Resumo: O presente artigo elabora um estudo acerca da inconstitucionalidade do artigo 366 da Lei nº 4.737/65 – Código Eleitoral Brasileiro.
Palavras-chave: Direitos Políticos. Servidor da Justiça Eleitoral. Inconstitucionalidade. Artigo 366 do Código Eleitoral. Lei 8.112/90. Constituição Federal.
Abstract: This article draws up a study about the unconstitutionality of Article 366 of the Brazilian Electoral Code, Law No. 4737/65.
Keywords: Political Rights. Server Electoral Court. Unconstitutional. Article 366 of the Electoral Code. Law 8112/90. Constitution.
Sumário: I Introdução – II Conflito aparente de normas – III Confiabilidade do Sistema Eletrônico de Votação – IV Solução para a problemática – V Conclusão.
I – Introdução
A consciência política é imprescindível à construção da cidadania. Esta, sempre esteve atrelada ao poder, considerando a lógica do materialismo histórico de Karl Marx e a relação dialética existente na busca pelo poder entre as classes dominante e dominada ao longo da História.
No ordenamento brasileiro os direitos políticos abrangem tanto o direito de votar quanto o de ser votado. É o que denominamos de capacidade eleitoral ativa e capacidade eleitoral passiva. Esta consiste no direito de ser votado, de eleger-se para um cargo político (elegibilidade); Aquela representa o direito de votar, o direito de alistar-se como eleitor (alistabilidade).
De acordo com o Código Eleitoral brasileiro, os servidores da Justiça Eleitoral são proibidos de exercer qualquer atividade partidária, sob pena de demissão. Essa vedação, contida no Código Eleitoral, implica perda dos direitos políticos enquanto durar o vínculo do cidadão-servidor com a Justiça Eleitoral, por impossibilidade de preenchimento de uma das condições de elegibilidade, qual seja, a de filiação partidária.
Em outras palavras, enquanto for servidor da Justiça Eleitoral, o cidadão estará submetido à restrição dos seus direitos políticos, vez que não poderá estar filiado a nenhum partido e, portanto, impedido de disputar cargos eletivos.
Contrariamente a essa restrição contida no artigo 366 do Código Eleitoral brasileiro, o Constituinte originário de 1988 teve como função primordial estabelecer no país o estado democrático de direito e uma democracia participativa.
O objetivo deste artigo é promover o debate acerca do resgate da cidadania dos servidores da Justiça Eleitoral brasileira de modo a demonstrar que o artigo 366 do Código Eleitoral, além de não ter sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, foi revogado tacitamente pela Lei nº 8.112/90.
II – Conflito aparente de normas
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, dispõe que a cidadania é fundamento da República Federativa do Brasil. Isso significa que todo o texto constitucional deve ser sempre interpretado à luz desse fundamento.
As condições de elegibilidade estão previstas no artigo 14 da Constituição Federal, senão vejamos:
“art. 14 (…)
§ 3º – São condições de elegibilidade, na forma da lei:
I) nacionalidade brasileira;
II) pleno gozo dos direitos políticos;
III) alistamento eleitoral;
IV) domicílio eleitoral na circunscrição;
V) filiação partidária; e
VI) ter a idade mínima exigida.”
Já o artigo 15 da Constituição Federal veda a cassação dos direitos políticos, assim como estipula os casos de sua perda ou suspensão, in verbis.
“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II – incapacidade civil absoluta;
III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;
V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.”
Infere-se dessa forma que, se a perda de direitos políticos é possível somente nos casos expressos no artigo 15 da Lei Maior e se não pode haver emenda constitucional tendente a abolir os direitos políticos – cláusula pétrea, qualquer outra interpretação será inconstitucional.
Equivocada pois, é a interpretação do Tribunal Superior Eleitoral do artigo 366 do Código Eleitoral, onde aplica a mesma penalidade às condutas diversas de simples filiação e atividade partidária propriamente dita, senão vejamos:
“Art. 366. Os funcionários de qualquer órgão da Justiça Eleitoral não poderão pertencer a diretório de partido político ou exercer qualquer atividade partidária, sob pena de demissão.” Grifo nosso
Existe ainda, um conflito entre o disposto do art. 132, veiculado na Lei n° 8.112/90, de caráter geral, e a norma enunciada no art. 366 do Código Eleitoral, de natureza especial. Em regra, norma geral posterior não revoga lei especial anterior, salvo nas hipóteses em que há oposição frontal entre elas. Nesse caso, prevalecerá a norma geral. É o caso.
A História recente do Brasil demonstra que o Código Eleitoral de 1965 foi influenciado intensamente pelo Regime iniciado em 1964. Naquele período, o governo militar exerceu controle absoluto sobre o exercício da cidadania e atentou violentamente contra a democracia, e contra os direitos e liberdades individuais, daí porque a necessidade do resgate da plena cidadania aos servidores da Justiça Eleitoral.
É notório que a Carta da República de 1988 não recepcionou o artigo 366 do Código Eleitoral, vez que esse dispositivo retira direitos políticos dos servidores da Justiça Eleitoral, impondo-lhes condição de desigualdade em relação a outros cidadãos, vez que possuem capacidade eleitoral ativa, mas não possuem a capacidade eleitoral passiva.
Neste sentido, leciona JOSÉ AFONSO DA SILVA[1]:
“A igualdade do direito de ser votado constitui outro aspecto do princípio da igualdade do sufrágio. Caracteriza a desigualdade do direito da elegibilidade o fato de criarem-se condições discriminatórias para que alguém possa ser eleito a determinado cargo eletivo. Em princípio, pois, todo eleitor deverá ser elegível para cumprimento de mandatos, nas mesmas condições.”
Ademais, o artigo 38 da Lei Maior favorece a militância, as candidaturas e o exercício de cargos políticos pelos servidores públicos em geral.
É importante lembrar que carreiras similares em outras esferas do Poder Judiciário não têm esse tipo de restrição. Fere-se dessa forma, também, o princípio da isonomia – cláusula pétrea insculpida no caput do art. 5º da Constituição Federal.
A restrição contida no artigo 366 da Lei n° 4.737/65, além de afrontar o princípio da igualdade agride, também, o interesse público. Este pauta-se pelo princípio da isonomia que garante a abolição de quaisquer privilégios, e promove a garantia formal da igualdade de oportunidade de acesso de todos aos cargos e funções públicas.
O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é princípio geral de Direito. Portanto, os direitos políticos existem para servir à coletividade. Representar o povo é, em última análise, uma forma de garantia do bem-estar comum e do interesse público.
Neste passo, ensina CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO [2]:
“(…) a Administração Pública está, por lei, adstrita ao cumprimento de certas finalidades, sendo-lhe obrigatório objetivá-las para colimar interesse de outrem: o da coletividade. É em nome do interesse público – o do corpo social – que tem de agir, fazendo-o na conformidade da intentio legis. Portanto, exerce “função”, instituto – como visto – que se traduz na idéia de indeclinável atrelamento a um fim preestabelecido e que deve ser atendido para o benefício de um terceiro.”
Corroborando com tudo que já foi dito, o artigo 37 da Lei Maior explicita os princípios que regem a administração pública, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Todos esses princípios são atrelados ao princípio do interesse público.
III – Confiabilidade do Sistema Eletrônico de Votação
O Brasil hoje é referência mundial no processo eletrônico de votação. Vejamos como se deu o processo[3]:
A Lei nº 6.996/82 dispôs sobre a utilização do processamento eletrônico de dados nos serviços eleitorais. A Lei nº 7.444/85 tratou da implantação do processamento eletrônico de dados no alistamento eleitoral e da revisão do eleitorado. Contudo, a Urna Eletrônica somente foi introduzida nas Eleições de 1996. Em 2002 tivemos a primeira eleição totalmente informatizada.
Não obstante, posição absolutamente retrógrada tramita no Senado Federal. Trata-se do PLC 141/09, já aprovado na Câmara dos Deputados que prevê o retorno da impressão do voto a partir das eleições de 2014.
Não é de hoje a preocupação com a lisura do processo eleitoral brasileiro.
Um dos maiores críticos do Sistema Eletrônico de Votação, Amilcar Brunazo Filho[4], afirma que “Não deu para ver nem 1%”[5] do pacote que tem mais de 500 programas e cerca de mil arquivos, nas Eleições de 2002.
Preocupado em garantir a confiabilidade das urnas eletrônicas utilizadas nas eleições de 2002, após a violação do painel eletrônico do Senado, o Ministro Nelson Jobim[6] solicitou um laudo da Unicamp sobre eventuais vulnerabilidades no sistema adotado pelo TSE.
Essa é a conclusão da Unicamp:
“Relatório UNICAMP(…)
Conclusões – Avaliação do Sistema Informatizado de Eleições (relatório UNICAMP) – maio/2002
O sistema eletrônico de votação implantado no Brasil a partir de 1996 é um sistema robusto, seguro e confiável atendendo todos os requisitos do sistema eleitoral brasileiro. (…)”. Grifo nosso
Por medida de segurança, o Tribunal Superior Eleitoral permite que os partidos fiscalizem os softwares utilizados nas Urnas Eletrônicas e, visando a confiabilidade do sistema eletrônico de votação, a Justiça Eleitoral ainda realiza no dia do pleito a Votação paralela.
IV – Solução para a problemática
Se por um lado, o servidor da Justiça Eleitoral deve se orgulhar de servir a essa nobre Justiça especializada, por outro, deve se sentir tolhido na sua cidadania, a não ter o direito de ser candidato a cargos eletivos por um dispositivo do Código Eleitoral que não foi recepcionado nem pela Lei 8.112/90, nem pela Constituição Federal de 1988.
Não temos qualquer intenção de “inventar a roda”, mas a solução para essa problemática depende de vontade política e passa por uma pequena alteração no artigo 366 da Lei nº 4.737/65 – Código Eleitoral Brasileiro, via Projeto de Lei, que poderá ser apresentado por qualquer Membro do Congresso Nacional, com a seguinte redação:
“Art. 366. É vedado aos servidores de qualquer órgão da Justiça Eleitoral pertencer a diretório de partido político, permitida a filiação partidária.”
V- Conclusão
Consoante o disposto no Código Eleitoral brasileiro, os servidores da Justiça Eleitoral são proibidos de exercer qualquer atividade partidária, sob pena de demissão. A vedação, contida no artigo 366 do Código Eleitoral, implica perda dos direitos políticos enquanto durar o vínculo do cidadão-servidor com a Justiça Eleitoral, por impossibilidade de preenchimento de uma das condições de elegibilidade, qual seja, a de filiação partidária.
Asseveramos que todo processo de votação no Brasil se dá de maneira completamente informatizada, sendo todo o procedimento amplamente auditável, o que torna praticamente impossível a violação do voto do eleitor, de forma que, definitivamente, os servidores da Justiça Eleitoral não têm como influenciar de forma alguma no resultado ou na lisura do pleito eleitoral.
Demonstramos que o artigo 366 do Código Eleitoral brasileiro foi revogado, tacitamente pela Lei nº 8.112/90. Ademais, o referido artigo, não foi recepcionado pela Carta da República de 1988.
A Constituição Cidadã, assim foi batizada pelo Deputado Ulysses Guimarães. Publicada em 5 de Outubro de 1988, está prestes a completar 21 anos. Com ela, as Instituições da República se fortaleceram, por conseguinte, o direito acompanhou tais mudanças por ser dinâmico, daí porque urge a necessidade de adequar esse ultrapassado dispositivo do Código Eleitoral brasileiro à nova realidade.
Graduado em História pelo UniCEUB – Centro Universitário de Brasília, acadêmico de Direito na Faculdade Processus, Brasília-DF, foi Chefe de Gabinete de Ministro do Supremo Tribunal Federal, Assessor da Presidência do Supremo Tribunal Federal e Secretário Parlamentar na Câmara dos Deputados. Atualmente é Técnico Judiciário do Tribunal Superior Eleitoral, cedido ao Supremo Tribunal Federal.
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