A exigência de amostras no pregão

Muito embora bastante conhecida como Lei de Licitações, é sabido de todos que a Lei n. 8.666/93 não encerra todas as modalidades licitatórias, havendo, de logo, uma infringência ao próprio diploma, onde estão definidas e caracterizadas tais modalidades.

Começo o presente artigo assim mesmo, de chofre, como diriam alguns, ou, numa linguagem mais coloquial, sem meio termo. O objetivo é tratar do pregão, previsto pela Lei n. 10.520/02 (lei esta advinda da MP n. 2.182-18, de 23 de agosto de 2001), mais precisamente da possibilidade de serem exigidas amostras. A abordagem será de forma breve e pontual, vez que o tema é bastante vasto.

O pregão foi criado para possibilitar à Administração Pública (União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, XXI, da Constituição Federal)  adquirir bens e serviços comuns de maneira mais simplificada do que as existentes até então. A Lei n. 10.520 define bens e serviços comuns, conforme dispõe o seu art. 1.º, parágrafo único: “consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado”.

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Portanto, presente aí um dos essenciais regramentos acerca da modalidade em análise, qual seja, o critério da objetividade quando da especificação do produto. Significa dizer que o objeto do certame deverá ser passível de preenchimento dos requisitos mediante aferição que não tangencie o viés subjetivo, atendo-se somente ao âmbito objetivo. Mais: a definição de desempenho e qualidade do material devem estar expressas no edital.

Serei direto quanto ao aspecto que irei abordar acerca dessa modalidade: podem ser solicitadas amostras quando da realização do pregão? Para tecer algumas considerações sobre este ponto gerador de tantas celeumas é preciso partir de algum lugar. Convido o leitor a partir comigo da seguinte hipótese:

Suponhamos que o Município de Feira de Santana, na Bahia, pretenda adquirir suprimentos de informática, notadamente, cartuchos para suas impressoras, estas de uma determinada marca. Dentre as regras do edital (também entendida como a lei da licitação) existe a seguinte exigência: os licitantes deverão entregar amostras do objeto, três dias antes da data marcada para abertura da sessão. A título de esclarecimento, o número de dias estipulado foi somente para argumentar.

Bom, poderia ou não ser realizada tal exigência? O que aconteceria se um potencial licitante não encaminhasse ao respectivo pregoeiro uma amostra do material? Se se trata de uma obrigação imposta pelo Municipio (por intermédio da pertinente Comissão de Licitação), deverá, em contrapartida, existir alguma sanção, sob pena de tornar inócua a exigência. Neste sentido, pode-se conceber, portanto, que a empresa potencialmente licitante passará à condição de futura ex-licitante naquele procedimento específico. Isso por que a penalidade para a não entrega da amostra resulta, induvidosamente, na inobservância de uma das regras estabelecidas, desembocando na desclassificação, pois feriria o princípio da isonomia possibilitar àquele que não cumpriu dada condição participar da mesma forma que outros, cumpridores de todas as formalidades. Logo, vamos admitir que o edital preveja a desclassificação do licitante.

Um momento! O que está sendo dito? É isso mesmo, está sendo dito que o potencial licitante, caso não entregue a amostra no prazo definido, será excluído do certame. Há que se indagar: como é possível, pois ainda não foi sequer efetuado o credenciamento? Como tal pode ocorrer, se o pregão se caracteriza por ser uma modalidade, por assim dizer, com o procedimento invertido se comparado às demais, em que a habilitação do licitante somente ocorre após ter apresentado a melhor proposta? Entendo que a situação ora esposada fere o rito conferido ao pregão, pela sua própria particularidade. Significa dizer que no momento do credenciamento o que se busca averiguar são as condições do licitante, com base na análise dos documentos exigidos para isso e não perquirir quanto às condições do objeto a ser ofertado.

O pregão possui suas fases (interna, também denominada preparatória, e externa), sendo que a etapa externa deverá se desdobrar nos moldes do art. 4.º da Lei n. 10.520/02 (observando-se, outrossim, o Decreto 3.555/00, muito embora anterior à Lei, e, subsidiariamente, a Lei n. 8.666/93). De acordo com o art. 4.º, VI, da Lei n. 10.520/02, “no dia, hora e local designados, será realizada sessão pública para recebimento das propostas” e (agora no inciso VII), após aberta a sessão, “os interessados ou seus representantes, apresentarão declaração dando ciência de que cumprem plenamente os requisitos de habilitação e entregarão os envelopes contendo a indicação do objeto e do preço oferecidos, procedendo-se à sua imediata abertura e à verificação da conformidade das propostas com os requisitos estabelecidos no instrumento convocatório”.

Continuando o estudo, temos que observar que a verificação da conformidade das propostas com os requisitos descritos no edital está prevista para acontecer após a apresentação da aludida declaração e dos envelopes contendo a indicação do objeto e do preço oferecidos. Este é o momento determinado pela lei para constatar se há ou não consonância entre o que está sendo ofertado pelos participantes com o que está sendo querido pela Administração (sob o ponto de vista documental, ressalte-se).

Como se não bastasse, o art. 4.º, inc. X, do mesmo aparato legislativo assinala que será utilizado como critério para julgamento e classificação (atente-se bem, julgamento e classificação) o critério menor preço, desde que observados outros requisitos, dentre eles as especificações técnicas e parâmetros mínimos de desempenho e qualidade definidos no edital. Essas especificações aqui faladas são aquelas constantes das propostas, se elas se aperfeiçoam ou não ao quanto exigido no edital. Não se trata de outro momento, mas sim de quando aberta a sessão, conforme o art. 4.º, VII, já mencionado.

Não se pode deixar de observar, outrossim, os princípios regentes da Administração Pública – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência – consagrados no art. 37, caput, da Constituição Federal, bem como outros de índole infraconstitucional e específicos ao pregão, a exemplo da oralidade, celeridade, concentração etc. A par disso, fixo a análise no princípio da eficiência. Este princípio, em uma de suas acepções, impõe à Administração o dever de agir com o mais alto grau de profissionalismo possível, não sendo aceitável que seu ato ocorra de forma amadorística. Neste sentido, apesar de o pregão ter por fiel da balança o preço, este não deve ser o único parâmetro para aferir a necessidade do Poder Público. Sei que não é nenhuma novidade essa informação, disposta no art. 4.º, inciso X, parte final, da Lei n. 10.520/02. Acontece que, devido ao princípio da concentração e da oralidade, norteadores da modalidade licitatória ora em exame, exige-se do pregoeiro decidir, naquele momento acerca do resultado do certame.

Face a essa questão, diversas têm sido as saídas buscadas pelos entes públicos para não comprarem gato por lebre. O Governo do Estado de São Paulo (1), v. g., no seu site, não fundamenta juridicamente o pedido de amostra (traz um posicionamento contrário, é verdade), porém sugere que, em havendo a exigência, esta ocorra somente em caráter excepcional, disciplinando no edital todas as questões relativas à amostra (entrega, julgamento etc.), ou, sugere ainda, seja encaminhado, juntamente com a proposta, laudo técnico expedido por laboratórios previamente especificados atestando o cumprimento dos requisitos constantes do edital.

A opinião contrária à exigência das amostras e mencionada pelo espaço virtual da governança paulista é do jurista Marçal Justen Filho (2), a saber:

 “(…) a natureza do procedimento do pregão exclui a possibilidade de diligências que demandam dilação temporal. É que o encerramento da fase competitiva deve ser sucedido de imediato ao início do julgamento dos documentos de habilitação. Nessa linha, a própria avaliação da exeqüibilidade da oferta se resolve através de exames documentais. Em síntese, todos os exames acerca da admissibilidade da oferta, a se desenvolverem nesse momento final da etapa competitiva, devem restringir-se ao plano documental” .

Entendo que para precaver a Administração de um mau negócio e não ficar à mercê de licitantes que não possuem o objeto (cartucho, in casu) da qualidade requerida pelo Poder Público, a exigência da amostra quando da entrega dos envelopes se revela adequada aos preceitos legais e – salvo outras circunstâncias – também ao interesse da Administração. Explico por quê. A apresentação da amostra não pode, de hipótese alguma, ser entendida como devassa ao sigilo constante da proposta, vez que ela – a amostra – será tão-somente a materialização da descrição do objeto ofertado pelo licitante, objeto esse já conhecido de todos desde a publicação do edital, haja vista que as especificações técnicas, obviamente, foram divulgadas. Se porventura o objeto de que o licitante dispõe para oferecer para o Poder Público for diferente do exigido, por consectário lógico, será desclassificado por não atendimento aos requisitos constantes do edital.

Outro ponto é que a exigência da amostra se deve ao fato de ser averiguada as características do produto sob o plano da sua real compatibilidade com o objeto licitado. Não se resume apenas a ver no papel (mera descrição documental, abstrata), mas aferir sua qualidade. Demais disso, se a celeridade é uma peculiaridade do pregão, ela não deve ser entendida como realizar procedimentos atropelando o bom senso. Em sendo possível resguardar o Poder Público de uma eventual “licitação de grego” (tomando por analogia, e salvas as devidas proporções, o célebre exemplo do cavalo de Tróia), não há motivo para, respeitando-se os trâmites previstos para o procedimento em tela, impedir o requerimento das amostras.

O pregão é uma modalidade licitatória que continua gerando polêmicas (como tantos outros assuntos referentes à licitação, tal como a notória especialização quando da contratação direta, em se tratando de serviços advocatícios). Muitas respostas – ou ao menos decisões para as soluções encontradas pela Administração Pública – ainda serão dadas pelos Tribunais de Contas e Judiciário, a fim de assentar um pouco mais a problemática frente a exigência das amostras. Enquanto isso, o pregão continua pregando peças em muitos de nós.

 

NOTAS:
1. Site www.pregao.sp.gov.br, seção Perguntas e Respostas, item 12.
2. Pregão: Comentários à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico, Ed. Dialética, 2001, p. 114.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Danilo Andreato

 

Professor de Direito Penal e Processo Penal do Curso Ordem Mais. Mestre em Direito (PUC/PR). Especialista em Direito Criminal (UniCuritiba). Assessor jurídico do Ministério Público Federal

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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