aguardar o julgamento dos embargos de declaração ajuizados no RE 569.056.
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Professor universitário e de curso preparatório para concursos públicos.
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