A importância da atividade notarial e de registro no processo de desjudicialização das relações sociais

Resumo: O presente estudo tem o objetivo de demonstrar o papel da atividade notarial e de registro no processo de desjudicialização das relações sociais – fenômeno atual e presente no direito brasileiro que vem caminhando passo a passo. E, para atingir o fim proposto, na primeira parte do estudo são abordados os aspectos essenciais da atividade notarial e de registro, como as origens, definição, natureza jurídica e princípios. Na segunda parte, mereceu destaque a questão da judicialização das relações sociais e a crise instalada no Poder Judiciário. Por fim, na terceira parte foi abordado o processo de desjudicialização como alternativa para a crise, com apresentação, inclusive, de alguns exemplos. Finalmente, na quarta e última parte foram lançadas considerações contemporâneas sobre o tema propriamente dito – “A Importância da Atividade Notarial e de Registro no Processo de Desjudicialização das Relações Sociais”. O tema, que já vem sendo abordado nos diversos encontros já realizados pelos notários e registradores brasileiros apresenta-se bastante atual, justamente porque afirma a importância desta atividade não apenas como instrumento a serviço do desenvolvimento econômico, mas também da desburocratização judicial, como já reconhecido por alguns países europeus, como Portugal e Espanha.


Palavras-chave: Atividade Notarial e Registral. Importância. Desjudicialização.


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Abstract: The present study has the objective of demonstrating the paper of the notarial activity and of registration in the process of desjudicialização of the relationships social current and present phenomenon in the Brazilian right that is walking step the step. And, to reach the proposed end, in the first part of the study the essential aspects of the notarial activity are approached and of registration, as the origins, definition, juridical nature and beginnings. In the second it leaves, it deserved prominence the subject of the judicialização of the social relationships and the crisis installed in the Judiciary Power. Finally, in the third part the desjudicialização process was approached as alternative for the crisis, with presentation, besides, of some examples. Finally, in Wednesday and last part contemporary considerations were launched on the theme the Importance of the Notarial Activity and of Registration in the Process of Desjudicialização of the Social Relationships. The theme, that has already been approached in the several encounters accomplished already by the notaries and Brazilian registrars comes quite current, exactly because he/she affirms the importance of this activity don’t just eat instrument to service of the economical development, but also of the judicial desburocratização, as already recognized by some European countries, like Portugal and Spain.


Keyword: Notarial activity and Registral. Importance. Desjudicialização.


Sumário: Introdução. 1. A Atividade Notarial e de Registro. 1.1. Breve Histórico. 1.2. Definição. 1.3. Natureza Jurídica. 1.4. Princípios. 1.4.1. Princípio da Legalidade. 1.4.2. Princípio da Impessoalidade. 1.4.3. Princípio da Moralidade. 1.4.4. Princípio da Publicidade. 1.4.5. Princípio da Eficiência. 1.4.6. Princípio da Generalidade. 1.4.7. Princípio da Permanência ou Continuidade 1.4.8. Princípio da Modicidade. 1.4.9. Princípio da Fé Pública. 1.4.10. Princípio da Matricidade ou Conservação. 1.4.11. Princípio do Dever de Exercício da Função. 1.4.12. Princípio da Independência Funcional. 1.4.13. Princípio da Rogação ou Instância. 2. A Judicialização das Relações Sociais e a Crise do Poder Judiciário. 3. O Processo de Desjudicialização das Relações Sociais como Alternativa para a Crise do Poder Judiciário. 3.1. Exemplos de Desjudicialização. 4. A importância da Atividade Notarial e de Registro no Processo de Desjudicialização das Relações Sociais Conclusão. Referencia bibliografica.


Introdução


O fenômeno da desjudicialização, presente em países europeus, como Portugal e Espanha é hoje uma realidade que caminha passo a passo no direito brasileiro, e, como o próprio nome está a indicar, é uma tendência de subtrair do Poder Judiciário atribuições que não possuem natureza de litigiosidade, em particular, as da denominada jurisdição voluntária.


Fruto das aspirações por uma justiça mais célere, a desjudicialização vem se apresentando como uma alternativa de desburocratização do sistema judicial através de mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos que garantam a celeridade processual, eficácia e segurança jurídica.


Sem a pretensão de se criar e ou exigir o exaurimento das vias administrativas como “pré-requisito” para acessar o Poder Judiciário, tanto a lei quanto a doutrina estão a indicar que, na processualística civil, é possível a existência simultânea de procedimentos judiciais não-contenciosos e de procedimentos extrajudiciais visando o mesmo fim, ou seja, não mais subsistindo, portanto, a exclusividade do procedimento judicial.


Nesse aspecto é o entendimento abalizado de JOSE FREDERICO MARQUES in Ensaio sobre a Jurisdição Voluntária, 1ª edição, revista, atualizada e complementada por OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, Campinas/SP, editora Millennium, 2000, p. 15 e 59:


“A jurisdição voluntária é uma função estatal que se filia, ao que ZANOBINI denomina, com muita precisão, de ‘amministrazione pubblica del diritto privato’. Não se trata de atividade jurisdicional, malgrado o nome que ostenta; e, no entender de muitos, é função que pode ser atribuída com igual nomen júris, a órgãos não judiciários. ALCALÁ-ZAMORA, por exemplo, fala em jurisdição voluntária judicial e extrajudicial.


A impropriamente denominada jurisdição voluntária, que não é voluntária nem jurisdição, constitui função estatal de administração pública de direitos de ordem privada, que o Estado exerce, preventivamente, através de órgãos judiciários, com o fito e objetivo de constituir relações jurídicas ou de modificar e desenvolver relações já existentes. (grifo nosso).


Assim como vem ocorrendo em Portugal e na Espanha, que nos últimos anos, estão transferindo para a atividade notarial e de registro atribuições antes reservadas ao Poder Judiciário, o Brasil também tem demonstrando que os serviços extrajudiciais podem contribuir ainda mais para o sistema judicial, prestando novos e significativos serviços à sociedade com a mesma segurança e eficácia que reclamam os negócios jurídicos e, com um diferencial, sem excluir, na maioria dos casos, a jurisdição dos órgãos estatais integrantes do Poder Judiciário, tanto que, LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO e VIDAL SERRANO NUNES JUNIOR in Curso de Direito Constitucional, 9ª edição, revista e atualizada, São Paulo, editora Saraiva, 2005, p. 167, asseveraram:


“O percurso administrativo, no entanto, não é obrigatório, sendo facultado apenas ao administrado, que, em caso de não-interesse, poderá socorrer-se imediatamente do Poder Judiciário”.


Neste contexto, é importante aprofundar o estudo sobre o papel da atividade notarial e de registro para o processo de desjudicialização das relações sociais já que foi instituída para dar publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos, com o plus da “fé-pública”, o que lhe permitiu se consolidasse num instrumento de solução e prevenção de conflitos.


1 – A Atividade Notarial e de Registro


1.1 – Breve Histórico


Fazer uma análise dos antecedentes históricos da atividade notarial e de registro é tarefa de suma importância para compreensão da sua representatividade nos dias atuais, sobretudo, quando se constata que, é partindo do processo histórico que se compreende o processo evolutivo de uma determinada instituição.


A história da civilização demonstra que, já entre os povos da antiguidade se apresentava a necessidade de que fossem redigidos e fixados em bons termos os atos jurídicos, de modo a que fosse dada segurança e certeza às relações sociais e econômicas. A existência de alguém dotado de credibilidade e de confiabilidade pública que pudesse perpetuar por escrito os atos jurídicos passou a ser, assim, uma natural necessidade da vida social. Como disse LEONARDO BRANDELLI in Teoria Geral do Direito Notarial, editora Saraiva, 2007, 2ª edição, p. 4, “o embrião da atividade notarial, ou seja, o embrião do tabelião, nasceu do clamor social, para que, num mundo massivamente iletrado, houvesse um agente confiável que pudesse instrumentalizar, redigir o que fosse manifestado pelas partes contratantes, a fim de perpetuar o negócio jurídico, tornando menos penosa a sua prova, uma vez que as palavras voam ao vento”.


De acordo com fontes históricas, a atividade notarial e de registro tem sua origem no Egito, na Grécia e principalmente em Roma, confundindo-se com a história do direito e da própria civilização.


É no Egito que se encontra o mais antigo representante do notário – o “escriba”, a quem incumbia anotar todas as atividades privadas do Estado, além de redigir os atos jurídicos para a monarquia e ainda exercer as funções de contador e arquivista. Na Bíblia, o termo “escriba” refere-se aos chamados doutores e mestres (cf. Mateus 22:35; Lucas 5: 17), ou seja, eram homens especializados no estudo e na explicação da lei. O escriba pertencia à categoria dos funcionários públicos mais privilegiados. Entretanto, como não eram possuidores da fé-pública havia a necessidade de que os documentos por eles lavrados fossem submetidos à homologação de uma autoridade superior, a fim de alcançar valor probatório.


Nesse sentido, aduz LEONARDO BRANDELLI in Teoria Geral do Direito Notarial, editora Saraiva, 2007, 2ª edição, p. 4/5:


“Os escribas pertenciam às categorias de funcionários mais privilegiadas e lhes era atribuída uma preparação cultural especialíssima; por isso, os cargos recebiam o tratamento de propriedade privada, e, por vezes, transmitiam-se em linhas de sucessão hereditária. Eram eles que redigiam os atos jurídicos para o monarca, bem como atendiam e anotavam todas as atividades privadas. No entanto, como não eram possuidores de fé pública, havia a necessidade de que os documentos por eles redigidos fossem homologados por autoridade superior”.


Também foi no Egito que surgiu uma forma bem sofisticada de publicidade registral. Os registros denominados katagrafe foram organizados na época ptolomaica, por volta do século III a.C., que tinham à frente funcionários encarregados do registro de contratos e da cobrança dos impostos. Já nesta época, os escribas (que redigiam os contratos) eram obrigados a exigir certidões dos responsáveis pelos registros para que se pudesse dispor de imóveis. O documento mais antigo e mais fidedigno conhecido e que representa um registro de transmissão egípcio data do ano de 185 a.C. Na praxe egípcia se encontravam a escritura, o cadastro, o registro e o imposto de transmissão, sendo exigência da lei que os contratos fossem depositados no conservador dos contratos.


Na Grécia antiga também encontramos a presença dos oficiais públicos, conhecidos como mnemons que, assemelhando-se aos notários, detinham a função de lavrar os atos e contratos particulares, e ainda, a dos hieromnemons (archivistas e registradores), a quem incumbia a função de guardar e conservar os documentos públicos e particulares.


Segundo consta da história, a publicidade registral era de tal modo costume enraizada na cultura jurídica grega que se a estipulava nas convenções e tratados internacionais, como no primeiro tratado entre cartagineses e romanos: garantia-se a dívida dos comerciantes de passagem nas operações realizadas diante do registrador.


Apesar de se verificar a presença da atividade notarial e registral no Egito e na Grécia, foi na Roma antiga, século XIII, que o notariado tendeu a assumir caráter público.


Vale transcrever aqui a observação de PINTO FERREIRA in Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo, editora Saraiva, 1995, p. 466:


 “No Oriente antigo, o ofício de ‘scriba’ era simples reflexo do poder sacerdotal, e só no direito romano a instituição do notariado toma transcendência e relevo. Tanto os atos do ‘scriba’ como os do ‘tabellio’ em Roma eram, entretanto, atos privados, que perdiam tal qualidade quando as partes contratantes os exibissem ao magistrado, diante de testemunha, e aquele lhes imprimia o sinal público, conferindo-lhe autenticidade. Esta é a primeira fase da evolução do instituto”.


Relata a história, nos primeiros tempos de Roma, em que a lei se fazia sentir em toda a sua força e boa fé bastava a simples palavra do cidadão romano para fazer fé em Juízo. Porém, com o crescimento populacional, multiplicação das relações civis causada pelo progressivo aumento do comércio e do processo de industrialização, foram surgindo os vícios, contaminando a boa-fé que imperava e manifestando-se a necessidade de imprimir vigor aos contratos, registrando-os em documentos escritos, como forma de guardar a palavra. Com isso, surgem oficiais dos mais variados, dentre os quais, os notarii, os argentarii, os tabularii e os tabelliones.


Os notarii, símile do taquígrafo atual, costumavam escrever com notas abreviadas, registrando as declarações de seus clientes para reduzi-las a instrumentos. Apesar de terem dado nome ao notário de hoje, suas funções não se confundem, porquanto os notarii, naquela época, sequer eram revestidos de caráter público.


Os argentarii eram espécies de banqueiros que conseguiam dinheiro por empréstimo para particulares, elaborando o contrato de mútuo e registrando em livro próprio, consistente num Diário, o nome e cognome do devedor. Esse Diário fazia fé em juízo, o que lhes impunham a obrigação de conservá-lo diligentemente e a dar vista dele às partes interessadas nos pontos que lhes dissessem respeito.


Os tabularii eram empregados fiscais, tendo por incumbência a direção do censo, a escrituração e guarda de registros hipotecários, o registro das declarações de nascimento, a contadoria da administração pública, a feitura de inventários das coisas públicas e particulares, dentre outras. Eram conhecidos como escravos do público e as funções que exerciam não tinham caráter publico, tanto assim, os instrumentos que lavravam, ainda que firmados por testemunhas, eram e permaneciam documentos particulares, ou seja, privados.


Aos tabelliones, porém, remonta o verdadeiro precursor do notário moderno. Eram eles encarregados de lavrar, a pedido das partes, os contratos, testamentos e convênios entre particulares, com notável aptidão como redator, assessorando as partes embora fossem imperitos no direito, além do que, propiciava uma eficaz conservação dos documentos. Diante da importância assumida perante a sociedade romana, os tabelliones formaram uma corporação, presidida por um primicerius (primus in coera), e por esta corporação colegial eram criados outros tabelliones de reconhecida probidade e peritos na arte de dizer e de escrever.


Verificando-se a importância dos tabelliones, a Justiniano I, imperador bizantino e unificador do império cristão do oriente, com capital em Constantinopla, coube promover a transformação da atividade notarial, até então rudimentar, em profissão regulamentada. A par da importância do ofício dos tabeliães, quis que eles fossem peritos em direito proporcionando-lhes muitas inovações, como a intervenção nos inventários, a subscrição nas denúncias que visassem a interromper a prescrição se faltasse magistrado no lugar, a obrigação quanto ao local em que deveria permanecer, juntamente com os seus auxiliares, à disposição do público e ainda a rigorosa disciplina a que estavam sujeitos no exercício da profissão, inclusive, quanto a substituições e na obrigação de redigir uma minuta do ato, perante testemunhas, dela extraindo cópia imediata.


Mais tarde, no século XIII, na Itália, mais precisamente na Universidade de Bolonha, com a instituição de um curso especial, a arte notarial tomou um incremento a tal ponto de os autores considerarem-na a pedra angular do ofício de notas do tipo latino, tendo acrescentado uma base científica ao notariado. Após a Escola de Bolonha, que se constituiu em um importante marco para a história do notariado, a instituição notarial passou a aprimorar-se cada vez mais, até tomar as feições exatas com que se apresenta hoje.


Já no Brasil, ensinam os historiadores, a atividade notarial data do nosso próprio descobrimento. Pero Vaz de Caminha, embora não fosse oficialmente o escrivão da armada, de fato, exerceu a função notarial ao narrar oficialmente para a Coroa Portuguesa a descoberta e a posse das novas terras.


Ao se tornar colônia de Portugal, todo o direito português foi trasladado para o Brasil, tal como era, inclusive, quanto a regulamentação da atividade notarial. O provimento dos cargos de Tabelião se dava por meio de nomeação real, através de doação ou compra e venda, mediante recompensa à Coroa, sendo o beneficiado investido de um direito vitalício e hereditário, o que não era de se estranhar, uma vez que, esta era a forma de provimento de todos os cargos públicos na América Colonial e também na Espanha.


Como bem observa LEONARDO BRANDELLI in Teoria Geral do Direito Notarial, editora Saraiva, 2007, 2ª edição, citando Stuart B. Schwartz, “abaixo da magistratura situava-se o terceiro nível da burocracia: uma vasta teia de pequenos cargos, de tabeliães e escrivães a fiscais de portos e comissários da marinha. Havia literalmente centenas desses cargos e sua presença na folha de pagamento real indicava sua importância dentre os empregados reais. Alguns desses cargos não requeriam qualquer experiência ou habilidade. Mesmo nos casos em que isso se torna necessário, a habilidade não era levada em consideração no momento em que as indicações eram feitas. Muitos dos cargos da burocracia profissional podiam ser comprados, ou adquiridos como recompensa oferecida pela Coroa. Tais cargos não eram apenas dados diretamente a candidatos em perspectiva, mas eram também oferecidos a viúvas ou órfãos como dote. Obviamente, esses pequenos cargos se constituíam um patrimônio real, um recurso que possibilitava a Coroa assegurar a lealdade e recompensar bons serviços”.


Nesse mesmo período, o notariado europeu e o da América espanhola sofreu rígidas mudanças, porém, no Brasil, tais modificações não se fizeram sentir, pois, a legislação brasileira por muito tempo se manteve estática, redigida pelas Ordenações importadas de Portugal, alheia às transformações e avanços mundiais, ficando mantido o notariado ultrapassado herdado de Portugal.


Em 11 de outubro de 1827, foi editado, em nosso país, o Decreto-Lei n.º 848, regulando o provimento dos ofícios da Justiça e da Fazenda. Apesar de ter pouco influenciado o tratamento jurídico dado à atividade notarial, já que não exigiu formação jurídica dos aspirantes aos ofícios ou, sequer determinado tempo de prática na função, bem como por não instituir uma organização profissional corporativa, dita lei passou a proibir que tais ofícios fossem transmitidos a título de propriedade, mas que fossem conferidos a título de serventia vitalícia a pessoas dotadas de idoneidade para tanto e que servissem pessoalmente aos ofícios.


No que se refere aos Registros Públicos, no Brasil, eles remontam à legitimação da aquisição da posse através do denominado “registro do vigário”, que tendo sido fixada pela Lei n.º 601, de 18.09.1950 e seu Regulamento n.º 1.318, de 30.01.1954 passou a ser de competência da Igreja Católica, daí o sistema ser conhecido como “Registro do Vigário” ou “Registro Paroquial”. Criou-se, assim, a obrigação de registro da posse em livro próprio da autoridade religiosa da situação do bem, com efeito meramente declaratório, para fins de se determinar o que seriam as terras públicas e as terras privadas. A terra que não fosse objeto de registro seria tida como área de domínio público.


Posteriormente, foi editada a Lei n.º 1.237, de 24.09.1964, regulamentada pelo Decreto n.º 3.453, de 26.04.1865 criando o Registro de Imóveis com a função de transcrever aquisições imobiliárias e inscrever ônus reais.


Finalmente em 25 de abril de 1874 foi editado o Decreto n.º 5.604 criando de maneira formal e generalizada o registro civil para fins de nascimento, casamento e óbitos, sendo que a partir do ano seguinte, 1875, algumas cidades deram inicio paulatino à criação dos ofícios de registro civil, os denominados “cartórios” do registro civil.


Foi, porém, a partir, da promulgação da primeira Constituição Brasileira, datada de 1891, que se teve início a primeira tentativa de organizar melhor a atividade notarial e de registro ao dispor em seu artigo 58 que, o provimento dos ofícios de justiça nas circunscrições judiciárias competia aos presidentes dos tribunais federais. Todavia, foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e da Lei n.º 8.935 de 18 de novembro de 1994, conhecida como Lei dos Notários e Registradores, que a atividade notarial e de registro ganhou relevo social e jurídico.


Eis, portanto, o breve relato histórico da atividade notarial e de registro.


1.2. Definição


Conforme definição constante do artigo 1º da Lei n.º 8.935 de 18 de novembro de 1994, conhecida como Lei dos Notários e Registradores, os serviços notariais e de registros são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Trata-se, portanto, os serviços notariais e de registro de instituições de natureza instrumental, já que possuem atribuições específicas de dar segurança jurídica, eficácia e efetividade, especialmente no que concerne às relações jurídicas privadas, imprimindo certeza e garantia à sua concretização entre as partes e ainda face á terceiros.


Ainda, segunda expressa disposição do artigo 236 da Constituição Federal/88, “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”, após aprovação do interessado em concurso público de provas e títulos, a quem compete executar e realizar o múnus em nome próprio, por sua conta e risco, segundo as normas e permanente fiscalização do Estado e sem que seja, portanto, equiparado á advogado ou a qualquer outro profissional puramente liberal, dada a especificidade da sua função, que é revestida de um complemento, um plus, denominado “fé pública”. 


Implica dizer assim, a atividade notarial e de registro desempenham uma função revestida de estatalidade e sujeita a um regime estrito de direito público, traspassada aos particulares mediante delegação. Em razão de tais atividades estarem situadas em tal patamar, isto é, como públicas, a elas cabe aplicar-lhes o entendimento de que ao Estado cabe o poder indeclinável de regulamentá-las e controlá-las em sua prestação ao público.


Impende obtemperar, apesar dos notários e registradores exercerem atividade estatal, dotada de fé pública, não são eles titulares ou ocupantes de cargo público, devendo, portanto, ser classificados como “particulares em colaboração com o Poder Público”, uma vez que são pessoas físicas que prestam serviços ao Estado sem vínculo empregatício.


No dias atuais, devido ao crescimento populacional, a massificação e complexidade das relações sociais causada pela expansão do comércio, a atividade notarial e de registro tem desempenhado um importante papel na prevenção da conflitualidade e na resolução extrajudicial de múltiplos problemas que quotidianamente se apresentam na vida dos cidadãos os quais não assumem uma natureza conflitual de litígios, como aqueles de jurisdição voluntária, graciosa ou administrativa, ou seja, de apenas administração pública dos interesses privados, onde não há partes, mas interessados, no qual não se faz coisa julgada material, mas coisa julgada formal, cita-se, como exemplo, a realização de inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais.


Além disso, a atividade notarial e de registro, vão além de suas atribuições específicas, tornando-se importe instrumento de fiscalização tributária do país, sem nenhum custo para os cofres públicos. Ninguém compra ou vende um imóvel sem que esta transação seja informada imediatamente à Receita Federal, seja pelo Notário ou pelo Registrador, para se verificar a compatibilidade das declarações do imposto de renda com o patrimônio. Nenhuma escritura de compra e venda de imóvel é lavrada se não for apresentada a certidão de regularidade com o IPTU e o pagamento do ITBI e se a transação for feita por instrumento particular de igual forma não será registrado sem estas comprovações. Nenhuma construção é averbada sem a comprovação do recolhimento das contribuições previdenciárias dos operários que trabalharam na respectiva obra, através da apresentação da CND – Certidão Negativa de Débitos do INSS ao Registro de Imóveis.


De falar ainda, graças aos Registradores Civis, que informam gratuitamente ao INSS todos os óbitos ocorridos no mês, o sistema previdenciário brasileiro economiza milhões de reais com a suspensão imediata do pagamento de benefícios que, certamente sem esta informação, continuariam a ser pagos por muito tempo. Acresça-se ainda, a relevância do Registro Civil para o Direito de Família e das Sucessões, servindo também como fonte de estatísticas que subsidiam a formulação de políticas públicas.


Sem embargo, a atividade notarial e de registro são um importante instrumento da fé pública instituído pelo Estado para desempenhar uma função eminentemente pública. A atividade notarial está associada à evolução dos negócios e dos contratos e seu desempenho ocorre na esfera da realização voluntária do direito. O notário, em caráter preventivo, molda juridicamente os negócios privados a fim de adequá-los ao sistema jurídico em vigor. Por sua vez, a atividade de registro complementa a notarial ao fundamentar-se na publicidade dada a terceiros e ao Estado dos fatos e atos da vida social, geradores de direitos e obrigações.


1.3 – Natureza Jurídica


Analisar a natureza jurídica de um instituto é procurar enquadrá-lo na categoria a que pertence no ramo do Direito. É verificar a essência do instituto analisado, no que ele consiste, inserindo-o no lugar a que pertence no ordenamento jurídico. Assim, encontrar a natureza jurídica de um determinado instituto consiste em determinar sua essência para classificá-lo dentro do universo de figuras existentes no Direito.


Entretanto, não raras vezes, a discussão sobre a natureza jurídica de determinado instituto acaba se revelando improdutiva, prestando-se mais para preencher uma página em branco do que para preencher algum espaço realmente importante no pensamento jurídico.


Não obstante a isso, o enfrentamento da questão no que tange a natureza da atividade notarial e de registro é tarefa de que não nos podemos omitir neste estudo, mesmo porque, a natureza jurídica que buscaremos não nos remeterá a questionamentos apenas sobre a sua essência em seu sentido e alcance mais profundo e amplo, o que seria desejável a um estudo de filosofia do direito, mas à sua identificação e ao seu enquadramento dentro da ciência jurídica, de forma mais sistematizada possível.


A natureza jurídica da atividade notarial e de registro deve ser vista sob dois critérios: a) sob o prima subjetivo ou formal – consideração acerca do prestador do serviço; e b) sob o prisma objetivo ou material – foco na atividade desempenhada.


Sob o prisma subjetivo ou formal não há duvida de que a natureza jurídica da atividade notarial e de registro é privada, já que por expressa disposição do artigo 236 da Constituição Federal/88, “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”. Destarte, a Constituição Federal de 1988 definiu os serviços notariais e de registro como sendo uma delegação pública, exercida em caráter privado, não tendo deixado, portanto, margem ou espaço para o seu exercício diretamente pelo Poder Público.


Lado outro, sob o prisma objetivo ou material temos que, a natureza jurídica dos serviços notariais e registrais são públicos, típicos do Estado, que por razões de conveniência executa-os em caráter privado, mediante delegação, na forma da lei.


Confira-se assim o artigo 3º da Lei n.º 8.935 de 18 de novembro de 1994 que regulamenta o artigo 236 da Magna Carta, “in verbis”:


 “Art. 3º. Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro”. (grifo nosso).


Neste viés, comentando sobre os serviços prestados pelos particulares dos cartórios, esclarece MARIA HELENA DINIZ in Sistema de Registro de Imóveis, Saraiva, 1992, p. 508, “que o serventuário é um servidor público, que exerce uma função pública sui generis, exercida no interesse da sociedade”.


Em sendo assim, o fato de serem executados mediante delegação não retira dos serviços notariais e de registros a sua natureza de serviço público, de índole administrativa, essencial à segurança, eficácia, publicidade e autenticidade dos atos jurídicos praticados no cotidiano da vida em sociedade.


Portanto, a natureza jurídica da atividade notarial e de registro reveste-se de caráter dúplice e a sua compreensão será de fundamental importância para o entendimento do papel que esta atividade representa para o processo de desjudicialização dos litígios.


1.4 – Princípios


É notório no meio jurídico que, toda e qualquer atividade promovida no âmbito da Administração Pública deve ser norteada pelos preceitos fundamentais de direito público que garantam a sua prática, bem como a proteção aos direitos.


Nesta esteira, como a atividade notarial e registral desempenham funções revestidas de estatalidade elas sujeitam-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. Assim, a atividade notarial e de registro estão adstritos à obediência aos princípios basilares da Administração Pública, tanto os positivados de forma expressa, quanto de forma implícita que decorrem do próprio exercício destas atividades.


Para ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA in Princípios da Administração Pública: reflexos nos serviços notariais e de registro, Revista Autêntica, edição n.º 02, dezembro 2003, Belo Horizonte: Editora Lastro, p. 23: “no que diz respeito a notários e registradores, o art. 3° da Lei 8.935/94 os qualifica como profissionais do direito. Logo, têm o dever de conhecer os princípios e normas atinentes aos seus ofícios. As suas competências são taxativamente definidas em lei (art. 6°/13). Outrossim, o art. 31, I, considera infração sujeita a sanção disciplinar, a inobservância das prescrições legais e normativas”.


Desse modo, a atividade notarial e registral, no que se refere a prestação de seus serviços, submetem-se aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, generalidade, permanência ou continuidade, modicidade, fé pública, matricidade ou conservação, dever de exercício da função, independência funcional, rogação ou instância.


1.4.1 – Princípio da Legalidade


A legalidade, princípio basilar, tem como escopo a submissão do Estado à lei, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei na proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.


Para CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO in Curso de Direito Administrativo, 9ª edição, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 58/59, a legalidade “é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo (…). É o fruto da submissão do Estado à lei. É em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei”.


Assim, como bem ponderou HELY LOPES MEIRELLES in Direito Administrativo Brasileiro. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 82, “a eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei. (…) As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõem”.


Os notários e registradores no exercício da função pública, devem se submeter ao princípio da legalidade, só podendo praticar os atos de seu ofício permitidos por lei. Mesmo sendo a função pública exercida em caráter privado, estes não tem o condão de submeter a atividade ao princípio da autonomia da vontade, que prevalece nas relações privadas. Assim, o juízo da legalidade impõe ao notário e ao registrador o dever de examinar os requisitos legais dos atos que venham a intervir, negando a sua realização quando existam, a seu juízo, defeitos ou faltas de cumprimento dos requisitos legais.


1.4.2 – Princípio da Impessoalidade


O princípio da impessoalidade deve ser visto sob dois prismas distintos:


– em relação aos administrados: significa que a Administração Pública não poderá atuar discriminando pessoas de forma gratuita, a não ser que esteja presente o interesse público. Com efeito, a Administração deve permanecer numa posição de neutralidade em relação às pessoas privadas. Conforme o art. 5.º, caput, da Constituição Federal/88 a atividade administrativa deve ser destinada a todos os administrados, sem discriminação nem favoritismo, constituindo um desdobramento do princípio da igualdade.


Sob esta ótica, a doutrina se divide no tocante à correlação do princípio da impessoalidade com outros princípios. Para Hely Lopes Meirelles e Maria Sylvia Zanella di Pietro, o princípio da impessoalidade está relacionado ao princípio da finalidade, pois a finalidade se traduz na busca da satisfação do interesse público, interesse que se subdivide em primário (conceituado como o bem geral) e secundário (definido como o modo pelo qual os órgãos da Administração vêem o interesse público). Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento. Esta opinião contrapõe-se às lições de Celso Antonio Bandeira de Mello, que liga a impessoalidade ao princípio da isonomia, que determina tratamento igual a todos perante a lei, traduzindo, portanto, isonomia meramente formal, contestada por parte da doutrina, que pugna, de acordo com a evolução do Estado de Direito, pela crescente necessidade de busca da isonomia material, concreta, pelo Poder Público.


– em relação à própria Administração Pública: a responsabilidade dos atos administrativos praticados não deve ser imputada ao agente e sim à pessoa jurídica – Administração Pública direta ou indireta. Tal interpretação é feita com base na Teoria do Órgão, atribuída a Otto Gierke, pela qual a Administração é um todo; é um organismo, dividido em órgãos despersonalizados, para otimização das funções executadas pelo organismo, e, sendo assim, de responsabilidade deste, que se personifica nas pessoas jurídicas da Administração Direta e Indireta.


Esse princípio também é aplicado à atividade notarial e de registro, e está inserido no artigo 30, inciso II da Lei n.º 8.935 de 18 de novembro de 1994, “in verbis”:


“Art. 30. São deveres dos notários e dos registradores: (…);


II – atender as partes com eficiência, urbanidade e presteza”.


Neste sentido, o princípio da impessoalidade impõe seja dado às pessoas usuárias dos serviços notariais e de registro tratamento isonômico, no sentido de não privilegiar e não prejudicar qualquer pessoa que seja.


1.4.3 – Princípio da Moralidade


Pelo princípio da moralidade tanto a Administração Pública quanto seus agentes têm o dever de atuar na conformidade da ética, da lealdade e da boa-fé, separando o bem do mal, o legal do ilegal, o justo do injusto, o conveniente do inconveniente e também o honesto do desonesto.


O art. 30 da lei 8.935/94 estabelece os deveres éticos atribuídos aos notários e registradores. São deveres gerais e especiais que traduzem um comportamento adequado na vida privada e na observação da probidade quanto à realização dos atos próprios da função que exerce.


1.4.4 – Princípio da Publicidade


A Constituição da República de 1988, em seu artigo 37, “caput” estabelece que a Administração Pública será regida pelo princípio da publicidade, devendo os atos administrativos ter ampla divulgação, ressalvadas as hipóteses em que o sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, nos termos preconizado pelo artigo 5º, inciso XXXIII deste Estatuto Maior.


Este princípio é de extrema importância, porque, é através dele que se permite a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos.


Assim, todos têm direito às informações de interesse particular, coletivo ou geral disponíveis nos órgãos públicos, excepcionado aquelas hipóteses de sigilo previstas na legislação (segurança da sociedade e do Estado, informações oriundas das investigações policiais e quando detiverem interesse superior da Administração, e informações que exige a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo).


No campo da atividade notarial e de registro, a publicidade também é a razão de sua existência, conforme dispõe o artigo 1º da Lei n.º 8.935/94, tanto que, WALTER CENEVIVA in Lei dos Notários e Registradores Comentada (Lei n. 8.935/94), 4º. Edição, ver. Ampliada e atualizada, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 25 chega a afirmar, “os registros públicos previstos pela Lei n.º 6.015/73 dão publicidade aos atos que lhe são submetidos”.


Na esteira deste princípio, os serventuários extrajudiciais, quando requeridos, devem prestar as informações que detêm, uma vez que, pela regra do artigo 17 da Lei 6.015/73, “qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido”, não podendo o mesmo retardar mais de cinco dias, e, caso isso aconteça, caberá ao interessado reclamar o atraso à autoridade competente, logo, à Corregedoria de Justiça, podendo o oficial sofrer pena disciplinar, em consonância ao art. 20 da lei supracitada.


1.4.5 – Princípio da Eficiência


Acrescentado pela Emenda Constitucional nº 19, de 04.06.1998, que tratou da reforma administrativa, a eficiência foi então inserida como princípio da Administração Pública, contrapondo-se à lentidão, omissão e negligência, buscando a qualidade e produtividade nas decisões e condutas dos administradores nas soluções das necessidades da coletividade.


O renomado jurista HELY LOPES MEIRELLES in Direito Administrativo Brasileiro, 22º edição, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 90, definiu o princípio da eficiência, como “o que se impõe a todo o agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento profissional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”, e acrescenta que “o dever da eficiência corresponde ao dever da boa administração …”.


O princípio da eficiência é de suma importância nas mais diversas searas em que a Administração Pública atua, desde a contratação e exoneração de agentes públicos até a prestação de seus serviços, pois, ele determina aos órgãos e pessoas da Administração Direta e Indireta que, na busca das finalidades estabelecidas pela ordem jurídica, tenham uma ação instrumental adequada, constituída pelo aproveitamento maximizado e racional dos recursos humanos, materiais, técnicos e financeiros disponíveis, de modo que possa alcançar o melhor resultado quantitativo e qualitativo possível, em face das necessidades públicas existentes.


A atividade notarial e de registro também está sujeito à observação deste princípio, decorrência, inclusive, da própria Lei nº. 8.935/94, que em seu artigo 4º, assim assevera: “Os serviços notariais e de registro serão prestados, de modo eficiente e adequado, em dias e horários estabelecidos pelo juízo competente, atendidas as peculiaridades locais, em local de fácil acesso ao público e que ofereça segurança para o arquivamento de livros e documentos”.


A aplicação do princípio da eficiência na atividade dos notários e registradores tem o escopo de obter deles o melhor rendimento, de modo a satisfazer os requisitos de eficácia da prestação e dos resultados da atividade realizada.


1.4.6 – Princípio da Generalidade


A atividade notarial e de registro deve ser desenvolvida de forma erga omnes, com a maior amplitude possível, ou seja, de forma a beneficiar o maior número possível de indivíduos, sem impor qualquer discriminação entre eles, respeitando assim, o princípio da isonomia e da impessoalidade.


Por este princípio, não se pode restringir o acesso aos benefícios da atividade notarial e registral para os sujeitos que se encontrarem em igualdade de condições.


1.4.7 – Princípio da Permanência ou Continuidade


A atividade notarial e de registro deve ser desenvolvida de maneira contínua, permanente, o que significa dizer que não é passível de interrupção. Isto ocorre pela própria importância de que esta atividade se reveste para a sociedade moderna.


Este princípio impõe ainda que o serviço público seja colocado à disposição do usuário com qualidade, regularidade, eficiência e oportunidade.


1.4.8 – Princípio da Modicidade


O princípio da modicidade significa que a remuneração da atividade notarial e de registro deve se dar por preços razoáveis, módicos, de tal sorte que o usuário não seja alijado do universo de beneficiários do serviço.


O Poder Público ao fixar os emolumentos deve o fazer de tal forma que não apenas compense o serviço prestado, mas também que facilite o acesso ao serviço posto à disposição do usuário.


1.4.9 – Princípio da Fé Pública


Diz o artigo 3º da Lei n.º 8.935/94 que o “Notário, ou Tabelião, o Oficial de Registro, ou Registrador, são profissionais do direito dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro”.


A fé pública é atribuída constitucionalmente ao Notário e Registrador, que atuam como representantes do Estado na sua atividade profissional. Atribuída por lei, a fé pública é uma forma de declarar que um ato ou documento está conforme os padrões legais, permitindo que as partes tenham segurança quanto a sua validade, até prova em contrário.


Para JOÃO TEODORO DA SILVA in Serventias Judiciais e Extrajudiciais, Belo Horizonte, Serjus, 1999, p.17, a fé pública “afirma a certeza e a verdade dos assentamentos que o notário e oficial de registro pratiquem e das certidões que expeçam nessa condição, com as qualidades referidas no art. 1° da Lei nº. 8.935/94” (publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos).


O princípio da fé pública não só garante a legalidade de uma relação jurídica como também dá validade e segurança a esta relação prevenindo o conflito e a litigiosidade.


1.4.10 – Princípio da Matricidade ou Conservação


Os notários e os registradores devem manter absolutamente bem conservados e em ordem todos os livros, papéis, folhas, material de microfilmagem, maquinário, computadores e demais documentos pertencentes à Serventia que lhe foram confiados, constituindo-se, conseqüentemente, num sistema estável e permanente em virtude de perdas, extravios e deteriorações.


Os notários e registradores não são donos dos livros e papeis, os quais estejam sob a sua guarda, mas apenas depositários. Esses livros e papeis pertencem ao Estado delegante da função notarial e registral, logo, o principio da matricidade ou conservação preconiza que os notários e registradores conservem os livros e documentos em seu poder.


Nesse sentido são as disposições constantes da Lei n.º 6.015/73, “in verbis”:


“Art. 22. Os livros de registro, bem como as fichas que substituem, somente sairão do respectivo cartório mediante autorização judicial.


Art. 24. Os oficiais devem manter, em segurança, permanentemente, os livros e documentos e respondem pela sua ordem e conservação. 


Art. 25. Os papéis referentes ao serviço de registro serão arquivados em cartório mediante utilização de processos racionais que facilitam as buscas, facultada a utilização de microfilmagem e de outros meios de reprodução autorizados em lei.


Art. 26. Os livros e papéis pertencentes ao arquivo do cartório ali permanecerão indefinidamente”.


A Lei n.º 8.935/94 também garantiu a aplicabilidade deste princípio ao afirmar em seu artigo 30, I e IV que são deveres dos notários e dos oficiais de registro manter em ordem os livros, papeis e documentos de sua serventia, guardando-os em locais seguros e manter em arquivo quaisquer outros atos que digam respeito à sua atividade.


1.4.11 – Princípio do Dever de Exercício da Função


Por este princípio os notários e registradores estão proibidos de negar-se a realizar os atos de sua função, a não ser que a recusa se justifique, de forma fundamentada, no caso de ferir qualquer dos princípios aplicáveis a própria atividade ou os princípios gerais de direito.


Portanto, o exercício da atividade notarial e de registro tem caráter obrigatório, quando requerido. A recusa sem fundamento legal importa em responsabilidade administrativa e civil.


1.4.12 – Princípio da Independência Funcional


O princípio da independência funcional da atividade notarial e de registro decorre principalmente do seu exercício em caráter privado. Porém, vale observar que, esta independência funcional não retira do Poder Judiciário o seu poder de exercer a fiscalização sobre os atos praticados e os serviços, conforme já reconhecido pelo próprio STF – Supremo Tribunal Federal, no RE 255.124/RS.


Este princípio encontra-se prestigiado pelos artigos 21, 28 e 41 da Lei n.º 8.935/94, “in verbis”:


“Art. 21. O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços.


Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei.


Art. 41. Incumbe aos notários e aos oficiais de registro praticar, independentemente de autorização, todos os atos previstos em lei necessários à organização e execução dos serviços, podendo, ainda, adotar sistemas de computação, microfilmagem, disco ótico e outros meios de reprodução”.


Assim, a independência funcional dá margem ao notário e registrador para adotar as providências administrativas necessárias ao bom funcionamento do serviço, atendidas apenas as determinações legais.


1.4.13 – Princípio da Rogação ou Instância


Por este princípio fica assegurado que, salvo quando a lei assim permitir, a atuação do notário e do registrador somente ocorrerá quando provocado pelo interessado no serviço a ser efetuado. Não há assim possibilidade de agir de ofício, para que atue deverá haver o pedido, uma rogação do interessado, que pode ser de forma expressa ou tácita.


Cumpre registrar o escólio de NICOLAU BALBINO FILHO in Direito Registral Imobiliário, 1ª edição, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 194:


“A solicitação de qualquer ato registral/notarial é simples, independe de forma especial e pode ser expressa ou tácita. É expressa quando o requerente manifesta claramente ao registrador/tabelião sua vontade de obter o lançamento registrário. A pretensão é tácita quando o registrador/tabelião, por experiência própria, detecta a vontade do interessado. Como regra geral entende-se que o mero fato de apresentar documentos ao registro constitui uma solicitação para a prática dos atos registrais inerentes a todo o seu conteúdo”.


Assim, no exercício da atividade, notário e registrador, salvo as exceções previstas na lei, não atuam de ofício, senão a requerimento da parte interessada.


2 – A Judicialização das Relações Sociais e a Crise do Poder Judiciário


A partir da primeira metade do século XX, os direitos sociais e políticos ganharam relevância em termos constitucionais, doutrinários e jurisprudenciais na maior parte dos países, passando a ser efetivamente reconhecidos e reclamados pelos setores organizados da sociedade contemporânea ao lado dos direitos civis, já reconhecidos ao longo do século XIX.


Entretanto, no Brasil, somente a partir da mobilização empreendida no final da ditadura militar foi possível à sociedade iniciar um movimento que tivesse por objeto a proclamação, a garantia e a efetividade dos direitos sociais e políticos, já consagrados no direito alienígena.


Tal movimento traduziu-se na elaboração e proclamação da Constituição Federal de 1988, consagradora de direitos que fazem parte do arcabouço de conquistas da sociedade, particularmente, da ocidental. Os direitos nela inscritos, sejam explicita ou implicitamente, denotam o seu caráter de vinculação à concepção de cidadania social.


Dentre os direitos assegurados na Constituição Federal de 1988 encontra-se o da inafastabilidade do Judiciário na solução dos litígios. Gravado no artigo 5º, inciso XXXV, da Lei Maior, esse direito afirma que, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.


Salienta ALEXANDRE DE MORAES in Direito Constitucional, 15ª edição, São Paulo: Atlas, 2004, p. 105  que “o Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade da ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que a toda violação de um direito responde uma ação correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue”.


Com a massificação das relações sociais, ampliação do acesso à justiça para as classes mais baixas, a racionalização dos custos dos serviços judiciários, a simplificação e modificação do processo nas áreas cível, penal e trabalhista, a garantia da assistência judiciária integral aos necessitados (art. 5.º, LXXIV da CF/88), a representação jurídica de causas coletivas por entidades organizadas, a criação dos juizados especiais, para a conciliação e julgamento de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau (art. 98 da CF/88), elevação da Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, cabendo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados (art.134 da CF/88), a reestruturação do papel do Ministério Público como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe: atribuições para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses coletivos e difusos (arts.127 e 129 da CR/88), percebe-se no Brasil, início do século XX, uma onda crescente de judicialização das relações sociais.


A judicialização das relações sociais implicou no surgimento do Poder Judiciário como uma alternativa não apenas para a resolução de conflitos individuais, mas também coletivos, para agregação do tecido social e mesmo para a implantação de uma cidadania ativa e participativa, apontando para a consolidação das nossas instituições democráticas e sociais, culminando assim com o seu fortalecimento, que deixa de ser um poder nulo como era definido por Montesquieu (1982)1, para tornar-se um poder ativo, o espaço por excelência de resolução e pacificação de todo e qualquer espécie de conflitos.


Constata-se que, com a judicialização das relações sociais, o Poder Judiciário brasileiro passou não só se ocupar com as pretensões resistidas, típicas de sua função, mas também com aquelas de jurisdição voluntária, graciosa ou administrativa, ou seja, de administração pública dos interesses privados, onde não há partes, mas interessados, no qual não se faz coisa julgada material, mas coisa julgada processual, sempre sujeito à revisão pelo processo contencioso.


Desde então, o acervo judicial no Brasil cresceu bastante nos últimos 20 anos, porque a Justiça passou a ser acionada com maior frequência pela sociedade e isso mudou a rotina do Poder Judiciário. Os números mostram que em 1990, mais de 5 milhões de processos deram entrada na justiça, somando-se os Tribunais Federais, Estaduais e a Justiça do Trabalho. Em 2008, apenas na 1ª instância do Estado de São Paulo foram 4,5 milhões de novos casos. Minas Gerais ficou em 3º lugar recebendo 985 mil novas ações. Isso acarretou um imenso volume de litígios, em parte, muitas vezes, causa da sua morosidade e conseqüente ineficácia já que este acréscimo de demanda não foi acompanhado por um reaparelhamento dos mecanismos para sua efetiva solução, como por exemplo, aumento no número de juízes, varas e servidores.


Em artigo publicado no jornal Correio Brasiliense, de 18 de abril de 1994, Caderno Direito e Justiça, n.º 11310, p. 3, intitulado “Crise do Poder Judiciário”, a Ministra ELIANA CALMON, asseverou que, os juízes federais reunidos em Brasília para refletirem sobre a instituição, elaboraram um documento onde concluíram:


“O Poder Judiciário, no Brasil, não tem conseguido dar respostas rápidas e satisfatórias às demandas das partes, em razão de fatores diversos, dentre os quais se destaca o número excessivo de ações provocado pela administração dos poderes públicos e pela insuficiência ou ineficiência dos textos legislativos”.


Hoje, dado a essa a morosidade e lentidão na tramitação de processos perante o Poder Judiciário, que em média levam-se 923 dias para alcançar um desfecho final, tem-se reconhecido que o mesmo padece de uma verdadeira crise, na medida em que não consegue responder aos anseios da sociedade que cada vez mais complexa exige efetividade e celeridade na solução das pretensões resistidas.


A crise do Poder Judiciário, mais conhecida como “crise da justiça” caracterizada principalmente por uma justiça inacessível, cara, complicada, lenta e inadequada levou não só à obstrução das vias de acesso à Justiça, como também ao distanciamento cada vez maior entre o Judiciário e os cidadãos.


O fator tempo constitui hoje o principal motivo da crise da justiça, o que fez CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO2 afirmar que, o tempo é inimigo da efetividade pacificadora, pois a permanência de situações indefinidas constitui fator de angústia e infelicidade pessoal.


RUI BARBOSA in Oração aos Moços, reedição da Faculdade Ruy Barbosa e do Museu Casa de Rui Barbosa, Salvador/BA, outubro de 2001, p. 30,, também chegou a manifestar que, “… justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade”.


Nesta linha de raciocínio, também é o ensinamento de JOSEMAR LOPES SANTOS, in Tutela Antecipada Agilização da Justiça, Edições Ciência Jurídica, Belo Horizonte/MG, 1999, p. 26, ao asseverar que, “a demora em solucionar os conflitos desvirtua os próprios fins propostos pela jurisdição, que é evitar o sofrimento daqueles que, através do processo, buscam a efetividade da prestação jurisdicional, (…)”.


De fato, a demora no julgamento das lides pelo Poder Judiciário causa sentimento de desconforto, frustração e insegurança e ainda gera perda de credibilidade na justiça por parte da sociedade que espera rápida e eficaz atuação do Estado no exercício de sua função jurisdiconal, o que pode contribuir para o retorno da prática da justiça privada, como nos tempos bárbaros, onde imperava a lei do “olho por olho, dente por dente”.


Na tentativa de dar celeridade nas atuações do Poder Judiciário, a partir de meados do século XX, autoridades em todo o mundo passaram a dispensar maior atenção à questão da morosidade na prestação jurisdicional. A Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 1950, em seu artigo 6º, inciso 1, dispõe que: Toda pessoa tem direito a que a causa seja examinada eqüitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela”.


A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em San José, Costa Rica, em 1969 também preceitua em seu artigo 8º, inciso 1 que: “Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei anterior”.


A partir desses diplomas, o direito à prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável ou direito ao processo sem dilações indevidas passou a ser reconhecido como direito subjetivo, de caráter autônomo de todos os membros da coletividade.


Sensível a esta nova reivindicação e no sentido de garantir a efetividade e celeridade na tramitação dos feitos processuais o legislador brasileiro erigiu à condição de direito fundamental, no artigo 5º, inciso LXXVIII da Lei Maior, por força da Emenda Constitucional nº. 45/2004, o princípio da celeridade processual ao afirmar que, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Assim, o direito ao processo no prazo razoável passou a ser uma garantia constitucional.


3 – O Processo de Desjudicialização das Relações Sociais como Alternativa para a Crise do Poder Judiciário


A crise latente no Poder Judiciário brasileiro vem suscitando diversos debates e questionamentos sobre o cumprimento de seu papel: a promoção da justiça, ou mais do que isso, da justiça social, dentro de um prazo razoável, e, ao mesmo tempo, um pedido unânime de que é necessária mudança. Assim, a reforma do sistema judiciário ganhou vozes e coro por todo o país.


MAURO CAPPELLETTI, expoente no estudo do tema “acesso à justiça” reconhece que, “a enorme demanda latente por métodos que tornem os novos direitos efetivos forçou uma nova meditação sobre o tema de suprimento – o sistema judiciário”, sugerindo, inclusive, a necessidade de amplas e radicais inovações, como alterações nas formas de procedimento, mudanças na estrutura dos tribunais ou a criação de novos tribunais, modificações no direito substantivo destinadas a evitar litígios ou facilitar sua solução3.


Para GRINOVER a busca de soluções para esse quadro deveria valorizar “novas técnicas” que visassem a diminuição da distancia entre a sociedade e a justiça. Essas “novas técnicas”, divididas em uma “vertente jurisdicional” e uma “vertente extra-processual” deveriam ser incentivadas, de forma a aproximar a justiça dos cidadãos e contribuir para seu desafogamento. As técnicas jurisdicionais realizariam a “desformalização do processo”, ou seja, a busca de um processo mais rápido, simples e econômico, de acesso fácil e direto, apto a solucionar com eficiência certos tipos de controvérsias, de menor complexidade. A vertente extra-processual estaria relacionada com a busca de meios alternativos ao processo, tais como a arbitragem, a conciliação extra-judicial e a auto-composição, técnicas que, além de contribuírem para a desobstrução dos tribunais, também funcionam como “estímulo às vias participativas, à informação e à tomada de consciência” além da conseqüente “pacificação social”4.


Nesse diapasão, a desjudicialização passa a ser reivindicação do jurisdicionado, já que é uma tendência de se buscar vias alternativas extrajudiciais de resolução de litígios, relegando ao Poder Judiciário exclusivamente aqueles casos onde a solução da lide não possa se dar pela autocomposição, ou seja, apenas aqueles casos diretamente relacionados à sua função precípua de declarar o direito em caráter definitivo. Trata-se, portanto, de uma forma de evitar o acesso generalizado, desnecessário e injustificado à justiça estatal.


A desjudicialização, portanto, ao restringir a intervenção do Estado na vida privada das pessoas, subtrai do Poder Judiciário considerável número de procedimentos de jurisdição contenciosa ou voluntária que ali possam tramitar para conferir-lhes mais celeridade, efetividade e menos onerosidade.


Nos dias hordienos, a desjudicialização é um importante instrumento que permite o direito processual civil moderno sair dos livros e das discussões doutrinárias para focar-se em seu real objetivo, que no dizer de LIEBMANN, é o de “garantir a eficácia prática e efetiva do ordenamento jurídico, instituindo órgãos públicos com a incumbência de atuar essa garantia e disciplinando as modalidades e formas de sua atividade” (Manual de Direito Processual Civil, trad. Cândido R. Dinamarco, Rio de Janeiro, Forense, 1984, vol. I, nº 1, p.3).


Não basta, portanto, que o provimento jurisdicional assegure à parte o bem jurídico a que tem direito, deve ser célere em relação à lesão ou ameaça de lesão. A justiça, pois, deve ser hábil e eficaz na salvaguarda dos direitos, sob pena tornar-se instrumento inócuo. Ora, a justiça é direito fundamental neste Estado e, o direito em tela, somente se concretiza quando ministrado a tempo de sanar o ato ilegal e resguardar o direito atacado.


3.1 – Exemplos de Desjudicialização


Constata-se aqui no Brasil diversos diplomas jurídicos tem sido elaborados no sentido de desjudicializar as relações sociais e imprimir efetividade e celeridade nas soluções dos conflitos. São exemplos de desjudicialização:


O Decreto-Lei n.º 911 de 1º de outubro de 1969 que ao alterar a redação do artigo 66 da Lei n.º 4.728/65, estabeleceu normas processuais sobre a alienação fiduciária de bens móveis e permitiu ao credor alienar o bem apreendido independentemente de qualquer outra medida judicial.


A Lei n.º 8.951 de 13 de dezembro de 1994 ao introduzir novos parágrafos ao artigo 890 do Código de Processo Civil cria o procedimento extrajudicial para a consignação em pagamento quando se tratar de obrigação em dinheiro.


Nesta mesma linha, a Lei n.º 9.703 de 17 de novembro de 1998 possibilita o depósito imediato das quantias devidas sem a necessidade do depósito judicial inerente à ação de consignação em pagamento, quando se tratar de tributos e contribuições federais.


A Lei n.º 9.307 de 23 de setembro de 1996, conhecida como Lei da Arbitragem delegou a árbitros, escolhidos pelas partes, a possibilidade de solucionar, fora do sistema judicial, e com efeito de trânsito julgado os conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Assim, havendo no negócio jurídico a convenção de arbitragem, constituída por cláusula compromissória e pelo compromisso arbitral, é certo que, as partes renunciaram a jurisdição estatal. Neste caso, a denúncia da existência da convenção acarreta a extinção do processo, sem resolução do mérito, conforme preconiza o artigo 267, inciso VII do Código de Processo Civil.


A Lei n.º 9.514 de 20 de novembro de 1997, que dispõe sobre o sistema de financiamento imobiliário autorizou a venda extrajudicial do imóvel pelo fiduciário, quando consolidado em seu nome a propriedade por meio da constituição em mora do fiduciante face o inadimplemento no todo ou em parte da dívida. Neste caso, até a constituição em mora do fuduciante não necessita de intervenção judicial.


A Lei n.º 10.931 de 02 de agosto de 2004 ao alterar dispositivos da Lei n.º 6.015 de 31 de dezembro de 1973, a denominada Lei de Registros Públicos, possibilitou que as retificações de registro imobiliários, outrora sujeitas a procedimento judicial de jurisdição voluntária, sejam feitas pelo próprio oficial do Registro de Imóveis, só se levando ao Poder Judiciário as situações em que não houver acordo entre as partes envolvidas ou houver, em tese, risco de lesão a direito de propriedade de algum confrontante.


De igual forma é a Lei n.º 11.790 de 02 de outubro de 2008 que ao alterar dispositivos da Lei de Registros Públicos possibilita ao Oficial de Registro Civil registrar as declarações de nascimento feitas após o decurso do prazo legal, sem necessidade primária da intervenção judicial, como se exigia anteriormente.


A Lei n.º 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, conhecida como Lei de Recuperação e Falência dos Empresários e Sociedade Empresárias é outro exemplo de desjudicialização, pois que, ao substituir a Lei 7.661/45 criou um mecanismo flexível, que viabiliza a recuperação da empresa mediante processo direto de negociação com os credores, criando, assim, a recuperação extrajudicial.


Outrossim, temos a Lei n.º 11.441 de 04 de janeiro de 2007 que ao alterar dispositivos do Código de Processo Civil passou a possibilitar a realização de inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais por via administrativa, dispensando, assim, o procedimento judicial, desde que não haja interesses e direitos de incapazes.


Finalmente, temos a Lei nº 12.133 de 17 de dezembro de 2009, que ao dar nova redação ao artigo 1.526 do Código Civil, determina que a habilitação para o casamento seja feita pessoalmente perante o oficial do Registro Civil, com audiência do Ministério Público, não necessitando mais, como outrora, da intervenção judicial, salvo, se houver impugnação pelo oficial, pelo Ministério Público ou por terceiro.


Importa ressaltar, o advento de normas que possibilitam atuação na esfera administrativa não significa a extinção dos respectivos meios judiciais, mas uma alternativa facultativa para a solução dos conflitos referentes a direitos patrimoniais ou mesmo extrapatrimoniais disponíveis.


4 – A importância da Atividade Notarial e de Registro no Processo de Desjudicialização das Relações Sociais


A tentativa de facilitar o acesso à justiça e de tornar mais efetiva a prestação jurisdicional, com soluções que levem à simplificação, redução e desburocratização de processos, deu ensejo a um movimento de luta pela desjudicialização de determinados procedimentos exclusivo do âmbito judicial, como por exemplo, os de jurisdição voluntária, para o fim de serem atribuídos à atividade notarial e de registro, sobretudo, quando já demonstrado que a Justiça Oficial não consegue mais atender às demandas individuais e sociais e que o acesso à justiça não se dá apenas perante o Poder Judiciário formal.


A propósito da desjudicialização de procedimentos que anteriormente eram de alçada exclusiva do Poder Judiciário e que restaram transferidos para a atividade notarial e de registro, como por exemplo, o procedimento de retificação de registros imobiliários e a realização de inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais, é possível deduzir que, “… esse será o efetivo papel que o notariado e os registros venham concretamente a desempenhar na sociedade, enquanto instrumentos eficazes ao serviço do direito susbtantivo e das relações sociais”5.


Assim, como ocorreu em Portugal, que transferiu para a competência do conservador de registro a instrução e decisão de vários processos até então de âmbito judicial (processo de divorcio e separação por mútuo consentimento, processo de habilitação de herdeiros, processo de justificação judicial respeitante às situações de suprimento da omissão de registros e o processo de retificação do registro inexato ou indevidamente lavrado), o Brasil também dá demonstração clara de que os serviços extrajudiciais podem contribuir ainda mais para desafogar o judiciário brasileiro e prestar novos e significativos serviços à sociedade, com a mesma segurança e eficácia que proporcionam as decisões judiciais, já que também imprime na prática dos seus atos a denominada “fé-pública”.


Como bem ponderou JOSE AUGUSTO MOUTEIRA GUEIRREIRO in A Actividade Notarial e Registral na Perspectiva do Direito Português, trabalho apresentado no XIII Congresso Internacional de Direito Comparado, realizado no Rio de Janeiro em Setembro de 2006:


“Em primeiro lugar, tal como é tradicionalmente reconhecido ser próprio da função, numa fase gestacional do direito, em que é pretendida pelo Ordenamento Jurídico não apenas a definição normativa, mas igualmente uma eficaz instrumentalidade adjectiva para a formalização e publicitação das relações jurídicas assim como dos muitos actos que são praticados no vasto domínio do direito privado. E ainda, numa visão mais modernizada e actual, na prevenção da conflitualidade e na resolução extrajudicial de múltiplos problemas que quotidianamente se apresentam na vida dos cidadãos os quais, não assumem uma natureza conflitual de litígios, que só através do recurso aos tribunais tenham possibilidade de ser dirimidos, mas que, pelo contrário, podem obter uma resolução extrajudicial com a intervenção capaz – e legalmente sancionada – de jurista idóneo e investido de pública fé e, além disso, com capacidade para apreciar e aplicar, nas situações concretas, o princípio da legalidade, como é, incontestavelmente, o caso do notário e do registrador”.


Sem dúvida alguma, a atividade notarial e de registro representa atualmente um importante instrumento para a plena, rápida e eficaz realização do direito, exatamente porque ela se apresenta em condição de atuar na resolução de múltiplos problemas que quotidianamente se apresentam na vida dos cidadãos os quais, não assumem uma natureza conflitual de litígios, mas que só através da atuação do Poder Judiciário tenham possibilidade de ser dirimidos. E o melhor, com a intervenção capaz – e legalmente sancionada – de jurista idôneo e investido de fé-pública e, além disso, com capacidade para apreciar e aplicar, nas situações concretas, o princípio da legalidade, como é, incontestavelmente, o caso do notário e do registrador.


Com efeito, a atividade notarial e de registro está a trilhar novos caminhos e perspectivas com dimensão de dar à sociedade moderna resposta para o maior problema do Judiciário – a morosidade no trâmite processual – ao se apresentar com condição para receber no âmbito de suas atribuições a delegação para a prática de todos os atos de jurisdição que não envolvam litígios, como os de jurisdição voluntária, tornando assim um braço forte do Poder Judiciário com capacidade real de evitar a lide e oferecer solução segura e célere para o cidadão.


Ao se permitir que a atividade notarial e de registro funcione como uma alternativa, substituição ou complementariedade em determinadas áreas tradicionalmente de competência judicial, procura-se, tornar, em regra, a resolução dos conflitos mais rápida, mais barata e mais acessível, com a proteção do direito e da legalidade. De falar ainda, que restará garantido o direito de acesso amplo à ordem jurídica e não apenas à esfera judicial.


Conclusão


A história da civilização tem demonstrado que, a atividade notarial e de registro, desde a antiguidade, são um importante instrumento da fé pública, instituído pelo Estado para dar segurança e certeza às relações sociais e econômicas, guardando, inclusive, estreita relação com a evolução da sociedade e dos negócios jurídicos por ela praticados.


Não é de se estranhar que, na repartição de competências provocada pelo fenômeno da desjudicialização trazida à lume pelas incessantes reformas destinadas a imprimir celeridade aos processos e “desafogar” o Poder Judiciário, a atividade notarial e de registro seja extremamente privilegiada para assumir atribuições anteriormente acometidas aos tribunais. E isso, porque, é de sua natureza institucional a solução e prevenção de conflitos ao imprimir publicidade, autenticidade, segurança e eficácia nos diverso atos jurídicos praticados na sociedade.


Daí que, enquanto atividade norteada pelos princípios basilares do direito público, especialmente, o da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, generalidade, permanência ou continuidade, modicidade, fé pública, matricidade ou conservação, dever de exercício da função, independência funcional, rogação ou instância, a função notarial e de registro encontra-se sob o rótulo de estatalidade e com uma vasta lista de bons e relevantes serviços prestados ao Estado.


Em pesquisa de opinião pública realizada em 2009, pelo Instituto Datafolha, os cartórios extrajudiciais foram apontados como umas das instituições em que a sociedade brasileira mais confia, recebendo nota de 8,2 no quesito “confiança e credibilidade”.


Os serviços notariais e de registro fazem parte da vida do cidadão, tendo participação importantíssima na solução de conflitos e prevenção de fraudes, abrangendo rigoroso cumprimento dos prazos legais de execução dos atos, celeridade, presteza no atendimento ao público, modernização das instalações e processos de controle de informações e a execução dos atos rigorosamente de acordo com o direito.


A desjudicialização de determinadas demandas, especialmente, as de jurisdição voluntária e sua transferência para a competência da atividade notarial e de registro, não é um retrocesso como muitos acreditam, mas um avanço que permitirá o cidadão ter acesso à ordem jurídica de forma mais rápida, mais barata e sem complicação procedimental, e ainda, com o controle absoluto da legalidade, uma vez que, os titulares que exercem estas atividades são profissionais com a mesma formação deontológica dos magistrados, sendo selecionados em concurso público com o mesmo rigor e ainda submetidos constantemente à atualização.


Logo, a atividade notarial e de registro representa atualmente um importante instrumento para a plena, rápida e eficaz realização do direito e da justiça, tornando assim um braço forte do Estado, investido na sua função jurisdicional, com capacidade real de evitar a lide e oferecer solução segura e confiante para o cidadão.


 


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Notas

1 “[…] o poder de julgar, tão terrível entre os homens, não estando ligado nem a uma certa situação, nem a uma certa profissão, torna-se, por assim dizer, invisível e nulo” (Montesquieu. O espírito das leis. Brasília: Ed. UnB, 1982:188).

2 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 13.ª ed. São Paulo: Malherios, 1997.

3 CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça (Tradução de Ellen Gracie Northfleet). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

4 GRINOVER, Ada Pellegrini. A Crise do Poder Judiciário. Texto preparado para a XIII

Conferência Nacional da OAB. São Paulo, 1990.

5 GUERREIRO, José Augusto Mouteira. A Actividade Notarial e Registral na Perspectiva do Direito Português. Trabalho apresentado no XIII Congresso Internacional de Direito Comparado, realizado no Rio de Janeiro em Setembro de 2006. Publicado no site www.fd.uc.pt/cenor/textos/mouteiraguerreiro.pdf. Acessado em 20.12.2009.

Informações Sobre o Autor

Marcone Alves Miranda

Advogado, Pós Graduado em Direito Público, Aluno de Pós Graduação em Direito Constitucional – Universidade Estácio de Sá, Aluno de Pós Graduação em Direito Notarial e Registral – Universidade Cândido Mendes, Aluno de Pós Graduação em Direito Processual Civil – Universidade Cidade de São Paulo.


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Equipe Âmbito Jurídico

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