As recentes declarações do Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Édson Vidigal, causaram polêmica nos meios políticos e constitucionais do País. De acordo com ele, o movimento grevista deflagrado pelos servidores dos quadros do Poder Judiciário do Estado de São Paulo seria fato suficiente para a decretação de intervenção federal no Estado de São Paulo, haja vista que o Poder Judiciário estaria impossibilitado de exercer suas funções constitucionais (Folhaonline – 20/09/2004 – 20h19min – capturado na mesma data em www1.folha.uol.com.br/folha/Brasil/ult96u64269.shtml).
Sem que se entre na questão da justiça ou da legalidade do movimento paredista em curso, temas que escapam do objeto do presente trabalho, há que se verificar se a intervenção pode ser originada pela ocorrência de greve de servidores públicos.
De acordo com a Doutrina constitucional, o Estado Federal é caracterizado pela presença de, entre outros, dois elementos básicos: a existência de governo próprio e a repartição constitucional de competência a cada um dos membros da Federação.
A conferência, pela Constituição Federal, de competência própria aos entes da Federação, gera a autonomia de cada um deles, o que importa na possibilidade de cada um dos membros da Federação poder praticar os atos de governo que a Constituição Federal lhe possibilita, sem interferência, seja da ordem jurídica central, seja de outro membro componente da Federação.
Apesar de autônomas, essas entidades devem obedecer a certos princípios, com o fim de manter o equilíbrio federativo, sob pena de sofrerem a supressão temporária da respectiva autonomia, sendo obrigadas a suportar a ingerência da União Federal em seus negócios governamentais.
Tal supressão temporária da autonomia é, exatamente naquilo que pertine ao tema objeto de estudo, a chamada Intervenção Federal, ato eminentemente político carregado de forte excepcionalidade, já que no Estado Federal a regra é a posse de competências exclusivas conferidas às partes componentes do pacto federativo; o princípio constitucional é o da não intervenção, o que se extrai da redação do “caput” do art 34 da Constituição Federal: A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:.(destacado).
Lembre-se, contudo, que a possibilidade de intervenção não importa na existência de hierarquia entre os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), já que, como explicitado, esses são autônomos, pois detentores de poderes próprios previstos na Constituição Federal.
As ocorrências fáticas que podem autorizar a decretação de intervenção federal estão catalogadas taxativamente no art. 34 da Constituição Federal. Sendo assim, a intervenção federal somente pode ser decretada para:
I – manter a integridade nacional;
II – repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III – pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V – reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;
VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
Nos termos da declaração do Excelentíssimo Ministro, a intervenção deveria ser decretada no Estado de São Paulo nos termos da disposição tipificada no inciso IV do art. 34 da Constituição Federal, haja vista que o Poder Judiciário estaria impossibilitado de exercer seu mister constitucional.
Fundamentada em tal dispositivo constitucional, a intervenção poderia ser decretada pelo Presidente da República, desde que provocado por requisição expedida pelo Poder Judiciário.
Resta, então, analisar se a greve dos servidores do Judiciário paulista impede que referido Poder exerça sua função típica de distribuir Justiça, e a resposta parece apontar para a insuficiência do movimento paredista como causa da supressão temporária da autonomia do Estado de São Paulo.
Por primeiro, constata-se que o Poder Judiciário no Estado de São Paulo não está impedido de exercer suas funções constitucionais. Há comarcas onde inexistem servidores em greve, outras em que a paralisação é parcial e, na grande maioria delas, inclusive naquelas onde a greve foi deflagrada por servidores locais, os processos cuja tramitação reclama urgência continuam sendo movidos, como os casos de réus presos, as ações em que seja necessária cognição sumária e as ações nas quais se postulam alimentos. Mandados de prisão e alvarás de soltura continuam sendo expedidos e os atos da justiça eleitoral, muitos deles praticados por servidores do Judiciário estadual, permanecem sendo praticados. Certo é que a grande maioria dos processos não está tramitando, mas isso não é indicativo de existência de coerção ao Poder Judiciário capaz de impedi-lo de entregar a jurisdição.
Por outro lado, poder-se-ia considerar a possibilidade da decretação da supressão temporária da autonomia do Estado de São Paulo, pela ocorrência da greve dos servidores do Judiciário, como autorizada pelas hipóteses previstas nas alíneas “a” e “b”, do inciso VII, do art. 34 da Constituição Federal. Nesses casos (desobediência aos princípios constitucionais sensíveis), a decretação de intervenção pelo Presidente da República depende do provimento de Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva proposta pelo Procurador-Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal (art. 34, inciso VII, da Constituição Federal).
Ainda assim, não se verificam presentes as hipóteses previstas, já que a forma republicana (poder exercido pelo povo, por meio de mandatários eleitos temporariamente), o sistema representativo (a existência do mandato representativo) e o regime democrático (acessibilidade do povo, dos governados ao processo de formação da vontade estatal) não se encontram violados com a deflagração da greve.
No entanto, no Estado de São Paulo, mesmo com a greve dos servidores, os direitos da pessoa humana continuam sendo respeitados. Aliás, poder-se-ia cogitar, até mesmo, de desrespeito aos direitos da pessoa humana pela omissão do legislador federal infraconstitucional ao não regulamentar a norma constitucional de eficácia limitada do inciso VII, do art. 37, da Constituição Federal.
Sendo assim, respeitadas as opiniões em sentido contrário, o movimento grevista dos servidores do Judiciário paulista não é causa suficiente à decretação da intervenção federal no Estado de São Paulo, uma vez que a situação fática não se amolda às hipóteses autorizadoras taxativamente previstas no art. 34 da Constituição Federal.
Procurador do Estado de São Paulo
Mestre em Direito Constitucional – ITE-Bauru
Doutorando em Direito Tributário – PUC-SP
Autor do livro A inviolabilidade do Sigilo de Dados
Professor da Faculdade de Direito das Faculdades Integradas de Ourinhos
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