Resumo: O presente artigo circunscreve-se no âmbito do Direito Tributário Internacional, e tem como escopo estudar a Organização Mundial do Comércio – OMC no referente à matéria tributária, especificamente analisando a valoração aduaneira.
O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT, estabelecido em 1947, tinha por objetivo a harmonização das políticas aduaneiras dos Estados signatários. Está na base da criação da Organização Mundial de Comércio. É um conjunto de normas e concessões tarifárias, criado com a função de impulsionar a liberalização comercial e combater práticas protecionistas, e regular, provisoriamente, as relações comerciais internacionais.[1]
Após a Segunda Guerra Mundial, vários países decidiram regular as relações econômicas internacionais, não apenas com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de seus cidadãos, mas também por entenderem que os problemas econômicos influíam seriamente nas relações entre os Governos. Para regular aspectos financeiros e monetários, foram criados o BIRD e o FMI, e no âmbito comercial, foi discutida a criação da Organização Internacional do Comércio – OIC, que funcionaria como uma agência especializada das Nações Unidas.[2]
Em 1946, visando impulsionar a liberalização comercial, combater práticas protecionistas adotadas desde a década de 30, vinte e tr países, posteriormente denominados fundadores, iniciaram negociações tarifárias. Essa primeira rodada de negociações resultou em 45.000 concessões e o conjunto de normas e concessões tarifárias estabelecido passou a ser denominado Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT.[3]
Os membros fundadores, juntamente com outros países, formaram um grupo que elaborou o projeto de criação da OIC, sendo os Estados Unidos um dos países mais atuantes no convencimento da ideia do liberalismo comercial regulamentado em bases multilaterais. O fórum de discussões, que se estendeu de Novembro de 1947 a Março de 1948, ocorreu em Havana, Cuba, e culminou com a assinatura da Carta de Havana, na qual constava a criação da OIC. O projeto de criação da OIC era ambicioso pois, além de estabelecer disciplinas para o comércio de bens, continha normas sobre emprego, práticas comerciais restritivas, investimentos estrangeiros e serviços.[4]
Apesar do papel preponderante desempenhado pelos Estados Unidos nestas negociações, questões políticas internas levaram o país a anunciar, em 1950, o não encaminhamento do projeto ao Congresso para sua ratificação. Sem a participação dos Estados Unidos, a criação da Organização Internacional do Comércio fracassou. Assim, o GATT, um acordo criado para regular provisoriamente as relações comerciais internacionais, foi o instrumento que, de fato, regulamentou por mais de quatro décadas as relações comerciais entre os países.[5]
Durante a Rodada Uruguai de negociações, voltou-se a discutir sobre a criação de um organismo internacional destinado a regulamentar o comércio internacional, não apenas de bens, mas também serviços, além de temas relacionados a investimentos e propriedade intelectual, entre outros. Como resultado, a Ata da Rodada Uruguai inclui um novo Acordo de Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT 94), o qual mantêm a vigência do GATT 47, o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS), o Acordo sobre Investimentos (TRIMS), o Acordo sobre direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS). Por fim, a Ata da Rodada Uruguai também contém o acordo constitutivo da Organização Mundial de Comércio- OMC, encarregada de efetivar e garantir a aplicação dos acordos citados.[6]
Ou seja,o GATT, foi um órgão que foi criado afim de harmonizar a política aduaneira entre países, pois no início não tinha o poder de punir, julgar e fiscalizar países infratores, mais em 2003 em uma reunião da OMC, com a liderança do Brasil, África do Sul e Índia foi criado o G20, como o grupo de países em desenvolvimento, então a partir daí o GATT teve o poder de julgar fiscalizar e punir países infratores.[7]
1. O VALOR ADUANEIRO NO COMERCIO INTERNACIONAL
O aumento das relações comerciais internacionais e a ampliação das exportações pelas empresas trazem a necessidade de conhecer e utilizar corretamente o Acordo de Valoração Aduaneira, identificar os métodos de valoração com demonstração de cálculos e reconhecer as implicações do acordo no despacho aduaneiro de importação. A valoração aduaneira é um sistema prévio de fiscalização de preços declarados em documentos fiscais de comércio internacional largamente utilizado. [8]
A valoração aduaneira tem como objetivo a determinação do valor de certa mercadoria importada, fixando um montante que servirá de base para o cálculo dos tributos e eventuais direitos aduaneiros, segundo certos princípios e critérios técnicos e legais aprovados e praticados internacionalmente. Com isso, busca-se reduzir a competição desleal entre produtos nacionais e estrangeiros. [9]
Utilizado segundo os critérios do Acordo de Valoração Aduaneira da Organização Mundial de Comércio – OMC resulta na justa fixação da base de cálculo dos tributos aduaneiros. Este sistema contribui para a regulação dos mercados, constitui uma forma de controlar os preços internacionais, impedindo o sub ou o superfaturamento nas operações internacionais. [10]
Essencialmente, a correta valoração aduaneira é responsável por evitar que as partes sejam prejudicadas em determinada operação pela imposição de eventuais “penalidades”, ou seja, de direitos aduaneiros para correção de preços e proteção de mercado, tais como os direitos antidumping, e também por garantir maior celeridade no trâmite da documentação de importação e exportação nas repartições alfandegárias. [11]
Destaca-se que valor aduaneiro é um conceito jurídico adotado desde a Constituição Federal até simples instruções normativas e cuja definição, conteúdo e alcance, portanto, não podem oferecer – ou não deveriam oferecer – espaço para digressões (art. 110 da Lei nº 5.172/66 – Código Tributário Nacional). É comumente aceito como o valor da transação, ou seja, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas, acrescido do custo da carga, manuseio, descarga, transporte e seguro até o porto de destino. Trata-se de conceito estabelecido internacionalmente, com a finalidade específica de padronizar a base de cálculo do Imposto de Importação, refletindo, também, por conseguinte, na composição da base de cálculo de todos os demais tributos incidentes sobre as operações de importação. Daí a significativa relevância da matéria.[12]
Mas, se teoricamente há relativo consenso quanto à definição, ao conteúdo e ao alcance jurídicos da expressão valor aduaneiro – consenso, todavia, corrompido pela Lei nº 10.865/04, que instituiu a contribuição para o PIS e a COFINS incidentes sobre operações de importação e tentou estender o seu alcance –, o mesmo não se pode dizer quando se vai da teoria à prática.
A controvérsia ganha corpo quando a Autoridade Aduaneira levanta alguma dúvida a respeito do valor aduaneiro declarado pelo contribuinte. Nasce aí um conflito de interesses entre a Administração Aduaneira – Estado e o Administrado – contribuinte importador, cuja solução depende da formalização de um verdadeiro processo administrativo de valoração aduaneira, que consiste na sucessão de atos da Administração Aduaneira, do Administrado e da Administração Julgadora, que convergem para uma composição, revelando e declarando o valor aduaneiro, respeitados o contraditório e a ampla defesa.[13]
Percebe-se, portanto, a existência de duas formas de valoração aduaneira: (i) valoração consensual, realizada pela simples declaração do contribuinte; (ii) valoração contenciosa, provocada pela Administração Aduaneira, e operacionalizada mediante o devido processo legal administrativo. Porém, o procedimento e os critérios a serem adotados na hipótese de valoração contenciosa não encontram uniformização. Identifica-se, na prática, ao menos três procedimentos diferentes utilizados aleatoriamente pela Receita Federal do Brasil: (i) métodos substitutivos ou seqüenciais; (ii) custo de produção; (iii) arbitramento puro. [14]
O primeiro procedimento, pelos métodos substitutivos, é determinado pelo Acordo de Valoração Aduaneira – AVA, fruto da Rodada do Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, em que foi aprovado o Acordo sobre a implementação do artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994, realizada na Capital do Uruguai, Montevidéu, no ano de 1994, e cuja ata final assinada pelo Brasil foi aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 30, de 15 de dezembro de 1994, e promulgada pelo Decreto n.º 1.355, de 30 de dezembro de 1994, incorporando-se ao ordenamento jurídico nacional com natureza e efeito de lei ordinária. [15]
O procedimento dos métodos substitutivos foi ratificado pelo art. 76 do Decreto nº 4.543/02 (Regulamento Aduaneiro) e pela Instrução Normativa SRF nº 327/03. Consiste, basicamente, na adoção de um primeiro critério de identificação do real valor aduaneiro e de cinco outros critérios subsidiários e seqüenciais fictícios, quatro deles de presunção, um de arbitramento. [16] O primeiro critério – valor real –, chamado de método primeiro, é o mesmo que o contribuinte deve adotar quando realiza a valoração consensual e se assenta no valor da transação, que, como visto anteriormente, deve corresponder ao preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, acrescido do custo da carga, manuseio, descarga, transporte e seguro até o porto de destino.
Esse é o valor aduaneiro por excelência, pelo que só pode ser rechaçado se a documentação apresentada pelo importador for omissa ou carente de credibilidade.
E para comprovar a fé do valor aduaneiro apurado pelo referido método, primeiro devem ser necessários, mas também suficientes, os documentos exigidos do importador pela legislação aduaneira (2): (i) conhecimento de carga; (ii) fatura comercial; (iii) romaneio de carga (packing list), desde que, regularmente consularizados; (iv) contrato de câmbio, autenticado. [17]
Toma-se, então, como referência para a valoração, na seguinte ordem obrigatoriamente seqüencial: o valor de outras transações com mercadorias idênticas, realizadas entre comerciantes dos mesmos países e na mesma época (método segundo); o valor de outras transações com mercadorias similares, realizadas entre comerciantes dos mesmos países e na mesma época (método terceiro); o valor de revenda no mercado interno do país importador, de mercadorias idênticas ou similares (método quarto); o custo aproximado de produção da mercadoria, somado às despesas comerciais e suposto lucro (método quinto); e, finalmente, o arbitramento puro, sem qualquer critério específico (método sexto). [18]
É importante insistir em que a progressão de um método para o outro só será legítima se impossível a aplicação do antecedente. Trata-se de condição de procedibilidade inafastável, ainda que o valor real da transação, devidamente comprovado pelo importador, seja inferior ao valor da média de outras operações de importação com mercadorias idênticas ou similares, realizadas entre os mesmos países, ou no mercado interno, no mesmo período. [19]
A única exceção quanto à ordem seqüencial está na utilização dos métodos quinto e sexto, que podem ser adotados alternativamente, desde que, é lógico, impossível a adoção seqüencial de cada um dos antecedentes. Contudo, algumas vezes, a Autoridade Aduaneira simplesmente ignora os documentos apresentados pelo importador, ainda que consularizados e autenticados, ignora a existência de outras operações – de importação ou no mercado interno – com mercadorias idênticas e/ou similares e aplica diretamente o método de custo de produção ou, o que é pior, promove arbitramento sem qualquer critério ou referência.
Logo, os outros dois procedimentos de valoração contenciosa referidos no início, adotados pela Receita Federal do Brasil como se fossem procedimentos autônomos, correspondem, na verdade, à adoção direta, e, portanto, supostamente ilegítima e ilegal, do método quinto e do método sexto vistos acima. [20]
Infere-se do exposto que, diferente da postura que se verifica na prática, a legislação aduaneira não estabelece e não autoriza três procedimentos de valoração aduaneira autônomos, mas apenas um, o procedimento dos métodos substitutivos disciplinado pelo Acordo de Valoração Aduaneira, cuja observação representa direito líquido e certo dos contribuintes. No Brasil a Comissão de Desenvolvimento Econômico aprovou o Projeto de Lei n.º 2.433/03, do deputado Érico Ribeiro (PP-RS), cujo objetivo é regulamentar a assistência internacional prestada pelo país no concernente à valoração aduaneira com o fito de prevenir fraudes no comércio internacional. Pretende-se com a proposta a adequação da legislação brasileira à decisão da Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio – OMC, de 2001. Denota-se que o texto autoriza o Poder Executivo a assistir as administrações aduaneiras estrangeiras em investigações relativas às exportações do Brasil para o país assistido, mediante a prestação de informações sobre essas operações comerciais.[21]
O relator da matéria na comissão destacou o fato da proposição reafirmar a posição brasileira favorável ao estabelecimento multilateral de práticas justas no comércio internacional, ao internalizar pioneira e voluntariamente uma das recomendações da própria OMC. Destaca, ainda, a estratégia adotada pelo texto, ao vincular o fornecimento de informações referentes às exportações à obrigatória reciprocidade por parte do país importador. Tal determinação, segundo o relator, representaria um grande incentivo na celebração de mecanismos de cooperação bilateral nesse sentido. A proposição, que tramita em caráter conclusivo, será votada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.[22]
2. A VALORAÇÃO ADUANEIRA NO BRASIL
Valoração Aduaneira é um dos elementos essenciais dos sistemas tributário e tarifário do comércio exterior. Além de servir ao recolhimento de tributos, à proteção da indústria, ela também serve para aplicação de todos os outros controles ou formas de aperfeiçoamento das relações comerciais dos países, como contingenciamento, apuração de estatísticas.[23] No Brasil entraram em vigor as regras da Valoração Aduaneira pelos atos legais: Decreto nº 2.498/98; Instrução Normativa (SRF) nº 16/98; Instrução Normativa (SRF) nº 17/98 e Portaria (MF) nº 28/98.[24]
A implementação da Valoração Aduaneira no Brasil terá que dispor de vários especialistas em valor aduaneiro para ser eficiente e eficaz. É preciso que o governo forme especialistas e conhecedores dos mecanismos da composição de preços e dessa estrutura tão complexa, para que a sua aplicação não incorra em “erros” por falta de conhecimento. Durante muito tempo, a regulamentação do controle do comércio entre os países era efetuada através de sistemas particulares de valoração. Desta forma criava-se sistemas controversos que na maioria das vezes, eram excessivamente protecionistas.[25]
Fazia-se necessário, que houvesse uma fórmula que beneficiasse os negócios mundialmente. Isso ocorreu na rodada do GATT. Naquela rodada, considerou-se que não se poderia continuar com sistemas de valoração que prejudicavam e deturpavam o comércio; que deveria se ter um sistema de valoração eqüitativo, uniforme, neutro e que beneficiasse as negociações. Dentro desse princípio, surgiu o acordo que hoje regula essas trocas que é o acordo de implementação do artigo VII do GATT e da Rodada Uruguai (OMC).[26]
O princípio do acordo baseia-se na livre concorrência. Se existe um preço derivado de uma situação não concorrencial, esse preço contém, em sua formação, outros instrumentos que não só o preço da troca. Se existe a relação de dependência entre um comprador/vendedor, outros fatores influirão na formação desse preço. Às vezes, há fatores que não o distorcem porque se pode acomodar ou recompor esse preço, como no caso de uma operação de compra e venda entre um representante exclusivo e um exportador, em que o primeiro assume custos que seriam, normalmente, custos do exportador. [27]
Numa situação dessa, se recompõe o preço que seria o preço real em situação de livre concorrência, e a tributação se faz em cima desse preço. Porém, se a relação de dependência não é em relação ao preço nem ao fato de se estar assumindo uma atividade que normalmente é devida ao exportador, e sim ao fato de se estar obtendo descontos especiais por conseqüência da representação exclusiva, esse preço não é um preço derivado de uma situação de livre concorrência. Esse não é o valor de transação. Por isso, se criou o valor de transação, pois as mercadorias devem ser tributadas pelo seu valor real que é o seu valor de transação, ou seja, é o custo incorrido na transação. Esse é o principal método de valoração aduaneira e é o mais aplicado, representando mais de 95% do comércio mundial, no âmbito do GATT/OMC.[28]
Existem fatores que inviabilizam a utilização desse primeiro método. Foram criados outros métodos, que devem ser seguidos na ordem seqüencial de apresentação, e que procuram se aproximar o máximo possível do valor real, ou seja, do valor de transação. O caminho para aproximação do máximo desse valor real obriga a aplicação dos métodos seqüencialmente, na ordem em que se apresentam.[29]
Temos sempre que ter em mente que o Acordo da Valoração Aduaneira trás a base de cálculo para imposição de tarifa ao valor real de uma operação, em situação de livre concorrência. Esse ponto é importantíssimo porque trará muitas mudanças na atividade industrial e comercial. Em decorrência do valor real da mercadoria, em geral, o valor aduaneiro tende ou tem que tender a ter uma certa uniformidade, seja essa uniformidade decorrente dos preços praticados por um exportador, ou decorrente do nível geral de preços praticados nos mercados. Uma determinada mercadoria, num determinado nível de desenvolvimento tecnológico, não pode ter grandes disparidades entre dois fornecedores que fazem a mesma mercadoria, mais ou menos com as mesmas especificações, destinada ao mesmo uso e com semelhante tecnologia. [30]
A grande dificuldade desse acordo é a sua complexidade, que ele exige um profundo conhecimento de cada palavra e do que ela causa numa relação entre todos os artigos existentes nele. Acredita-se que a aplicação da valoração deveria ser através de um processo de seletividade. Uma mercadoria escolhida para verificação deveria ser posta à disposição do importador imediatamente e a verificação do valor aduaneiro ficaria postergado. Nesse caso, o importador deveria apresentar uma declaração específica do valor da mercadoria e outros documentos e o órgão competente teria um prazo determinado para realizar a verificação, podendo até ser prorrogado.
Desta forma, ter-se-ia tempo suficiente para formar as equipes técnicas em Valoração Aduaneira e as implementações das normas, sem que com isso crie-se barreiras para as importações, que hoje vêm acontecendo.[31]
Advogada, Doutoranda em Direito Constitucional pela Universidad de Buenos Aires, Mestre em Direito Internacional pelo Uniceub, membro associado do Comitê Brasileiro de Arbitragem, membro das Comissões de Mediação e Arbitragem e Relações Internacionais da ordem dos Advogados do Brasil – OAB/DF
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