A ilegalidade da “tarifa de esgoto” cobrada pela companhia estadual de águas e esgoto – cedae


Resumo: O presente artigo traz à baila a jurisprudência atual sobre algumas das ilegalidades existentes na cobrança da “tarifa de esgoto” cobradas pela CEDAE, no município do Rio de Janeiro. Ao final é apresentada uma síntese conclusiva sobre o tema.


Sumário: 1. Introdução 2. As teses utilizadas pela CEDAE para ultimar a cobrança ilegal de “tarifa de esgoto” 3. A questão da natureza jurídica da “tarifa de esgoto” 4. A jurisprudência hodierna e 5. Síntese conclusiva


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1. Introdução


No município do Rio de Janeiro, milhares de proprietário de imóveis ou locatários – supostamente usuários do serviço de coleta de esgoto – são verdadeiras vítimas da sanha arrecadatória da CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgoto).


No caso do Rio de Janeiro é cediço que a CEDAE cobra por serviços de coleta de esgoto de milhares de imóveis – sejam residências ou comerciais -, sem que efetivamente preste quaisquer dos serviços cobrados. É um absurdo denominar tais vítimas de usuários de serviços de coleta de esgoto!


A CEDAE lastreia suas cobranças ilegais nas mais variadas fundamentações teratológicas. Apenas como exemplo, basta citar duas atabalhoadas argumentações apresentadas nas contestações da CEDAE nas centenas de lides ajuizadas no Poder Judiciário Fluminense. A CEDAE alega, em síntese apertada, que toda água que entra no imóvel – medida pelo hidrômetro – saí, logo não há como o usuário – que é consumidor de água fornecida pela CEDAE – se negar ao pagamento da tarifa de coleta do esgoto. Outra justificativa esdrúxula para a cobrança da tarifa de esgoto é que a CEDAE afirma veementemente que presta o serviço de esgotamento sanitário através de sua rede coletora! Ora, é cediço que no município do Rio de Janeiro alguns bairros, principalmente na Zona Oeste, não possuem rede coletora de esgoto.


Felizmente, o Poder Judiciário Estadual, bem como o Superior Tribunal de Justiça já sinalizam um novo tempo. Começa a existir uma uniformização das decisões em favor das vítimas da CEDAE.


A seguir serão colacionadas algumas decisões importantes que afastam as malfadadas tarifas de esgoto cobradas ilegalmente no Município do Rio de Janeiro pela CEDAE.


2. As teses utilizadas pela CEDAE para ultimar a cobrança ilegal de “tarifa de esgoto”


A CEDAE sustenta a indefensável cobrança das tarifas de esgoto, alegando que a “tarifa de esgoto” deve ser proporcional ao consumo de água, já que toda a água que entra no imóvel deve ser eliminada pelo esgoto. A CEDAE tenta dar forma de legalidade aos seus atabalhoados aduzimentos, elencando uma infinidade de legislações ultrapassadas e que não foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988.


A justificativa da CEDAE para ultimar a cobrança de valores ilegais é um verdadeiro escárnio!


Ocorre que a CEDAE possui outras teses igualmente fantasiosas, como por exemplo a tese de que o adquirente de propriedade imobiliária assume as dívidas de água e esgoto do antigo proprietário do imóvel.


Todas essas teses – que um dia já foram acolhidas pelo Poder Judiciário -, atualmente começam a ser rechaçadas, conforme se pretende demonstrar no presente arrazoado.


3. A questão da natureza jurídica da “tarifa de esgoto”


Para aclarar a celeuma, é importante esclarecer inicialmente que a “tarifa de esgoto”, em verdade, não é uma taxa e não se confunde com quaisquer das outras espécies tributárias existentes no nosso ordenamento jurídico. Ademais, existem Súmulas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que deixam evidenciada a natureza jurídica das denominadas “tarifas de esgoto”. Senão vejamos:


SÚMULA nº 82 – “É legítima a cobrança de tarifa diferenciada ou progressiva no fornecimento de água, por se tratar de preço público.”


SÚMULA nº 83 – “É lícita a interrupção do serviço pela concessionária, em caso de inadimplemento do usuário, após prévio aviso, na forma da lei.”


SÚMULA nº 84 – “É legal a cobrança do valor correspondente ao consumo registrado no medidor, com relação à prestação dos serviços de fornecimento de água e luz, salvo se inferior ao valor da tarifa mínima, cobrada pelo custo de disponibilização do serviço, vedada qualquer outra forma de exação.”


As Súmulas supracitadas evidenciam o entendimento jurisprudencial de que as “tarifas de esgoto” são verdadeiros preços públicos, pois, enquanto não houver a concessão do serviço público ao concessionário privado, os valores arrecadados pela CEDAE continuaram sendo considerados ingressos públicos e, portanto, preço público e não tarifa (preço privada com características de modicidade) ou taxa (espécie de tributo).


Aqui é importante salientar que a natureza jurídica da “tarifa de esgoto”, não é relevante para deslinde do tema ora apresentado. Neste sentido, é salutar destacar que independente da natureza jurídica que se atribua à tal exação, não há como tolerar a sua cobrança quando não há qualquer prestação de serviço correspondente ao preço pago pelo proprietário do imóvel ou o seu adquirente.


4. A jurisprudência hodierna


Frise-se que o Superior Tribunal de Justiça, em decisões recentes já vem reconhecendo a gritante ilegalidade das “tarifas de esgoto” cobradas pela CEDAE, inclusive em alguns julgados os Ministros do STJ aplicam os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor que obrigam que o fornecedor inadimplente com sua obrigação que receba valores indevidos os devolva em dobro. Vejamos alguns exemplos elucidativos:


“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE ESGOTO. RELAÇÃO DE CONSUMO. VIOLAÇÃO DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DA TARIFA INDEVIDAMENTE COBRADA PELA CONCESSIONÁRIA. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO. 1. Não é razoável falar em engano justificável, pois a agravante, mesmo sabendo que o condomínio não usufruía do serviço público de esgoto, cobrou a tarifa de modo dissimulado na fatura de água. 2. Caracterizada a cobrança abusiva, é devida a repetição de indébito em dobro ao consumidor (CDC, art. 42, parágrafo único). 3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no Ag 777.344⁄RJ, 1ª Turma,Min. Denise Arruda, DJ de 23.04.2007)


“ADMINISTRATIVO. TAXA DE ESGOTO. TARIFA COBRADA INDEVIDAMENTE. INEXISTÊNCIA DE REDE COLETORA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. PRECEDENTES. 1. A norma do parágrafo único do art. 42 do CDC tem o nítido objetivo de conferir à devolução em dobro função pedagógica e inibidora de condutas lesivas ao consumidor. 2. Constatada, por perícia, a inexistência de rede de esgotamento sanitário, a repetição em dobro dos pagamentos efetuados a título de tarifa de esgoto é medida que se impõe. 3. Nem a cobrança indevida resultou de fato alheio à esfera de controle do fornecedor nem se verifica boa-fé quando, a despeito da constatação do expert, a empresa insiste em defender a cobrança, sem prejuízo de não haver-se desincumbido do ônus de comprovar a inexistência de má-fé ou de culpa. 4. Precedentes: REsp 263.229⁄SP, Rel. Min. José Delgado, DJU de 09.04.01, REsp 650.791⁄RJ, DJU de 20.04.06, AgRg no Ag 507.312⁄RJ, Rel. Min. Humberto Martins, DJU de 11.09.06 e Ag 777.344⁄RJ, Rel.Min. Denise Arruda, DJU de 16.02.07. 5. Recurso especial provido.”(REsp 817.733⁄RJ, Min. Castro Meira, DJ de 25.05.2007)


“TRIBUTÁRIO. TAXA DE ESGOTO. COBRANÇA INDEVIDA. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONDOMÍNIO. 1. É inaplicável o Código de Defesa de Consumidor às relações entre os condôminos e o condomínio quanto às despesas de manutenção deste. 2. Existe relação de consumo entre o condomínio de quem é cobrado indevidamente taxa de esgoto e a concessionária de serviço público. 3. Aplicação do artigo 42 do Código de Defesa de Consumidor que determina o reembolso em dobro. 4. Recurso especial provido” (REsp 650.791⁄RJ, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJU de 20.04.2006).


PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282⁄STF. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284⁄STF. TARIFA DE ESGOTO. RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PAGAS ANTES DA PROPOSITURA DA AÇÃO. ART. 173 DO CTN. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42 DO CDC. 1. A ausência de debate, na instância recorrida, sobre os dispositivos legais cuja violação se alega no recurso especial atrai, por analogia, a incidência da Súmula 282 do STF. 2. Não pode ser conhecido o recurso especial se o dispositivo apontado como violado não contém comando capaz de infirmar o juízo formulado no acórdão recorrido. Incidência, por analogia, a orientação posta na Súmula 284⁄STF. 3. No que toca à apontada ofensa ao art. 42, parágrafo único, do CDC, esta Corte já apreciou casos análogos, nos quais restou assentada a obrigatoriedade de a CEDAE restituir, em dobro, o valor indevidamente cobrado, uma vez que não configura engano justificável a cobrança de taxa de esgoto em local onde o serviço não é prestado. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, no ponto, provido.” (Resp 821.634- RJ, 1ª Turma, Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 23.04.2008)


“AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DÍVIDA DE ÁGUA E ESGOTO DO ANTIGO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO DE OBRIGAÇÃO PROPTER REM. 1. São consideradas obrigações propter rem, as obrigações condominiais e as tributárias. Ocorre que este Tribunal de Justiça já pacificou entendimento, através das Súmulas n.º 82 e 84, de que a cobrança relativa aos serviços de água e esgoto tem natureza de tarifa e não tributária. 2. Assim, a obrigação de pagar pelo serviço de água e esgoto não tem a natureza jurídica de obrigação propter rem, eis que não se vincula à titularidade do bem, mas ao sujeito que manifesta a vontade de receber os serviços. Diante disto, impossível o corte do fornecimento de água com relação ao atual proprietário, em dia com as suas obrigações. 3. Não obstante, se a cobrança é irregular, não se caracteriza a inadimplência do consumidor, sendo abusiva e ilícita o corte do fornecimento do serviço, devendo a ré responder objetivamente pelos danos causados ao autor. 4. No arbitramento do dano moral há que se levar em conta não apenas os evidentes transtornos pelos quais passou a parte e que extrapolaram a simples normalidade da vida, mas, principalmente, os princípios punitivo-pedagógicos da indenização, bem como a fortuna das partes, sem a consideração usual de que “há uma indústria do dano”. Deve assim ser majorada a indenização por dano moral para R$ 14.000,00 (quatorze mil reais). 5. O autor, efetivamente pagou por um serviço que não estava sendo prestado, o que importa na incidência do art. 42, § único do CDC. 6. Desprovimento do recurso da Apelante CEDAE e Provimento do recurso do Apelado.” (Apelação Cível n.º 2006.001.63597. 11ª C.C do TJRJ, Rel. Des. Benedicto Abicair. DO. 28.02.2007)


“AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CEDAE. COBRANÇA DE TARIFA DE ESGOTO. INDÚSTRIA. DECRETO N.º 22.872/96. Em relação às indústrias, a cobrança da tarifa de esgoto é regulamentada pelo Decreto n.º 22.872/96, que determina deva ser considerado o percentual do efetivo consumo de água e o que é descartado como esgoto. A cobrança indevida deverá ser devolvida de forma simples. Recurso provido parcialmente, nos termos do voto do Desembargador Relator.” (Apelação Cível n.º 2003.001.13871. 15ª CC do TJRJ, Rel. Des. Ricardo Rodrigues Cardozo. DO. 08.01.2007)


“Administrativo. Civil. Processual Civil. Lide declaratória de inexistência de relação jurídica, e condenatória na devolução de valores pagos por indevido. Grande empresa transnacional de indústria química, dona de estabelecimento situado no bairro carioca do Cachambi, afirmando receber da empresa estadual delegatária apenas o serviço de abastecimento de água, no local, não o de esgotamento. Defesa, com preliminar meritória de prescrição qüinqüenal. Sentença que não aceitou a prefacial, em tese, mas deu pela improcedência dos termos iniciais. Apelação. Prescrição que ocorre, em situações como a vertente, pelo prazo de 05 anos, à luz da Lei 9.494/1997, na redação data pela Medida Provisória 2.180-35 de 24/08/2001; e que se conjuga ao antigo Decreto 20.910/1932. Intenção do legislador, na abrangência da dita prescrição por um lustro, no que envolva a administração direta dos entes federativos, e também a indireta. Interpretação racional, sistemática e teleológica. Princípio da supremacia do interesse público. No mérito de per si, provas, no conjunto, máxime, a pericial de engenharia, que positivam não existir no local o citado serviço público de esgotamento; tão-somente o lançamento das águas servidas em rede de águas pluviais. Fato notório de que em grande parte do território capitalino assim se procede até hoje. Tarifa, ou preço público, que remunera serviço prestado, e que descabe, quando tal serviço não haja. Direito de a autora recuperar da ré os valores que lhe pagou, no concernente, mas com ressalva dos atingidos pela aludida prescrição (março/1998 e pretéritos); o que deve ser declarado ex officio por esta Câmara. Correção monetária pelo indexador adotado pela CGJ, desde cada desembolso. Juros de mora de 1% ao mês, pelo Código Civil vigente, desde o ato citatório. Sucumbência da ré, no arcar das custas, e honorários de advogado, estes em 10% da monta da condenação. Termos iniciais que são acolhidos, com a dita ressalva. Sentença que se reforma, em que pese o brilho de seu prolator. Recurso que se provê. Declaração de ofício acima constante.” (Apelação Cível n.º 2007.001.51087, 3ª CC do TJRJ. Rel. Des. Luiz Felipe Haddad. DO 18.01.2008)


5. Síntese conclusiva


Diante das decisões judiciais acima transcritas, são possíveis algumas ilações, conforme se passará a expor:


1. Todos os devedores da malfadada “tarifa de esgoto” cobrada pela CEDAE devem notificar imediatamente a CEDAE para que suspenda a cobrança de todos os valores cobrados em suas contas de água e esgoto, sempre que observem que não há efetiva prestação do serviço de esgotamento sanitário.


2. As indústrias que utilizam a água como matéria-prima, devem notificar a CEDAE para que realize uma medição da real demanda de esgoto do estabelecimento empresarial, para que só seja cobrada a “tarifa de esgoto” correspondente ao efetivo serviço prestado de coleta de esgoto.


3. Todos os adquirentes de imóveis residenciais ou comerciais devem notificar a CEDAE para que cobrem os supostos valores devidos à titulo de “tarifa de  esgoto” aos antigos proprietários que supostamente foram usuários dos serviços de fornecimento de água e coleta de esgoto.


4. Todos os usuários citados nos itens acima, caso não concordem com os procedimentos ilegais ultimados pela CEDAE, podem ajuizar diretamente demandas judiciais com fundamento nas decisões acima transcritas, com o desiderato de reaver todos os valores indevidamente pagos, em dobro, bem como suspender as cobranças futuras sob o mesmo título. Em casos específicos, há possibilidade de pleitear indenização por danos morais.



Informações Sobre o Autor

Leonardo Ribeiro Pessoa

Advogado Especializado em Direito Tributário; Professor de Pós-Graduação em Direito Material e Processual Tributário; Mestre em Direito Empresarial e Tributário; Pós-Graduado em MBA de Gestão Empresarial em Tributação e Contabilidade; Pós-Graduado em Direito Tributário e Legislação de Impostos; Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil; Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior; Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário – ABDT; Filiado à Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT; Sócio-Pleno da Associação Brasileira de Direito Financeiro – ABDF; Associado Máster da Associação Paulista de Estudos Tributários – APET; Sócio-Professor do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT; Membro da International Fiscal Association – IFA


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Equipe Âmbito Jurídico

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