Resumo: Objetiva este artigo discutir qual a natureza jurídica da impugnação do executado, instrumento processual soerguido, entre nós, pela Lei Federal de nº. 11.232/2005. Bem como enfrentar a questão da necessidade ou não de prévia segurança do juízo como sendo um requisito para o seu legítimo exercício.
Sumário: 1. Um Panorama sobre a Reforma da Execução de Sentença. 2. A Impugnação do Executado: natureza jurídica. 3. A Questão da Segurança do Juízo. 4. Conclusão. Bibliografia.
1) Um Panorama sobre a Reforma da Execução de Sentença:
Seguramente, a Lei Federal de nº. 11.232 de 22.12.2005 provocou um verdadeiro abalo no sistema jurídico pátrio. A doutrina e a jurisprudência se debelam e se mutilam como há muito não se observava. Posto que a execução de quantia certa passou a ser uma mera fase da relação processual em que foi proferida a sentença, perdendo, pois, a autonomia que lhe era característica.
Passando nosso sistema processual a regrar cognição e execução, como fases ou etapas de uma mesma relação jurídico-processual.
Afirmando-se, resumidamente, ser “imprescindível que não se percam de vista dois aspectos: as alterações legislativas da lei 11.232/2005 operaram, topicamente, dentro do processo de conhecimento; pelo que, executar a sentença, na forma do artigo 475-J significa independer da instauração de processo de execução autônomo para tanto”.[1]
Então, “agora, a efetivação dos preceitos contidos em qualquer sentença civil condenatória se realizará em prosseguimento ao mesmo processo em que foi proferida“.[2]
E uma das grandes novidades da assim chamada Lei de Cumprimento de Sentença foi, seguramente, a eliminação da tradicional figura dos embargos do devedor, que foi substituída pela novel figura da impugnação do executado.
Em relação à qual, no presente estudo, apenas se irá enfrentar a discussão sobre sua natureza jurídica e a questão concernente à necessidade ou não de prévia segurança do juízo como requisito para o seu legítimo exercício.
2. A Impugnação do Executado: natureza jurídica:
Aboliu a reforma, em sede de execução de sentença condenatória por quantia certa, a tradicional figura dos embargos do devedor, atendendo, em parte, os reclamos da doutrina, quanto ao seu anacronismo, introduzindo a figura da impugnação.
Embargos do executado aos quais se reconhece, em nossa doutrina, mansamente, a natureza de ação autônoma[3]. E que eram recebidos, sempre, no efeito suspensivo, por expressa determinação do revogado parágrafo 1º, do artigo 739, do CPC.
Quanto ao instrumento da impugnação, desfruta da natureza jurídica de mero incidente processual[4], segundo entendimento majoritário, mediante o qual o devedor resiste (responde) à pretensão de cumprimento de sentença. Defesa, em sentido estrito, não se tratando de uma ação autônoma.
Assim, v.g., dentre outros, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR[5], ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS[6], TEORI ALBINO ZAVASCKI[7] e ALEXANDRE FREITAS CÂMARA[8].
O que nos parece ser a melhor doutrina.
Sendo ligeiramente minoritária a douta opinião em contrário de ARRUDA ALVIM[10], ARAKEN DE ASSIS[11] e de JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE[12], os quais lhe atribuem a natureza de ação.
Invocando, o grande mestre processualista paulista ARRUDA ALVIM, em apoio, além de sólidos argumentos históricos, a similitude, extraída de quadro comparativo, entre as matérias que podem ser versadas tanto nos embargos do devedor, quanto nas impugnações[13].
Asseverando, acidamente, o mestre gaúcho ARAKEN DE ASSIS que “à doutrina que prefere o comportamento de avestruz designando a impugnação de simples incidente, resta perguntar: qual a natureza deste incidente?“[14].
Respondendo o badalado processualista que “só há uma explicação plausível: o executado deduziu uma pretensão“.[15]
Sendo, no entanto, superiormente enfrentada a questão, ao menos no particular, pelo percuciente mestre baiano FREDIE DIDIER JÚNIOR, quando pontifica que “a impugnação serve à concretização do direito de defesa, através da qual o executado não age, ele resiste“[16].
Acrescentando-se que “a impugnação, portanto, não é ação, mas um incidente da fase executiva do procedimento comum, mediante a qual o devedor exerce sua defesa”[17].
Devendo-se ainda registrar a crítica de LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, àqueles que, como ARAKEN DE ASSIS, atribuem à impugnação a natureza jurídica de ação, segundo os quais, “esta posição incorre no erro de pretender qualificar a essência de algo olhando para a expectativa de sua conseqüência“[18].
Existindo, ainda, no seio dessa controvérsia, setores respeitáveis que enxergam, na impugnação, uma natureza híbrida, um misto de ação e defesa[19].
Além de alguns outros ilustres processualistas, que afirmam que para se descobrir qual a natureza da impugnação, deve-se investigar a matéria alegada em seu conteúdo, dependendo da qual, será ação ou defesa[20].
Particularmente, ao nosso sentir, com as vênias de estilo, entendemos serem confusos tais pareceres. Consideramos, como acima afirmado, a impugnação, um mero incidente processual pelo qual o executado resiste à pretensão de cumprimento de sentença. Respeitamos o alvitre daqueles que atribuem a natureza jurídica de ação ao novel instrumento processual. Mas, ou se trata de um instrumento de defesa ou de uma ação: em nada se contribui para a evolução da processualística se afirmar que um instrumento processual ora se externa como ação, ora como meio de defesa ou, pior ainda, que se trata de um instrumento híbrido. Tal nos soa como um completo absurdo, que merece ser abruptamente repudiado, a despeito da insignificância do autor das presentes linhas.
Devendo apenas se grifar que, se para ARAKEN DE ASSIS[22] a questão assume vestes acadêmicas, para FLÁVIO LUIZ YARSHELL[23] não é meramente acadêmica a indagação a propósito de sua natureza jurídica.
Assistindo razão, ao nosso sentir, ao último desses juristas, um prestigioso livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Tanto que, por entender se tratar, a impugnação, de uma ação, ARAKEN DE ASSIS[24] nega que se aplique, à hipótese, o benefício de prazo em dobro, quando houver litisconsórcio passivo na execução, acaso sejam diferentes os advogados.
Enquanto que, ao revés, ALEXANDRE FREITAS CÂMARA[25], com razão, por reconhecer na impugnação, um mero incidente processual, afirma que o prazo será comum e correrá em dobro.
Sendo, pois, essas as razões pelas quais negamos à novel impugnação a natureza de ação autônoma, entendendo se tratar de mero incidente processual, pelo qual se exerce a defesa do executado.
3. A Questão da Segurança do Juízo:
A literalidade do parágrafo primeiro do artigo 475-J do CPC revela que após a intimação da penhora terá o devedor prazo de quinze dias para oferecer impugnação. E a doutrina discute se a penhora constitui ou não requisito da impugnação.
Lembrando-se que, sob o regime dos embargos do devedor, quando não estivesse seguro o juízo, se a solução sistêmica induzia ao seu não recebimento e ao prosseguimento da execução, orientava a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – v.g., Recuso Especial nº. 84.856-RJ, Relator Ministro Nilson Naves, DJU 04/08/1996 -, alicerçando-se inclusive em princípios de economia processual e de aproveitamento dos atos processuais, que se “adiasse” o processamento desses “embargos prematuros”, até a efetivação da garantia.
Sendo certo que “o CPC, ao regular taxativamente a sujeição dos embargos a segurança do juízo e ao definir que eles sempre teriam efeito suspensivo, não permitia, em princípio, ao juiz romper com qualquer dessas diretrizes. Esses fenômenos, no entanto, geravam situações insatisfatórias, tanto para o exeqüente quanto para o executado”[27].
Panorama que foi profundamente alterado pelas Leis nº. 11.232/05 e 11.382/06. Quanto à Lei 11.232/05, como visto, instituiu o parágrafo 1º, do artigo 475-J do CPC.
E os majoritários, em doutrina, enfrentando o novo regime, se valendo de uma interpretação literal, não tem dúvidas em afirmar, ao nosso sentir com razão, ser a penhora um requisito sem o qual ao devedor não é dado legitimamente oferecer impugnação.
Assim marcham, dentre outros, NELSON NERY JÚNIOR, ROSA MARIA DE ANDRADE NERY[28], TEREZA ARRUDA ALVIM WAMBIER, LUIZ RODRIGUES WAMBIER, JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA[29], SÉRGIO SHIMURA[30], ATHOS GUSMÃO CARNEIRO[31], CARLOS ALBERTO CARMONA[32] e LEONARDO GRECO[33].
Entendendo que a impugnação pressupõe a penhora.
Ou seja: que a nova lei vincula a impugnação à penhora (prévia constrição judicial).
Tese essa que foi encampada pelo Enunciado de nº. 117 do FONAJE e pelo verbete de nº. 13.8, da Consolidação dos Enunciados Jurídicos Cíveis e Administrativos em vigor resultantes das discussões dos encontros de juízes de Juizados Especiais Cíveis e Turmas recursais do Estado do Rio de Janeiro, público pelo Aviso TJ de nº. 39, de 03/09/2007.
Mas, como foi aventado, não é pacífico o entendimento de ser a penhora um requisito da impugnação. Identificando-se alguns autores, mestres processualistas de renome, que, de forma minoritária, admitem a possibilidade de oferecer impugnação, antes mesmo da penhora.
Nesse sentido, JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE[34], JOSÉ MARIA ROSA TESHEINER[35] e PAULO HOFFMAN[36].
Argumentando que não existiria expressa exigência quanto à medida da garantia. Pelo que lícito seria se concluir pela desnecessidade de prévia garantia do juízo.
Que a exigência da penhora, antes da reforma, acrescenta JOSÉ MARIA ROSA TESHEINER, “apenas se justificava pela necessária concessão do efeito suspensivo, que era imposta pelo texto legal”.[37]
Ressaltando-se, entretanto, que acaso seja realizada a penhora, a impugnação deverá ser deduzida no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de preclusão.[38]
Ainda que o mestre HUMBERTO THEODORO JÚNIOR entenda ser “inócua a previsão legal, já que as defesas contra o cumprimento de sentença envolveriam temas insuscetíveis de preclusão, alegáveis a qualquer tempo sendo inclusive apreciáveis de ofício“.[39]
Devendo, apenas, se ter sempre em mente que, em sede de objeção de não-executividade, normalmente, apenas podem ser versadas matérias afetas às condições da ação e aos pressupostos processuais.
Assim, melhor mesmo se entender que, a impugnação apenas possa ser manejada após restar seguro o juízo e que, antes, só admita-se o manuseio de objeção de executividade, quanto às matérias que lhe sejam inerentes.
Nesse sentido, se manifestam NELSON NERY JUNIOR, ROSA MARIA DE ANDRADE NERY[40] e CARLOS ALBERTO CARMONA.[41]
Sendo ainda identificável, sobre o tema, a engenhosa interpretação de FREDIE DIDIER JÚNIOR, atento às modificações trazidas a lume pela Lei 11.382/2006, que alterou o artigo 736 do CPC, segundo o qual, em sua atual redação, o ajuizamento dos embargos do devedor, em sede de execução de título extrajudicial, passa a independer de penhora, sendo esse requisito apenas para fins de concessão de efeito suspensivo – artigo 739-A, parágrafo 1º, do CPC.[42]
Afirmando, então, o fecundo mestre baiano, que, numa visão de sistema, a penhora deixa de ser requisito para o oferecimento da impugnação.
Passando, apenas, a condicionar o deferimento de efeito suspensivo, para se evitar que coexistam duas regras tão diferentes versando essencialmente sobre um mesmo fenômeno – a defesa na execução.
Sendo seguido, no particular, por LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART.[43]
Quadro em que “a impugnação prematura não trava a marcha executiva”[44].
Tese engenhosa, mas que, com as vênias de estilo, sinceramente, não nos convence.
Ainda que versem, aparentemente, sobre um mesmo fenômeno, qual seja, a defesa do executado, a impugnação e os embargos do devedor, em absoluto, não se confundem.
A começar pela natureza jurídica de cada qual, como já se pôde observar, sendo a impugnação um incidente pelo que se resiste à pretensão de cumprimento de sentença; enquanto que os embargos do executado desfrutam da natureza jurídica de ação autônoma.
Ademais, na reforma da execução de sentença, tendo em vista as delongas da fase de cognição, o reformador quis desestimular o devedor da prática de atos protelatórios a satisfação do direito do credor.
E, como é cediço, “a penhora é considerada, o primeiro ato expropriatório em execução“.[45]
Então, pela penhora, o patrimônio do devedor fica afetado, permitindo sua ulterior expropriação, exercendo-lhe, ao certo, uma pressão psicológica, nos parecendo ser um atentado ao espírito da reforma, a dispensa da garantia prévia.
Sendo, pois, ao nosso alvitre, a prévia constrição judicial um dos requisitos da impugnação.
Em suma, essas são as nossas sumárias impressões sobre a palpitante temática que nos propusemos a enfrentar.
4) Conclusão:
Buscou-se, nesse singelo artigo, meramente, investigar a natureza jurídica da impugnação do executado bem como discutir a questão de ser ou não a prévia penhora um de seus requisitos de admissibilidade.
Em relação à primeira dessas questões nos alinhamos à corrente que lhe nega a natureza de ação autônoma reconhecendo se tratar de um mero incidente processual pelo qual o executado exerce sua defesa.
E quanto à segunda das questões enfrentadas, concluímos que a prévia penhora seja um de seus requisitos de admissibilidade.
Especialista em Direito do Consumidor e em Direito Processual Civil. Membro Honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Advogado, no Rio de Janeiro.
O salário substituição é um tema relevante no direito do trabalho, especialmente quando se trata…
A audiência de justificação é um procedimento processual utilizado para permitir que uma parte demonstre,…
A audiência de justificação é um procedimento processual utilizado para permitir que uma parte demonstre,…
O trânsito brasileiro é um dos mais desafiadores do mundo, com altos índices de acidentes…
O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) implementou uma nova resolução que regula as especificações dos…
A partir de janeiro de 2025, uma importante mudança entrará em vigor para todos os…