A exploração de recursos minerais e os índios

Resumo:  A ordem constitucional vigente promoveu merecido resgate de direitos das populações indígenas, historicamente relegadas a um plano secundário. Dentre os direitos assegurados aos índios, destaca-se a ocupação tradicional de terras por eles ocupadas e a possibilidade de exploração de recursos minerais, mediante autorização do Congresso Nacional. Este trabalho se propõe, assim, a examinar os limites formal e material dessa atuação econômica, notadamente diante do comando, também de gênese constitucional, que determina a necessária compatibilização entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental, objetivando proporcional um meio ambiente saudável para a presente e futuras gerações, dentro da noção de desenvolvimento sustentável intergeracional.


Palavras-chave: Meio ambiente. Desenvolvimento sustentável. Índios. Exploração econômica. Limites.


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Abstract: The current constitutional order promoted deserved redemption rights of indigenous peoples, historically relegated to a secondary plane. Among the rights guaranteed to the Indians, there is the traditional occupation of lands occupied by them and the possibility of exploitation of mineral resources, with the authorization of Congress. This work, therefore, proposes to examine the limits of material and formal of the economic activities, especially before the command, also of constitutional genesis, which determines the necessary compatibility between economic development and environmental preservation, aiming a proportional healthy environment for present and future generations within the intergenerational concept of sustainable development.


Keywords:  Environment.  Sustainable development. Indians. Economic exploration. Limits.


Sumário. 1. Introdução. 2. A Exploração dos recursos minerais e os índios. 3. Conclusões. 4 Referências


1. INTRODUÇÃO


A ordem constitucional inaugurada pela Constituição da República de 1988 resgatou o direito das populações indígenas , em relação ao direito às terras tradicionalmente por elas ocupadas. Por outro lado, consagrou, como fundamental, o direito ao meio ambiente sadio.


Em decorrência desas disposições, de um lado, há quem defenda a integral possibilidade de os índios utilizarem-se do seu modo de produção tradicional, independentemente da proteção ambiental, uma vez que o direito estaria garantido constitucionalmente. De outro, existem os que sustentam a necessidade e preponderância da preservação ambiental.


Em função desse aparente conflito, examina-se a questão da exploração de recursos minerais por parte de populações indígenas procurando identificar o limite constitucional ao seu exercício.


2.  A EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS MINERAIS E OS ÍNDIOS.


A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 previu, no seu artigo 231, o reconhecimento aos índios sobre “os direitos originários sobre suas terras que tradicionalmente ocupam”.


A preocupação do legislador constituinte originário é digna de aplausos, por resgatar o conhecido erro histórico do tratamento atribuído aos povos indígenas no Brasil. da SILVA (2010, p. 853), a despeito de tímida, em relação ao Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos, não se nega o avanço:


“É inegável, contudo, que ela [a Constituição] deu um largo passo á frente na questão indígena, com vários dispositivos referentes aos índios, nos quais dispõe sobre a propriedade das terras ocupadas pelos índios, a competência da União para legislar sobre populações indígenas, autorização congressual para mineração em terras indígenas, relações das comunidades indígenas com suas terras, preservação de suas línguas, usos, costumes e traduções. Os arts. 231 e 232 é que estabelecem as bases dos direitos dos índios.”


No mesmo sentido, tem-se escorreita lição de SILVA NETO (2010, p. 885):


“A Constituição de 1988 consumou autêntico resgate quanto à questão indígena no nosso País, revelando, no art. 231, caput, que são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e respeitar todos os seus bens.”


Em relação à expressão tradicionalmente, constante do texto constitucional, constata-se que o vocábulo diz respeito do modo de utilização, segundo seus usos e costumes, conforme MORAES (2010, p. 861).


Por outro lado, a Constituição também alçou a nível constitucional, com status de direito fundamental, conforme entendimento de ANTUNES (1998, p. 19) e GAVIÃO FILHO (2005, p. 47),  prestigiando a conservação ambiental como dever da coletividade “o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”, dentro de uma noção de direito inter geracional.


A ordem econômica, por seu turno, tem suas bases fixadas nos art. 170 a 181 da Constituição, destacando-se, no tema, o art. 170, inciso VI, que trata da defesa do meio ambiente, procurando aliar o desenvolvimento econômico e preservação ambiental, que juntamente com o art. 225, também da Constituição, formam num contexto de desenvolvimento sustentável.


Essa preocupação em harmonizar o desenvolvimento econômico já era alvo de preocupação quando da elaboração do denominado Relatório Brundtland, nome pelo qual ficou conhecido o relatório “Nosso Futuro Comum”, apresentado em 1987 e conduzido pela então Primeira Ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland a pedido da Comissão Mundial Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (ONU).


Consta desse relatório Nosso Futuro Comum (1991, p. 9) essa noção de desenvolvimento sustentável:


“A humanidade é capaz de tomar o desenvolvimento sustentável – de garantir que ele atenda as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também ás suas. O conceito de desenvolvimento sustentável tem, é claro, limites – não limites absolutos, mas limitações impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização social, no tocante aos recursos ambientais, e pela capacidade da biosfera de absorver os efeitos da atividade humana. Mas tanto a tecnologia quanto a organização social podem ser geridas e aprimoradas a fim de proporcionar uma nova era de crescimento econômico. Para a Comissão, a pobreza já não é inevitável.”


Portanto, não restam dúvidas acerca da necessidade de compatibilização de qualquer atividade econômica com o princípio da preservação do meio ambiente, de acordo com os comandos que emergem da Constituição da República de 1988


Por outro lado, nas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios o texto constitucional autorizou a realização de exploração dos recursos minerais nelas existentes (vedando-se a atividade de garimpagem, art. 231, §7º da CRFB).


A questão que persiste diz respeito ao limite dessa exploração, notadamente no que se refere ás técnicas utilizadas em eventual contradição com a preservação ambiental.


O limite deve ser imposto pela preservação ambiental. Vários argumentos podem ser elencados nesse sentido.


Primeiramente, observa-se que o direito fundamental a um meio ambiente saudável é direito de todos (art. 225 da CF), abrangendo, não apenas os índios, mas também os demais integrantes da população brasileira. É dizer, a forma de exploração dos índios tem potencial para repercutir negativamente no restante da população.  Manifesta-se aqui o princípio do desenvolvimento sustentável.


Nesse sentido, tem-se lição de CANOTILHO e LEITE (2008, p. 118):


“Entre os princípios expressos (e genéricos), cabe mencionar o princípio do poluidor-pagador e os princípios da função ecológica da propriedade e da defesa do meio ambiente, referidos no art. 170, IV, verdadeiros realizadores do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado nas atividades econômicas.”


Assim, por exemplo, se alguma comunidade indígena atende aos postulados da conservação ambiental, sua atividade é legítima e deve ser protegida. Caso contrário, se houver, por exemplo, a produção de queimadas para a agricultura, deve essa prática, nociva ao meio ambiente, obter a correspondente autorização do órgão ambiental, de que trata o art. 27 da Lei nº 4.771, de 29 de junho de 1965 (Código Florestal), conforme recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça (EREsp nº 418.545/SP, Relator Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 29.09.2010, Diário de Justiça Eletrônico, 13.10.2010).


Desse modo, se uma atividade configura-se nociva ao meio ambiente, essa prática deve ser evitada, a fim de que não transgrida o direito de todos a um meio ambiente saudável, inclusive das próprias comunidades indígenas que podem sofrer com a degradação ambiental.


Prevalece, no ponto, o interesse de toda a sociedade ao meio ambiente em detrimento do interesse específico da comunidade indígena que igualmente se apresenta, no caso, também vulnerada no aspecto ambiental.


De outra margem, a ausência de preservação do meio ambiente pode colocar em risco os usos, costumes e tradições e, por fim, a própria existência da comunidade que se desejou proteger. É o caso, a título de ilustração, da exploração não racional dos recursos ambientais não renováveis. O limite, nessa ótica, protegeria a própria comunidade indígena.


O limite à exploração dos recursos minerais pelos índios, portanto, radica-se em aspecto formal, atinente à necessidade de autorização do Congresso Nacional e audiência das populações indígenas envolvidas, como também na sua dimensão material, considerando que deve haver a compatibilidade entre a prática econômica desenvolvida e a preservação ambiental.


Assim, se o direito a uma prática exploratória em terra indígena atender ao dever de preservação ambiental haverá aí a compatibilização entre o dever de preservação ambiental, permitindo-se o desenvolvimento sustentável.


Merece destaque, por fim, que a comunidade indígena deve ser necessariamente ouvida para que possa aceitar ou recusar a proposta de eventual interessado na exploração dos recursos. O tema é alvo de intenso debate no âmbito da Câmara dos Deputados, em função da longa tramitação do Projeto de Lei nº 1610/96, ainda não concluído.


3. CONCLUSÕES.


O reconhecimento do direito ás terras tradicionalmente ocupadas pelas populações indígenas merece aplausos, uma vez que procurou resgatar legítima pretensão, diante de histórico erro no seu tratamento. A ordem constitucional assegurou também a possibilidade de exploração de recursos minerais em terras indígenas.


Esse direito, portanto, sofre a limitação de duas ordens: a) uma, de caráter formal, alusivo à autorização do Congresso Nacional e audiência das populações indígenas envolvidas; e b) outra, de natureza material, atinente à necessidade de obediência da preservação ambiental, direito fundamental de todos os cidadãos, índios ou não.


 


Referências

ANTUNES. Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial, 5 de outubro de 1988.

______. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.610/96. Autoria: Senador Romero Jucá. Disponível em http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16969. Acesso em 22.10.2010.

______.  Lei nº 4.771, de 29 de junho de 1965. Institui o Código Florestal. Diário Oficial, 19.06.1965.

______. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Recurso Especial.  EREsp nº 418.545/SP, Relator Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 29.09.2010, Diário de Justiça Eletrônico, 13.10.2010.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes, LEITE, José Rubens Morato. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

GAVIÃO FILHO. Anízio Pires. Direito Fundamental ao Ambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

NOSSO FUTURO COMUM. Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. 2ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

SILVA NETO. Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

Informações Sobre o Autor

Adrian Soares Amorim de Freitas

Servidor Público Federal do Ministério Público Federal. Engenheiro Civil, Engenheiro Eletricista e Bacharel em Direito, todos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especialista em Telecomunicações. Concluinte do Curso de Especialização em Ministério Público, Direito e Cidadania da Fundação Escola Superior do Ministério Público no Rio Grande do Norte – FESMP/RN.


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Equipe Âmbito Jurídico

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