A competitividade exercida pelos usuários de água na bacia hidrográfica acentua-se na medida em que se diminui a disponibilidade hídrica per capita. A maneira de dar sustentabilidade e equidade a essa competição foi definida pela Lei nº 9.433/1997 e se dá via da instância de decisão local que são os Comitês de Bacia Hidrográfica.
Para proceder a gestão dessa competição é preciso criar um conjunto de regras para a alocação da água, o que é a essência do sistema de gerenciamento das águas. Trata-se de instrumento de responsabilidade central do comitê e sua quantificação faz parte do processo de solução dos conflitos pela água na própria bacia, uma vez que é o primeiro grande acordo de distribuição de água na bacia hidrográfica, fornecendo diretrizes gerais para a outorga e para a definição de regras operativas de reservatórios. No entanto, para que tal conjunto de regras seja criado, são necessários os instrumentos de gestão que as institucionalizam e a criação da instância de decisão local.
Pela Lei nº 9.433/1997, essa instância de decisão foi batizada de Comitê de Bacia Hidrográfica e a deliberação é trazida para o nível local. Aliás, em do caráter sistêmico do conceito de bacia hidrográfica, a norma deixou que as bacias, na forma de unidades de gestão, fossem definidas caso a caso, dando a possibilidade de conformá-las de acordo com a escala e as características da problemática local.
Desta forma, pode-se afirmar que os Comitês de Bacias Hidrográficas são órgãos colegiados onde são debatidas as questões referentes à gestão das águas.
Veja-se comentário do autor João Alberto Alves Amorim (Direito das Águas, 2009, p. 340) sobre tais órgãos colegiados: “Os Comitês de Bacias Hidrográficas podem ser instituídos com área de atuação de uma bacia hidrográfica e sub-bacia hidrográfica de tributário dos cursos d’água principal da bacia, ou de tributário desse tributário; ou, grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas. São órgãos colegiados, compostos por representantes da União; dos Estados e do Distrito Federal, em cujos territórios se situe, ainda que parcialmente; dos Municípios situados, no todo ou em parte, em sua área de atuação; dos usuários das águas de suas áreas de atuação; das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na Bacia”.
As principais atividades inerentes aos comitês são: a) promover o debate das questões relacionadas aos recursos hídricos da bacia; b) articular a atuação das entidades que trabalham com este tema; c) arbitrar, em primeira instância, os conflitos relacionados a recursos hídricos; d) aprovar e acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da Bacia; e) estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados; f) estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo são as atribuições dos comitês.
Assim, a atuação dos Comitês de Bacia apresenta-se como um dos princípios orientadores à implantação de um processo decisório participativo a fim de assegurar benefícios para toda a coletividade, em que os diferentes usuários em geral apresentam interesses conflitantes quanto ao uso dessa água. Nesse caso, busca-se avaliar a quantidade e qualidade de água disponível e as necessidades características dos diversos usuários de modo a garantir seu uso racional.
Há, seguramente, dificuldades em se lidar com esse recorte geográfico, uma vez que os recursos hídricos exigem a gestão compartilhada com a administração pública, órgãos de saneamento, instituições ligadas à atividade agrícola, gestão ambiental, entre outros, e a cada um desses setores corresponde uma divisão administrativa certamente distinta da bacia hidrográfica.
Conquanto haja a participação de representantes de diferentes seguimentos da sociedade civil, é preciso se ter claro que esse procedimento não supre a necessidade de integração para a gestão. A integração se dará quando a decisão tomada e implantada contemplar os múltiplos aspectos da gestão das águas, o que se concretizará numa etapa posterior à da decisão participativa.
Aliás, decisões qualificadas e eficientes dependem tanto de capacitação quanto de bons sistemas de informação, o que torna o processo complexo no cenário brasileiro.
Por fim, saliente-se a existência das Agências de Águas, cujo papel primordial é o de assumir a posição de Secretaria Executiva do respectivo Comitê de Bacia. Trata-se de entidade técnica e administrativa que deve ser autorizada pelo CNRH, ou pelos Conselhos Estaduais, através de solicitação de um ou mais Comitês, bem como depende da existência do respectivo Comitê e da viabilidade financeira assegurada pela cobrança do uso dos recursos hídricos na respectiva área.
Advogada, assessora do Tribunal de Contas do Estado de Goiás – TCE, professora do curso de Direito da Universidade Católica de Goiás – UCG, especialista em Direito Civil e Processo Civil e mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento
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