INTRODUÇÃO
“Execução é um processo onde o Estado, por seus órgãos jurisdicionais, embasando-se em um título executivo, valendo-se de meios coercitivos, efetiva ou realiza a sanção.”
Com base no difundido conceito acima, conclui-se que o processo executivo visa a que o credor – ou exeqüente – obtenha, través de órgãos jurisdicionais, a realização da obrigação a ele devida pelo devedor – ou executado. O credor deve aparelhar sua petição inicial com um título executivo, judicial ou extrajudicial, observando seus requisitos e atributos, ou seja, o sujeito ativo mune-se de um título que lhe permite solicitar ao Estado que adentre no patrimônio do devedor inadimplente e realize sua pretensão, haja vista que, em princípio, toda execução é real.
Não se procederá à invasão patrimonial caso o devedor cumpra a obrigação, quando não há necessidade de adentrar em seu patrimônio, ou caso não possua bens suficientes para fazê-lo, onde a pretensão não será realizada.
Em tese, tudo muito simples. Mas, basta uma olhada mais acurada no dia-a-dia forense para descobrir-se tormentosos problemas. Um dos maiores, e de mais conflituosa solução, surge quando o executado aliena seus bens durante a relação jurídica processual, diminuindo ou dilapidando seu patrimônio – o que configuraria, a priori, fraude à execução – , e terceiros alheios à relação jurídica processual – os que negociaram com o devedor – vêem os bens adquiridos perseguidos pelo Poder Judiciário. Várias situações advêm deste caso, mas a que será ora trabalhada é a do terceiro de boa-fé, ou seja, aquele que adquire o bem reputando-o desimpedido.
O método utilizado para a elaboração deste trabalho foi a combinação entre a pesquisa doutrinária a obras de alguns dos mais importantes processualistas do Brasil e a pesquisa jurisprudencial, apresentando-se seu resultado da seguinte forma: em um primeiro momento, a título de introdução, será analisada a fraude à execução, isoladamente e em cotejo com o instituto da fraude a credores; a seguir, tratar-se-á, sucintamente, dos casos de fraude à execução previstos no Código de Processo Civil – Lei nº. 5.869, de 11.01.1973; e, finalmente, analisar-se-á a situação do terceiro de boa-fé que negociou com o executado, buscando-se, ainda, analisar meios para que os futuros prejudicados pela fraude evitem que ela ocorra.
I – A FRAUDE À EXECUÇÃO
1.1 – Generalidades e distinção
A fraude à execução é um instituto pertencente ao Direito Processual Civil que visa, eminentemente, a dar ao credor garantias patrimoniais de que sua pretensão será satisfeita. Em outras palavras, com a criação de tal instituto, buscou o legislador limitar a liberdade de disposição que o devedor possui sobre seus bens, a fim de assegurar o objetivo final do processo de execução, qual seja, o cumprimento da obrigação inadimplida.
Aduz-se que o executado não deve, através da diminuição de seu patrimônio, lesar seus credores. Há dois modos pelos quais o proprietário pode despojar-se de seus bens: a alienação – venda, etc., e a oneração – instituição de garantia real sobre seus bens, por exemplo. Ambos os modos ensejam a declaração de fraude à execução – desde que realizados após a citação válida do devedor – , desconstituindo o negócio fraudulento, pois este, não obstante ser válido, é considerado ineficaz perante os diretamente envolvidos.
Aqui importa distinguir o instituto ora estudado da fraude a credores: enquanto esta dá-se antes da instauração de ação judicial, aquele dá-se após, (mais precisamente, após a citação válida do devedor), seja em ação de conhecimento, seja de execução; esta sempre pressupõe um devedor em estado de insolvência, aquela só em alguns casos; e, enquanto a fraude a credores acarreta a anulação do ato, voltando-se ao status quo ante, a fraude à execução, como vimos, é causa de sua ineficácia entre as partes do processo e o terceiro.
Para alguns doutrinadores, fiéis seguidores das doutrinas clássicas, como a de Liebman[i], não se deve perquirir, na fraude à execução, o elemento subjetivo, o consilium fraudis, nem a boa-fé do adquirente – elemento este que, na fraude contra credores, deve estar presente. Este assunto será aprofundado oportunamente.
Cabe, ainda, salientar que quem comete fraude contra credores frauda apenas a estes, já quem frauda a execução, além de atentar contra o credor e o(s) terceiro(s), atenta contra o Poder Público, contra a Justiça. Por tal motivo, enquanto a anulação do primeiro tipo de fraude dá-se através de ação autônoma (ação pauliana), a declaração de ineficácia do segundo dá-se na própria execução.
1.2 – Casos de fraude à execução
O Código de Processo Civil pátrio enumera três casos de fraude à execução:
– quando sobre eles (os bens) pender ação fundada em direito real: aqui cuidou o legislador de garantir ao credor seus direitos reais quanto a determinado bem sobre o qual verse ação fundada em direito real. O art. 592 do CPC, em seu inciso I, prevê que ficam sujeitos à execução os bens dos sucessores singulares, no caso de execução de sentença fundada em direito real. A diferença entre os dispositivos, na prática, é que este opera após a sentença, enquanto o do art. 593 tem seus efeitos garantidos desde a citação válida;
– quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência: para o art. 748 do CPC, é insolvente o devedor quando o valor de suas dívidas exceder o de seus bens. O que deve levar o devedor ao estado de insolvência é o negócio fraudulento, não a ação, como pode algum leitor apressado deduzir. Observe-se que basta ao credor certidão negativa do Registro de Imóveis e/ou de veículos da comarca/circunscrição onde corre o processo para embasar a declaração de fraude, cabendo ao devedor provar que não está insolvente;
– nos demais casos expressos em lei: o caso previsto em lei mais notório é o do art. 185 do Código Tributário Nacional (Lei nº. 5.172, de 25.10.1966), que presume fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas do sujeito passivo de dívida ativa em execução. Este terceiro caso não será analisado pormenorizadamente neste trabalho, por questões metológicas e de aplicabilidade prática.
II – A FRAUDE À EXECUÇÃO E O TERCEIRO ADQUIRENTE
Vencida a parte introdutória do presente estudo, deve-se enfrentar, agora, a tormentosa questão da boa-fé do terceiro adquirente em casos que, em tese, configurariam fraude à execução. Para tanto, proceder-se-á a distinção entre a fraude do inciso I do art. 593 do CPC e a do inciso II do mesmo.
2.1 – Quanto ao inciso I do art. 593 do CPC
O inciso I tipifica a fraude à execução no caso de ação fundada em direito real, seja o bem móvel ou imóvel, seja a ação reivindicatória, seja relativa a ônus real, etc., desde que pendente sobre o bem tal ação, ou seja, desde que o devedor esteja regularmente citado, conforme dito acima. O problema surge ao perscrutar-se sobre a necessidade de inscrição da citação da ação no Registro de Imóveis, conforme preceitua a Lei nº. 6.015, de 31.12.1973, em seu art. 167, inciso I, nº. 21, em cotejo com o art. 169.
O leitor que interpretar o artigo 593 do CPC de forma literal, chegará à conclusão de que “Para caracterizar-se a fraude de execução, é irrelevante que a ação proposta esteja inscrita no Registro de Imóveis, pois, no caso, a fraude sempre se presume iuris et de iure (…)” [ii]. Esta foi a posição dominante na doutrina e na jurisprudência durante muito tempo.
Todavia, surgiu uma forte corrente defendendo a necessidade da inscrição da citação no Registro de Imóveis, sob os seguintes argumentos: a) a Lei 6.015/73 é posterior ao CPC, e como este é omisso sobre a necessidade de tal registro, deve ser aplicada; b) apenas a publicidade do processo não é suficiente para garantir a boa-fé do terceiro adquirente, sendo necessária a inscrição da Citação no Registro de Imóveis, bastando para tanto o efeito publicitário dos Registros Públicos.
A última tese restou vencedora: é necessária a inscrição da citação no Registro de Imóveis. E mais: feita esta, gera presunção juris et de jure, pois o fato registrado é de conhecimento de todos. No entanto, o contrário não é verdadeiro: caso não tenha o credor efetuado a inscrição, ainda lhe é reservado o direito de alegar a fraude ora estudada, mas tem ele que demonstrar o conhecimento do terceiro sobre a relação processual. Esta é a posição doutrinária[iii] e jurisprudencialmente[iv] dominante.
2.2 – Quanto ao inciso II do art. 593 do CPC
Como visto, para a fraude deste inciso, segundo o CPC, bastaria a existência de ação capaz de levar o devedor à insolvência e a demonstração, por parte do credor, que a alienação ou oneração eivada de fraude, efetivamente, frustrou os meios de realização da execução, a não ser que o bem já estivesse vinculado à execução – através de penhora, arresto ou seqüestro – portanto, tudo o que se falar sobre penhora, vale para estes.
Portanto, deve-se dividir este estudo em duas partes: quando há penhora devidamente registrada; e quando não há penhora – apenas havendo ação judicial –, ou, havendo penhora, esta não esteja registrada.
Antes da análise dos casos, cabe uma observação. A doutrina clássica diz que para que se dê este caso de fraude, basta a existência prévia da ação ao negócio e a insolvência do devedor advinda deste, demonstrada pelo credor através certidões de ausência de outros bens penhoráveis – como no caso do inciso I, não se esquadrinharia a boa ou a má-fé do terceiro adquirente, operando o artigo 593 de plano, com a respectiva declaração de fraude.
Ocorre que, com o passar do tempo, doutrina e jurisprudência com base na boa-fé do terceiro, que teria se dirigido ao competente cartório e não encontrado nenhuma restrição sobre o bem, e na Lei 6.015/73 que prevê, no art. 167, inciso I, nº. 5, o registro de penhora, arresto ou seqüestro, começaram a entender este inciso de forma diferente – passou-se a entender o registro como elementar à penhora, posição pacificada pela alteração no art. 659 promovida pela Lei nº. 8.954, de 13.12.1994, ratificada pela Lei nº. 10.444, de 07.05.2002, que diz que, para fazer efeito perante terceiros, deve a penhora ser registrada no Registro de Imóveis da comarca competente.
Por isto a relevância da distinção acima proposta: se, quando à época da negociação com o terceiro havia penhora registrada, esta faz presunção de prova em favor do exeqüente, exceto quando exista compromisso de compra e venda efetivado antes do registro da penhora, mesmo não estando registrado[v]; ao passo que quando há ação judicial sem penhora, ou, quando há penhora não registrada é necessário “que o adquirente saiba da existência da ação, ou por já constar no cartório imobiliário algum registro dando conta de sua existência (presunção juris et de jure contra o adquirente), ou porque o exeqüente, por outros meios, provou que do aforamento da ação o adquirente tinha ciência” e não apenas, como diz a doutrina clássica, “que a alienação ou a oneração dos bens seja capaz de reduzir o devedor à insolvência”[vi]. Esta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça resume a tônica das decisões dos tribunais pátrios. O citado ganha mais força quando o bem é alienado ao terceiro de boa-fé por outrem que não o devedor.
Cabe ressaltar que também não há fraude à execução quando, já garantido o feito por outros bens, o executado aliena ou onera bem diverso do gravado a terceiro.
Em suma: além dos requisitos unanimemente aceitos, haverá fraude à execução se: a) o negócio jurídico se deu após a constrição devidamente registrada; b) caso haja penhora sem registro, demonstrar o credor que o terceiro sabia do ato; ou c) sem penhora, mas com ação pendente, demonstrar o credor a insolvência do devedor e o conhecimento do terceiro da existência da ação[vii].
Como remédios contra a alienação ou oneração de bens por parte do devedor, deve o credor registrar a penhora o mais rápido possível, ou, no caso de a ação ainda ser de conhecimento, valer-se de arresto cautelar, também devidamente registrado, ou, ainda, solicitar ao Juízo alguma outra medida cautelar – no caso de indeferimento do pedido de arresto – com o intuito de garantir com bens do devedor a realização da execução.
Cabe, afinal, ressaltar que se configura bastante difícil a prova do conhecimento por parte do terceiro, motivo pelo qual deve o juiz exigi-la dentro do limite do bom senso. Caso realmente seja o caso de inexistência de fraude, o adquirente certamente se valerá de Embargos de Terceiro, procedimento de natureza cognitiva onde apreciar-se-á a prova sem desnaturar-se a execução, procedimento este onde o trâmite probatório não é aceito.
CONCLUSÃO
Do exposto ao longo do estudo de tema tão controverso e cheio de casuísmos, várias conclusões podem ser apontadas. Contudo, tratar-se-á de apenas algumas, sucintamente, pois nem todos possuem as mesmas luzes.
Percebe-se uma clara diferença entre a letra do CPC e sua aplicação no universo jurídico: esta leva em conta, principalmente, a perquirição da boa-fé do terceiro adquirente – mormente no que tange a bens imóveis –, chegando a, no caso de não inscrição de certos atos no Registro de Imóveis, haver uma presunção relativa de boa-fé do terceiro, em detrimento do credor, cabendo a este provar (pois presume-se o adquirente inocente) a má-fé do terceiro, o consilium fraudis, como na fraude a credores; ao passo que, segundo o Código Processual nacional, não há que se falar em boa-fé do adquirente, muito menos presumi-la. Bastaria ao credor, quando muito, segundo o CPC, demonstrar o estado de insolvência do devedor oriundo da alienação/oneração fraudulenta.
Sob o aspecto histórico, percebe-se fato semelhante: hoje, dado o caráter humanista, idealista e principiológico do direito pátrio (mormente após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, que teve seus princípios sociais ratificados pelo Código Civil de 2002), prioriza-se o terceiro de boa-fé em praticamente todos os casos onde ele estiver presente – em regra, em prejuízo dos credores do alienante. Um dos argumentos mais fortes neste sentido é o de que, caso não fosse protegido o terceiro de boa-fé, haveria enorme insegurança no mundo negocial, podendo-se chegar ao extremo de um colapso na economia, especialmente em sua parte ligada ao ramo imobiliário.
Há alguns anos, sob a égide do individualismo e do patrimonialismo vigentes nos meios jurídico e político, não se cogitava sobre boa-fé do adquirente: buscava-se garantir o direito do credor, protegia-se a boa-fé deste, haja vista que, ao negociar, acreditou o credor que veria sua obrigação adimplida. Ora, protegia-se a boa-fé do primeiro indivíduo a integrar a relação jurídica – o credor – e não do segundo – o devedor. Observe-se que o mesmo argumento utilizado para defender o ponto de vista dos que protegem a boa-fé do terceiro, vale para proteger a do credor: a insegurança gerada no mundo negocial por uma proteção do devedor de má-fé, que dilapida seu patrimônio para não honrar suas dívidas, deixando, assim, o contratante que acreditou no devedor sem receber o que lhe é devido. Ora, quem negociaria sabendo que o devedor não lhe pagaria e o judiciário nada faria para coibi-lo? É de se pensar a respeito.
Ademais, cabe ressaltar que fraude à execução é um atentado à própria Justiça, tanto no sentido filosófico como no tomado como sinônimo de Poder Judiciário, pois esta é burlada ao ver fraudada a realização que buscava garantir, havendo, por conseqüência, uma espécie de desmoralização do Estado, que não consegue fazer valer os direitos dos cidadãos que dele dependem para realizá-los.
Indaga-se, pois: qual posição é a correta? A primeira ou a segunda? A resposta é simples: nenhuma. Como preconizava Aristóteles, há vinte e cinco séculos atrás, a virtude está no ponto de equilíbrio, no encontro e harmonia entre as partes dissonantes. Resta apenas ao jurista e ao legislador encontrarem-no.
Até que se encontre o que o Estagirita nos aconselha, cabe ao credor valer-se dos remédios postos pela legislação em vigor a seu dispor para garantir seu direito. Alguns deles já foram enumerados, como o arresto e outras medidas acautelatórias (vide o final do Capítulo II, retro). Diversas medidas podem ser encontradas, bastando ao operador do direito, em especial, ao advogado, buscá-las ou, até, inovar, tentando outras soluções.
Além disso, o legislador poderia, com providências simples, facilitar um pouco a vida do credor – e do próprio terceiro – adotando medidas com o fito de melhor assegurar o direito do exeqüente – como foi feito, em 1994 e em 2002, para dar mais segurança ao terceiro de boa-fé, ao tornar obrigatória a inscrição da penhora no Registro de Imóveis para que gere efeitos erga omnes. Poderia ser feita, por exemplo, uma modificação no artigo 593 do Código de Processo Civil prevendo a obrigatoriedade do registro da citação válida do devedor no Registro de Imóveis – e também no DETRAN; não se tratou do tema da boa-fé com relação ao adquirente de veículos, mas registre-se que é um assunto deveras tormentoso – em qualquer dos casos previstos no artigo 593. Assim, o terceiro, ao adquirir bens do devedor, saberia que, ao menos, corre contra este ação que pode reduzi-lo à insolvência ou que sobre o bem objeto do negócio corre ação fundada em direito real. Desta forma disposto em lei, efetivado pelo credor o registro, não tornaria o bem indisponível, apenas cientificaria o terceiro de que poderá este vir a perdê-lo, contratando o alienante por conta e risco próprios, sem poder alegar boa-fé. Não obstante o conteúdo da Lei 6.015/73, parece uma modificação que viria dar mais segurança aos universos jurídico e negocial.
Por enquanto, devemos contar apenas com o bom senso dos Magistrados – e com a habilidade dos advogados.
Bel. em Direito pela FURG/RS
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