1. Introdução: A Lei 8.072/90 e o Equívoco de um Rótulo de Hediondez Obrigatória
Neste trabalho, após um rápido estudo introdutório acerca do “conceito” (na verdade, a nosso ver, uma simples etiqueta legal) de crime hediondo adotado pela Lei 8.72/90 – LCH, faremos uma análise do sentido do direito contido no art. 1º, inciso I, desta Lei, que classifica uma inusitada forma de homicídio simples, além de todas as hipóteses de homicídio qualificado, como crimes hediondos. O foco de nossa análise interpretativa estará centrado na questão de se saber se o conceito material de homicídio simples admite a adjetivação de hediondo, com as conseqüências penais de maior severidade. Não será objeto de nossa análise o homicídio qualificado, também classificado como infração hedionda.[1]
Escudada no disposto no inciso XLIII, do art. 5º, da Constituição Federal, a LCH considerou hediondos alguns crimes graves, já tipificados no Código Penal ou em lei especial. Optou o legislador por atribuir a tais condutas a marca da hediondez compulsória. A nova lei incorporou-se às normas incriminadoras já existentes, transformando os crimes ali descritos em infrações de natureza hedionda. Essas infrações, no entanto, não sofreram qualquer modificação em suas respectivas estruturas típicas, conservando os mesmos elementos descritivos e/ou normativos.
A LCH não criou novos tipos penais, assim caraterizados por sua natureza hedionda. Também não conceituou o que é um crime hediondo. Fundamentada num critério de política criminal bastante discutível, a lei em exame apenas selecionou determinadas infrações da tipologia criminal preexistente para qualificá-las com a marca legal da hediondez. Tipos penais que, conforme as circunstâncias, podem apresentar um elevado grau de repugnância, mas nem sempre (como, por exemplo, o homicídio, o latrocínio ou o estupro praticado com extrema violência), foram igualados a outros de menor gravidade (como é o caso do tráfico de pequena quantidade de maconha ou de um atentado ao pudor causado por um beijo na boca da vítima ou por outros atos de libidinagem sem maior violência). Foram todos nivelados pela cota mais elevada do critério de reprovabilidade de uma conduta, para receberem a denominação legal de crimes hediondos. Houve, na verdade, uma banalização do caráter de gravidade dessas infrações.
Portanto, não temos, com base na LCH, um conceito legal de crime hediondo, mas tão somente uma relação das infrações que passaram a receber essa denominação legal. Ao classificá-las como crimes hediondos, partiu o legislador do pressuposto de que, seja quem for seu autor, com sua personalidade e sua conduta social antecedente; sejam quais forem os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do crime; seja, ainda, qual tenha sido o comportamento da vitima, tais crimes serão sempre profundamente repugnantes e sórdidos.
Em conseqüência, deverão merecer sempre uma resposta punitiva acentuadamente mais severa do que a prevista para as demais infrações penais. Trata-se, portanto, de um critério puramente formal, que utilizou um procedimento de mera colagem e que contraria a própria natureza das coisas, pois a lei criou uma presunção compulsória do caráter profundamente repulsivo do ato incriminado: de forma discricionária e apriorística, decidiu o legislador marcar certas condutas criminosas, já tipificadas na lei positiva, com o rótulo da hediondez absolutamente obrigatória.
A nosso ver esse critério meramente formal é inaceitável, porque parte de uma premissa cientificamente duvidosa, ao presumir que as condutas assim rotuladas legalmente carregam necessariamente em suas entranhas o caráter da hediondez indiscutível. Do ponto de vista éticojurídico, em muitos casos não será possível comprovar esse presumido maior grau de repugnância de um crime hediondo assim conceituado aprioristicamente, em relação a outros crimes também graves, por circunstâncias as mais diversas.
Qual, por exemplo, seria a diferença substancial entre um homicídio simples, praticado contra criança de cinco anos de idade, ou com a agravante de ser a vitima o filho do próprio sujeito ativo e uma extorsão mediante seqüestro, ou um estupro, nestes dois últimos casos, sem que a vítima tenha sofrido violência física de maior conseqüência? Numa escala mais apurada e rigorosa de valores éticos, as duas hipóteses de homicídio, dependendo das circunstâncias, podem ser mais graves e chocantes e, no entanto, a lei não as considera hediondas.
2. Ausência do Homicídio no Rol Original dos Crimes Hediondos
Em sua versão original, a LCH relacionava como hediondos os seguintes crimes: latrocínio; extorsão qualificada pela morte; extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada; estupro; atentado violento ao pudor; epidemia com resultado morte; envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, todos do Código Penal e genocídio (Lei n.º 2.889/56). Além destas infrações, a LCH cominou o mesmo tratamento repressivo de maior severidade ao à tortura, ao terrorismo e ao tráfico ilícito de drogas, que denominamos de crimes hediondos constitucionais, porque expressamente previstos no referido dispositivo constitucional.
A omissão do legislador de 1990, que deixou de incluir o homicídio doloso, principalmente o qualificado, no rol dos crimes hediondos, representou o grande equívoco da LCH: o mais grave dos crimes, “o ponto culminante na orografia dos crimes”,[2] não havia recebido o rótulo legal da hediondez. Esse evidente paradoxo constituiu-se no principal argumento do discurso crítico à nova lei repressiva. Se o crime maior não havia recebido a marca legal de tal estigma, sob o prisma do princípio constitucional da igualdade, como se poderia defender a legitimidade da LCH, que havia selecionado alguns tipos penais, de gravidade discutível, para dar-lhes o adjetivo jurídicopenal de hediondos?
Para Francisco de Assis Toledo,[3] não havia dúvida de que a ausência do homicídio no rol dos crimes hediondos representava um verdadeiro contra-senso que precisava ser evitado, pois afrontava à mais elementar regra da lógica jurídica. Essa situação verdadeiramente paradoxal foi ressaltada, também, por Antônio Monteiro Lopes para quem a omissão não poderia encontrar nenhuma resposta satisfatória. Ao comentar a ordem emanada do comando normativo em exame, escreveu que a única resposta objetiva que se poderia encontrar é a de que a lei assim o quis.3
Com a promulgação da Lei n. 8.930/ 94, o texto original foi modificado para incluir o homicídio simples, quando cometido em “atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente” e o qualificado (em quaisquer de suas hipóteses), como uma nova espécie de crime hediondo. A lacuna estava, portanto, suprida.
3. Combate ao Genocídio da Marginalidade Urbana
Não há dúvida de que a Lei 8.930/94 teve sua origem num fato notório e de grande repercussão nacional: o assassinato da atriz de televisão Daniela Peres, cuja mãe, autora de novelas, com o apoio dos meios de comunicação social, conseguiu articular um forte movimento de motivação da opinião pública, em favor da inclusão do homicídio na relação dos crimes hediondos.
No entanto, não se pode negar, também, que ao incluir, no rol dos crimes hediondos ordinários, o homicídio simples praticado “em atividade típica de grupo de extermínio”, o legislador de 1994 pretendeu atingir os sinistros autores da matança urbana que tomou conta dos maiores aglomerados urbanos de nosso país. Na verdade, a violência urbana das grandes cidades brasileiras, que vem ceifando milhares de vidas a cada ano,4 marcada por formas de execução as mais perversas e aterrorizantes, atingiu níveis incontroláveis.
As execuções sumárias de “bandidos” e “criminosos perigosos”; os ajustes de contas entre traficantes e membros de quadrilhas rivais; “as queimas de arquivo”; a simples eliminação de vidas humanas por vingança ou “espírito justiceiro”, enfim, a banalização da ação homicida, geralmente praticada por quadrilhas, bandos ou grupos de extermínio que marcam de forma sinistra o cotidiano carioca, paulistano e de outros grandes aglomerados urbanos brasileiros, contribuíram também para motivar os autores da Lei n.º 8.930/94. Entendeu o legislador que era preciso estancar esse morticínio desenfreado e cruel, essa verdadeira guerra urbana que se trava à margem da ação e do poder do Estado.
E o fez, mais uma vez, através de uma medida puramente repressiva, inserindo o homicídio qualificado e uma estranha forma de homicídio simples na rigorosa lista dos crimes hediondos. Com o homicídio rotulado de hediondo, acreditou-se que o quadro do Direito Penal da severidade estaria pronto para exercer sua função de aplicar maior dose de castigo prisional, na equivocada crença de reduzir os alarmantes índices da criminalidade violenta.
Na verdade, a Lei 8.930/94, cujo texto foi incorporado à LCH (art. 1º, inciso I), criou uma figura de difícil (a nosso ver, de impossível) compatibilização com a realidade jurídicopenal existente. Por isso, trouxe consigo sérios problemas de hermenêutica para o intérprete. É o que veremos a seguir.
4. Assassinar em Atitude de Grupo de Extermínio é Hipótese Jurídica Incompatível com o Conceito de Homicídio Simples
4.1 Homicídio Simples Hediondo e a Ilusão do Combate à Violência por Meio de Simples Instrumento Repressivo
Admitida a necessidade e legitimidade de se punir, de forma mais rigorosa, o autor do crime de homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio, deve-se reconhecer que a solução adotada pela Lei n.º 8.930/94, seja sob o prisma formal ou substancial, não foi feliz.
Não há dúvida de que é preciso combater esse verdadeiro genocídio da marginalidade urbana; essa terrível matança cotidiana que se abate principalmente sobre os moradores de favelas, de ruas, de praças e de viadutos deste contraditório país em que vivemos, sejam eles bandidos perigosos, pretensos criminosos ou, o que é mais terrível porque constituem a grande maioria, simples cidadãos da miséria e da desgraça social e que, por esta condição, carregam consigo o estigma da marginalidade e de vítimas potenciais dessa hedionda prática de extermínio.
No entanto, a história tem demonstrado que a lei repressiva não tem sido, por si só, o melhor instrumento para correto combate à criminalidade. Tanto é que, no caso em exame, a lei existente já punia o homicídio de forma relativamente severa (ao menos quanto ao máximo da pena cominada), marcos punitivos que foram mantidos nos limites fixados pelo legislador penal de 1940: seis a vinte anos de reclusão.
É sabido que, para reduzir o alto índice de homicídios cometidos em ações de extermínio ou de qualquer tipo de violência, não basta incriminar condutas ou aumentar a pena das condutas já incriminadas, muito menos a simples classificação da conduta como crime hediondo. No caso concreto, o instrumento jurídicopenal revelou-se inócuo e despropositado, pois é evidente que a redução do elevado índice de assassinatos e de execuções sumárias, verificado nos grandes centros urbanos brasileiros, somente será alcançada com a adoção de sérias medidas no plano socio-econômico e político.
4.2 Natureza JurídicoFormal: Apêndice Circunstancial do Homicídio Simples
Problema que ainda desafia a doutrina e a jurisprudência reside na dificuldade de identificar, com clareza, a verdadeira natureza jurídicopenal da circunstância que atribui ao homicídio simples a marca de crime hediondo. Com a nova disposição legal, passamos a contar com duas categorias de homicídio simples: o comum e o hediondo, este quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio. Para Damásio de Jesus, neste último caso, temos a figura do “homicídio hediondo condicionado”.5
É lógico que a circunstância de matar em atividade típica de grupo de extermínio não pode ser uma elementar do crime de homicídio, mas poderia ter sido legalmente assim classificada ou, então, incluída no rol das qualificadoras, das majorantes especiais ou das agravantes. Formalmente, qualquer delas seria compatível com o seu sentido semântico. Não há dúvida de que, apesar da ambigüidade e imprecisão do texto legal em exame, que exige adequada definição de seu verdadeiro significado semântico e jurídico, a referida circunstância poderia muito bem ter sido legalmente enquadrada como mais uma qualificadora, causa especial de aumento ou agravante.
Entretanto, não foi isto o que ocorreu. O novo dispositivo legal, de forma esdrúxula, acrescentou ao homicídio simples uma nova circunstância que não tem similar no direito penal vigente: não é qualificadora, não é causa especial de aumento de pena, nem é agravante. E isto por uma simples razão de natureza técnicojurídica: matar alguém em atitude típica de grupo de extermínio transforma o tipo básico do art. 121, caput, do CP, em homicídio simples hediondo, mas não acarreta aumento obrigatório da pena aplicada.
Trata-se, em síntese, de um inusitado e desnecessário apêndice circunstancial, acrescentado ao homicídio simples, para lhe marcar o caráter da hediondez legal e com o fim específico de proibir o direito à anistia, graça, fiança, liberdade provisória e à progressão de regime prisional. É, portanto, uma circunstância extravagante, normativa e agravadora do homicídio simples.
É uma circunstância extravagante porque não integra diretamente a descrição típica do homicídio simples (art. 121, caput do CP), conectando-se com a norma codificada através da regra contida no art. 1º, inciso I, da LCH. É circunstância normativa, de natureza sócio-cultural, porque a sua compreensão depende de processo hermenêutico de caráter sociológico, que proporcione ao julgador o verdadeiro sentido da norma em exame. É, também, circunstância agravadora (mas não agravante), por estabelecer medidas penais de maior severidade ao autor de crime hediondo.
Em seu já citado estudo, Damásio de Jesus também entende que a “Lei n. 8.930 não criou uma figura típica de crime de homicídio. Não há um novo tipo simples ou qualificado. Ter sido a morte da vítima executada em atividade típica de grupo de extermínio não é elementar e nem circunstância do crime de homicídio”.6
4.3 Técnica Legislativa Imprecisa
O dispositivo legal em referência pode também ser criticado pela deficiente técnica legislativa adotada. Descreve a circunstância fática em tela de forma ambígua, imprecisa e sem a objetividade e clareza exigida de uma norma jurídica de natureza penal.
Afinal, que tipo de conduta pretendeu descrever o legislador, através da expressão matar alguém “em atividade típica de extermínio?”. Seguramente não foi enquadrar a eventual conduta homicida cometida por dois ou mais agentes, membros ou não de uma quadrilha ou bando. Um homicídio simples, praticado em concurso por cinco agentes, não será necessariamente hediondo, nos termos do art. 1º, inciso I (1ª parte), da LCH, com a nova redação da Lei n.º 8.930/94. Também não será hediondo o eventual homicídio simples praticado por membros de uma quadrilha de traficantes ou assaltantes. Se o legislador quisesse atingir este tipo de conduta, bastaria acrescentar, ao rol das qualificadoras descritas no § 2º, do art. 121, do CP, uma outra consistente na prática do crime mediante concurso de dois ou mais agentes, como ocorre em relação aos crimes de furto e de roubo qualificado. Enfim, não é o fato de ter sido praticado por dois ou mais autores que haverá de caracterizar a circunstância da atividade típica de grupo de extermínio e tornar o homicídio simples obrigatoriamente hediondo.
Na verdade, o objetivo da lei é o de considerar hediondo o homicídio simples praticado por qualquer “justiceiro”, pistoleiro de aluguel ou membro de esquadrões da morte, que semeiam a violência e matam motivados por uma sinistra intenção de extermínio de indivíduos marcados para serem eliminados do contexto. Um só agente poderá cometer um homicídio simples hediondo, em atividade típica de grupo de extermínio. Basta que a ação homicida tenha por motivo a idéia de extermínio de vítimas consideradas perigosas ou simplesmente indesejáveis para o meio social.
Assim sendo, não há necessidade de ter sido o homicídio diretamente praticado por um grupo de extermínio, embora esta seja a forma mais freqüente. É suficiente um só agente, desde que se conduza motivado pela idéia de integrar uma ação coletiva de extermínio; ou seja, que o agente mate com a vontade de contribuir, com seu crime, para a ação coletiva de matança dos “bandidos perigosos e indivíduos indesejáveis”.
Na prática, será muito difícil identificar, com precisão, quando o homicídio simples deve receber a capa da hediondez, por ter sido praticado em atividade específica de grupo de extermínio. Não estamos nos referindo às hipóteses em que o crime é praticado diretamente por um esquadrão da morte ou por um grupo de justiceiros ou pistoleiros a soldo de comerciantes e contraventores. Estas hipóteses seriam perfeitamente enquadráveis na disposição legal em análise.
A dificuldade surgirá quanto ao significado jurídicopenal da expressão atitude típica de grupo de extermínio. Por analogia, se aceitarmos o mesmo sentido jurídico adotado em relação ao crime de quadrilha ou bando, grupo de extermínio só existirá com a reunião de três ou mais agentes, atuando para matar de forma indiscriminada.
A dificuldade persistirá, também, em relação ao homicida que age individualmente, mas motivado por esta psicose coletiva de que é preciso exterminar o banditismo, para que possa haver segurança coletiva. Aliás, a lei é expressa ao admitir a prática individual de um homicídio em atitude típica de grupo de extermínio. Mesmo que o agente venha a se conduzir com a vontade dirigida para o fim de se incorporar ao perverso movimento coletivo de banalização da ação homicida e de extermínio dos que não servem para viver em sociedade, será muito difícil, ainda assim, demonstrar que esta conduta individual enquadra-se no paradgima legal da atitude típica de grupo de extermínio. Parece-nos que afronta a lógica jurídica jurídica a pretensão legal de equiparar um comportamento individual a um outro de natureza grupal.
Cremos que a circunstância descrita na norma em exame, na verdade, configura uma hipótese de um homicídio qualificado por motivo torpe, conforme veremos a seguir.
4.4 Matar em Atividade Típica de Extermínio é Qualificadora do Homicídio
Cremos que o equívoco maior do dispositivo legal sob análise consiste no fato de que um homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio, será sempre um homicídio qualificado pela circunstância subjetiva do motivo torpe (perversidade, futilidade, ódio intenso ou inveja profunda, vingança, preconceito racial ou social, conduta mediante pagamento ou promessa de recompensa, intolerância extrema etc.), ou pela circunstância objetiva do meio insidioso (tortura, crueldade, traição ou qualquer meio que dificulte a defesa da vítima).
Na verdade, o fato de pertencer a um grupo ou movimento que prega a idéia de que é necessária e legítima a eliminação sumária de “bandidos perigosos” e de marginalizados indesejáveis e de, efetivamente, cometer tais condutas perversas e aterrorizantes, mediante conduta típica de grupo de extermínio, já configura um indiscutível e execrável motivo torpe, suficiente para qualificar legalmente tais ações homicidas.
Da mesma forma, o fato de matar com o objetivo de simplesmente exterminar pessoas pertencentes a determinada categoria socio-econômica (adultos e menores de conduta marginal e anti-social), ou portadoras de determinado estigma sócio-jurídico (“bandido perigoso” ou “criminoso irrecuperável”), representa um verdadeiro genocídio da marginalidade urbana e configura, também, segundo entendemos nós, indiscutível qualificadora subjetiva ou objetiva do homicídio.
Se assim é, deve-se reconhecer que a hipótese prevista na parte inicial do art. 1º, da Lei n.º 8.930/94, contrariou toda a filosofia punitiva da própria LCH. No afã de punir mais severamente o autor de tais condutas, o legislador criou uma grave antinomia entre as duas hipóteses de homicídio hediondo referidas no dispositivo legal em exame. Na primeira hipótese, a norma descreve uma circunstância que, por sua natureza, conforme vimos, já seria qualificadora do homicídio, mas este é preservado no seu tipo básico, ou seja, o tipo continua sendo o do homicídio simples, com a pena mantida em seis anos, no mínimo, mas agora marcado pelo rótulo legal da hediondez.
A contradição é evidente. Parece-nos muito difícil a ocorrência de um homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio, que não possa ser enquadrado numa das qualificadoras subjetivas ou objetivas, relacionadas no § 2º, incs. 1 a V, do art. 121 do CP. Neste caso, deverá prevalecer a figura do homicídio qualificado, o que demonstra a inocuidade da nova figura do homicídio simples hediondo (praticado em atividade típica do grupo de extermínio).
Em termos de prática jurídica, esta nova figura é completamente inútil, a não ser que, espancando o mais elementar princípio de lógica jurídica, tenhamos a figura do homicídio cometido por um evidente motivo torpe ou por um meio insidioso, considerado como homicídio simples, em decorrência de ter sido cometido em atividade típica de grupo de extermínio. Isto seria um verdadeiro contra-senso.
Por isso mesmo, quem matar alguém em atividade típica de grupo de extermínio, muito dificilmente sentará no banco dos réus para responder por homicídio hediondo simples.
Livre Docente-Doutor – UGF/FURB. Professor dos Programas de Mestrado e de Doutorado do Curso de Pós-Graduação em Ciência Jurídica da UNIVALI – Itajaí – SC. Promotor de Justiça aposentado. Ex-Procurador Geral de Justiça de SC. Ex-Diretor do Centro de Ciências Jurídicas da FURB – Blumenau. Sócio do IBCCrim e da AIDP.
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