Ecoa, ainda hoje, o escândalo da descoberta de grampos nos telefones do Ministro Gilmar Mendes, fato que, por sua gravidade, polarizou atenção de toda a mídia e quase se transformou em crise institucional. O ato, corporificado na interceptação e divulgação do diálogo entre o Presidente do Supremo Tribunal Federal e um Senador, e cuja autoria continua a ser investigada, mereceu repulsa geral, por constituir frontal violação do sigilo de comunicação telefônica, assegurado pelo art. 5º, X e XII, inserido nos “Direitos e Garantias Fundamentais” da Constituição.
À descoberta de que o telefone do Chefe de Gabinete do Presidente da República encontrava-se, também, grampeado não suscitou celeuma. Tiveram conversas comprovadamente interceptadas, sem que alcançassem a mesma repercussão, os ex-presidentes João Figueiredo, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.
Acontece que a conversa interceptada, entre, o Presidente do STF e o Senador Demostenes Torres, transcrita na revista “Veja” de setembro de 2008, contém implicações comprometedoras para o Min. Gilmar Mendes, justamente num trecho do dialogo, estranhamente suprimido nos outros periodicos e na televisão. É o que se verá, a seguir.
Na conversa telefônica com o Senador Demóstenes, diz este:
“Gilmar, obrigado pelo retorno, eu te liguei porque tem um caso aqui que vou precisar de você”
E queixa-se o Senador de que um juiz estadual decidiu que “uma pessoa protegida (pelo programa de proteção de vítimas ameaçadas) “não seja ouvida pela CPI”, com que não se conformava o Senador, Presidente da dita CPI.
Se o caso não for resolvido a contento no aludido Juízo – acrescenta o Senador – “vou pedir ao advogado-geral da Casa para preparar alguma medida judicial para você restabelecer o direito”.
Gilmar – “Está demais, não é, Demóstenes?”
Demóstenes – “Burrice também devia ter limites. não é Gilmar. Isso é caso até de Conselhão.”
Gilmar – “Então, está bom”.
Demóstenes – Se eu não resolver até amanhã, “eu te procuro, com uma ação para você analisar. Está bom?”
Gilmar – “Está bom. Um abraço, e obrigado de novo”..
Vale dizer: ao em vez de prevenir que, nesse caso, se daria por suspeito, concordou, expressamente, com a proposta. E, pior, ainda: Ao ter ciência de que, na eventualidade da propositura da ação, o parlamentar amigo iria procurá-lo para submeter a mesma à sua análise, redargüiu explicitamente: “Está bom”.
Infere-se daí que, se a ação do Senador tivesse sido proposta, o Ministro presidiria a sessão de julgamento da ação, cujo texto analisara a pedido do amigo Demóstenes.
Desviado e centrado, propositadamente ou não, o foco do episódio do grampo para o aspecto institucional de sua afrontosa ilegalidade, ofuscou-se o conteúdo da conversa entre o Senador e o Ministro, e suas implicações de caráter anti-ético e ilícito.
Dias depois, ante os rumores de que o juiz da 6ª Vara Federal de São Paulo teria decretado a segunda prisão do banqueiro Daniel Dantas, recém-libertado por habeas corpus deferido pelo Ministro Gilmar, a desembargadora Suzana Camargo, a pedido deste, como confirmado por ela e pela assessoria da Presidência do STF, indagou se era verdade que o magistrado decretara nova prisão do banqueiro Daniel Dantas. Ressalve-se não existir prova de que, nos dois telefonemas para o Juiz da Vara, como este relata, a desembargadora tenha dito que o Ministro Gilmar “estava irado” com o fato, e apelou para que o magistrado “voltasse atrás em sua decisão”.
Já se estranhou, e com carradas de razão, que o Ministro Gilmar tivesse concedido, em favor de Daniel Dantas, em menos de 48 horas, dois habeas corpus, um dos quais com supressão de instância, ignorando as instâncias inferiores pelas quais o habeas corpus contra a prisão do banqueiro teria de tramitar.
Lembre-se que, logo que conhecidas as circunstâncias da primeira prisão do banqueiro, o Presidente do STF condenou publicamente, com veemência, os métodos utilizados pela Polícia Federal, taxandos-os de arbitrários e ilegais. Não obstante esse pronunciamento, não se deu por impedido de julgar o habeas corpus, no qual se questionava a legalidade da prisão do banqueiro. Ao antecipar seu juízo sobre o habeas corpus, sem se dar suspeito, violou a prescrição do art. 36, III, da Lei Orgânica da Magistratura, segundo o qual “ é vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem “.
Descumpriu, por igual, os incisos IV e V do CPC, a teor dos quais considera-se suspeito”o magistrado que aconselhar alguma das partes acerca da causa” e quando interessado em favor de uma delas.
Dos fatos relatados, deduz-se que o Ministro Gilmar, nos aludidos episódios, não se houve com a serenidade, isenção, respeitabilidade, compostura, ética e a dignidade inerentes ao alto cargo que ocupa.
Ex-Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros
Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho
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